A Nova Civilização do Terceiro Milênio

Com as indicações precedentes desenvolvemos os conceitos de A Grande Síntese (cap. 81, “A função da dor”). Agora podemos compreender mais o significado de diversas afirmações, como esta: “A anulação da dor opera-se corajosamente por meio da dor”. Naquele capítulo se traçou o processo de desaparecimento da dor através da evolução, pela qual, do mundo subumano para o humano e sobre-humano, com a transformação do eu, a íntima catarse na personalidade muda também o significado, o valor e a sensação da dor. E muda a tal ponto que no mundo sobre-humano “perde o caráter negativo e maléfico e se transforma em afirmação criadora, em poder de regeneração, em corrida em direção à vida. Canta-se então o hino à redenção: bem aventu-rados os que choram”. Somente agora podemos, como Santa Catarina de Siena, exclamar: “Sofrer ou morrer”.

Assim, enfrentamos e resolvemos o mais controvertido e importante problema da vida, sem condenar quem está em baixo, sem protestar contra a Lei, reconduzindo a dor às causas que são suas, mas estão em nós. Embora verificando o caráter infernal que o ambiente terrestre pode assumir para o involuído, sempre na dor reconhecemos a justiça e a infinita sabedoria de Deus e os equilíbrios da Lei que deixam cada qual no posto merecido, adequando a violência das provas à sensibilidade do indivíduo. O natural terror que o reino humano do involuído pode inspirar aos seres refinados não tira coisa alguma à perfeição do plano divino do universo, à liberdade individual de redimir-se e progredir, ao otimismo do justo, à fé em Deus, aos auxílios por Ele concedidos a quem os merece. Deus continua presente e ativo mesmo em plena desordem do inferno terrestre. Tanto basta ao evoluído sofrer com alegria. Sua dor torna-se ato de reordenamento do caos, de aniquilamento do mal. O evoluído é condenado e expia, mas pode com as próprias mãos criar as condições necessárias para libertar-se e construir a própria felicidade. A ordem sempre está presente na desordem; Deus e Sua Lei não se separam jamais. Isso basta para o evoluído possuir, no mais profundo da alma, aquela harmonia chamada felicidade. Desse modo, a dor vai sendo cada vez mais empurrada para o exterior, para a superfície.

Assim, embora descrevendo o infernal mundo terrestre e sofrendo em meio ao seu estridor e à sua violência, podemos agora esquecer tudo isso ao contemplar placidamente o plano da criação, divino e de suprema beleza. Apenas o entrevimos e já ficamos atônitos em face de tamanha sabedoria, poder, harmonia e bondade. Nossa alma estende as asas e sustenta-se nos céus. Prossigamos, vibrantes de fé, ardendo na mais nobre paixão, temerosos da nossa própria audácia. Com efeito, neste livro em verdade perscrutamos o pensamento de Deus e tentamos entrar em comunhão com ele. Por isso não basta raciocinar, única coisa que segundo parece se faz neste livro. Para estarmos em comunhão com Deus também se torna necessário arder de entusiasmo e orar, sofrer e intuir, desprender-se e amar. Tanta força se emprega para não nos perdermos no infinito, não sermos arrastados no turbilhão, para elevarmo-nos ao mais alto dos céus. Essa contemplação, supremo repouso para as dores desta vida, tira-nos do campo fechado de nosso eu e, sintonizando-nos com as harmonias do universo, faz que elas nos absorvam, neutralizando-nos o separatismo. Que dilatação imensa, que suprema expansão esse dissolver-se no infinito hino da criação!

Estão no mesmo campo de trabalhos, que não se pagam, tanto quem escreve como quem lê, ambos arrastados na esteira do mesmo pensamento que se encontra nas próprias coisas e fala por si mesmo. Desses trabalhos há muitos na vida, e são os mais importantes, apenas compensados por íntima satisfação. Quando quer atingir os seus fins, a Lei põe no instinto humano essa íntima sensação de contentamento. Este trabalho de reduzir o pensamento diretor do universo à forma racional é daqueles que não se pagam nem se podem pagar neste mundo, visto não existir valor terrestre capaz de compensar semelhante esforço. Nisso estamos bem longe dos cálculos da economia humana; estamos nas raízes mesmas da vida, absortos em maravilhosos contatos com a eternidade, em vibrações intensas bem longe da Terra, somos convivas do banquete das harmonias divinas, elevados à condição de servos de Deus, isto é, de colaboradores de Sua Lei, protegidos pelas forças de Sua justiça. Em alguns momentos o inferno terrestre parece bem longe; a dor, desfeita; a redenção, realizada; e a libertação, completa. Por momentos parece haver-se tornado real o sonho de felicidade que o mundo persegue em vão. Quem souber ler nas entrelinhas terá neste livro, por trás da lógica dos argumentos, a sensação de sublimidade e de êxtase, isto é, a sensação das divinas harmonias do universo inteiro, a que estamos a cada passo tentando levar o leitor. Este livro em meio à desordem terrestre pretende ser afirmação de ordem; em meio às dores humanas, foco irradiador de alegria verdadeira porque pura; corrente de vibrações reconstrutoras de bem-estar no sentido mais resolutivo; impulso que, embora mínimo, como dique protetor se contraponha aos rios de dor que o homem de sentimentos caóticos estupidamente despeja sobre si mesmo. Dá-se pressa em condenar, pensando que se distingue dos inferiores e os liquida, classificando-os como involuídos! Para que, senão para civilizar-se, estariam na Terra os mais adiantados? A fase de involução é de cegueira e sofrimento, representa estado inferior que causa e merece imensa piedade. Este livro constitui convite, dirigido a quem não o tenha conseguido ainda, a passar do estado de involuído ao de evoluído; explica a dificuldade e o método dessa passagem; se por este lado resolve racionalmente tantos problemas e diz o que é a vida, doutro lado é convite à felicidade. Explicação e convite. Nada mais. A justiça da Lei exige que toda alegria seja merecida e, por isso, conseguida à custa do esforço de cada um.

Baseando-nos nos conceitos até aqui expostos, olhemos em redor do mundo de nossos tempos, observemos e apliquemos o que acontece. Essa observação não é movida por interesse algum, não deseja atingir nenhum objetivo terrestre e parte de ponto de vista situado acima do plano humano. É, pois, imparcial. Apenas se propõe a expor o funcionamento da Lei, igual para todos, mostrar as consequências lógicas que dos erros decorrem para quem os pratica. Isso tudo, aliás, sem partidarismo e sem censura também. Trata-se de simples verificação dos estados de fato determinados livremente pelo homem e pelas consequências impostas pela férrea logicidade da Lei. Seria presunção julgar. Apenas Deus conhece as capacidades, as medidas e as responsabilidades de cada consciência. Para julgar tornar-se-ia necessário ser inocente e superior. Quem o é na Terra? Julgamento pode emanar apenas de quem está acima de todos e é isento de culpa; isso faz presumir superioridade existente apenas em Deus e na Sua Lei, sempre justa seja qual for o nível evolutivo. Todo ser está sempre no lugar certo e tem sempre o que merece, conforme o que é e faz. A qualificação de involuído não significa condenação. Ele também está no lugar certo, no ambiente apropriado, sujeito a golpes adequados e tem o que merece.

Observemos, pois. O homem com sua conduta demonstra não conhecer os princípios que regem e regulam o funcionamento orgânico do universo; comporta-se como se a Lei não existisse, transgride-a e, sem compreendê-la, so-fre-lhe as reações. Nossa humanidade é jovem, ou seja, primitiva, riquíssima de energia e muito pobre de sabedoria. Essa humanidade precisa caminhar muito ainda e sofrer antes que aprenda a conhecer a Lei e a portar-se de acordo com ela. De vez em quando algum evoluído aparece na Terra, como expiação ou para dar cumprimento a missão; cumprida, porém, a tarefa, apressa-se a retomar o convívio da gente de sua raça. Todos os seres se colocam no lugar certo. Geralmente, ao homem não basta desconhecer a Lei e fugir-lhe; mas faz até o impossível para revoltar-se contra ela e mudá-la, aproveitando para isso a inviolável liberdade de todo ser. Mas o resultado da partida acaba por ser-lhe desfavorável, porque a Lei reage. A terra naturalmente não passa de lugar de dor, não percebida apenas pela insensibilidade dos que há pouco tempo chegaram de mundos mais baixos. Então, naturalmente, também é lugar de desordem, violência, rebelião e ferocidade. Só o evoluído percebe o inferno que este mundo é. Mas ele também está colocado no lugar certo, pois se se encontra cá embaixo é porque merece tal pena. Resta-lhe apenas isso: a expiação e a fuga. Se veio ao mundo para cumprir missão, deve fazê-lo. Os homens deste mundo são de raças muito diferentes. A grande maioria encontra-se no ambiente adequado a seu grau de evolução; é justo e lógico encontrar-se a maioria em ambiente adequado e só a minoria achar-se em lugar que não lhe convém. A minoria, embora notável, mais evoluída, aqui se encontra em caráter de expiação; raríssimos exemplares de raças superiores vêm para cumprir missão. Os destinos, as provas, as alegrias, as dores, os gostos e os modos de apreciar as coisas são, pois, muito diferentes de acordo com a natureza de cada um. Todos nós exercemos função. Prova duríssima coloca os superiores ao lado de inferiores ferozes como demônios; os inferiores são postos ao lado dos superiores para que com eles aprendam a compreender a vida. Embora diferentes, todos colaboram e mutuamente se aperfeiçoam. Porque todos são desiguais, as opiniões variam tanto; contudo, a harmonia se estabelece pela compensação dos contrários mais do que pela semelhança. A realidade da vida é completamente diversa da que aparece exteriormente ao homem comum; e seus verdadeiros problemas, bem diferentes daqueles de que habitualmente falamos.

Nesse ambiente naturalmente o que domina é a exaltação da força ou exaltação da involução, isto é, do tipo biológico humano ainda próximo da animalidade. O que revela o evoluído é método de vida completamente diverso, fundado, ao invés, no equilíbrio da justiça; mas o evoluído hoje constitui minoria que, em silêncio e mergulhada na dor, espera sua oportunidade de vida ativa no mundo. O estudo dos grandes ciclos históricos nos indica como a fase da animalidade, depois que atingiu o apogeu, esteja agora se encerrando na autodestruição, seu termo final, inserida no desenvolvimento lógico do sistema da revolta, do materialismo científico. Desse modo se esgotará o ciclo da atual pseu-do-civilização do involuído e começará o ciclo da nova civilização do evoluído. Quem olhar em torno de si e tiver capacidade de entender, observa o desmoronamento deste mundo e admira a perfeição da Lei que, no tempo certo, executa o que é útil e necessário. A vida, feita de renovamento, necessita dessas destruições. A pseudo-civilização da matéria, fechada no ritmo do tempo que se prepara para encerrar-lhe o ciclo, apressa-se novamente a lançar seus últimos impulsos. Seu dinamismo persegue-a, seu desequilíbrio íntimo atormenta-a; toda a estrutura do sistema de princípios que a regem, a natureza das forças que a põem em movimento, representam concatenação lógica que não pode desenvolver-se senão à custa de aceleramento progressivo e contínuo nem terminal em total aniquilamento. O bólido foi posto em movimento e agora deve percorrer a trajetória que lhe foi determinada desde a abertura do ciclo.
Se olharmos em redor de nós vemos em todas as coisas dominar o desequilíbrio. As vitórias são cada vez mais instáveis; as afirmações, levianas; tudo está confundido num turbilhão de loucura; a riqueza e o poder têm algo de raiva e desespero; todo bem é inseguro e dá-nos, mais do que alegria, o terror de vermo-nos despojados dele. Perdeu-se o senso da harmonia, da calma, da segurança e, por isso, da felicidade. A técnica, mais do que para criar e proteger, serve à morte e à destruição. As manifestações espirituais agonizam. A arte apresenta apenas expressões de bestialidade. Os cantares das mulheres são uivos de fêmea e estão a serviço da atração sexual. Os cânticos dos homens são gritos de revolta e servem ao roubo e à destruição. As maravilhosas descobertas modernas, quando não se constituem instrumento mortífero, concorrem muitas vezes para a multiplicação dessas expressões bestiais. As descobertas químicas reduzem-se quase sempre na agricultura, violentar os ciclos naturais; na medicina, a forçar as defesas orgânicas e impor-lhes efeito imediato que, ao invés de ser salutar como se pensa, não passa de exploração mais rápida do organismo. Envenenamo-nos constantemente com sucedâneos e produtos sintéticos, maravilhas da ciência moderna. O que há em toda parte é revolta e substituição da Lei pelo homem; logo, deve haver em toda parte a respectiva penitência. Imposição e violência em lugar de harmonia e obediência. Parece que a mais angustiosa preocupação da Terra é provocar o nascimento da dor. Se providencial ignorância não a limitasse, a ação humana chegaria a desorganizar o sistema solar.

Esbocemos mais minuciosamente a substância do atual ciclo histórico. Podemos resumi-lo em quatro períodos trifásicos, nos quais se exprime o ritmo de seu desenvolvimento. Cada uma das três fases de cada período se expressa por um verbo, pois todo verbo quer dizer ação e, na vida, o pensamento se exprime concretizado nos fatos. Cada termo deriva de outro; assim, ligam-se ritmicamente em cadeia, por força da relação universal de causa e efeito; o efeito por sua vez se transforma em causa; e o termo final, em termo inicial. Desse modo, toda fase é mãe e filha e, gravitando uma em redor da outra, cada qual amadurece a sua parte e ambas amadurecem o desenvolvimento do fenômeno. Eis os quatro períodos trifásicos do atual ciclo histórico:

“Crescer, conquistar, combater.
Roubar, matar, destruir.
Empobrecer, sofrer, refletir.
Compreender, reconstruir, progredir.”

Esses períodos representam a última fase de nossa pseudo-civilização materialista e sua passagem a outra civilização. O domínio das forças do planeta por meio da ciência e a conquista do bem-estar material, características de nossos dias, levaram-nos à primeira fase do primeiro período. O restante não passa de desenvolvimento em série, lógico e fatal, até que se atinja o termo final. Crescer não é crime nem erro. É a substância da vida e a vontade da Lei. O crime e o erro residem na direção que demos a esse crescimento. Se tivesse sido sábia e consciente, dirigir-se-ia imediatamente ao termo final. Da inconsciência do involuído é que derivou o longo desvio dos quatro fatigantes e dolorosos períodos. Se se tratasse de mundo consciente, o primeiro termo, “crescer”, poderia coincidir com o último, “progredir”, ou, em outras palavras, constituir-se na efetiva conquista de conhecimento e felicidade, precisamente como a Lei deseja ao homem. Esse caminho, todavia, pressupõe aquela sabedoria que é precisamente o resultado do longo percurso em que aquele se transforma para conquistá-la. Em face da liberdade e da inconsciência humanas, não há outro caminho. Esse caminho é gerado por aqueles fatos. A Lei se lhe adapta e permite a experimentação humana a fim de que o homem aprenda. Mas lentamente, através do erro como dissemos, corrige o erro e reconduz as forças à posição devida e desejada, reordenando-as e reconquistando-lhes a concessão. Assim, a Lei através da dor repreende e corrige o homem e leva-o de novo ao caminho certo da verdadeira conquista da felicidade. Desse modo se atinge o verdadeiro objetivo da vida, o de evoluir; assim, a ação atinge sua finalidade principal: “compreender” e “progredir”. O processo evolutivo deveria saber desenrolar-se em direção reta e sem desvios. Bastaria crescer lógica, disciplinada, consciente e harmonicamente, tudo de acordo com a Lei. Mas vimos como o involuído sabe apenas crescer desordenadamente, em oposição à Lei. O que necessitaríamos possuir no momento da partida só conseguimos ao chegar. Mas conseguimos, e isso basta. O objetivo do trajeto consiste precisamente em conquistar novas posições. O homem aí chegará cansado e ofegante, mas bom entendedor, e a Lei não terá sido fraudada. Todas as coisas estão logicamente no lugar certo. A bondade dessa Lei há de triunfar e o homem aproveitará a experiência adquirida para não repetir o mesmo ciclo, mas, ao contrário, ir além.

Que tortuoso e cansativo caminho deve o homem percorrer antes de atingir o objetivo colocado no último período! Tanta dor e destruição para conseguirmos compreender e, em consequência, podermos reconstruir e progredir. Apenas no caso de já termos compreendido é que o objetivo seria logo atingido e não deveríamos percorrer tão longo e doloroso caminho. O grande problema resume-se em compreender. Compreender para em seguida aplicar a Lei, desse modo evitar a dor e, evoluindo, conquistar a felicidade. Ciência, filosofia, religião, literatura, arte, sociologia, tudo isso deveria facilitar o entendimento e a aplicação dessa Lei e a substituição do espírito de rebelião e desordem pelo de obediência e ordem. A atitude de revolta constitui nosso pecado capital. Constrange-nos a viver debaixo do açoite da reação. Quanto mais nos rebelamos mais açoites recebemos. A revolta, que nos parece o caminho da fuga, é o caminho da condenação. Seguimos a Lei às avessas, por isso conseguimos o avesso de sua harmonia e felicidade; praticamos a seleção às avessas, involutivamente ao invés de evolutivamente. Mas a inteligência humana há de substituir a lei animal de seleção do mais forte por sistema de luta mais nobre, destinada, ao contrário, à formação do mais consciente e do mais justo. Torna-se necessário mudar o tipo-modelo, não aquele oficialmente elogiado, mas o que intimamente e de fato admiramos. Necessitamos seguir outros métodos de conquistar vitória, propor-nos outros objetivos e lutar em plano mais elevado. Ao contrário, o esforço humano parece hoje dirigido à canseira de trocar o bem pelo mal, a ordem pela desordem, a felicidade pela dor.

Bastaria compreender algumas verdades elementares como estas: “Quem mais pode ou possui não tem maior porção de direitos, mas de obrigações”. “Toda autoridade não representa vantagem, mas encargo e missão”. “A dor cessará apenas quando houvermos superado o ódio e a vingança, transformando-os em amor e perdão”. “Seja qual for o golpe vindo de fora, a dor só atinge quem a merece”. O verdadeiro bem-estar apenas poderá resultar de nova ordem interior, em que a fórmula: “a infelicidade alheia é alegria para mim porque me é vantajosa” seja substituída pela fórmula mais evoluída: “a infelicidade alheia transforma-se em dor para mim porque é também minha própria infelicidade”.

