Posta em frente a essa psicologia, a mentalidade moderna não compreende. Contenta-se em tirar vantagens das suas conseqüências utilitárias, inteiramente imersa no eterno jogo da ambição. Despreza quem se recolhe à  solidão e o define como ocioso e misantropo; só admite o trabalho quando rumoroso, porque só compreende o que lhe fere os ouvidos. Aquela solidão, entretanto, parece vazia e encerra uma terrível atividade interior. O místico mantém outras relações vitais, e se foge, por momentos, ao contato humano, é para nutrir-se no contato divino. O centro das suas atrações está colocado além da atmosfera terrestre, sua alma não ama a vida, senão enquanto ela representa uma missão de bem e uma prova para levá-lo a Deus. Para onde quer que o seu olhar se volte, não procura e não ama outra coisa, senão a Deus. Ele o sente identificado na sua própria essência, presente e ativo no mais íntimo de si mesmo. Todas as imagens caíram. Só Deus permanece, tonante voz interior, no silêncio exterior das coisas. A alma do mundo é vazia e se projeta ao exterior, para cobrir o seu vácuo horrendo; a alma do místico é plena e ama a solidão, que lhe permite projetar-se ao interior e sentir a própria plenitude. Ele não precisa aturdir os sentidos para esquivar-se à  própria desolação; não teme, como o mundo, os silêncios em que a alma se manifesta. A realidade da vida está nesse recato em que a palavra cessa. Só quando atingimos a profundidade daqueles silêncios, a realidade levanta a fronte e nos encara. A grande claridade se encontra no fundo, além da mais densa treva.

O plano de vida do místico está colocado muito acima da terra. Ele também sofre e goza, teme e espera, lamenta-se e canta e ama, mas tudo isso se passa em outro nível de consciência, através de formas, reações e repercussões diferentes. A orientação conceptual e sensória, a maneira de ver as suas relações com os fenômenos, são completamente diversas. Ele capta, num todo, uma nova ordem de ressonâncias. Conquistou um novo sentido, o sentido místico, que é o sentido da harmonização com o universo. As suas vias são outras. O homem atual avança pelas vias do trabalho, do domínio sobre o mundo, e quer destruir a dor pelo exterior. É a via longa da evolução, que vence os obstáculos, doma as resistências, mas prende o espírito. O místico segue o caminho curto, avança pelas vias da concentração, do domínio de si mesmo, e destrói a dor no íntimo, não aniquilando-lhe as causas, mas superando-as, com uma diferente sensibilidade. Ele não toca e não modela o exterior, mas liberta o espírito, supera tudo, porque se eleva sobre a terra.

Essas duas psicologias são contrárias, e não há possibilidade de se comunicarem. Por isso mesmo me objetarão a não-aplicabilidade de tudo isto, justificando-se a indiferença por certos problemas que “não servem para nada”. E então se quererá relegar para o patológico e atirar aos ângulos esquecidos da História certos fenômenos. Não obstante, o problema psicológico é sempre o mais angustiante, e o mistério da personalidade humana é o mais tormentoso enigma. Este é, portanto, o estudo mais moderno, mais profundo, mais original que se possa fazer. A fé nos fala com palavras poderosas, mas vagas, e a ciência apenas balbucia; quando é honesta, confessa a sua ignorância. Contudo, na consciência estão as mais profundas realidades e as mais vastas possibilidades da vida. Ainda não se sabe nada. E, entretanto, a consciência já é o germe de todos os desenvolvimentos. Se qualquer coisa nasce no mundo exterior, em qualquer dos seus campos, desponta sempre daquele mistério interior. Se o divino desce sobre a terra, é por meio daquele trâmite.

O problema é, pois, palpitante, atual, e também prático. Não se pode esquecer ou abstrair aquilo que não se vê e não se toca, porque justamente ali se encontram a causa e a origem das coisas. E cada um de nós traz em si essa unidade que se chama eu, essa síntese que se chama consciência. Esta é o que de mais vivo temos em nós, e tão vasta é que não lhe conhecemos os limites. Vemo-la abismar-se em camadas profundas, que não sabemos e não ousamos sondar. Ela evolve e se transforma continuamente em nós, mas está sempre presente. Não a vemos, e no entanto as nossas mais íntimas sensações e emoções, a alegria e a dor, estão nela e não no exterior; a nossa parte mais vital e importante se encontra nesse imponderável. Esse centro estabelece contatos com tudo o que o cerca, e apesar disso permanece sempre distinto, gigantesco e indestrutível.

O homem moderno, que compreendeu as leis mecânicas de tantos fenômenos, zombando assim de tantos terrores, acredita com isso ter destruído o mistério e resolvido o enigma da vida. E num simplismo primário, não vê que o mistério é infinito e nada mais fez do que ampliar os seus limites. Não vê que no mundo sutil do espírito se encontram leis grandiosas e reações tremendas. Por isso, quem tocou e viu, se revolta quando a inconsciência nega e sorri. Por isso me esforço sem tréguas para fazer que se veja e saiba. Nestas questões elevadas e distantes, "que não servem para nada", agita-se  o problema das civilizações futuras. Nestas pugnas, não escritas, por certo, para exercício retórico, agita-se uma vida muito mais intensa, movem-se forças titânicas, tomba a semente de novas orientações, que amanhã conquistarão valores imensos.

O espírito humano deve, por irresistível e fatal impulso de evolução, projetar-se além das barreiras que hoje o limitam, além das dimensões do seu atual concebível. Tem-se o dever de arrancá-lo da sua ordem de vibrações voltadas para a terra, e projetá-lo, com toda a sua potencialidade, nesta outra ordem de vibrações, que querem subir, superar e romper os espaços, para a fusão com o ritmo cósmico.