Sou de parecer que, em certos momentos críticos, o progresso da ciência alcança a maturação enfrentando problemas que podem ser facilmente resolvidos pelos métodos experimentais ou pela observação, outros carecendo de diferentes processos para a sua solução.

Fatos se nos deparam que não se podem explicar quando somente a sua aparência superficial for analisada.

Para atingirmos a profundeza das coisas devemos empregar a alma como instrumento de pesquisa, ou melhor, substituirmos o pensamento e a razão pela intuição, como meio analítico.

Uma das formas substanciais desse método é caracterizada pela mediunidade.

Acredito que a mediunidade é fruto de um desenvolvimento natural, que o cérebro humano alcance na sua evolução. A vida, sem dúvida, atinge paulatinamente formas mais grandiosas, visando cada vez mais à perfeição. O homem do futuro tornar-se-á extremamente sensível e será normalmente um médium com outros e mais apurados sentidos, os quais lhe traçarão nova e poderosa diretriz de pesquisa, com a qual, sozinho, poderá fazer grandiosas descobertas, utilizando-se de uma direta aptidão investigadora do espírito, afastada e independente dos órgãos dos sentidos.

As pessoas que alcançaram este alto nível de desenvolvimento, vêem, ouvem, sentem, enfim atingem o seu ser interior verdadeiro, o que não é possível aos portadores de sentidos normais. A recepção de altas revelações independe completamente dos sentidos


Alguns acontecimentos desta espécie foram considerados neurose ou neurastenia e tidos como casos patológicos; na maioria das vezes, somente se apresentaram como revelações individuais, e definiram a constituição de um novo tipo de ser humano.

A mediunidade é, no meu parecer, uma assimilação da verdade bem recebida e altamente desenvolvida por seres psíquicos, dotados de novas características sensitivas.

Sou de parecer que isto abrange um desenvolvimento natural e que, com o correr dos tempos, os demais seres lá chegarão porque este fenômeno se realiza de um modo geral. A humanidade deve alcançar a alta maturação transpondo, um por um, os degraus da preparação através das provas, as quais são absolutamente necessárias para tal fim.

Concebi esta teoria pelo estudo e pela auto-observação durante um penoso trabalho de mais de vinte anos.

Estou, presentemente, com 46 anos. Aos vinte e dois anos recebi meu diploma de advogado na Universidade de Roma e com insaciável sede de instrução comecei a aprofundar-me desorganizadamente em todos os ramos do conhecimento humano. Quando concentrei meus esforços no sentido de produzir uma grande síntese, enfeixamento dos conhecimentos adquiridos, senti que tudo isto nada representava se eu não vivesse numa nova criação que me elevasse à positividade.

Esta nova criação deveria ser caracterizada por um desenvolvimento espiritual. Senti ao mesmo tempo a falta deste novo tipo humano, que já previra, e no qual eu devia me transformar para provar a minha teoria no campo da prática. Observei que este desenvolvimento se realizava em todo o lugar, na ciência, na religião, na filosofia, na medicina etc., e que a evolução é a grande lei da vida.

Eu havia escrito bastante e queria, agora, realizar experimentações e provas, para verificar a veracidade da teoria. Observei, então, que a mediunidade se encontra no fim de uma contínua purificação da alma e no desenvolvimento do meu ser intrínseco, como natural e necessário produto desta conduta.

Precisei admiti-lo como todo ser humano tem que admitir o seu destino. Neste caminho, transformei-me num homem totalmente novo. O meu procedimento evolutivo era para a Ciência um enigma e eu não poderia encontrar nela nenhum auxílio. Infortunadamente, isto representa um dos erros da Ciência moderna, porquanto não reconhece a grande significação da moral como fator predominante. Trabalho, agora, numa autopurificação progressiva e faço as experiências geralmente no laboratório das percepções humanas. Os meus instrumentos foram o mal e o bem, a alegria e o sofrimento, e, no decorrer dos acontecimentos do meu destino, que também possui a sua lei, descobri, ao invés de uma lei insignificante, as grandes leis da existência.

Comecei a aprofundar-me sempre mais e surpreendi-me ao descortinar esse novo mundo de vida intensa, forte, estranha e de infinitas possibilidades. Para evoluir nesta vida precisei despojar-me das alegrias da minha vida anterior. Ao término desse desenvolvimento auto-imposto, descortinei, no Natal de 1931, o primeiro degrau de acesso a um objetivo cujo fim é uma mediunidade experimental maravilhosa.

Minha mediunidade é dupla, visual e auditiva. Ouvia uma voz em mim, inicialmente de mensagens natalinas, e, posteriormente, de mensagens de Páscoa, as quais eram elevadas e repletas de bons ensinos e pensamentos.

Tentarei a seguir descrever-lhes os meus descobrimentos. Ao contrário daqueles que só gostam de fazer observações superficiais e nos outros, possuo a vantagem da minha própria experiência e da observação interior de mim mesmo.