Infelizmente, é muito extensa a lista dos erros humanos. Nada mais lógico que a das dores seja também muito longa. Que outro rendimento poderiam dar as forças da vida, se dispostas de modo diferente, obedientes a critérios de harmonia e não de desordem! Que seria do mundo se, apesar de todos os erros humanos, não o dirigisse Lei justa e sábia! E deve, mesmo, ser muito sábia, visto como, não obstante as tentativas de desordem, atinge inexoravelmente seus objetivos. Sua sabedoria substitui a ignorância humana, a que desse modo se põem limites e se guia em direção ao bem.

O homem traem a pressa, a psicologia do resultado imediato, conseguido a todo custo, através de quaisquer meios, inclusive da violência. A vida, no entanto, é fenômeno extenso e equilibrado. Nela o futuro é eterno, produzem-se efeitos devidos a causas longínquas, preparam-se objetivos também longínquos. O homem vê o passado e o futuro próximos e nada mais. E agora? Que coisa a química introduz em nossa Terra? A ciência médica, no protoplasma do homem? A máquina, em nossa vida individual e social? A orientação moderna, em nossas almas? Não sabemos. No entanto, a vida futura se construirá apenas do que estamos continuamente a semear para nós e nossos filhos! Pondo de lado o problema agrário, já particularmente desenvolvido em outros escritos, observemos, por exemplo, como a ciência médica trata o corpo humano. Cremos que a imunidade se possa obter artificialmente pela introdução no corpo humano de pus, de vírus ignorados ou de proteínas desconhecidas. No entanto, a resistência orgânica não passa de equilíbrio entre contaminação e defesa, a renovar-se continuamente, equilíbrio que se consegue apenas por meio de características intrínsecas, adquiridas através de prolongadíssimos períodos de luta. A profilaxia acertada reside nas qualidades protetoras e defensivas que o organismo por si mesmo adquiriu em prolongada e necessária luta entre o campo orgânico e o micróbio. A outra profilaxia é proteção ilusória e fugaz, vitória fictícia obtida à custa da resistência orgânica, preguiçosamente, sem luta, através de meios que, ao invés de fortalecerem, enfraquecem; de fato, apenas a luta esforçada e ativa gera qualidades, isto é, atitudes protetoras. Hoje temos pressa e tentamos impor à Natureza o resultado por nós desejado. Desse modo apenas conseguimos vantagem imediata, perturbando os lentos equilíbrios naturais; vivemos de empréstimos e adiantamentos, hipotecando o futuro. Aplica-se, pois, ao campo orgânico o perigoso sistema crediário que já observamos no campo moral e econômico. Pensando em melhorar, praticamos, no entanto, seleção às avessas que tende à produção de tipo fraco, abastardado pelas defesas artificiais. E queremos suprimir a luta, sem a qual as qualidades se perdem e a vida se atrofia. Sabemos, por acaso, que reações se produzirão amanhã em consequência desses métodos de violação e de violência? A medicina oficial aplica-se há muito pouco tempo para que possamos saber tudo. Voltamos sempre ao mesmo ponto: ignoramos a Lei e somos violentadores e destruidores. No entanto, que vantagens poderíamos obter, se ao invés de nos revoltarmos nos puséssemos de acordo! A força não prevalece contra a lei. Esta resiste e reage. E, da luta entre ela e o homem, este é que sai com os ossos quebrados. O homem não sabe que o sistema do universo é inviolável e que toda revolta resulta em golpes contra  si  mesmo.

Está  hoje estabelecido o método humano com que tratamos todos os problemas, isto é, aplica-se em todos os casos a psicologia de inconsciência e violência própria de nossa época. Em nossos dias exaltamos e adoramos o sistema do sucesso rápido, a qualquer preço. Quantas ruínas, porém, não semeia ele no caminho tanto para quem perde como para quem ganha! Hoje o método da luta e da vitória do mais forte já atingiu o campo da arte e do pensamento, desse modo transformado em ganha-pão, mercado, campo de competições. O espírito criativo morreu e as mais elevadas nascentes da vida estão secando. A Lei fechou-se em rigoroso silêncio e recusa beneficiar os indignos. Deus aban-donou-nos à prova que desejamos, as formas superiores da vida retiram-se da Terra e o homem, querendo tudo conquistar, perdeu as maiores alegrias e os maiores valores e destruiu a beleza. A psicologia do mais forte transforma a Terra em infernal campo de luta onde apenas duas posições podem existir, a de opressor e a de oprimido, e onde tudo se concede ao primeiro e nada ao segundo. Os melhores acabam sendo eliminados, com dano geral. O espírito de revolta acaba na autodestruição. Coisa alguma nasce nas ruínas e, se a força obriga à obediência, nada produzem os homens, oprimidos e não convencidos. O vencedor não cria no vencido senão a indiferença passiva da resignação. A vida negativa se retrai. Só a força não basta para alimentá-la. Sem dúvida, tornam-se também necessárias as tempestades das guerras e das revoluções para o trabalho de renovação. Um mundo tempestuoso, porém, se convulsiona e desagrega. A vida também necessita de bondade e ordem, de amor e fé; se não tivermos semeado tudo isso, quando os homens pedirem trabalho, segurança e bem-estar, a Terra, saturada de ódio, de revolta e desordem, apenas poderá dar-nos o fruto resultante da semente nela atirada; o ar, por sua vez, estará saturado de ódio, revolta e desordem; e toda a construção desabará fatalmente.

Eis os grandes empreendimentos do involuído, que felizmente não representa toda a massa. A minoria, composta de mais adiantados, embora não se trate de dirigentes, tem a função de reequilibrar a desordem e salvar a humanidade. Porém, nos períodos de transição como o atual, em que as civilizações entram em liquidação, o tipo involuído, encarregado de exercer a função destrutiva correspondente às suas capacidades específicas, adquire especial violência. Representa o órgão da destruição. Adormecerá, ficando em estado de vida latente, quando o tipo evoluído, órgão da construção, estiver funcionando. Assim, cada tipo por sua vez vive e triunfa, contribuindo para a vida, e tem razão ou está errado, conforme a função que desempenha. Estamos em fase de declínio evolutivo para liquidar a civilização e, em período assim de destruição renovadora, exalta-se modelo humano que amanhã será com repugnância considerado ínfimo. Amanhã, em fase de ascensão evolutiva para construir civilização, será exaltado modelo oposto, agora incompreendido e perseguido; liquidar-se-á o tipo biológico hoje dominante e em plena atividade.

Até o involuído desempenha, pois, função social e, no que diz respeito aos equilíbrios da vida, está colocado no lugar que lhe compete. E deve também ter sua oportunidade. Ele naturalmente defende, como qualquer um defenderia, os princípios do próprio plano, onde se sente forte e por isso está sempre com a razão. Como acontece com todos, irrita-o a afirmação das verdades de outros planos, porque aí se sente fraco e, em consequência, nunca tem razão. Por instinto vital e porque a compreende melhor, todos sustentam a verdade do próprio nível e do próprio tipo biológico. Afirmamos o que somos, o que melhor compreendemos, o lugar onde melhor vivemos e vencemos. O próprio involuído quer afirmar-se e escolhe sua arma: a força. Sente-se fraco no plano da justiça, arma escolhida pelo evoluído que apenas aí se sente forte. O primeiro, portanto, naturalmente repele essa defesa que não o defende, essa arma que não lhe dá razão; antepõe-lhe a força, que ele defende porque a compreende mais, porque é o método de seu nível evolutivo e o único meio a oferecer-lhe possibilidade de estar com a razão, embora momentaneamente. Foge, por isso, dos caminhos da ordem e da Lei e prefere os da revolta, mais trabalhosos e inseguros. Em presença da justiça compreende muito bem que está enterrado de dívidas e não pode valer-se da lei que apenas lhe aplica sanções dolorosas. Onde o evoluído goza de crédito, o involuído está até ao pescoço de dívidas; onde o primeiro encontra ajuda, o segundo acha apenas desvantagem e condenação. Então, renega Deus e a Sua Lei. E renega-os exatamente porque percebe que existem e lhe dirigem exprobrações. Rebela-se, portanto, e como defesa lhe resta apenas a força. Este é o seu ponto de vista. O evoluído ama a Deus e à Sua Lei, que lhe garantem alegria e proteção. Sua economia não se baseia, como para o involuído, na força e no furto, mas na Divina Providência, que, se não se exerce em favor do outro, funciona plenamente em relação a ele que preenche as condições necessárias à verificação do fenômeno. Todos confirmam e exaltam o que são e possuem; e negam o que não são e não têm.

A época atual representa a vitória do involuído, isto é, da força, da rebelião, da desordem. Mas ele também, embora rebelde, não passa em última análise de servo da Lei. Em face de seu método negativo de revolta, seu desenvolvimento e suas vitórias acabaram em destruição, quer dizer, em sofrimento e humilhação de que nascem o entendimento e a ascensão. O destruidor é, pois, instrumento da reconstrução; suas negativas, esgotada sua função e aniquilado seu autor, se transformam em afirmações; a desordem do rebelde acaba em ordem mais elevada; a dor conclui pela evolução. O ciclo traz em si mesmo a sua lei, as forças canalizadas dentro de si são todas reunidas em corrente de acordo com ritmo fatal, que obriga o desenvolvimento da fase a findar na dor que ilumina, purifica e redime. De tanto caminhar, nossa época progrediu de modo tal que atingiu a fase útil e construtiva: a da dor. Ela fará refletir muitíssimo. É a única estrada da compreensão. E só o havê-lo compreendido nos poderá permitir a construção a sério, com solidez, para ascendermos cada vez  mais.

Tudo quanto foi exposto pode ser incrível; no entanto, é natural, lógico e simples. Logo depois de curta reflexão desapaixonada surge um novo mundo, até ali aparentemente impossível. No entanto, é apenas fora do comum, afastado dos caminhos habituais, além da fase atual de evolução humana. Quando o atingimos, o mundo atual parece-nos tão espantosamente cretino que não sabemos se havemos de rir ou de chorar, neste mundo cremos poder eliminar o inimigo, matando-o; criar correntes de pensamento com propaganda ou eliminá-las, sufocando-as no silêncio; não pagar o mal que fazemos. Mas o inimigo constitui vida indestrutível, pois os mortos continuam vivos, ressurgem e podem tornar-se instrumento de justiça contra o assassino; as correntes de pensamento são livres, a opressão as reforça e o engano ensina-lhes novas astúcias; podemos praticar o mal; porém, somos depois, inexoravelmente, obrigados a repará-lo, de forma pessoal.

Este livro é o roteiro desse novo mundo, o hino dedicado ao novo tipo biológico nele reinante e inicia o culto de novo ideal de vida. Esse tipo pode ao mundo de hoje parecer super-homem e até mesmo poderíamos assim chamá-lo; mas super-homem bem diferente do de Nietzsche. A concepção materialista que lhe serve de ponto de partida poderia dar-nos apenas a exaltação do primitivo, a glorificação da violência, ou seja, da ignorância, pois quem só acredita na força demonstra nada haver entendido do funcionamento universal. Super-homem desse tipo não passa de involuído posto no vértice de hierarquia de involuídos, rei selvagem de mundo selvagem, prepotente em meio a outros tantos prepotentes. O novo imperativo não se trata de sobrepujar e dominar, mas de civilizar-se. Isso tudo pode parecer utopia, mas, guardando a devida proporção, no passado a evolução soube transformar em realidade utopias maiores; por isso essa utopia nos fascina e atrai. De tudo isso, que tem significado vital, possibilidade de realização e representa impulso biológico, emana uma radiação fascinante, que nos prende com exato senso de vibração reverencial: o instinto da vida se manifesta em nós antes da razão calculista.

A luta moderna se trava entre o tipo biológico hoje em maioria e a lei de evolução. O primeiro parece que pretende fazer tudo quanto possa para impedir a realização desse novo mundo; a segunda tudo põe em condições de torná-lo realidade. Trata-se de dois sistemas opostos; um, ilusório e falaz; o outro, lógico e seguro. Com o método atualmente em voga, somos obrigados a reconhecer que o homem, apesar das conquistas e vitórias, não alcançou a felicidade e se agita como presa de insatisfação contínua. E como acima dissemos em relação ao indivíduo, também a coletividade não procura dentro de si mesma, mas fora, as causas de seus males. As causas, porém, residem no método. É fácil entrar no mundo novo; as portas acham-se abertas de par em par. Mas o homem não quer entrar. A posição em que se encontra o impede. A Lei, sábia e boa, desejaria exatamente o contrário, quer dizer, o bem; mas a Lei respeita a vontade humana. O homem prefere viver em estado de tensão, de recíproca desconfiança e, por isso, de contração, a viver em estado de calma, de confiança e, em consequência, de expansão. Os bens da terra bastam demais para todos. A psicologia da insaciabilidade, generalizando-se, em plena abundância nos torna miseráveis. A avidez de lucro subtrai dos bens a função de instrumento útil à vida, transformando-os em instrumento de especulação, acumulando-os apenas para que apodreçam, sacrificando a vida à potência econômica. Assim se determinam as desproporções que justificam a revolta das classes pobres contra as dos capitalistas, impedindo-as de gozar dos bens acumulados. O efeito atinge de novo a causa; não podemos gozar o que não é fruto da justiça, mas do abuso; toda posição de desequilíbrio se destina à queda. Para que serve empregar meios ilícitos e usurpar, se mais tarde a Lei nos constrange ao pagamento? E, de fato, não faz o homem outra coisa senão pagar. O método atual de busca da felicidade representa verdadeira falência. Não se deve culpar a Lei, mas o sistema escolhido pelo homem. A Lei paga na mesma moeda, devolve-nos o que lhe oferecemos. A causa de nossas misérias reside em nós mesmos. O egoísmo conduz a dispersões imensas, como, aliás, todo separatismo. Não considerar o próximo como irmão, mas rival, e não ter-lhe os bens na conta de capital comum a conservar-se e sim na de objeto de conquista, leva à destruição nociva a todos. O homem, empregando-a mal, reduz a riqueza, em princípio benéfica para a vida e tão útil ao progresso, a instrumento criminoso e manchado em que o evoluído com desprezo se recusa a tocar. Que sensação de bem-estar compensaria a fadiga até mesmo da primeira aproximação evangélica!

Não. O homem não compreendeu. Na lógica dos equilíbrios da Lei, o método do exclusivismo não passa de método de empobrecimento. Esses equilíbrios implicam a formação de correspondente atrofia ao lado de cada hipertrofia, vácuo econômico a interessar não só o vizinho, cuja miséria talvez não nos impressione, mas a nós mesmos, quando chegar nossa vez na corrente dos efeitos. A vida é, de natureza, colaboradora, forma-se de forças cíclicas, comuns e comunicantes. Os equilíbrios da Lei dizem-nos: tudo quanto se rouba se perde e tudo quanto se dá se ganha; a riqueza proveniente do furto constitui débito a ser pago; o ato de dar pode enriquecer-nos mais do que o ato de tomar. No mundo novo o problema econômico se transfere inteiramente para outro plano. Perdeu a razão de ser e está superada a moderna luta entre o capital e o trabalho, representativa de nossa atual fase econômica. No mundo novo o evoluído possui dentro de si mesmo, espontaneamente, a medida da posse das coisas, fornecida pelas próprias necessidades, capacidades individuais e funções sociais e não, como acontece agora, pelo próprio poder de conquista com emprego da força ou de astúcia. O evoluído pede à vida apenas os bens necessários à consecução das finalidades dela mesma, individuais ou coletivas, e abandona aos outros o resto. O problema do mundo não passa verdadeiramente de problema de caridade cristã. Bastaria compreender e aplicar o Evangelho para conseguir a igualdade social e garantir a todos o pão de cada dia. No fundo, os numerosos problemas que nos afligem, econômico, político, religioso, social, reduzem-se a um só, o problema da educação moral. Desse modo, o Sermão da Montanha e a pobreza franciscana (cujo escopo é, através da esmola, substituir no pobre a violência pela humildade e, no rico, trocar pelo amor o egoísmo desprezível) assumem significado biológico na lei de evolução. Em verdade, para possuir a própria vida necessário se torna perdê-la. Apenas quando nos anulamos e não possuímos mais nada nos tornamos senhores das maiores forças da vida, porque de isolacionistas nos transformamos em colaboradores do grande organismo universal, entramos no mundo novo em que a Lei triunfa; passando a ser operários do Senhor, a Lei deve cuidar de defender-nos e garantir-nos a vida. Se nas mãos de Deus nos reduzimos a nada, parece que com isso perdemos nosso pequenino eu; no entanto, em Deus nos tornamos tudo, pois, entrosando-nos no funcionamento geral, nos tornamos indestrutível parte orgânica dele, com direito ao necessário na terra e à futura felicidade no céu. Que vale e de que é capaz, em face dessa dilatação de personalidade e aumento extraordinário de meios, o involuído rei da força, prepotente e rebelde, escravo da ilusão e da matéria, jamais satisfeito, sempre inseguro, sempre abandonado às incertezas de suas pobres forças? No entanto, esse tipo biológico foi proclamado animal-modelo, posto pela ciência no degrau mais alto da evolução e considerado o produto mais apurado da raça. Ainda mais: sua lei de seleção passou a ser considerada como lei da vida, de toda a vida! Mas esse sistema é o sistema seletivo do animal! Aplicaram-no ao homem, desse modo equiparado ao animal.

O involuído não quer entrar no novo reino, onde poderia ser feliz. Contudo, a Lei vê-se obrigada a arrastá-lo; mas o involuído se rebela, se recusa a sair do inferno, não quer despender o menor esforço para deixá-lo. A Lei dese-ja-lhe o bem; não pode, todavia, impô-lo porque a liberdade humana é sagrada; além disso, através da imposição a Lei criaria autômato inconsciente, quando o cidadão do novo mundo deve ser consciente e livre. A Lei quer felicidade desejada e compreendida e não felicidade imposta e incompreendida. Trata-se de dom bem mais difícil de obter, mas de valor imensamente maior. Trata-se de dom que não pode ser gratuito sem representar injustiça. Deve, então, ser ganho, condição necessária para que seja merecido, visto como nos equilíbrios da Lei nada pode existir de desarmônico nem vantagem alguma ser obtida se não for ganha e merecida. Condição necessária para ser apreciada e fruída. Mas, como pode a boa Lei atingir o próprio objetivo, no caso do rebelde que deve, no entanto, permanecer livre? Como obrigá-lo e ao mesmo tempo permanecer fiel à justiça? Como conseguir impor a felicidade a inconscientes, tornando-os conscientes? Como conseguir, de acordo com a bondade e a justiça, impor-lhes o esforço necessário para ganhá-la?



