Não posso repetir aqui sobre que bases assentou o problema, coisa já feita em outra parte 26 . Naquela obra desenvolveram-se teorias que atribuem exato valor ao conceito de subconsciente. Resumamos. A psique humana é um organismo em contínuo crescimento (expansão) por descida na profundidade, mediante estratificações, das sínteses das experiências da vida, as quais gravitam para o interior. Essa assimilação contínua, operada em zona de livre arbítrio, se fixa no determinismo das equilíbrios estabilizados na trajetória do destino. O subconsciente é precisamente a zona dos instintos formados, das idéias inatas, dos automatismos criados pela repetição habitual da vida. A lei do meio mínimo27 limita o esforço consciente só no campo ativo da construção nova. O resto, o que foi vivido e constitui síntese completa, vai jazer em repouso (inconsciência) nos estratos do subconsciente, de que tantas qualidades e instintos nossos emergem como produtos completos, cujos termos determinantes nos escapam. A consciência de superfície é, pois, um tentáculo ativo, consciente, porque em fase de trabalho; o subconsciente é um imenso repositório de reservas, de produtos estáveis e fixados depois do período de formação consciente.
Ora, aqui começa a confusão terrível dos psicólogos, quando eles julgam este subconsciente a fonte da inspiração, a sede da intuição, o germe da criação intelectual do gênio. Mas, há uma terceira zona que chamo de superconsciente, a qual, por estar igualmente fora da consciência normal, foi confundida com o subconsciente. E entre os dois há a diferença do dia para a noite. Se o subconsciente pertence ao passado, o superconsciente pertence ao futuro; o primeiro aprofunda-se nos estratos involutivos dos antecedentes biológicos, o segundo emerge nos planos evolutivos dos superamentos espirituais. Estamos nos antípodas. Neste volume, falando de mais altos níveis de consciência, que da razão ascendem à intuição e à visão do êxtase místico, temo-nos movido e avançado sempre e exclusivamente no campo de superconsciência, subindo precisamente ao longo das fases de uma realização sua cada vez mais intensa.
Em todo esse caminho, a consciência é pois, uma pequena zona de luz que, partindo da primeira emersão do psiquismo oriundo das formas dinâmicas, prossegue através da fase biológica e se aventura agora na fase psíquica e no seu superamento na fase hiperpsíquica, em que a consciência se encaminha para tomar-se consciente em dimensões hoje super-racionais para a média normal imersa nas trevas do inconcebível. A consciência racional é um pequeno vagalume, um risco iluminado, porque de trabalho e criação, que se desloca ao longo desse extraordinário trajeto, cujo princípio é abandonado em baixo e cujo fim se perde no alto, além de toda nossa medida. Assim, o subconsciente, conquanto invisível, porque não emerge à luz da consciência, contém as bases do edifício e representa os fundamentos que o sustentam. Embora não apareça no pormenor, ele sobrevive ainda assim completamente como síntese e como tal é suscetível de ser investigado. Se o subconsciente é superado e esquecido, como labor construtivo consciente, todavia nós o possuímos íntegro como resultado: é aquele instinto tão rico de misteriosa sabedoria, que rege tantas ações nossas e é tanto mais sólido quanto mais profundamente radicado nos estratos da evolução biológica.
Do outro lado, como um pressentimento, lampeja em jatos o superconsciente. Ora, o gênio se inspira nesse pressentimento e não no subconsciente que contém somente os fundamentos do edifício, e não a sua elevação; o gênio cria só como antecipação de evolução, qual tentáculo lançado no futuro e não por reminiscência de um passado inferior. Nele, a zona de consciência deslocou-se para além do normal, aos planos mais altos da evolução. Nas profundezas do subconsciente se pescará o passado involvido, nunca o futuro superevolvido, que chega. Assim, o eu se desloca do subconsciente ao superconsciente, através da fase presente, chamada consciente. Esta é zona lúcida de consciência racional. O resto nos escapa sob formas de consciências veladas, intermitentes, inimagináveis. Mas, o resto é o nosso maior eu da eternidade, que está para lá do nascimento e da morte e com o qual o ser se identifica, reencontrando-se todo a si mesmo e, então, não conhece mais fim.
Ora, se esta zona não-consciente é aquela que nos põe em comunicação com a realidade, na intuição, e com a Divindade, nos estadas místicos, é para horrorizar-se quando se ouve dizer que a graça de Deus se manifesta no homem através do subconsciente ou que o homem, para alcançá-la, se transfira ao subconsciente. Mas, a graça é fenômeno evolutivo, não involutivo, de superconsciência e não de subconsciência. A graça é uma elevação ao superconsciente; é através deste que ela se dirige ao homem, e a esse plano que o convida a transferir-se. Por aí se vê como quem não sabe superar a dimensão racional permanecerá impotente em face de tais concepções e tateará constantemente na treva. Só uma tão completa cegueira pode fazer confundir, na mesma forma de não-consciência, dois extremos opostos: o subconsciente e o superconsciente. A concepção nebulosa dos psicólogos modernos apenas tem vislumbrado esta zona de mistério e, sem sondá-la, a ela tem relegado todo o indecifrável do fenômeno psicológico. Ao invés de tentar, pelo menos, uma explicação para o fenômeno, ela se contentou com batizá-lo com uma palavra: neurose. Maravilhoso modo de explicar! Cunha-se uma palavra de origem grega e, com isso, julga-se tudo explicado. E, todavia, a neurose continua sendo para a própria ciência, nos domínios da anatomia patológica, um enigma; fora desses domínios, mais no alto, a ciência é, por método e premissas, incompetente. Certas realidades mais vastas serão eternamente negadas, por que incompreensíveis, se não se sair do campo circunscrito por tal método e por tais premissas.