Não sou sujeito a aparições físico-mediúnicas. Senti que não as poderia suportar, pois eram demais violentas para mim. Não caio totalmente em transe. Vejo os pensamentos (geralmente abstratos) que escrevo, claramente, como vão sendo registrados. Eu os vejo como se fora numa despreocupada leitura, sem coação.

Enquanto os vejo, não reconheço neles a beleza, a ordem e o sentido, nem o significado ou o objetivo da mensagem visual. Não me preocupo com isso, todavia, e aguardo o desenrolar até o fim. Sou somente um assistente passivo e inconsciente.

Logo que volto perfeitamente a mim mesmo, vejo ainda estes pensamentos como se fossem vistos por olhos internos e profundos. No entanto, isto não é algo visual ou propriamente uma visão. É uma voz que eu vejo, é uma imagem que eu posso ouvir. É um sentido do pensamento dentro do meu ser; não são idéias relembradas ou assuntos já discutidos. E isto independe do idioma.

Sinto intimamente que isto não é do conhecimento diário da vida. Fico completamente ausente, sem qualquer impressão do ambiente humano em que vivo, podendo, porém, retornar a qualquer momento ao estado anterior. Apesar de estar desacordado, não me acho precisamente inconsciente do mundo externo, o qual distingo, embaçadamente, a distância.

Obedeço a uma espécie de comando íntimo que me obriga a escrever, sem nenhum preparo prévio, acompanhando-o numa espécie de estado febril sem fazer alterações ou interrupções.


Quando a comunicação termina, repouso e leio mais tarde aquilo que escrevi. Só então compreendo o inteiro significado da comunicação e acho tudo fácil, agradável, e sem necessidade de correção alguma, entendo os pensamentos que me são completamente novos e que nunca foram do meu conhecimento. Toda a operação se efetua por si, sem a minha interferência e sem o meu controle; como se trocasse a minha personalidade. Meus sentidos, ao iniciar o estado mediúnico, ficam como se o centro da sensibilidade se tivesse voltado completamente para esse meio de pesquisa. Esse novo centro situa-se nas profundezas do meu íntimo e os seus sentidos são incomensuravelmente grandes e sinteticamente reunidos Esta minha personalidade interna é independente do espaço e do tempo. Experimentei perscrutar campos mais longínquos e descortinei os acontecimentos que viriam depois. Ouço essa voz, como se fora outra personalidade, que me é agradavelmente familiar, que me proporciona conselhos úteis e protege-me inúmeras vezes do perigo como se fora um amigo vivo e inseparável.

Apesar dessa espécie de amizade, concordamos, de vez em quando, em nos separar.

Vejo, também, ao meu redor, outros seres que não são notados pelos meus semelhantes. A minha mediunidade cresce continuamente em estreita ligação com os conhecimentos adquiridos e com a moral da minha personalidade. Isto é notável, e a Ciência nunca levou em consideração o valor moral como fator decisivo para qualquer revelação espiritual. Esta correlação é de tal forma forte que um lapso moral me traria a perda irremediável da mediunidade.

A minha condição de médium é, no meu parecer, o último degrau de um aspirado descobrimento espiritual e moral, porquanto encontrei um entrelaçamento entre esta nova sensibilidade e a prática de uma vida limpa e virtuosa, mostrando-me a exigência absoluta da reciprocidade entre o ser espiritual que fala e o médium que registra as vibrações psíquicas que lhe são enviadas. Quanto mais eticamente alto for o transmitente, tanto mais pura deve ser a vida do médium. As ondas transmitidas devem ser da mesma espécie daquelas ondas recebidas pelo receptador.

Eu, como ser humano, me preocupo, com grande paixão, em acompanhar os altos seres espirituais nos seus ideais. A minha personalidade humana compreende a entidade por intermédio da inteligência. Na abstração dos sentidos, geralmente, uma personalidade mais alta se apossa de mim e assim vejo e reconheço diretamente o ser noutro ponto de vista.

Possuo, na maioria das vezes, dois pensamentos em mim: um inferior, o comum, humano; e, outro, elevado, que transporta para nova vida de surpreendentes experiências. A alta personalidade vê geralmente o íntimo do ser.

As minhas melhores manifestações não foram realizadas nas salas de visitas, onde se reúnem pessoas fúteis para palestrar, mas sim nos hospitais, onde o sofrimento purifica a alma humana e torna-a capaz de receber o auxílio moral e material da parte dos altos seres espirituais que operam por meu intermédio.

Relatarei oportunamente mais fatos referentes à evolução da minha mediunidade15, deixando aqui apenas estas ligeiras observações.
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15 - No livro As Noúres, escrito quatro anos mais tarde, o Autor desenvolve amplamente este tema. (N. da E.)