A própria  estrutura do sistema diretor do universo encerra, em sábios equilíbrios, o impulso que tende fatalmente a esse fim. Na forma correspondente aos supracitados requisitos necessários, a Lei põe em jogo o sistema de reações adequado. O homem continua livre, mas responsável; livre para escolher a revolta e a desobediência, mas obrigado a responder por elas. É justo que ao erro siga adequada sanção. Assim, ação e reação equilibram-se e se põe a salvo a harmonia do sistema. E a dor constitui precisamente o modo mais adequado para despertar a consciência dos inconscientes e impor aos preguiçosos o esforço necessário à aquisição da própria felicidade. Por isso, esse esforço não aparece, em primeiro momento, na forma positiva de conquista de alegria e sim na forma negativa de libertação da dor. O segundo momento revela-se cada vez mais evidente à medida que subimos e o evoluído trabalha, em sentido positivo, para conquistar o bem que já conhece; no caso comum, porém, o involuído trabalha em sentido negativo, de revolta e fuga em presença da dor, de luta para fugir-lhe. Normalmente, a evolução assume, pois, o aspecto de esforço para superar a dor. Através desse esforço a Lei obriga o homem a entrar no seu novo reino.

A concepção humana da dor resulta naturalmente de uma das muitas ilusões psíquicas próprias da fase biológica do involuído. Concebe-a ele como resultante da falta de força para vencer ou de astúcia para fraudar, como fracasso dos fracos de corpo ou de mentalidade, como herança natural dos que não sabem revoltar-se nem impor-se. Concebe a dor como inimigo a ser vencido e por isso acredita que tudo se resume em sermos bastante fortes e hábeis para vencê-la. Concepção derivada do fato de o involuído julgar-se colocado no caos, como centro de todas as coisas e árbitro da Lei. Se essa é sua perspectiva psicológica, própria da sua fase evolutiva, temos visto quanto ela se afasta da realidade. A dor não é inimiga; não devemos, pois, olhá-la com hostilidade. Quanto mais a odiarmos, mais nos afligirá; se a quisermos bem, tornar-se-á mais suave. A dor constitui sistema reativo-educativo de forças cujo objetivo se resume em guiar-nos para a felicidade. Tende, como reação, a reconstruir o perturbado equilíbrio do homem, isto é, a harmonia, base de toda alegria verdadeira; e, como educação, a eliminar a repetição do erro, causa da dor. Por dois caminhos diferentes, é sempre disciplina e correção que, através das experiências da vida, impele o homem a rearticular-se no todo, a pôr-se de acordo com as forças da Lei ou, noutros termos, com a vontade de Deus, fato em que consiste o triunfo do bem sobre o mal, da harmonia sobre a desarmonia, da felicidade sobre a dor. O homem deve compreender e todas essas coisas sabem fazer-se compreender muito bem por todos. Progredir, sem dúvida, quer dizer trabalho; mas também representa conquista. A ordem, na involução, se desagrega no caos. Ora, a evolução procura reconstruir a ordem a partir do caos. Em nossa experiência quotidiana percebemos que o prazer produz um vazio e a dor é criativa. Como a nota fundamental de toda fase involutiva consiste na dispersão no gozo, a de toda fase evolutiva é a redenção pelo sacrifício, ou seja, a difícil ascensão depois de tão fácil descida. Verificamo-lo pela nossa vida como indivíduos, no nascimento e morte das civilizações.

Libertarmo-nos da dor assume o aspecto de problema dos mais angustiosos de nossa existência. Depois de tanto progresso estamos sempre a recomeçar. Prova de que a concepção e os métodos defensivos em voga estão errados. Contudo, podemos resolver o problema. Torna-se necessário, no entanto, enunciá-lo de modo diferente. É lógico que podemos resolvê-lo em universo regido por Deus justo e bom. Aí, onde tudo se mostre lógico e harmônico, e parece-nos tê-lo demonstrado bem, seria absurda a existência de uma dor impossível de ser eliminada. Em universo em que tudo tem objetivo útil, a ser atingido mais cedo ou mais tarde, onde tudo acontece em função da chegada à meta, não passa de loucura acreditar que fato central, como a dor, possa existir sem objetivo e, onde tudo serve para alguma coisa, exatamente aquilo que mais nos caustica e acabrunha não sirva para coisa alguma. Mas o homem de nossos dias não concebe o universo organicamente, como lei e ordem, mas caoticamente, como arbitrariedade e desordem. Se não se compreendem em primeiro lugar as finalidades da vida e a lógica de todas as suas funções, é natural que desse modo não possamos resolver o problema da dor. O próprio homem, pondo-se na posição de quem nada compreende de tudo quanto lhe acontece em torno, nada pode resolver e, tudo ignorando, só pode cometer erros. Para, vivendo em determinado sistema, conseguirmos atingir certo objetivo, torna-se preciso primeiro conhecê-lo e, assim, conduzirmo-nos de acordo com as normas que o regem, sem pensarem violentá-las e torcê-las. É natural, então, que o sistema reaja e não se atinja o objetivo.

Embora mudemos continuamente a perspectiva, percorrendo os vários pontos da periferia, a própria estrutura do universo nos orienta e sempre faz retornar ao mesmo conceito fundamental, ou seja, ao pensamento central, ao redor de que tudo gira, e pode-se chamar: Deus, Lei, Ordem. Não podemos impedir que todos os conceitos desta obra gravitem em redor desse ponto, pois essa é a estrutura do universo e nosso pensamento deve amoldar-se a essa estrutura e constituir-lhe a expressão exata. Desse modo, pode parecer que estamos a repetir sempre a mesma coisa; mas o universo é sempre o mesmo. Podem mudar o ponto de vista da periferia e a forma do relativo; não o podem, porém, a realidade do centro e a substância do absoluto. No mesmo modo em que se construiu o universo; através de caminhos infinitos, de qualquer modo de que partamos terminamos por atingir sempre o mesmo centro. A criação apresenta-se-nos variada e, quanto à forma, é mesmo; contudo, em substância permanece invariável. De modo que não fazemos nada mais senão fotografar a realidade; quando somos obrigados a repetir do princípio ao fim, sob infinitos aspectos, o mesmo conceito de sempre: Deus, Lei, Ordem. Esse é o estado das coisas e não podemos mudá-lo. O princípio permanece sempre o mesmo; não podemos fazer outra coisa senão retornar sempre a ele.

O problema da dor também nos reconduz ao mesmo princípio, nosso ponto de partida e de chegada, em redor de que devemos girar sempre, isto é: o universo constitui sistema, organismo, funcionamento lógico. Se não respeitarmos as normas e não percorrermos os caminhos desse sistema, não poderemos resolver o problema da dor. O ateu pode descrer da existência de qualquer regra; o pessimista julga dominar o mal e a desordem; o epicurista acredita ser possível rir de tudo; e o violento pensa ser possível impor-se a todos. Mas a Lei continua cada momento a exprimir sua natureza, que é ordem, sua vontade de continuar sendo ordem, sua necessidade de sempre maior atuação da ordem em todo ser e em todos os momentos. Quando não se respeita a absoluta e fundamental exigência de ordem, a dor aparece, fato cuja gravidade indica como, proporcionalmente, se mostra importante o princípio a que se propõe defender. No sistema, a dor tem o papel de campainha que nos adverte do erro, corrige o desvio e impõe a correção, exatamente como acontece no sistema nervoso do organismo humano, feito à semelhança do organismo universal. O homem pode pensar e fazer o que quiser, mas o sistema não tolera em absoluto alteração dos seus equilíbrios e, se os violam, defende-se, volta-se contra o violador e obriga-o a reconstituí-los à própria custa. A dor corre por conta do violador; quem errou paga com o que lhe pertence, pessoalmente. Trata-se de equilíbrio de forças cujos impulsos poderiam ser calculados exatamente, em qualidade e quantidade, no modo como se relacionam em causa e efeito, ação e reação. Essa reação reequilibradora é fatal, a Lei não admite perturbações; se acontece violação, pois o homem é livre, o efeito não pode recair sobre a Lei, mas sobre o homem. A este se permite fazer experiências à própria custa e aprender por tentativas; não se lhe permite, porém, alterar o funcionamento do universo. Essa reação reconstituidora de equilíbrios por parte das forças da Lei pode parecer-nos ato de justiça por parte de Deus ou, então, punição da culpa; aos primitivos, no entanto, pode parecer vingança. A dor não é, então, fracasso ou derrota, mas o meio providencial de reparação e prova na arena das experimentações humanas. Constituindo-se compensação expiatória e escola, assume o papel de retorno à ordem e método aquisitivo de qualidade, isto é, meio de auto-elaboração ou, melhor ainda, fator de evolução. Assim, a dor se transforma; não é mais, como na conceituação vulgar, obstáculo à felicidade; ao contrário, é um instrumento, um meio para alcançá-la; não é mais maldição ou vingança de Deus, mas bênção e ajuda; não é mais vergonhosa posição de inferioridade, mas nobre instrumento de redenção. Apenas se compreende a lógica do sistema diretor do universo, logo aparecem a absoluta justiça e a imensa bondade de Deus.

Todas as vezes que neste livro qualificamos o involuído como ignaro e primitivo, não o fizemos em sinal de desprezo, de condenação ou de imputar-lhe culpa. O que queremos é apenas expor o mecanismo do universo e as consequências advindas, para cada qual, de sua conduta. O involuído está, biologicamente, exatamente onde devia, adequando-se, como selvagem em planeta selvagem, a dureza de suas provas à de sua sensibilidade. Todavia, os que compreendem como realmente a vida funciona não podem deixar de adverti-lo, somente no interesse dele, para fazê-lo compreender como executa mal suas tarefas; de indicar-lhe, se lhe convém, melhor modo de fazê-las, mostrando-lhe como é estulto alguém, com seu insensato modo de agir, pretender construir com as próprias mãos a sua infelicidade e como é possível corrigir a própria dor e transformá-la em prazer. Tudo é questão de compreender o objetivo, a função e saber usar esse conhecimento. O bom e sábio sistema do universo contém a solução do problema. O sistema é feito de ordem; a dor é consequência de desordem. A dor, logicamente, cessa com a desordem de que deriva e o método para eliminá-la consiste na harmonização, quer dizer, no retorno ao seio de Deus através da evolução. A estrutura do sistema implica a cessação da dor, à medida que caminhamos para a ordem. Reconstruamos, então, a ordem destruída e teremos eliminado a dor, eliminando-lhe as causas. A evolução consiste exatamente em dispor mais harmonicamente as forças que somos e as que manejamos, isto é, da desordem passar para ordem relativamente mais completa. Relação entre dor e felicidade significa relação entre dissonância e harmonia. O inferno é estado caótico de revolta (desordem satânica); o paraíso, estado orgânico de paz (ordem divina). A sabedoria do sistema consiste exatamente em que a dor é força auto-dominadora por natureza, isto é, quando se manifesta tende a consumir-se e inverter-se. Como forma de dor, essa força caminha para o próprio aniquilamento e autodestruição; mas, como força, não se destrói e quer renascer em posição invertida, ou seja, como felicidade. Noutros termos, evoluímos por meio da fadiga do reordenamento, passamos do inferno ao paraíso através da própria dor.

Assim a dor nos aparece em toda a sua importância de reconstrutora da vida; na sua verdadeira função de reequilibradora, como compensação expiatória; na de educadora, como assimilação de experiência e formação de consciência; na sua função de reordenadora da desordem, como reabsorção do mal; enfim, como fator de evolução e instrumento de felicidade. A dor, devido à natureza equilibrada do sistema, é força que, manifestando-se, se consome, se esgota e se transforma em força contrária. Constitui-se ao mesmo tempo em estimulante de atividade, em adestradora e instrutora, isto é, em criadora de qualidade que lentamente melhora, se fortifica e enriquece. Enfim, é grande harmonizadora, que leva o ser rebelde e caótico a funcionar organicamente de acordo com o pensamento e a vontade de Deus. Também nesse campo o mundo não está, em absoluto, no caminho certo. Não eliminamos a dor por meio de sistemas exteriores, sobrepostos, coativos, distributivos, mas apenas através da compreensão e prática da Lei. O homem se irrita contra os efeitos, mas continua a semear as causas. Torna-se inútil querer suprimir as últimas consequências sensíveis; ressurgirão sempre, enquanto não suprimirmos os precedentes de que derivam, ou não lhes determinando a formação ou assimilando-lhes os impulsos resultantes. Enquanto agimos só externa e mecanicamente, com emprego da força ou da astúcia, perderemos o tempo. As causas que permaneceram intactas continuarão a repetir-se e a produzir os seus efeitos. Curam-se doenças, não pela eliminação coativa dos sintomas reveladores, mas cuidando das causas e condições do fenômeno e, por conseguinte, não lhes forçando as leis, mas compreendendo-as.

Por isso apenas de dois modos podemos libertar-nos da dor. Se já se trata de causas em atividade, trajetórias já lançadas, só nos resta sofrer-lhes os efeitos. Então, as forças por nós postas em movimento continuam inexoravelmente a mover-se no sentido que lhes assinalamos, até se exaurirem. Nada podemos fazer senão suportá-las até que se esgotem, mas tentando sempre corrigi-las pela introdução de novos impulsos que lhes modifiquem lentamente a trajetória. Se escolhemos causas erradas, não podemos libertar-nos das consequências dolorosas senão através da dor. É necessário, então, expiar, reconstruirmo-nos com tenacidade, trabalhosamente, na miséria onde jazem os que, neste caso, não foram vencidos pela força, mas pela justiça. Não há, pois, outro caminho para o paraíso senão o do purgatório. Isto em relação ao que passou. Existe ainda outro caminho para libertar-nos da dor, mas esse se refere às coisas futuras. Consiste em não errar mais, em não movimentar novas forças desarmônicas, causa de novas dores. Quanto ao passado, se erramos não nos cabe senão pagar; quanto ao futuro, apenas devemos, sabiamente, sem novos erros, construir-lhe os fundamentos. Neste ou naquele caso tudo se reduz à harmonização, isto é, a cumprir a Lei, a vontade de Deus. De fato, hoje não se cuida dessa condição fundamental da felicidade. Julga-se que não tenha consequências a violação dos equilíbrios da vida e a praticam com indiferença de inconscientes. Além de não se respeitar de modo algum a ordem universal, pretende-se, mesmo, criar artificialíssima ordem humana, como antítese e em lugar da ordem divina já existente. O involuído mergulha assim em tremenda ilusão: pensa caminhar em direção à felicidade e, no entanto, corre ao encontro da dor. Crê na vitória da técnica, no poder econômico, no bem-estar material, na vitória das armas ou da astúcia. Estas, porém, não passam de condições secundárias para a realização da felicidade; podem até mesmo representar condições negativas e obstáculos para essa realização, se essas forças se movem desequilibradamente contra a harmonia da Lei. Quando não significam ordem, mas desordem, torna-se inútil supor que vencemos, pois fomos vencidos; inútil crer que andamos em direção à felicidade, pois caminhamos ao contrário, em direção à dor. E hão de trair-nos todas as conquistas humanas por que tanto lutamos. As coisas terrestres não enganam; os traidores somos nós, que acreditamos no abuso e não sabemos empregá-lo. É justo a Lei de justiça tratar desse modo os que a violentam.

A harmonização constitui o método de construção da felicidade; a revolta, o de construção da dor. O problema, para que possamos resolvê-lo, deve ser proposto de modo oposto ao seguido até agora. Não se trata de abundância de bens, mas de sabedoria na conduta; nem de possuir mais ou menos, mas de possuir bens conforme à Justiça. Vitória injusta é inutilizável; riqueza de origens poluídas dá-nos aborrecimentos apenas. Tudo quanto dissemos em relação à propriedade vale para toda aquisição, tanto para os indivíduos como para as classes sociais e as nações. Tudo quanto não é equitativo sofre do mal da desarmonia, se consumirá no próprio veneno, se queimará em fogo violento e morrerá, reduzindo-se a cinzas. De fato, o problema do verdadeiro bem estar não é, como se acredita, exclusivamente econômico, mas moral, de compreensão e de comportamento. Na terra não faltam bens. Falta é homem que saiba usá-los. A grande conquista a fazer-se não é tanto a conquista material das forças do planeta, mas da sabedoria humana. Sem a segunda, a primeira não constitui vantagem, mas dano. Toda aquisição realizada na desordem realmente representa perda; toda vitória injusta não passa de derrota. A felicidade é equilíbrio. A dor aparece tão logo saímos da harmonia. O sistema de forças se distorce e o fenômeno se degrada assim que abandonamos a medida do justo. Todo pecado por falta ou por excesso significa erro a ser pago. De fato, tanto os povos como os homens mais ricos não são os mais felizes. Dadas a estrutura do sistema universal e a conduta humana hoje em voga, que felicidade podemos encontrar na Terra?

Quando violamos a ordem das coisas, perturbamos a harmonia das forças e damos nascimento a um estado vibratório desarmônico e discordante, constituímos centro de irradiação arrítmica, cujas repercussões se farão sentir sob a forma de dor. Sofremos porque somos desarmônicos. As causas de  nossa dor moram em nossa desordem interior. Quando inocentes, o golpe não nos atinge, resvala, não encontra ponto vulnerável no organismo de forças de nosso destino, pois em nós mesmos nada oferece resistência. A desordem exterior não pode entrar em nós senão na medida em que, como queremos, já se encontra dentro de nós. Os impulsos desarmônicos da dor podem atingir-nos apenas em proporção à nossa desordem interna. Único remédio: harmonia. E justamente o de que o mundo de hoje menos cuida é de evitar essa desordem, causa de todos os nossos males. Ao contrário, parece procurar apenas acioná-las. Explica-se desse modo como o adiantado homem moderno jamais tenha sido, como hoje, vulnerável à dor. Não! A dor não se vence, como se crê, dominando o determinismo físico das causas exteriores. É inútil submetermo-nos às forças da natureza. É um passo; não basta, porém. Pagamos caro acreditar que baste.

Assim imaginamos civilizar-nos e progredir e, no entanto, isso nos torna preguiçosos e degenerados. É lógico que a natureza seja forçada a abolir as defesas por nós artificialmente tornadas inoperantes. Desse modo enfraquece-mo-nos, quando pensamos proteger-nos. Isso é verdadeiro tanto para o corpo como para o espírito. A multiplicação das defesas e a segurança desabituam-nos de ser assaltados e nos aumentam a vulnerabilidade à dor. Se suprimimos o trabalho da luta, suprimimos também a resistência. A proteção debilita. Assim perdemos a defesa natural e nos tornamos escravos da defesa artificial. A elevação do teor de vida é faca de dois gumes, vantagem e perigo. Há maior segurança na pobreza do que na riqueza, mais força no preparo para a luta do que em sua supressão. O sistema de nosso mundo contraria toda ordem natural. Eis que também deste outro lado as causas da dor se acumulam e não se eliminam. Procura-se por toda parte receber adiantamentos, endividar-se nos equilíbrios da vida, ao invés de procurar reconstruí-los e não perturbá-los mais. Toda nossa alegria é novo  empréstimo de pobre, enterrado de dívidas até o pescoço. Que poder, no entanto, se poderia conquistar, interiormente nos firmando no espírito! Assim é que as raças mais refinadas decaem e as civilizações se esgotam. Daí se vê como, para civilizar-se a sério, se torna necessário começar de novo, mas exatamente desde o princípio.

