Do longínquo passado de minha involução, pelo oceano infinito do tempo, uma onda desprendeu-se, veio ao meu encontro, envolvendo-me ameaçadora. Agrediu-me e me submergiu.

Era uma força real, um impulso por mim uma vez enxertado no meu destino, emergindo do meu passado, da animalidade ainda não vencida.

Senhor, não soube nem quis vencer as forças do mal.

O    meu coração, que era Teu, eu o atirei ao mar. E então a onda me engoliu e me aprofundei no abismo.

O archote de meu amor apagou-se. As águas negras me envolveram; as ondas se amontoaram sobre minha cabeça; a desolação me penetrou até o fundo da alma.

O sorvedouro imenso me apanhou, envolveu-me e eu fui mergulhado até às raízes das montanhas.

As algas se enroscaram em torno de mim, fecharam minha boca, impediram-me de respirar e o mar, sobre mim, tornou a fechar-se para sempre.

Da profundeza do abismo a minha voz não pode mais chegar até meu Senhor. Estou petrificado de horror. Meu desespero e sem esperança. Minha ai ma se desfaz

Que horrível não poder mais dizer: “Senhor. Senhor!”

Mas, eu o mereci. Ele deve punir-me. Sinto apenas a justiça, não mais o amor. Morro porque não posso mais vê-lo. Entre mim e Deus há um abismo que não sei mais superar.

Já não sei orar, não ouso invocá-Lo Aqui estou, só, nas profundezas do meu inferno.

Onde está o meu Senhor? Procuro-o, mas estou cego e nem o saberia mais ver. Estou surdo, não o saberia ouvir. Estou mudo, despedaçou-se a lira do meu canto. Estou morto, no entanto, estou vivo e gostaria de poder morrer.

Conheci Deus e perdi-O. A minha alma é um estrondo de desespero.

Inferno, inferno, aniquila-me em tuas espirais, destrói minha alma, para que tenha fim o meu desespero.