Resumo, pois, o quadro da estrutura da consciência humana. Ela se divide em duas partes: o consciente e o inconsciente. O primeiro é a consciência conhecida, normal, racional, prática, que todos distinguem. O segundo se compõe de duas zonas: o subconsciente, que pertence ao passado, e o superconsciente, que pertence ao futuro. Seus extremos se perdem no infinito graduar-se da ascensão evolutiva; mas eles se aproximam num ponto que continuamente se desloca do sub ao superconsciente, mas que é sempre o centro consciente em que o mar do inconsciente aflora à superfície da sensação, como da ação construtiva. O subconsciente contém e resume todo o passado e o leva até o limiar da consciência; o superconsciente contém, no estado de embrião, todo o futuro que está em expectativa de desenvolvimento. Segundo o próprio grau de evolução e maturidade, as várias consciências estão diversamente situadas ao longo desta linha, sobre a qual podemos desenha-las como uma zona em marcha. Observemos a figura 3.
Querendo figurar o desenvolver-se do fenômeno de evolução da consciência sobre uma faixa, isolemos na figura, por comodidade de observação, um trecho do percurso e isso para três tipos de consciências diversamente desenvolvidas: a, b, c. A zona de luz exprime, em sua extensão, a zona de consciência; a zona negra exprime a zona de não-consciência, ou o inconsciente. Este se estende por dois lados: à esquerda, temos o subconsciente, à direita, o superconsciente. Sempre esfumando nessas duas zonas de treva, a zona consciente avança do sub ao superconsciente, segundo o progressivo grau de evolução das consciências a, b, c etc. Uma vez superados, os instintos são gradativamente abandonados fora da consciência, na zona de treva do subconsciente, à medida que a consciência conquista com o seu labor (a vida) o superconsciente e o faz desabrochar em sua luz. Isso pode ser comparado ao caminho do caruncho na madeira. Ele (a consciência) avança (evolução) perfurando incessantemente, através da madeira, um canal de cujos produtos (esforço de vida, assimilação de provas, criação de novos instintos) ele se apropria e se nutre, assimilando-os, ao mesmo tempo que conquista novo espaço que torna seu (o superconsciente), enquanto abandona o velho (subconsciente), no qual deixa os excrementos (instintos superados) de sua vida e de seu trabalho.
Se quiséssemos ser mais precisos, intentando reduzir a termos de espaço o que não é espacial, deveríamos dizer que das duas não-consciências, consideradas em relação com a consciência lúcida de superfície, a superconsciência se estende em profundidade, nas zonas interiores, avança para Deus e tende para a unificação com o todo, a que se chega pois, por introspecção. A subconsciência, ao contrário, estende-se em direção oposta, não sob, mas para o exterior da superfície, é filha das experiências do mundo exterior e nele é abandonada. O eu avança entre duas zonas igualmente não lúcidas, mas sua progressão é para o interior, sua evolução o afasta do subconsciente e o leva para o superconsciente. Valores opostos: o primeiro é um resíduo, o segundo, uma conquista; o primeiro é uma zona inferior, de que nos distanciamos, e uma escória que abandonamos; o segundo é uma zona superior, de que nos aproximamos, não contém os remanescentes da vida, ainda que no momento sejam necessários, mas o futuro da vida. A passagem do subconsciente ao superconsciente é uma expansão para o interior, se assim podemos expressar-nos, uma expansão em profundidade, em que o ser, aprofundando-se para o centro, se eleva aos planos mais altos que lhe são a aproximação. Nesse caminho, o eu é como um núcleo que se enriquece, dilatando por estratificações suas potencialidades, através das experiências da vida, que são exatamente o agente revelador daquele mistério íntimo em cuja profundeza está Deus (manifestação). Assim, esse mistério é continuamente exteriorizado naquele plano de consciência lúcida que, como se vê, e uma consciência de trabalho e de transição, em marcha do subconsciente ao superconsciente, cuja posição é portanto relativa, assaz diversa de indivíduo para indivíduo, segundo sua história e sua maturidade evolutiva.
Somente em tal enquadramento de conceitos é possível entender o superconsciente, fixar-lhe os limites, o conteúdo, a função. Só assim se pode orientar e definir o fenômeno místico, como naturalmente situado nas superiores zonas do superconsciente. Não se resolve o problema com o mutilá-lo ou negá-lo, de vez que ele é um majestoso fato histórico, responde a um sentimento religioso universal e fundamental, a uma função eterna do espírito humano e, como experiência para quem a alcança, é um fato objetivo indiscutível. Se a forma mental moderna é o que de mais inadequado pode haver para chegar a tais fenômenos, isso nada lhes pode tirar à realidade e à importância. É logicamente absurdo, até para os racionais, que um consenso tão vasto e um tipo de experiência tão unânime qual o é a mística, que repercute de uma a outra extremidade da terra e dos tempos, repouse sobre o erro e a impostura. O fenômeno místico é, ao contrário, o mais imponente fenômeno da vida humana, porque ele assinala uma reaproximação daquela Divindade que, como centro espiritual do universo, é meta de toda existência, convergência de todas as forças, de todos os movimentos, tendência suprema da evolução.
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26 - V. nota 4, no final do capítulo precedente. (N. do A.)
27 - Sobre essa lei ou principio do meio mínimo, veja A Grande Síntese, cap. XL - "Aspectos Menores da Lei". (N. do T.)