Nos capítulos precedentes desenvolvemos e comentamos alguns pontos de A Grande Síntese, especialmente os de caráter social tratados quase no fim do volume. Foram ampliados, em especial, os capítulos: “Força e justiça – A gênese do direito”, “O problema econômico”, “A distribuição da riqueza” e “Da fase hedonística à de colaboração”. Os conceitos ali rapidamente expostos no quadro de conjunto foram considerados de novo, mais minuciosamente e sob aspecto mais prático e atual, tendo em vista mais a sua aplicação do que a posição por eles ocupada no organismo universal. São diferentes a perspectiva de A Grande Síntese e a destas páginas. Partindo de premissas cósmicas, ali os problemas do homem e da sociedade apenas aparecem por último, à guisa de conclusão; aqui, pelo contrário, esses problemas representam a base e o ponto de partida do trabalho; daí a conclusão se eleva pouco a pouco, desde a grande massa coletiva até ao caso individual mais seleto e muito menos numeroso mas, em compensação, mais evoluído. O caminho fatal de ascensão, entrevisto no fim do capítulo anterior, não se manifesta somente com a formação de tipo biológico mais elevado e, naturalmente, com funções de direção, colocado como guia da sociedade; manifesta-se, também, de maneira diversa. Esse impulso evolutivo tende não só ao aperfeiçoamento do indivíduo, mas a penetrar nas grandes massas sociais, de maneira cada vez mais ampla. Creia-se ou não no Estado, aceite-se ou não a estatolatria moderna, basta considerar o fenômeno biológico universal e imparcial para verificar, em nossos tempos, tendência à organicidade social. O povo, considerado mais ou menos sem valor nos séculos passados, com a Revolução Francesa surge no palco da vida política. Antes valiam só os indivíduos e as classes dominantes; a aristocracia selecionada estabelecia os valores coletivos e imprimia seu cunho nas massas populares, que continuavam obedientes e, exceto nos momentos excepcionais, mudas e sem pensamento próprio. Os estratos inferiores da sociedade jaziam abandonados. São muito modernos os conceitos de povo organizado, que exprime seu pensamento e toma parte na vida política, e o princípio de massa organizada em grandes unidades coletivas. Ocupar- nos-emos, agora, desse aspecto diferente, coletivista e não individualista da evolução humana, isto é, da formação desse novo e múltiplo indivíduo coletivo, característica de nossos dias e não, como antes, da maturação de novo tipo biológico.

O novo e múltiplo indivíduo humano, organizado em sociedades nacionais e estatais; com cérebro dirigente, nervos, órgãos, membros, coordenamento de funções; semelhante ao organismo individual, embora com dimensões muito maiores e formas muito mais vastas; esse novo ser físico (massas) e psíquico (consciência coletiva) representa nova criação biológica, produto da evolução. Enquanto, porém, a maturação do tipo biológico mais elevado significa desenvolvimento em altura, a formação desse novo e gigantesco indivíduo representa vasto desenvolvimento em superfície. No primeiro caso, exalta-se a qualidade; no segundo, conquista-se a quantidade. Completam-se, embora crescendo em direções diferentes e com importância própria. Ambos necessários, os dois impulsos se fundem na estrada das ascensões humanas. O individualismo do tipo biológico dominante não desaparece nessa nova organicidade; ao contrário, nesta, suas funções se coordenam. Como indivíduo, geralmente primitivo, involuído, pode evoluir, seguindo sempre caminhos individualistas. Mas é raro; e então o enquadramento coletivo o educa e faz progredir. Por isso o individualismo não fica mutilado; seus caminhos continuam abertos aos que têm força para emergir. Nos séculos passados a vida pertencia apenas ao tipo selecionado que se distinguira da massa. Hoje, a vida pertence a qualquer elemento da sociedade humana, à qual não é estranha, mas membro dela. A extensão de atividade a todo indivíduo, sua participação, se representa uma primeira tentativa de nova e gigantesca construção, teria de rebaixar o nível social ao do tipo corrente, do homem da rua, que pode ser tudo menos tipo eleito. O nível social rebaixou-se até o do tipo comum, ligado, em compensação, ao círculo de vida por ele antes desconhecida. A formação das grandes unidades coletivas teve, pois, como primeira consequência, o rebaixamento involutivo do tipo de vida até o plano dos primitivos. Não se pode evitar e, assim, se paga o progresso em extensão. Nasceu, todavia, novo ser coletivo que, a princípio evoluído e primitivo e hoje embrião em crescimento, exprime a possibilidade de imensos desenvolvimentos futuros. O povo desperta, sem dúvida, como se voltasse à vida. Nessa nova formação coletiva o escasso valor individual do involuído cresce e se multiplica em rede de contatos e trocas; não mais aparece sozinho, reduzido a seu valor intrínseco, mas vive em função do organismo novo em que, participando como célula, multiplica-se. Nas unidades coletivas o indivíduo vem a conhecer novas formas de vida e de relação e sente-se transportado para novo plano orgânico, antes desconhecido.

A nova criação biológica de nossos dias é, pois, exatamente esse novo indivíduo coletivo, com milhões de cérebros procurando coordenar o seu pensamento segundo correntes de consciência, indivíduo que nessas correntes busca formar personalidade própria e unitária, diferente da dos indivíduos componentes. A psique individual pode assim agir segundo dois diferentes pontos de vista: o do indivíduo como indivíduo; o do indivíduo como célula social; no primeiro caso, tem funções e objetivos individuais; no segundo, coletivos. Trata-se de duas posições diversas: entre elas podem nascer contradições; e o indivíduo como célula social fará, com finalidade social, o que jamais faria como indivíduo apenas. Pode, desse modo, sob a forma de delinquência, exercer funções de justiceiro. Mas se, no seu conjunto, o indivíduo coletivo tende a adquirir consciência unitária, própria e distinta da dos indivíduos componentes, nas peculiaridades e na estrutura interior tende à especialização das funções. As grandes unidades coletivas são gigantescos organismos sociais, colossais, monstruosos indivíduos biológicos de que o homem é célula; as classes sociais, tecidos; as classes dirigentes, cérebro; as massas, corpo. Estas unidades possuem sistema nervoso, órgãos de sensibilidade e coordenadores de funções. Nelas o indivíduo exerce as atividades mais de acordo com suas capacidades peculiares. O involuído se encarrega de desempenhar as funções mais baixas: agressão, guerra, destruição; o evoluído desempenha funções intelectuais e de direção. Eis como o tipo biológico mais elevado se enquadra no novo organismo coletivo. Entre os dois extremos os administradores se distribuem segundo suas qualidades específicas. Assim, os três tipos humanos, vistos no capítulo 3, encontram lugar e fazem sua tarefa. O indivíduo coletivo, no entanto, está se formando ainda; não se definiu bem, até agora, o critério distintivo das funções; há, por isso, entre as partes, a luta e a incerteza próprias do período de formação. Existe, sem dúvida, semelhança com o organismo biológico, embora embrionário e experimental, como no período paleontológico. Percebe-se, como no corpo humano, o princípio de especialização, o coordenamento das qualidades individuais, mas em estado de tentativa. Do ponto de vista biológico, torna-se muito importante a observação do esforço feito hoje pela vida para coordenar suas conquistas individualistas e, no plano humano, disciplinar as suas forças. Neste período histórico chega a parecer que o esforço seletivo, de natureza também separatista, ceda o passo ao esforço orgânico e social, de natureza coordenadora. A primeira tendência se movia em direção individualista, para produzir poucos exemplares do tipo eleito; no entanto, a segunda caminha em direção coletivista a fim de que produza muitos exemplares do tipo medíocre e os valorize pelo número e não individualmente, transformando-os em grande organismo coletivo. Levamos em consideração neste livro ambas as formas de expansão vital evolutiva; necessitamos das duas para completar o fenômeno da ascensão e da construção. Veremos, enfim, como os altos níveis evolutivos não podem ser atingidos pelas massas numerosas, mas medíocres; e como os poucos eleitos que os conquistaram tendem - uma vez cumprida sua função e alcançado o rendimento das qualidades por eles adquiridas – a separar-se da humanidade terrestre. Tornava-se necessário, porém, completar o exame do fenômeno evolutivo, observando-se também o aspecto coletivo, mas completar; começando da base, baixa mas extensa, da pirâmide social, onde se encontra a grande maioria que, embora de modo diferente do evoluído, procura ativamente a própria construção biológica.

Existem, pois, duas correntes de atividade evolutiva, dois trabalhos intensos: a primeira conclui na formação do super-homem, que se separa e afasta da humanidade, cujas formas de vida, para ele baixas e insuportáveis, seu grau evolutivo não tolera mais; a segunda não considera a exceção, por mais rara, mas a regra geral, embora medíocre; opera sobre primitivos e deserdados, para realizar com eles tão importante conquista como a outra. A vida não abandona ninguém; e, a cada um de acordo com sua natureza, oferece atividade adequada e confia tarefa proporcionada. Este prefere subir sozinho até os mais elevados cimos; aquele sabe viver e trabalhar apenas no meio da massa e em função dela. Ambos os trabalhos, porém, merecem respeito e importam para o progresso; ambos contêm a incerteza da tentativa e o risco do inexplorado; representam esforço criador, o trabalho da gênese biológica. Estes dois pontos resumem a dupla fórmula vital do futuro, no duplo aspecto individual e social.

Observemos o novo indivíduo biológico coletivo. Como todas as primeiras formações embrionárias da vida, agita-se desordenadamente, procurando configurar-se mais estavelmente; sente confusamente; move-se, desarticulado e incerto, como todas as construções biológicas recentes. Trata-se, na verdade, de novo e imenso corpo vivo, de corpo social com as características, as leis, os instintos, as moléstias e as defesas da vida orgânica e psíquica. O paralelo entre organismo individual e organismo social, se confirma nessa concepção biológica do fenômeno social, esclarece-o também, visto como reencontramos nele as leis reguladoras do organismo do indivíduo. Essa relação nos permite compreender o funcionamento da unidade coletiva e adivinhar-lhe o futuro, utilizando-nos dos mesmos princípios já encontrados no caso individual. Poderemos, assim, compreender melhor a lei reguladora dos acontecimentos históricos; considerando-os como fenômenos de biologia social, poder-se-á fazer, à luz da patologia social, a diagnose das crises coletivas e estudar, de acordo com a fisiologia coletiva (ou dos corpos múltiplos), o funcionamento do novo grande organismo. Dos conceitos próprios da Anatomia poder-se-ão aplicar-lhes os de atrofia, hipertrofia, circulação e metabolismo, centros cerebrais e nervosos e correntes de consciência, gênese, crescimento, maturidade, senilidade, morte e hereditariedade, ciclos vitais, transformismo evolutivo. Como a propósito do indivíduo, poderemos, a respeito da unidade social, falar em personalidade, destino, responsabilidade, missão.

Essas comparações são lícitas e lógicas, pois o universo é dirigido por uma só Lei, quer dizer, por legislação única, sempre onipresente. O fenômeno social, como o fisiológico, segue a mesma lei universal expressa pela trajetória típica dos movimentos fenomênicos e pela lei da unidade coletiva (A Grande Síntese – cap. 26 e 27). Na matéria, na vida como espírito, as formas desde as atômicas até as siderais tendem para a unidade, ou seja,  para o reagrupamento e a reorganização em sistemas, em associações cada vez mais vastas e complexas. Toda unidade já representa em si mesma a resultante da organização de unidades menores. O próprio universo é por excelência unitário e orgânico; é de alto a baixo edifício único. Desse modo, é fenômeno social, não somente biológico, mas também conexo e logicamente entrosado no fenômeno cósmico; representa momento da Lei, processo de mecânica universal. Não podemos considerá-lo isolado, fora do complexo da vida, dos métodos e da finalidade da Natureza. Assim, encontramos o fenômeno social, histórico e político orientados e em sintonia com o mesmo ritmo da lei reguladora de todos os fenômenos. Em toda parte ambos têm o mesmo esquema fundamental, redutível a princípio único. Torna-se evidente que a Natureza age de acordo com esquemas simples e constantes; suas formações se fazem em modelos, embora não mecanicamente, em série; seus desenvolvimentos obedecem a um plano e isso os prende sempre a um princípio diretor central. Retomaremos em melhores condições, mais adiante, tal conceito. A criação tende para a uniformidade e a repetição dos modelos. Todas as formas, assim, possuem base comum a irmaná-las em parentela que mostra derivarem do mesmo e único princípio. Não se copiam, mas se evocam mutuamente de todos os pontos do universo e de todos os planos evolutivos. Por isso, na formação e funcionamento das grandes unidades sociais vemos a reprodução dos fenômenos e o retorno das leis por nós observadas nas unidades minerais, vegetais, animais, desde o átomo até às estrelas.

Isso posto, de modo algum podemos crer que o fenômeno histórico se desenvolva sem lei, abandonado ao arbítrio individual ou ao capricho dos acontecimentos. A História nos conta como se sucedem no tempo os vários momentos do funcionamento dos organismos coletivos. Estas palavras poderiam constituir-lhe a definição. O funcionamento do corpo social expresso pela História não obedece ao acaso, mas segue o mesmo ritmo por nós encontrado noutros fenômenos. Em outras palavras: o transformismo fenomênico do complexo vivo do grande corpo coletivo obedece às leis do dinamismo universal. Ou, mais exatamente: é dirigido enquanto pertencente ao binário da onda histórica. A vida das grandes unidades coletivas se desenvolve de acordo com movimento, de amplas oscilações ascencionais e descendentes, elevações e depressões, movimento que repete o princípio das ondas do mundo dinâmico de que a vida participa. Isso naturalmente acontece sempre que se trata de dinamismo como neste caso. Observemos os períodos e as características desse ritmo histórico. A História se desenvolve de acordo com respiração rítmica por nós reencontrada na física e especialmente no eletromagnetismo. A existência dos retornos históricos, já observados por Vico (filósofo italiano) é fenômeno de fácil observação. A trajetória típica dos movimentos fenomênicos de que falávamos acima segue o princípio desses retornos ou repetições, reproduzindo-os, todavia, em cada vez mais elevada posição; desse fato deriva a evolução. Desse modo, funciona também a história. Os acontecimentos humanos, sucedendo-se, tendem a repetir-se, ligam-se à lei dos retornos históricos que os obriga a percorrer de novo o velho caminho. Não nos surpreendamos por isso se a História parece não ensinar coisa alguma e se muitas vezes os mesmos erros são cometidos de novo pelos próprios dirigentes, que mais do que ninguém devem tê-la presente. Essa a lei do fenômeno, que só não se repetiria se progredisse sempre em direção evolutiva; é isso exatamente a coisa mais árdua na vida. Todavia, como na trajetória dos movimentos fenomênicos, a repetição não se transforma em cópia autêntica; quem observá-la bem lhe notará alguma diferença, embora pequena. Esta representa todo o valor da conquista, o resultado da experimentação. Aconteceu em direção ao alto, em direção evolutiva. E, se atuou na realidade, é construção acabada e real, embora sob a forma de força imaterial. Representa novo e indelével traçado, tipo mais aperfeiçoado de ritmo, fixador do binário em que pela mesma lei de repetição devem desenvolver-se mais tarde os novos acontecimentos históricos. Estes, como sempre, retornarão ao passado, mas a passado que já fixou determinada diferenciação evolutiva, patrimônio já conquistado e ponto de partida para novas diferenciações e conquistas.

Observemos, pois, as características dos dois períodos do ritmo histórico. Trata-se de duas posições inversas e complementares, rivais e contudo irmãs na tarefa de construir. Trata-se de caso a que se aplica a lei universal da dua-lidade, já desenvolvida em A Grande Síntese (cap. 39) e que neste livro desenvolveremos ainda mais. No ritmo histórico continuamente se alternam os períodos clássico e romântico. O primeiro, masculino, explosivo, guerreiro, materialmente conquistador, destruidor, fecundante e semeador, violento, involuído, materialista. O segundo, feminino, tranquilo, conservador e espiritualmente conquistador, construtor, preparador e amadurecedor, pacífico, evoluído, espiritualista. Na trajetória dos movimentos fenomênicos, o primeiro período representa a fase de queda involutiva, de retorno e de recuo; o segundo, a fase de ascensão evolutiva, de progresso, de ímpeto. Ambos os períodos, porém, são necessários porque têm funções diferentes e ao mesmo tempo complementares. O progresso caminha amparado nessas duas forças contrárias, impelido pelos seus choques e contradições. No fundo, os dois períodos criam, embora sob forma diferente, emborcando-se um no outro; e, embora pareçam inimigos em luta, cooperam, colaboram em lados opostos na mesma construção. Se o primeiro em plena tempestade não evidenciasse e no meio da morte não lançasse princípios mais elevados de vida; se em ambiente de destruição não limpasse o terreno, tirando-lhe as velhas construções, o segundo, na paz, não teria novos motivos para desenvolver nem novas construções a levantar. Reencontramos aqui o conceito acima lembrado e segundo o qual, para poder conciliar a fluidez necessária ao transformismo evolutivo e a rigidez imposta pela necessidade de assumir formas bem definidas, a vida deve renovar-se, alternando continuamente a vida e a morte, a construção e a destruição. Tudo isso exprime, nesse caso, a íntima bipolaridade encontrada em toda individuação, representa os dois extremos opostos entre os quais, oscilando, funciona e evolui o fenômeno social; corresponde à característica de harmonia e equilíbrio fundamental da Lei: os dois extremos, componentes de cada unidade, devem ser proporcionados e se contrabalançarem. A fenomenologia universal reclama e faz-nos encontrar, presente em toda parte, o organismo inseparável de seus princípios.

Mas o equilíbrio não aparece só na intimidade de cada unidade social, no seu desenvolvimento temporal, mas também na sua estrutura espacial. Noutros termos: o fenômeno não é equilibrado apenas no futuro histórico, mas também na distribuição pela superfície da terra das várias unidades sociais. Quer dizer: há povos que vivem em determinada fase; outros estão situados em outra, de modo que a humanidade não concentra em direção única todo o seu dinamismo, mas o faz agir tendo em vista a compensação tanto no tempo como no espaço. Evitam-se, assim, excessos e lacunas perigosas, atrofias e hipertrofias danosas; e em meio a tanto movimento e tal emaranhado de contrastes a harmonia permanece soberana no espaço e no tempo. No espaço, a civilização ocidental, mecânica e materialista, equilibra a civilização oriental, mais madura e espiritualista. No tempo, o fato de estarmos hoje em pleno materialismo significa que se deve fatalmente esperar a fase de espiritualismo. Não se poderão saber exatamente o ano e o dia; mas diz a lógica das leis da vida que o atual ciclo histórico deve encerrar-se; as forças, que o movimentam e atuam há tempo, devem parar e esgotar-se; e deve começar precisamente o ciclo oposto. Poder-se-á dizer. “não vejo, não creio”; mas o leitor, se capaz de raciocinar e compreender a mecânica do universo, que estamos procurando pôr-lhe sob os olhos em pleno funcionamento, deverá concluir que as aparências estão na superfície e enganam; deve nascer-lhe no espírito ao menos a suspeita de que debaixo delas, onde tantos vivem, exista outro mundo, imenso e muito mais perfeito. Enquanto o ciclo atual percorre a trajetória, completa a tarefa e descarrega o dinamismo, o outro, presente em todas as coisas, espera a vez, em silêncio, repousa e recarrega o dinamismo. O leitor olhe em torno, na vida vegetal e animal, no descanso hibernal e nas florescências primaveris, no sossego da morte e nos trabalhos da vida, e veja se o fenômeno constitui exceção da regra geral.

No caso humano, os dirigentes, intérpretes e jamais criadores do momento histórico, jamais árbitros desordenados e sim servos obedientes à Lei sem a qual não há vida, põem em funcionamento esta ou aquela fase, de acordo com os tempos, sucessivamente, uma em consequência da outra; e as massas caminham, dando corpo ao impulso. A alternância das duas tendências permite que depois do período de trabalho ambas as partes descansem. Os componentes do imenso indivíduo coletivo são levados, assim, alternadamente, a turnos de trabalho e de repouso, exatamente como as equilibradas leis da vida querem. Enquanto uns repousam, outros, que já repousaram, agora trabalham; e assim, embora passando de mão em mão, a função progride sem interrupções. Divisão de trabalho necessária, porque executada por muitos diferentes tipos biológicos, de funções especializadas; necessária para evitar cansaços e esgotamentos étnicos; necessária para corrigir qualquer direção individual tendente à hipertrofia unilateral e desse modo compensá-la. Só assim podemos conseguir desenvolvimento homogêneo e harmônico. Portanto, o grande indivíduo coletivo, como simples homem equilibrado, divide sua atividade pelo trabalho físico e pelo espiritual.

Como em todas as formas da vida, os dois sexos se completam. Há povos masculinos, conquistadores e fecundantes, e povos femininos, conquistados e fecundáveis. Mas têm ambos todas as outras características, como acima dissemos, dos períodos opostos, clássico e romântico. As duas extremidades se atraem, emparelham e compensam no tempo e no espaço. A unidade completa resulta da fusão dos dois contrários e cada qual nada pode fazer sozinho. Se a parte masculina não fecundar, a feminina nada gera. O fenômeno da civilização pode parecer processo de efeminação porque significa paz, conservação, bem-estar, luxo, refinamento, arte, cultura. Veremos mais tarde como a maturação, muito impelida nesse rumo, se resolve em podridão, assim como a oposta atividade viril termina em cataclisma, se muito forte. A Lei, nos seus equilíbrios, sabe corrigir os excessos, intervindo a tempo com impulsos contrários e compensadores. Existe proporção entre os de uma fase e os da sucessiva, como entre ação e reação. Isto faz-nos pensar em quão grande deverá ser a nova civilização do espírito, se a compararmos com a atual destruição conseguida pela civilização da matéria. Os preparativos são, de fato, gigantescos.

Torna-se necessário que, efetivamente, a onda, por sua mesma estrutura, em dados períodos, eleve das raízes da vida a forma masculina para salvar a humanidade da civilização acelerada demais, isto é, da efeminização, ou melhor, da maturação levada à putrefação. Então, o homem domina, tudo se viriliza, inclusive a mulher (como hoje acontece), enquanto no período oposto a mulher domina e tudo se efemina, o homem inclusive (como aconteceu no século XVIII). Quando chega a hora, ele intervém para verificar, à luz da realidade concreta, as superconstruções do período romântico; arrancar o que nele existe de falso e supérfluo, quer dizer, de não realmente verdadeiro na vida; reativar a circulação; dinamizar com novos impulsos. Nessa relação se encontraram a antiga Roma e a Grécia; na França, a revolução e o império frente ao período monárquico imediatamente anterior; e no mundo, a fase atual e o século XIX. E tudo isso para depois civilizar-se de novo com os produtos das civilizações vencidas, elaborados na luta e introduzidos em novo ciclo. Assim, nada se perde ou destrói; se o acessório supérfluo desaparece, a substância permanece e revive sem cessar. Melindramo-nos com a destruição feita por essas tempestades, porque só vemos as formas e vivemos na superfície. Se, ao invés, olhássemos o germe das coisas, veríamos que ele não morre jamais; e esse perecimento menos nos perturbaria, com essa explicação lógica.

Assim, onde há o perigo de excessivo efeminamento, onde civilização muito impetuosa enerva e debilita as raças, aí a vida coloca reforços para, com injeções de virilidade, dinamizarem a maturidade por demais cansada. Essa a função dos povos jovens, involuídos e primitivos, mas também mais próximos das origens da vida, transbordantes de energia, embora pobres de experiência e sabedoria; possuem dinamismo cuja quantidade, evoluindo, por enquanto não transformaram em qualidade. Naturalmente oposta é a função dos povos maduros, cujas riquezas espirituais os primeiros avidamente querem possuir, como se fossem alimento de que carecem para, assimilando-o, evoluir. Os primeiros oferecem dinamismo rude e decomposto; os segundos, sabedoria, produto de longas experiências. Estabelece-se entre os dois o mesmo equilíbrio existente entre jovens e velhos, uns e outros necessários à vida, embora com funções opostas. Com isso se obtém, de uma só vez, dois grandes resultados: 1) o progresso do involuído por obra e graça do evoluído, que assim dá rendimento coletivo à sua posição, vindo esta a constituir função biológica; 2) o recarregamento dinâmico das coletividades civilizadas e cansadas, trabalho do involuído, que preenche, ele também, função biológica. Desse modo, cada qual se compensa, dando o que tem e adquirindo o que não tem; todo tipo humano tem função e missão e os extremos da vida se ajudam alternadamente. A técnica regeneradora da vida, desde o caso sexual até ao da mistura das raças, funciona exatamente de acordo com o sistema das cessões e aquisições recíprocas, isto é, com o das trocas entre elementos contrários.

Se do exame dos princípios passamos ao nosso atual caso particular, evidencia-se como se encontra hoje o mundo na fase masculina, em que tudo, inclusive a mulher, tende para a virilidade. Explica-se, desse modo, o assim chamado despertar político-social da mulher, sua participação em atividade onde, em outros tempos, a consideravam incompetente. Encontramo-nos evidentemente em pleno período clássico, oposto ao romântico, quer dizer, em período de exaltação das qualidades do tipo guerreiro, materialmente conquistador, destrutivo, fecundante e semeador, violento, involuído, materialista. Estão momentaneamente deprimidas as qualidades do tipo oposto, cujo dinamismo agora se recarrega em silêncio, à espera da vez de entrar em ação. Quando isso acontecer, exaltar-se-ão as qualidades do tipo romântico e serão deprimidas as do tipo atual; e assim por diante. As verdades sustentadas pelo homem não exprimem muitas vezes senão a tarefa particular a realizar-se. Assim se explica a alternância da moda – não só nos vestuários, mas em todas as coisas –, forma mental essencialmente mutável e expressa em tudo. No novo período não se dará valor ao que hoje se admira; ao contrário, valorizar-se-á o tipo conservador, espiritualmente conquistador, construtor, preparador e maturador, pacífico, evoluído, espiritualista. A Lei nos obriga, instintivamente, a prezar o tipo que, no momento, está exercendo função de valor porquanto corresponde a determinado objetivo biológico e tende a alcançá-lo, explicando, como missão, suas qualidades particulares.

Chegará, pois, o período de refinamento espiritual. A ontogênese, diz-se, resume com rapidez a filogênese. Do embrião à juventude, a história da vida se repete no organismo. Assim, toda civilização, ao surgir, recapitula o seu passado, de acordo com seu tipo. A nova fase, porém, como vemos na trajetória dos movimentos fenomênicos, não se esgota nessa repetição sumária, mas continua o caminho para subir mais, conquistando novo trecho. Isso representa a conquista evolutiva da fase. Em princípio, pois, os motivos espirituais do precedente período do mesmo tipo serão retomados, rapidamente recapitulados e em seguida levados até mais longe. O que no passado foi ponto de chegada será agora ponto de partida, terminada a recapitulação. Os mesmos princípios, posto haver continuidade na evolução, serão desenvolvidos sob a forma de construções que antes não haviam encontrado os meios de tornar-lhes possível a sua atuação. Já sob bases orgânicas coletivas, a nova fase poderá ir muito além da antecessora do mesmo tipo, depois de ter sido obtida na mistura de povos, raças e civilizações a recíproca cessão e aquisição, isto é, a troca em que atua a técnica regeneradora da vida ou, noutras palavras, depois de dinamizados os exaustos e tornados maduros os involuídos. Desta vez o impulso espiritual encontra preparados meios bem diferentes de ação e, principalmente, esse movimento de massas característico de nossos tempos e em que poderá multiplicar-se, enxertando-se nele. Os meios de divulgação e de contacto e o aumentado nível médio de cultura permitirão muito grande alargamento de bases e de comparticipação. Doutro lado, a concepção espiritual da vida não ressurgirá como tentativa, tendência ou na forma que para tantos é crença vaga, mas ressurgirá como conhecimento e consciência das leis da vida acessíveis por via racional e experimental, no modo evidente da objetividade cientifica. Desta vez o homem, servido pela técnica, será dono de muitas forças da natureza, de muitos instrumentos e capacidades novas que antes ignorava. Assim, a sua nova espiritualidade não se concretizará unicamente nos casos de individualismo elevado ou, então, como elementar e prévio fermento de massas; mas se desenvolverá na reconstrução orgânica da civilização, impregnando-lhe todos os estratos e enquadrando-lhe todos os movimentos. A nova espiritualidade do terceiro milênio deverá realizar-se em plano coletivo muito mais amplo, mais profundo e orgânico do que qualquer dos precedentes.

A construção é grandiosa, mas nova em grande parte; e o novo não está isento de perigos. Vamos assinalar dois. Eis o primeiro: a formação do organismo coletivo representa moderna conquista que nossa fase apronta para a seguinte. Ora, toda construção tende à hipertrofia e à caducidade. Logo, o princípio de organicidade social ameaça tornar-se o túmulo do individualismo. Este, excelente produto da velha civilização, hoje deve lutar para não deixar-se absorver pelas novas afirmações do coletivismo. Causa dano perturbar os equilíbrios. O processo de unificação social não deve reduzir-se a processo antibiológico, destruidor de valores adquiridos que, ao contrário, se devem conservar e empregar. Assim, caminhando demais em direção da vida, arriscamo-nos a seguir caminho diametralmente oposto. A unificação orgânica coletiva não deve resolver-se no esmagamento e morte do individualismo, que contínua a ser a "via regia" da evolução; deve, porém, significar-lhe a coordenação em unidades maiores, em que ele, ao invés de mutilado e asfixiado, se torne expoente da vida social de relação. Produto biológico não se destrói sem dano. O novo trabalho consiste em coordenar os valores resultantes das conquistas realizadas, herança das fadigas humanas no transcurso dos séculos, e aumentar-lhe o rendimento na coordenação. A Lei quer o equilíbrio, isto é, não quer Estado onipotente de corpo social em que o indivíduo desapareça, mas a afirmação equilibrada dos dois princípios: o individual e o coletivo, opostos e complementares, por isso feitos para compensar-se mutuamente. Opostos, tendem a prejudicar-se um ao outro; todavia, são reciprocamente indispensáveis. O primeiro vale como material construtivo: sem ele nenhum sistema é atuante; o segundo, como força disciplinadora e coordenadora sem ela os valores do individualismo se anulam na luta e na destruição. O primeiro se move em direções e tende a conquistas, ambas diferentes das do outro. Um, caminha para especialização cada vez mais avançada, profunda e perfeita ou, seja, é separatista; o outro, anti-separatista, dirige-se à unificação mais íntima e completa. Os dois princípios preenchem função: o primeiro forma um por um os indivíduos; o segundo coordena-os em unidades cada vez mais vastas. Primeiro o princípio coletivo organiza os indivíduos em organismo familiar; depois, em classe social; em seguida, em Estado e Nação; mais tarde, em raça; finalmente, em humanidade; e, além de nosso ambiente terrestre, em organismos de humanidade. O indivíduo, segundo o grau evolutivo deve sucessivamente tomar parte nessas unidades múltiplas cada vez mais vastas e complexas, sem destruir a organicidade já atingida, mas encaminhando a menor para a maior.

Um dos erros do princípio coletivo será a redução do homem a máquina e a número, à irresponsabilidade, à servidão, à situação de indivíduo mantido pelo Estado onipotente, em posição crepuscular de segurança e passividade. Isso é antivital. Os desníveis de todo gênero, o estímulo do interesse, a liberdade de iniciativa individual, as competições em todos os campos incitam a atividade necessária para os experimentos de que nasce a evolução. A propriedade, tão bem conhecida até dos animais, constitui fenômeno biológico inviolável porque necessária para proteger e conservar a vida. Se o enquadramento chega à absorção; se paralisa a liberdade de movimento necessária aos objetivos da vida do indivíduo; se a disciplina chega à destruição da fisionomia individual e à sufocação, o princípio coletivo torna-se antivital. Seria antibiológico que a estatolatria atuasse, oprimindo a célula constitutiva, pois o Estado existe justamente para desenvolvê-la. Deve existir proporção entre cérebro e membros, equilíbrio entre centro e periferia, harmonia em tudo. Toda hipertrofia é monstruosa. O novo corpo social tem necessidade de ser plástico, adaptável, multíplice, de partes compensadas, de elementos substituíveis precisa não emperrar por causa da excessiva complexidade da organização, tanto mais vulnerável quanto mais complexa e assim, reduzida a fator de perigo para a vida. Não deve resolver-se em centralização absorvente, mas compensá-la com descentralização adequada. A ameaça do novo sistema orgânico está na preguiça do indivíduo, que se adapta e abastarda, servindo-se dele apenas para deixar-se arrastar, abdicando à própria autonomia espiritual e ao direito de evoluir porque, guiado pelo Estado e pela técnica, acredita poder, enfim, furtar-se ao trabalho. A ameaça está em que a igualdade chegue à podre indolência dos servos e à criação de rebanhos passíveis se serem dominados. Infelizmente o senso de responsabilidade tende a decair na razão direta do número. O apoio recíproco encoraja a inconsciência e por motivo de confiança recíproca enfraquece o autocontrole; é convite à ação cega que, quando isolada, é mais ponderada. O número, principalmente aos fracos, dá ilusão de poder, de segurança e também de impunidade. O número constitui a grande defesa e a única força das nulidades; estas sabem disso e nele se refugiam. O coletivismo pode ser desfrutado por elas e significar-lhes a exaltação. Na massa, em que vale a quantidade e não a qualidade, o inferior se valoriza e o superior se desvaloriza. O número nivela, tira dos melhores e dá aos piores. Como os primeiros constituem a minoria, todo agrupamento implica em piora mais ou menos pronunciada. Os primeiros descem até aos segundos; estes não sobem até aqueles. Assim, toda coletividade vale sempre muito menos que a soma dos indivíduos componentes. Senatores boni viri, senatus autem mala bestia (os senadores são boas pessoas; o senado, entretanto, é fera). E isso também porque o apoio recíproco diminui o esforço individual e, portanto, o rendimento coletivo. Desse modo, por causa dessa instintiva confiança de ovelha e da cessão de controle, as forças individuais de qualquer agrupamento humano se anulam ao invés de se somarem. Basta isolar o indivíduo, para dar-lhe de novo o senso de responsabilidade. Desfeita a miragem, cai logo em si. Nesses casos o homem se revela animal gregário. Mas, se deve ser enquadrado e disciplinado, deve também ser deixado sozinho e livre diante dos problemas da vida, para que aprenda a resolvê-los por si mesmo. Torna-se necessário que a evolução como coletividade não signifique supressão do esforço, tão de boa-vontade abandonado, para evoluir individualmente, porque nesse caso a evolução trairia seu objetivo, a ascensão. De fato, entravando o progresso individual, perturba até mesmo o princípio dele resultante.

Eis o segundo perigo, capaz de causar o naufrágio da nova civilização do espírito, impedindo-lhe atingir as suas metas: o bem-estar a segurança, o refinamento, se significam civilização, constituem o primeiro passo do enfraquecimento e da decadência. Para não apodrecer a vida deve exercitar-se continuamente na luta porque é da lei que a vida não seja fim de si mesma, mas instrumento de conquista. Ai do homem se, atingido o bem-estar material, se contenta e pára em plena estrada da conquista, sem avançar mais, em direção ao altiplano do espírito. A ascensão material, para não os senadores são boas pessoas; o senado, entretanto é uma fera degenerar deve ser apenas o meio para apresentar-se em novos horizontes intelectuais e espirituais, conseguir realizações mais elevadas, sob novas formas de luta, a fim de que a evolução continue. Só assim se poderá dar futuro à vida. A História já nos mostra como se manifesta a decadência tão logo o homem se detém no progresso obtido, como nas comodidades diminui a intensidade do trabalho evolutivo, e como a todo período de sofrimento segue período de ascensão. O alto padrão de vida pode adormecer as limitadas potências criadoras do espírito, que deve ser malhado e polido como os metais para manter-se brilhante. Para os indignos a vida pára e quem pára morre. Não se entenda o novo período como resultado de que se deva tirar gozo, mas como novo tormento de criação. Só se a lei de luta e seleção for levada para o plano mais alto, a vida não será traída e essa civilização terá conseguido seu objetivo. Só assim não será inútil e não tombará esperdiçando os frutos de passado tão longo. As civilizações deste tipo tendem a desagregar-se na efeminação, no refinamento, na inércia, como as do tipo oposto tendem a naufragar na violência e na destruição. Tão logo a civilização do espírito perde a substância e se torna forma brilhante, sem nenhum conteúdo mais, desperta ameaçador o fermento viril e masculinizante; desperta e sobe dos planos inferiores para jogar fora a estrutura que se tornou inútil. E isso lhe assinala o fim.

Nos primeiros capítulos deste livro, pela verificação de fatos, partimos do que o homem hoje é, e isso deixando apenas entrever o que deveria e poderia ser. Começamos agora a percorrer a longa estrada da ascensão. Levar-nos-á a vertiginosas alturas. E a grande massa humana, de que até mesmo no aspecto coletivo apreendemos os movimentos, irá diminuindo de tamanho até ficarem somente poucos casos excelsos, florescência de excepcional beleza e supremo esforço da raça. O problema coletivo só se concebe na base da evolução humana. A vida não sabe atingir os pontos culminantes senão sob forma individualista. Todavia, as próprias construções sociais não podem elevar-se sem adequado material humano, cuja formação constitui problema individual. Sem um novo homem, mais sábio e consciente do que o involuído hoje em maioria, os sistemas coletivos que nos dias de hoje tentamos tornar atuantes não podem atingir os objetivos que prefixam para si mesmos. Mesmo para resolver a questão social torna-se necessário, pois, começar pelo caso individual, visto como os dois fenômenos, individual e coletivo, se entrosam e amadurecem paralelamente. O engenheiro poderá fazer projetos maravilhosos, mas se não dispuser de bom material os edifícios por ele construídos desabarão. Tal entrosamento de fatos nos impele do aspecto coletivo ao individualista, da visão de conjunto à de suas particularidades. Se os cimos constituem exceção e não interessam às massas, os primeiros passos das ascensões humanas são problema vital também para elas e outras construções coletivas com elas relacionadas. Para, também sob esse aspecto, construir o progresso, torna-se necessário começar pela construção do indivíduo, pelo renovamento da forma mental dominante, a do involuído. Sem o estabelecimento dessa premissa, os atuais sistemas de enquadramento coletivo ou se reduzem a mentira ou não passam de utopia.

Comecemos então a observar o que o homem deve e pode ser, precisando cada vez mais o como e o porquê. Comecemos a demolir racionalmente a psicologia do involuído para substituí-la pela de tipo biológico mais evoluído: a demonstrar como de fato a vida é bem diferente daquilo que geralmente se pensa; a destrinçar a meada das falsas aparências a fim de chegarmos a compreender o engano das ilusões psíquicas que tantas vezes vitimam o homem. Só se a observação incidir-lhes, além das aparências dos fenômenos, na íntima estrutura de organismo de forças em ação, poderemos atingir seriamente e sem desilusão o objetivo instintivo e justo da vida: a felicidade. Como todos os jogos têm regras próprias, cada dinamismo, suas técnicas e cada fenômeno, suas leis, então, neste caso também, se compreende a necessidade de disciplina reguladora e diretriz da atividade humana, se quisermos vê-la atingir o fim a que tende. Todos compreendem que para se tornarem possíveis o melhoramento e a renovação sociais se necessita tornar comum o tipo humano excepcional em nossos dias, no qual predominam as características de honestidade. Trata-se de revolução biológica, por esta razão: o princípio separatista do egoísmo agressivo para seleção do mais forte é substituído pelo elevado princípio coordenador e harmônico do enquadramento do indivíduo no funcionamento orgânico da humanidade. O involuído não sabe decidir-se a essa transformação que implica o abandono das armas de ataque e defesa, pois teme ficar desarmado, sem proteção e, pensa ele, isso significa seu fim inevitável. Se olharmos bem o íntimo das coisas, veremos que só o desconhecedor das leis da vida pode crê-lo, e quem pratica o Evangelho não é pessoa iludida, enganando-se ao seguir utopias, mas homem que descobriu outras leis mais profundas, mais sólidas e perfeitas e utiliza na própria defesa princípio protetor completamente diverso. Como se vê, o indivíduo assim não renuncia precisamente às próprias defesas e, como pode parecer, não se abandona à mercê de todos os assaltos. Ao contrário, obtém outra segurança bem diferente, pois movimenta mecanismo de forças muito mais perfeito e resistente que a violência ou astúcia do involuído, mecanismo não compreendido por este, na ignorância inerente a seu grau.

Atualmente, a honestidade é considerada pelo involuído, muitas vezes, como debilidade, peso moral que embaraça a luta, posição de inferioridade, forma antivital de inconsciência, desequilíbrio, moléstia do espírito. Essa a perspectiva das coisas, do ponto de vista em que o involuído se coloca. Mas o ponto de vista pode mudar e então, obtemos perspectiva completamente diversa. Isso parece impossível até o momento da efetiva mudança do ponto de vista. Mas quando tal acontece, a perspectiva muda automaticamente. Como a retidão, a inocência e a obediência à Lei podem constituir instrumento de defesa melhor que a força, o egoísmo e a astúcia? Simplesmente absurdo, dirá o involuído. Não. É absurdo apenas para quem não possui o sentido orgânico da vida. E esta organicidade da vida é qualidade essencial sua, estado universal e acessível a todos, em qualquer tempo e lugar, porque depende da própria maturidade e não da compreensão alheia e do grau de organização social. Essa organicidade acha-se pronta a receber no seio todo indivíduo que saiba pensar e agir organicamente, não como arbítrio individual, mas como função coordenada no funcionamento universal. O indivíduo, ao contrário, pensa e age desorganizadamente. Crê ser forte e dominador; no entanto, não passa de caótico e destruidor. Seu egoísmo, que acredita ser-lhe necessário, é o princípio de sua desagregação; seu hábito de impor-se, para ele meio de poder, não passa de excitante de reações dolorosas da Lei; o imediatismo da vantagem obtida nos resultados próximos é apenas a imprevisão do dano que inevitavelmente os resultados longínquos lhe trarão. Observado à luz da mais profunda realidade das coisas, o involuído não nos aparece como ceifador de conquistas e de alegria, mas semeador de erros e dores, míope enredado nas particularidades das coisas próximas e ignorante das que, embora afastadas, também lhe dizem respeito, louco que em organismo harmônico, equilibrado e perfeito se debate na falta de compreensão, chocando-se com forças que, para ele invisíveis, ferem-no de morte. O mundo, dirigido pela bondade e pelo amor, estaria pronto para acolhê-lo em atmosfera de felicidade se o involuído soubesse comportar-se como Deus quer, em harmonia e cooperação. Pelo contrário, não compreende coisa alguma de tamanha bondade e beleza e agita-se em atmosfera de revolta e destruição, para acabar encarcerando-se em férrea gaiola de dolorosas sanções. Então, ainda se debate, debate-se cada vez mais e os nós vão-se apertando; aí, rebela-se mais ainda, maldiz, vai de vingança em vingança e, assim, agrava sempre mais sua autocondenação.

Inútil estar sempre cogitando novos sistemas sociais, enquanto não se puder dispor de outro tipo humano como material construtivo. Com esse homem anti-social e caótico não se pode pretender sólida construção coletiva. Para tanto, esse material deve ser cimentado pela fé e manter-se no espírito de cooperação, na disciplina material e moral e, acima de tudo, na retidão interior. Em face desse princípio fundamental de ordem, torna-se secundária, quase sem importância, a forma do sistema social, segundo o qual os homens tanto se separam e tanto se batem. Não é a estrutura do sistema o que importa e decide, mas haver entendido a lógica e a vantagem, até mesmo individual, da honestidade, esse novo e mais orgânico utilitarismo, e ter compreendido, ao contrário do que (assim dizíamos) possa parecer ao involuído, como a retidão é força, ajuda na luta, posição de superioridade, forma vital de consciência, equilíbrio, saúde do espírito. Algum sábio, sem dúvida, já o disse e redisse. Mas na vida dos povos valem os atos de muitos e não as palavras de poucos. Isso, verdadeira enfermidade do espírito, é pelo contrário a decadência do senso de retidão, causada pelo materialismo e de que tantos se orgulham como se se tratasse de superação. Significa decadência do senso orgânico da vida, quer dizer, debilidade biológica, perigo social, perturbação que se paga caro. E, com efeito, a vida hoje se tornou campo de competições tão torturantes e impiedosas que qualquer alegria se torna impossível, desaparecem a fé e a segurança, todas as coisas humanas se envenenam; por todos os atalhos do injusto corremos para o arrivismo, mas fazemo-lo de respiração opressa porque esse sistema embaraça e pesa; corremos, supondo-nos dinâmicos, mas é dinamismo fictício e traidor, que culmina na destruição universal. Neste mundo falso, o honesto é considerado estúpido e ingênuo. No entanto, é o único que, agindo de acordo com as verdadeiras leis da vida, pára e constrói parapeito protetor à beira do abismo. A honestidade constitui sempre o melhor negócio. É questão de compreender. E a desonestidade, diga-se o que se disser, é sempre o pior negócio, representa, em outras palavras, forma de estupidez.

Para solução de todos os problemas, repetiremos sempre, necessitamos compreender a Lei. Não vivemos no vácuo, em meio ao nada, no caos; estamos, pelo contrário, mergulhados em oceano de forças e, entre elas, somos força também; não podemos isolar-nos, fugir do regime de interdependência que liga tudo a tudo. Todo fenômeno tem vida e se move segundo trajetória determinada; representa impulso, vontade de existir em dada forma, de progredir em direção a determinada meta; representa dinamismo inteligente. Forma, vontade ativa e princípio diretor acham-se presentes em qualquer época e lugar. O conjunto imenso de todas as formas coordena-se em hierarquia; a rede de todos os impulsos, em sistemas dinâmicos; e o feixe de todos os princípios, na Lei. Tudo é ligado, sensível, correspondente. Não se podem evitar as proporcionadas e precisas reações a todos os movimentos. Tudo ecoa e repercute em cadeias de ações e reações. Qualquer ato nosso deve avançar fatalmente para o binário do determinismo causal e é, assim, guiado automaticamente em seus deslocamentos e enquadrado por limites e relações. As forças boas ou más, por nós movimentadas como causa, correrão ao longo dos canais do dinamismo universal; depois hão de voltar para nós sob a forma de efeito. De modo que, pensando com os nossos atos projetar impulso contra os outros, o que fazemos é lançá-lo, bom ou mau, contra nós mesmos. As repercussões são infinitas, as consequências parecem inexauríveis, tanto se prolongam. O impulso do bem se multiplica tanto como o do mal. O violento, que acredita dominar, impondo-se pela força, constrange milhares de pessoas a viverem amontoadas para dar-lhe lugar; e assim, ensina-lhes a se defenderem, pois lhes impõe substituírem, pelo trabalho ingente da própria defesa, o trabalho benéfico e profícuo da produção e conservação dos bens. O dano recai sobre todos, principalmente sobre ele. A psicologia do involuído impôs à sociedade humana os agrupamentos de classe, obrigando-a muitas vezes, para servir à defesa, a tornar-se instrumento de opressão. Assim nasce a norma jurídica primitiva, a sociedade torna-se agressiva e o ser inferior acaba por suportar, com dano, a última das reações em cadeia por ele mesmo postas em jogo. Toda forma de vida implica a outra; educa, e é educada. Só a ignorância do involuído pode acreditar na utilidade do egoísmo. O que o ilude é o imediatismo das vantagens obtidas. Não compreende, porém, que são momentâneas, reduzem-se a adiantamento a ser compensado depois, débito a ser pago; não compreende que são obtidas como imposição dos equilíbrios a que sempre voltamos, e a que nenhuma força ou astúcia humana pode com o tempo impedir que devamos voltar. Por essas razões o evoluído, sabedor de como a vida funciona, prefere seguir caminho mais estável e seguro, substituindo o princípio da força pelo do merecimento. Não apelamos aqui para a bondade e para idealismos superiores. Seria pedir muito. Trata-se apenas de sermos raciocinadores inteligentes para compreender o que é verdadeiramente útil. Um pouco de inteligência e reflexão bastariam para mudar não só os fundamentos da vida individual e social, mas também tanta dor em bem-estar.

Como funciona, pois, essa lei do merecimento? Como podemos ter-lhe tão profunda fé a ponto de, até mesmo na defesa e na luta pela vida, fazê-la substituir a lei da força? Se tudo isso é incrível para o involuído, torna-se verdade e real tão logo escape à rede de reações que ele pôs em jogo e agora o envolve. O involuído julga absurdo e inoperante tudo quanto, simplesmente, está fora de seu campo de compreensão e de atividade. Basta mudar-lhe a posição evolutiva para que também se lhe mude a técnica da vida. Quando, por evolução, passa-se do plano da força, lei do involuído, ao da justiça, lei do evoluído, o sistema do merecimento substitui automaticamente o da violência e astúcia. Já agora não precisamos mais de armas, mas de qualidade, não encontramos mais extorsões e constrangimentos, mas equilíbrios. Então, a melhor defesa consiste na consciência tranquila. Isso é lógico no regime harmônico de Lei feita de ordem. O problema todo se resume em sermos adiantados o suficiente para ver e compreender, em possuirmos a inteligência e a sensibilidade necessárias para manipular forças tão sutis. Eis porque fogem à psique grosseira do involuído. Trata-se de princípio protetor de qualidade, grau e potência diferentes do normal e cujo funcionamento não se pode verificar senão como forma de vida própria de plano biológico mais elevado. Para o evoluído que aí vive o verdadeiro sistema defensivo não consiste em acumular obstáculos protetores, mas em não merecer o golpe. A luta seletiva é substituída, agora, pela consciência da Lei, pelo princípio de ordem e de harmonia, em que não se trata de aprender a defender-se, como fortes, mas a merecer, como justos. O involuído nada sabe disso tudo, não sente esses equilíbrios, não vê esses jogos de forças, é material e materialista, tem no sangue instintos de revolta e, com esse modo de ser e de sentir, constrói seu próprio mundo inferior. Crê só no corpo;  fora dele não concebe a vida; crê que com a morte dele tudo acaba, apenas porque, além da morte, sem meios físicos sensórios, não é capaz de conservar-se consciente como o evoluído, para quem a morte não significa interrupção da vida. Em última análise, em que posição de fraqueza vem a encontrar-se o homem que aplica a lei de seleção do mais forte! Julga-se merecedor da vida e não passa de retardatário no caminho da evolução!

Quando recebe golpes, ingenuamente o involuído não os absorve nem os dilui, para eliminar de sua vida essa força, mas devolve-os e assim se liga sempre mais aos impulsos da reação que, conforme a lei de equilíbrio, o golpearão tanto mais quanto mais energicamente ele houver golpeado. O segredo da defesa hábil está, pelo contrário, na libertação; e só é livre quem conseguiu não merecer a reação. A esse ponto chegaremos se não nos revoltarmos, mas se conseguirmos assimilar os impulsos contrários, absorvendo-lhes o valor corretivo. Enquanto o involuído, com seu método desequilibrado, transforma todas as coisas em prejuízo para si mesmo, o homem evoluído converte em vantagem pessoal até o próprio mal. Sabe que todo erro deve ser pago, aceita por isso a reação como meio de reconquista do equilíbrio e não se revolta, para não aumentar sua dívida. A diferença consiste em ver as causas remotas, e não apenas as imediatas, do golpe que nos atinge. Assim, para o evoluído toda adversidade se converte em campo de treino, em escola de progresso ascensional. O sistema de revolta do involuído que, violentando-lhe os equilíbrios, pretende sobrepor-se à Lei, aumenta-lhe a dívida em lugar de solvê-la, aumenta-lhe o desequilíbrio e a desordem, ou seja, a dor. Ao contrário, o evoluído paga, liquida o débito, melhora de situação, readquire o equilíbrio e se harmoniza, alivia e elimina a dor. O erro consiste no modo de equacionar o problema. O evoluído compreendeu a lógica da vida e o significado dos acontecimentos, percebe a justiça existente na vontade que a dirige e, por isso, a conveniência de segui-la e não a de sobrepor- se-lhe; de fato, a paciência esclarecida pode criar mais do que a cega violência. Compreender a Lei e seguir a vontade de Deus constituem o caminho mais acertado.

O homem é livre, mas a Lei é inalterável. Livre para atrair sobre si todas as dores que quiser, não pode, porém, impedir o funcionamento da Lei. Livre para confundir liberdade e arbítrio, nele acreditar e julgar-se senhor absoluto, nem por isso pode impedir que liberdade, nesse regime de ordem, implique, responsabilidade, quer dizer, sanção punitiva do erro. O involuído, assim como luta contra todas as pessoas e coisas, também luta contra a Lei, quase considerando-a obstáculo à própria expansão. Nela, ao invés, o evoluído, coordenado, não encontra inimigo, mas amigo, auxiliar, protetor. Sua força não lhe reside no egoísmo, mas em Deus. Tudo depende da posição em que o homem prefere colocar-se. Chegamos assim a este ponto: o inerme, que segue o Evangelho e perdoa, pode vencer, materialmente desarmado, em melhores condições que o involuído, forte e armado até aos dentes. Parece utopia, subversão, milagre o que não passa de lógica entranhada no desenvolvimento das forças da Lei, imponderáveis e no entanto mais potentes do que o pesado armamento das defesas humanas. Tudo isso confere outro valor e significado à conhecida lei biológica da luta para seleção do mais forte, reduzindo-lhe a importância a limites bem estreitos. Outra lei se lhe contrapõe e anula. Ei-la: “Quem com ferro fere, com ferro será ferido”.



Quando se compreende o universo como construção orgânica, compreende-se também ser mais lógico o equilíbrio do justo manter-se nele mais estavelmente que o esforço do rebelde. Tratando-se de organismo, aí prevalece logicamente a posição espontânea e harmônica em detrimento da irregular e contrafeita. No conjunto, o universo apresenta-se como perfeito e completo mecanismo, ordenado e harmônico. Nas exceções e casos particulares residem as perturbações, previstas, porém compensadas, enquadradas na ordem. Para homens inconscientes e, todavia, livres, o ambiente humano representa um desses campos de desordem a título experimental. A terra representa, por isso, um inferno aos evoluídos e, talvez, um paraíso aos involuídos, adequados a esse ambiente. A opinião emitida a respeito deste mundo nos revela o tipo biológico a que pertence o opinante. Só a raça vale e justifica distinções. O homem, se quer alcançar determinado objetivo, compreende a necessidade de coordenar as fases da ação necessária e, assim, reconhece a ordem presente em todas as coisas; percebe, até mesmo no furto, no delito e na guerra, o rendimento utilitário da disciplina, do método e da estratégia, pois tudo isso pertence a seu plano. O que dissemos nos períodos imediatamente anteriores explica por que o homem, por imaturidade, não chega jamais, também no campo moral e nas diretrizes da própria vida, a sentir a falta e a utilidade dessa ordem. A ignorância e a inconsciência de plano mais alto explica-lhe a ação desordenada, baseada em violações e, por isso, em reações contínuas; mostra como o involuído pode crer na obtenção de resultado no campo do imponderável, sem coordenamento de ações, sem subordinação funcional, sem necessidade de seguir a Lei, sem harmonizar-se na organicidade universal. Exatamente a natureza de involuído é que estabelece o funcionamento de lei de força em lugar de lei de justiça. A baixeza do ambiente terrestre resulta precisamente das qualidades do tipo biológico que o habita e, cada vez mais satisfeito consigo mesmo, se julga ente superior. É, até mesmo, culto e erudito; mas o entendimento não depende de estudo e erudição. Trata-se de maturação biológica natural e inaplicável ao exterior, como acontece com tantos produtos de nossa civilização. O que induz o homem de hoje a engano é a miopia psíquica e o imediatismo do resultado, a psicologia do jogo rápido e a ignorância dos fenômenos de longa duração, a suposição de tudo quanto fica distante nada se pode aprender com segurança, a própria mentalidade caótica que apenas não desorienta e desarticula a fé por nós depositada no que já nos caiu sob as mãos. Sobra-lhe apenas uma vida defeituosa e truncada, resumida ao dia de hoje e indiferente ao longínquo amanhã. O involuído tem, assim, pressa de realizar e gozar, porque nada sabe e teme, intuindo instintivamente a instabilidade da sua posição, baseada na violação pela força, e não sobre os equilíbrios da justiça. O evoluído, ao invés, que sabe, não tem pressa, é seguro e calmo, sente-se em equilíbrio e tem fé no amanhã. Sabe que a justiça de Deus às vezes tarda mas não falha, seguramente; por isso, não julga apenas com os poucos elementos de uma só vida, mas com os fornecidos por uma vida muito mais longa, aquela que, num longo caminho de vida e de morte, se estende na eternidade.

Outro fato capaz de induzi-lo a engano é o seu julgamento, apenas sob o aspecto formal, do prazer e da dor, estados relativos e interiores. Sua posição sujeita-o naturalmente a muitas ilusões psíquicas que ele toma por verdade. Supondo-os, erradamente, iguais a si próprio, para avaliar os outros aplica-lhes as mesmas medidas com que mede a si mesmo. Ao contrário, as reações dolorosas impostas pela Lei variam justamente conforme a diferente posição moral de cada indivíduo, face aos equilíbrios da justiça, quer dizer, segundo o mérito ou demérito. As próprias dores podem, de acordo com a natureza dos ânimos, impressioná-los deste ou daquele modo e causar-lhes as sensações mais diferentes. O evoluído, em grande parte liberto, já não possui tesouros no mundo e torna-se intimamente muito menos vulnerável que o involuído que se atreve a julgá-lo. O justo sempre se sente mais tranquilo do que o culpado. A realidade não constitui o golpe em si mesmo, como vemos por fora, mas reside na sensação interior com que o recebemos, no modo diverso de propagar-se na personalidade a repercussão do golpe, proporcionalmente às diversas qualidades individuais. Eis realizada a lei do merecimento. O estado moral interior não pode modificar o exterior determinismo da matéria. Essa verificação engana o involuído. O plano físico subordina-se a diferente espécie de leis e os fenômenos físicos seguem caminhos diferentes daqueles do mundo moral. O merecimento, observa-se, não nos distingue na fuga ao perigo. Justos e malvados, os justos às vezes muito mais, todos sem exceção recebem golpes. Isso mesmo. Não deixa, todavia, de também ser verdade que a posição moral muda o estado espiritual e as condições de nosso eu e, por isso, as repercussões, a receptividade, enfim, a sensação dolorosa. Assim, se o fato exterior não varia, mudam as posições internas de defesa, as qualidades de resistência, o estado de equilíbrio, de juízo, de orientação, de continuidade. Se o mundo exterior, o único que o involuído vê, não se altera, o mundo interior – a outra metade do fenômeno – mostra-se igualmente poderoso; e se, ao iniciar-se, esse poder nada pode deslocar, tudo pode fazê-lo à chegada. O involuído não compreende como o estado moral, invisível para ele, possa mudar as condições do fenômeno na segunda fase conclusiva interior. Desse modo, divergem muitíssimo as íntimas realidades pessoais, os campos das sensações finais. A dor é estado interior sobre a qual muitos elementos influem; entre eles, porém, não ocupa o primeiro lugar o choque proveniente do mundo físico, dado pelo determinismo físico. Tudo seria tão diferente, se víssemos as coisas por dentro, ao invés de vê-las por fora! Ver-se-ia a possibilidade de gozarmos em plena miséria e sofrermos no fastígio da riqueza. O mártir na cruz pode sentir-se mais feliz do que o rei no trono! Tamanho poder tem esse mundo interior, ligado tão-somente ao merecimento. O estado de prazer ou dor não se mostra como fato objetivo igual para todos, mas relativo e dependente das condições interiores individuais. Prazer e dor, imponderável resultante do embate de forças e não do determinismo do mundo físico, fundem-se na intimidade do eu. O invisível escapa às vistas do involuído, crente de que tudo se desenvolva no plano concreto em que vive e nada mais possa existir além dele. O evoluído, que em parte superou o mundo material, também em parte lhe superou o determinismo (A Grande Síntese –  Cap.66) e recebe muito do próprio mundo interior, independente desse determinismo. Por isso sua vida não fica tão sujeita às sanções das leis do plano físico quanto às sanções das leis do plano espiritual e moral, bem diversas. Eis como este princípio mais elevado, o do merecimento, pode entrar em atividade e tornar-se distribuidor e regulador. Apreciações e julgamentos dependem das diversas perspectivas, mutáveis com as diversas posições. Daí nascem os desacordos, as valorações opostas. O mesmo fato pode assumir significado e valor oposto, ser compreendido como dano ou vantagem. A posição do materialista ou do espiritualista pode subverter o senso das coisas. Para o primeiro, a morte significa o fim; para o segundo, o princípio de outra vida; para um, a vida terrena é tudo; para outro, mero episódio; para um, a meta que deve conter todas as alegrias e realizações; para outro, meio de expiação, exílio, missão. Uns ganham, outros perdem com a dor, estes morrem na morte, aqueles na morte ressuscitam.

Os dois estados, de prazer e dor, não dependem apenas das leis do ambiente físico, mas também de leis próprias, que se deixam influir muito pouco pelas primeiras. Se o fenômeno nasce no mundo externo, continua e conclui no mundo interior. O tangível estado de fato exterior não tem tanta importância quanto a sensação que consegue produzir. Vejamos, então, de que realmente depende essa sensação. Prazer e dor constituem ritmo que lhes regula o aparecimento alternado, a forma de relação, a intensidade relativa. Os dois extremos são inversos e complementares, ligados por lei de compensação e equilíbrio; para verificar-se cada um dos dois estados não basta o choque exterior, mas torna-se necessário que a lei interior do fenômeno – lei do merecimento -, de acordo com a justiça, permita ao choque produzir efeito e transformar-se na devida sensação de prazer ou dor. Contudo, esse choque, seja qual for sua natureza, amortece a entrada da alma e não entra. O fenômeno é olhado em profundidade e entendido como desenvolvimento de forças; assim, liga-se à ordem universal, que não se pode romper, e deve equilibrar-se na justiça reguladora de todas as coisas. Principalmente o aparecimento ou o desaparecimento dos referidos estados, de prazer e de dor, pode ser determinado por essa lei e não pelo arbítrio humano ou circunstâncias exteriores. O arbítrio e as circunstâncias podem ser injustos, mas a lei é justa, boa, protetora.

Assim, o fenômeno se torna rítmico, equilibrado, compensado. Os dois estados se condicionam e compensam, não pode existir senão um em função do outro, o prazer em relação à dor e a dor em relação ao prazer. Desse modo se influenciam, se entrosam, se dosam reciprocamente. Segue-se daí que quanto mais sofremos mais somos capazes de gozar, visto como a privação nos permite saborear a menor alegria, que assim se torna imensa; e quanto mais gozarmos, tanto mais seremos vulneráveis à dor, porque, tendo perdido o contato com ela e a capacidade de suportá-la, impressionamo-nos demais e por isso o menor golpe se torna gigantesco. Quanto mais sofremos, menos o hábito nos faz sentir a dor e mais nos encouraça para suportá-la e nos confere certa imunidade; quanto mais gozamos, menos o hábito nos deixa saborear o gozo, que se dilui na repetição e se esfuma no fastio. Nem a nossa, nem a vontade alheia, nem as condições do ambiente podem mudar esses íntimos equilíbrios do fenômeno, sempre reconduzido em cada caso à posição de justiça. Em resumo: a continuação do sofrimento automaticamente diminui a reação dolorosa e aumenta a capacidade de reagir em sentido oposto; a continuação do prazer automaticamente diminui a reação de prazer e aumenta a sensibilidade e, pois, a vulnerabilidade em direção contrária. Assim, não há naturalmente correspondência entre a soma de bens acumulados e a quantidade de prazer obtida. As duas progressões não caminham paralelamente: a primeira é geométrica; a segunda, aritmética. Para os pobres e deserdados, há justiça maior do que essa? A satisfação diminui na razão direta do aumento dos bens; desse modo, a própria unidade de medida frutifica cada vez menos. O homem pode dirigir o fato exterior da acumulação de bens e não pode comandar o fato interior do rendimento. O homem egoísta gostaria de desequilíbrio; eis, porém, a Lei reconduzindo-o ao equilíbrio e impondo-lhe limitação; além desta torna-se inútil acumular porque a unidade de medida terá exaurido todo o potencial e não poderá mais proporcionar prazer algum. O homem egoísta desejaria satisfação ilimitada; mas, a Lei o reconduz ao equilíbrio e, agindo com critério diferente, impõe determinada medida de justiça e permite apenas o prazer e a dor necessários e úteis aos fins da vida. Assim, observamos agora como a Lei intervém para correção do abuso no sentido da qualidade. No fim do cap. II e no princípio do cap. III deste livro vimos, ao contrário, como a Lei influi para corrigir o abuso no sentido da qualidade dos bens, isto é, como permite que apenas a propriedade justa se mantenha. O primeiro e o segundo casos constituem aplicação da lei do merecimento. Vimos, pois, como a Lei tende ao triunfo dos valores reais e à derrota dos valores fictícios que o homem desejaria impor. O involuído por ignorância prefere pôr-se em luta contra a Lei; o evoluído, porque possui conhecimento, prefere pôr-se em harmonia com ela. Vimos como, não obstante a resistência do primeiro, em última análise impera a lei do merecimento, embora não a compreendam e não a sigam. O involuído, rebelando-se, não torce a Lei, mas inflige dano a si mesmo. Aprenderá, à custa do sofrimento. Não há outro caminho. Cada qual, porém, tem a liberdade de ordenar o campo de forças do próprio destino e, na própria vida, obedecer à justiça, embora em meio à injustiça do mundo, tem a liberdade, enfim, de em pleno inferno construir dentro de si mesmo o paraíso. Ainda neste caso a lei do merecimento muda o conceito da vida. As causas encontram-se dentro de nós mesmos e não fora. Quando chegamos a compreendê-lo, aí nos tornamos livres. Enquanto aceitamos as coisas como provenientes de fora seremos seus escravos e tremeremos diante da vontade alheia ao invés de tremermos perante nossa própria consciência. Para quem compreendeu, os valores normais se subvertem. O que nos golpeia não provém do arbítrio alheio mas do que somos, fazemos ou merecemos. No sistema orgânico do universo é absurdo, e impossível o desenvolvimento de forças dos destinos, os momentos decisivos, as provas importantes, o prazer e a dor, a vida e a morte ficarem a mercê do acaso ou da vontade de outro homem completamente ignaro. A lógica e a justiça impõe que tudo quanto nos diga respeito dependa somente de nossa vontade e seja decidido por nós apenas. Doutro modo, não poderia haver responsabilidade e a reação da Lei golpearia inocentes. É absurdo que o arbítrio alheio possa exercer tanto poder sobre nós, a liberdade humana impor injustiças à Lei e implantar a desordem no universo. Então, o patrão não seria Deus, mas o homem. Não! Tudo não passa de instrumento, o mal é contido e guiado, torna-se meio de atingir as finalidades do bem. Coisa tão grave como pesos de chumbo, tão importante como experimentação instrutiva e prova redentora, a dor não é força livre para aplicar-se ao acaso, mas força enquadrada no organismo universal. Essa dor só nos pode atingir, se a merecemos. Poderá produzir-se desordem particular e momentânea, mas em linhas gerais reina a lei de justiça. Diz o provérbio: "Quem não deve não teme". Merecemos tudo quanto nos acontece por "acaso"

Ao invés, o involuído acredita na lei do mais forte e na seleção à base de força. O evoluído por sua parte ouve a lei justa da honestidade e do merecimento. O sistema do primeiro, de conquista através de imposição, reduz-se ao contraímento de dividas e à miséria. Face aos equilíbrios da Lei, isso constitui erro que se deve pagar e, se domina o mundo, o transforma em lugar de sofrimento. Aqui em baixo todos procuram fora as causas que residem em si mesmos. Pertencem-nos. O problema consiste em saber fazê-las funcionar e não em saber evitar-lhes os efeitos. A causa é livre; o efeito, fatal. Posta em movimento a causa, a Lei se apodera dela, o impulso deixa de ser livre e não nos pertence mais. Nem força nem astúcia podem-nos livrar da obrigação de suportar os efeitos. Se semeamos o mal, colhemos o mal; se semeamos o bem, colhemos o bem. Mais adiante desenvolveremos esses conceitos (cap. XXIV e XXV). É justo que, em última análise, apenas a nós mesmos possamos fazer bem ou mal. Terminado, nosso ato torna-se inexorável desenvolvimento de forças. O destino é livre na fase inicial da formação, da determinação das correntes e do início da trajetória; fatal, porém, na fase de desenvolvimento das correntes e, especialmente, na fase final de eleito e conclusão da trajetória. Eis a justiça histórica. Geralmente consideramos o destino apenas nesse segundo aspecto determinista e ignoramo-lhe o momento mais importante da formação.

O conceito comum da vida desloca-se ainda. Não devemos temer o sermos desprovidos de força, mas o ficarmos contra a justiça. Devemos entender que, no fim, a justiça vence a força. As vezes demora, pois encontra muitas resistências no ambiente terrestre. Essas resistências conseguem embaraçar e retardar a Lei; jamais chegam a fazê-la parar. Pode o involuído iludir-se, acreditando no contrário; mas o evoluído sabe que a Lei acaba dominando. Se dominasse o acaso, o arbítrio, o abuso, a desordem, a vida se reduziria a cacos. Quem vai salvá-la? Quem vai garanti-la? Não poderemos, certamente, crer na suficiência dos pobres expedientes humanos! A vida deve ser protegida de modo absoluto e o homem não possui nenhum meio seguro de proteção. A incerteza reina na terra. Torna-se necessária segurança não possuída pelo homem, defesa superior, às ilusórias defesas humanas. A segurança nos é dada pelo império da Lei, pela onipresença de Deus. Não nos protege a força, mas a inocência; a única posição de segurança consiste em não merecer o golpe. Assim, nossas armas se desmaterializam no imponderável. Mas se o inocente é protegido, a Lei exige a responsabilização dos culpados. Os meios humanos poderão protelar, jamais conseguirão eliminar a necessidade de pagamento. Todavia, se a Lei é justa, ferreamente justa, exige a responsabilização, mas respeita a vida, protegida porque necessária ao aperfeiçoamento. Eis que a Lei corrige o impulso instantâneo e brutal de suas forças para ele não terminar em catástrofe; modera-o e amacia com novo impulso: a misericórdia divina. Podemos defini-la: "a elasticidade da justiça divina". Neste caso, elasticidade significa esperar, dosar, proporcionar a reação de modo a que eduque e não destrua. Assim a férrea lei do equilíbrio age com muito tato, adaptando-se às circunstâncias do caso. No maravilhoso organismo universal dirigido pela Lei tudo é elástico, provido de válvulas de segurança e meios de proteção. Conciliam-se desse modo, até se coordenarem em um só impulso de sabedoria, os dois opostos: misericórdia e justiça. No princípio absoluto de equilíbrio se incorpora o princípio da bondade, ambos necessários. Parecem contraditórios e, no entanto, não passam das duas metades inversas e complementares do mesmo princípio. A unidade é sempre par. Assim, como feminino e masculino, se coordenam o amor e a força, o primeiro para gerar e conservar, o segundo, vencer e construir. Dessa maneira se compensam as duas extremidades, postas por nós face a face: coletivismo e individualismo; o primeiro oferece o desenvolvimento em largura, a formação da massa numérica, a quantidade; o segundo, o desenvolvimento em altura, a formação do indivíduo, a qualidade. Mesmo essas duas extremidades tendem a equilibrar-se através das qualidades e funções opostas. Esse contraste não se chama cisão, mas harmonia.

Começamos a subir os primeiros degraus das ascensões humanas. A atual maioria da humanidade vive e age inconscientemente como marionete, manobrada por instintos, sem saber nada a respeito do porquê das coisas, sem compreender o que e por que faz, as reações a que dá nascimento, as consequências dos próprios atos. Por esse conhecimento fundamental, que, segundo a lógica mais elementar, deveria anteceder qualquer ação, o homem de nossos dias raramente se interessa e prefere, em primeiro lugar, agir para depois compreender. Parece que os problemas do animal bastam para encher-lhe a vida e saciá-lo. Talvez o homem comum se perdesse em meio a essas questões que devem parecer-lhe de complexidade espantosa, a ele que vive na periferia, na superfície, e não no centro, na profundidade. O pensamento das filosofias apresenta-se-lhe contraditório; o das religiões, insuficiente; o da História, desconexo; o da política, faccioso e interessado. Em face dos mais importantes e, contudo, mais simples e necessários problemas da vida, como, por exemplo: “Quem sou? Donde vim? Para onde vou? Por que vivo? Por que sofro?”, o homem se percebe desnorteado e só, porque o pensamento humano ainda não soube encontrar a síntese completa que lhe responda a tudo e, se tivesse sabido, conseguiria interpretá-la apenas de acordo com sua relativa maturidade. O homem de nossos dias vive, assim, em uma espécie de resignação à ignorância, de adaptação à inconsciência; contenta-se em vegetar. Se isso pode ser dura contingência de sua evolução, é também triste aceitação e humilhante declaração de incompetência. Podemos continuar a viver nesse estado? Só o involuído pode contentar-se com ele. Podemos continuar a agir sem entendimento, somente à custa de suportar as dolorosas consequências dos inevitáveis erros e desastres de que está cheia a vida individual e coletiva. Não é por isso, certamente, que aos acontecimentos humanos, individuais e coletivos, faltará diretiva; esta, porém, não é confiada ao homem, não pode ser revelada a inconscientes; mas sê-lo-á qualquer dia, quando houver conquistado conhecimento e sabedoria. A formação de nova civilização do espírito, a formação do novo tipo humano do III milênio significa a conquista de novo e imenso domínio, com o controle exato das diretivas da vida em nosso planeta. Não se trata de revolução social, exterior e formal, mas de maturação biológica, profunda e íntima. Os enquadramentos políticos, nacionais e internacionais, poderão ajudar; o que decide, porém, acima deles, é o tipo de formação do novo homem, cuja sabedoria e maturação evolutiva possam finalmente permitir, não que as forças da Lei o dominem, como se torna necessário fazer com os inconscientes, por meio dos fios de seus instintos e das reações próprias, mas lhe revelem o segredo da própria estrutura e confiem a função de dirigir a vida no ambiente terrestre.

O homem atual crê estar sozinho no caos; no entanto, participa de imenso organismo. Involuído e, pois, insensível, inconsciente e ignorante, vê a desordem da superfície em que vive e nem suspeita a ordem presente nas causas, no interior das coisas. Enquanto evolui, deve o homem aprender a tornar-se cidadão dessa pátria maior, o universo, e colaborador consciente desse grande organismo, harmonizando-se com todos os fenômenos irmãos e criaturas irmãs, com seus semelhantes, com as forças da Lei. A felicidade e o paraíso consistem, exatamente, nessa harmonização. Semeando, como fazemos, em ignorância e rebelião, só se podem colher reação e dor. Semeando em sabedoria e harmonia, colheremos felicidade e paz. Isso significa civilizar-se a sério, e não ter aprendido a construir máquinas sem depois saber fazê-las trabalhar. Em todo campo, político, social, científico, filosófico, moral, torna-se necessário passar do sistema caótico ao sistema orgânico. O sistema do universo é perfeito. Nós, que não sabemos mover-nos nele, é que somos imperfeitos. Esse sistema contém a possibilidade de toda a nossa felicidade. Todavia, em nossa inconsciência, apenas dor sabemos extrair. Culpa do homem, não de Deus. Pode-se eliminar a dor que, conforme a sabedoria divina, aliás, foi feita para ser destruída. Mas, para chegar a esse ponto, torna-se necessário compreender. O universo funciona como instrumento musical de que se pode tirar música divina, alegria infinita. Torna-se preciso, contudo, sabê-lo tocar. Arrebentamos as cordas e vamos às cegas. Que podem tocar semelhantes músicos? Então, culpamos o instrumento que toca mal e não a nossa animalidade que não sabe tocá-lo. Quem insiste agride a si mesmo, toca cada vez pior, cada vez mais se engana e se divorcia da ordem e, daí, colhe sempre maior quantidade de dor. A Lei faz quanto pode para salvar-nos, e de fato salva, apesar de todos os nossos erros e dores. Somos livres, no entanto: enganando-nos e sofrendo, devemos aprender porque temos de compreender, porque somos destinados a empunhar as rédeas do comando qualquer dia; qualquer dia, trabalhosamente conquistada a sabedoria, poderemos e deveremos empunhá-las.

Ao sábio que se harmoniza, que sabe conformar-se, como se diz, com a vontade de Deus, a Lei se manifesta como ajuda amorosa e espontânea, música plena de bondade, proteção e previdência; ao contrário, ao inconsciente que se rebela e, seguindo Lúcifer, substitui pela própria a vontade de Deus, manifesta-se como prisão de ferro em que, prisioneiro, se agita. Quanto mais recalcitra e se debate, mais a corrente magoa, os nós se estreitam. Pode bater com a cabeça nas grades invisíveis; quebrá-la-á e elas continuarão imóveis e intactas. Para resolver os problemas, o caminho não é a violência e a imposição, mas a harmonia e a obediência. Basta havê-lo compreendido para se porem de lado todas as concepções de que habitualmente se vive. O homem com muita facilidade crê poder, impunemente, praticar o mal. Não! A impunidade é ilusão, filha da ignorância humana; a mentira, feitiço que se volta contra o feiticeiro. O mal não traz vantagem e a mentira acaba por enganar o próprio mentiroso que a diz. Quem rouba será roubado; quem mata será morto; quem engana será enganado; quem odeia será odiado. A Lei o quer, essa é a estrutura do sistema regulador do universo. Trata-se de organismo de forças inteligentes, poderosas, invisíveis, onipresentes, indestrutíveis. Por mais que se agite, o homem nada pode contra elas e toda revolta se transforma em dor. O homem deve compreender que não pode conseguir a expansão esperada à custa do prejuízo alheio, aliás o seu próprio. Crê na usurpação, na estabilidade dos desequilíbrios; a Lei deixa-o à vontade; depois, para aprender, paga com o sofrimento; mais tarde, porém, o reconduz, inexoravelmente, à justiça e ao equilíbrio. O involuído, na sua ignorância, presume dominar; ao invés, obedece sempre. A Lei, bem mais sábia que ele, não lhe permite senão a prática das violações e erros úteis para sua dolorosa experiência. O espírito de rebelião, filho de Lúcifer, está no lado baixo e involuído da vida; o de obediência e harmonia, no lado alto e evoluído. A evolução é, justamente, processo de reordenamento e harmonização, que atua através da fadiga e da dor, substância da redenção.

As massas humanas, vastas como o oceano, vão à deriva, na ignorância dessas verdades elementares, e caem vítimas das próprias ilusões. A realidade é bem diferente da que comumente se imagina. Quem rouba crê enriquecer, mas empobrece; quem mata não prolonga sua vida, morre; quem engana se engana; quem odeia se odeia. Quem foi injustamente roubado receberá compensação; quem foi morto injustamente ressuscitará em alegria; quem é honesto e de boa fé verá a verdade, embora tenha sido enganado; quem ama será amado, apesar de hoje ser odiado. A chave da felicidade não está na força ou na astúcia, mas na justiça e no mérito. No mundo reina a dor porque o homem não segue a ordem divina; é rebelde seguidor de Satanás. A causa não está em Deus, e sim no homem. Bem diferente, a falada seleção do mais forte! Se isto aparece na superfície, na profundidade existe lei biológica muito diferente, que diz: quem transgride paga. E a humanidade paga, porque é filha de seus erros milenares. Se olharmos, porém, a outra face da dor, revelar-nos-á seu poder criador e curativo, seu outro aspecto escondido, onde está escrito: alegria. A Lei é boa e ajuda-nos a pagar e sanar tudo, se o merecermos; auxilia-nos, tornando-nos possível transformar o mal em bem, a perda em ganho, a dor em felicidade. A bondade de Deus permite-nos a redenção, quer dizer, subir de novo através de provas a escada da evolução, que havíamos descido. Mas se transformam, ainda, outras concepções de que habitualmente se vive. A posse dos bens, a propriedade referida acima, pela qual tanto se luta, já não é meio de gozo, mas instrumento de trabalho. O princípio de função e missão substitui o de egoísmo. Nascemos e morremos nus. Durante a viagem da vida os bens vão e vêm, a riqueza circula de mão em mão, pertence a todos; as trocas servem para que ela não diminua. Não há posse, estabilidade garantida. Tudo não passa de usufruto, empréstimo temporário que uma crise, um furto ou a morte podem a qualquer momento tirar; empréstimo concedido a título de instrumento de experimentação e trabalho na terra, de aquisição de qualidade na arena da vida, administrado pelo homem como meio de construir-se a si mesmo e não para seu gozo. De fato, como estabilidade, do ponto de vista hedonístico, a riqueza é mal e, do ponto de vista jurídico, impotência: É, pois, erro biológico conceber egoisticamente a riqueza, como faz o homem moderno, não obstante todos os coletivismos em moda. Não somente a propriedade, mas a própria autoridade e toda atividade social, não devem, egoisticamente, ser concebidas como meios individuais, e sim coletivamente entendidas como função social; todo exercício, atividade, posse e domínio deve encarar-se como missão. Por mais que procuremos isolar-nos para fruição dos bens, a vida é unitária; não podemos impedir que sejamos irmãos, pois nela tudo é intercomunicante e comum, apesar de todas as nossas barreiras protetoras e divisórias. Os bens não passam de ferramenta. E nada mais. Aprendido o ofício, são entregues a outros aprendizes. Não se encontra no caminho certo quem procura enriquecer só para si e seu gozo. Tornar-se-á incansável escravo do tesouro e condenado ao terror de perdê-lo. A verdadeira conquista não se dirige às coisas, mas às forças que as geram e movem. Pobres ladrões, arrivistas, pobres invejosos por fácil e rápido sucesso! Como vocês empobreceram, ao invés de ficarem ricos; como foram derrotados, os que assim triunfaram; como perderam, os que desse modo venceram!

Sem esse inusitado conceito da vida, sem essa subversão completa das ilusões do mundo não se pode imaginar civilização nova. Tão lógico, tão simples, tão natural. Nela deverá desaparecer a distinção entre valores aparentes e valores reais, chaga de nossa humanidade. Levam-se em conta as qualidades. O que importa é ser e não possuir ou aparentar. Só o que é possui a causa, tem o germe das coisas, ou seja, a potência e o modelo para reconstruí-las ad infinitum4. Não há outro caminho para a posse, no transformismo universal mutável, senão o domínio sobre as forças genéticas do fenômeno. Na posse das capacidades intrínsecas, em meio a tanta avidez de furto e à precariedade de qualquer posição social, o involuído afinal encontra o indestrutível. O homem do futuro, mais adiantado, saberá dar mais valor ao que não se rouba e não se destrói; e muito menos ao que se pode perder, prender-se-á mais à potência intrínseca, geratriz e reguladora de tudo, do que às suas efêmeras manifestações exteriores. O evoluído não se amedronta nas horas escuras da desordem; está prevenido e preparado, quando os acomodatícios são atingidos por golpe vindo de baixas camadas sociais; aceita-o como enérgica varredura na casa suja da vida e continua imperturbável, porque já encontrou e possui o indestrutível. Os nós humanos, assim como se fazem, se desfazem; a riqueza e todo poder podem perder-se exatamente como foram conquistados. O que tem princípio só por isso há de ter fim. Tudo o que nasce deve morrer. Apenas o eterno não tem fim, o que não nasce vive para sempre. Só o involuído pode acreditar no contrário. De eterno não temos senão o espírito, com as qualidades que, vivendo, lhe imprimimos; com o feixe de forças de seu destino, postas em movimento por nós.

Os fatos de nosso tempo demonstram quanto é involuída a humanidade atual e quanta sabedoria diretiva lhe falta. Resolveu-se em destruição medonha todo o progresso mecânico, fruto da ciência do nosso século e vitória de nossa civilização. A soberba técnica, conquista e louvor de nossos dias foi entendida como fim e não como meio; a sabedoria do espírito não lhe serviu de guia. Sem direção, a máquina não construiu, mas destruiu. Faltou-lhe sabedoria, predomínio dos valores morais hierarquicamente superiores. O homem subverteu a ordem natural e paga por isso. O materialismo moralmente destruidor atingiu, desse modo, a última fase de realização concreta. A negação, partida do espírito, atingiu a matéria; o ateísmo nietzschiano deu fruto. A superprodução industrial, ao invés de trazer abundância, trouxe a miséria. Espantosa Nêmesis5, consequência lógica das forças incluídas no sistema. A orientação espiritual negativa da moderna civilização mecânica a entrega à destruição total. Os imponderáveis que ela negou e, negando, moveu em sentido negativo, amarram-na agora, prendem-na e seguem-na; não poderá parar antes de esgotado o próprio impulso. Só mais tarde, como homens mais evoluídos, a reconstrução, melhor e posta bem no alto, surgirá das cinzas do mundo atual. Os destruidores modernos serão excluídos do futuro, pertencente aos reconstrutores. Está passando a hora dos destruidores, que serão expulsos da vida do mundo. Nossa miséria será como deserto, mas, também, como terreno limpo, para reconstrução maior e melhor. Esse deserto atrai as potências inexauríveis da vida. Jamais, qual na profundeza da destruição, a vida tanto se renova; jamais, como no abismo da necessidade, tanto se manifesta o poder criador de Deus. Na necessidade, dolorosa e redentora, aparece para Seus filhos a providência do Pai.

Assim a vida sem cessar caminha. Por mais que o homem procure cristalizar suas posições através de laços jurídicos; estabilizar suas conquistas por meio de convenções sociais, públicas e privadas; fixar seu estado em instituições e formas definitivas; por mais que procure, a evolução não pode parar e, a cada nova maturação, a velha construção, tendo crescido, não se encontra à vontade na velha casca e rompe-a para formar invólucro mais amplo. Há constantes necessidades da forma, para se definirem as posições; essa forma, porém, a princípio cômoda habitação, torna-se prisão mais tarde. Necessária, também, a contínua destruição e reconstrução da forma, único meio de poder conciliar a necessidade, imposta pela evolução, de progresso e crescimento, com a de abrigá-la na forma que exprima exatamente as características atingidas em cada nova maturação evolutiva. Não só nesse caso, mas em toda a vida se verifica a luta entre forma e substância: a primeira, imóvel, com o objetivo de definir-se; a segunda, fluida, tendo em vista a evolução; a primeira, por necessidade que tem, como invólucro continuamente despedaçado pela pressão interna da segunda. Exatamente desse contraste de funções opostas e necessárias nasce a instabilidade de todas as formas da substância, a caducidade dos corpos da vida. As formas constituem apenas etapas no caminho da evolução, paradas em que cada fase se define e exprime. Mais tarde, essa roupa não serve mais, pois o corpo cresceu; torna-se necessário rasgá-la e fazer outra mais ampla, mais na medida. Assim as revoluções destroem as instituições e as leis revolucionam as construções jurídicas e os arcabouços sociais, como a morte destrói os corpos para que a vida possa fazer outros melhores, mais de acordo com o novo grau de evolução atingido. O caminho evolutivo é fatal. Hoje o mundo é o campo da batalha entre o princípio da força, disciplinado e estabilizado em formas jurídicas, e o superior princípio da justiça. O homem do segundo tipo cresceu; está para tornar-se homem do terceiro tipo. As velhas instituições, tão adaptadas antes à sua natureza, estão para tornar-se a prisão em que ele se agita, oprimido, e procura arrebentar a fim de fazer casa mais vasta e proporcionada. Nossa fase não é de estase, mas de progresso e criação. A destruição precede a reconstrução, momentos sucessivos e ambos necessários do processo evolutivo. Os destruidores, como os reconstrutores, exercem função biológica; mas cada qual em seu posto. Os primeiros fazem seu trabalho e, então, julgam-se donos da situação e iludem-se, supondo que podem fazer a evolução parar e progredir em seu plano. Eis, porém, superada a fase. E eles, simples instrumentos da Lei, já esgotada sua função, de acordo com sua capacidade, são postos de lado. Antes, sua qualidade era ignorância e a ilusão, a natural herança. A evolução que não compreendem vai-lhes no encalço e agarra-os. E, por mais que se agarrem às posições, não podem mantê-las. Assim, as revoluções devoram os próprios homens. Depois, a vida fatalmente impõe a reconstrução e, para esta, escolhe diferente tipo biológico, a ela adequado, do mesmo modo como fizera para o trabalho de destruição. E assim, na essência, os inimigos que se digladiam e os rivais que se odeiam são companheiros de trabalho; confraternizam-se, sem o saberem, na mesma obra de progresso em que, ignorando-se um ao outro, trabalham nas sucessivas fases. Mesmo o próprio antagonismo entre eles existente cifra-se apenas na instintiva e inconsciente necessidade de exercer ao máximo a própria função, necessidade impelida até à rivalidade e ao ciúme do trabalho. Somos todos, cada qual em seu posto, executores da Lei e servos de Deus.

A ascensão evolutiva não pode parar. As massas não sentem a proximidade dos tempos futuros. Assistimos hoje, de fato, ao desnorteamento da História, como nos tempos de Cristo. Podemos repetir com Virgílio: Magnus ab integro saeculorum nascitur ordo (A maior ordem nasce da integridade dos séculos) . O futuro pertence à nova geração de homens de tipo biológico mais elevado. É inútil retardarmos os passos em meio aos progressos do mundo velho. A ignorância, o egoísmo e a preguiça não podem fazer a vida parar. A lei de progresso esmagará todas as resistências, porque é também poder de expansão divino, que é centro e princípio do universo. A História caminhou sempre assim, ascendendo passo a passo; nela é normal a realização progressiva de ideais, em princípio utópicos. Desse modo, da potência íntima do sêmen desabrocham novas formas de vida. O novo já vibra no ar, no estado fluido e incorpóreo de vibração, de dinamismo, que é causa das formas, prestes a encontrar o corpo em que se fixe e se defina. Tipo biológico mais evoluído, dotado de consciência nova, deverá formar a classe dirigente. Depois do desenvolvimento mecânico, que termina pela obra de destruição, deve acontecer proporcional desenvolvimento espiritual que torne seus resultados utilizáveis em obras construtivas. Os equilíbrios da vida e a lógica do progresso impõem que, fabricado o instrumento para o domínio material do mundo, se produza também a consciência diretora, capaz de empregar utilmente esse instrumento. Isso porque, na vida, nenhum passo é inútil, nada se desperdiça e tudo tende organicamente para determinado objetivo. Só assim o progresso técnico não terá sido inútil e o homem poderá alcançar, como espera, o domínio não só mecânico e material, mas inteligente e completo do planeta. Para dominar, a sério, é necessário princípio de ordem, central e diretivo, que não pode estar senão no espírito. Só ele pode conferir caráter de organicidade ao conhecimento científico e à potência técnica. A característica fundamental da nova civilização será a afirmação de ordem. Partindo do conhecimento da Lei e da consciência da ordem divina em todas as coisas, chegar-se-á a nova e mais completa harmonização entre os atos da vida e seus princípios; e daí a novo superamento da dor e à aproximação da felicidade. Assim eliminadas e disciplinadas interiormente, as formas de vida individuais e sociais se transformarão e a existência assumirá novo significado. Carecerão de sentido amanhã as atuais distinções. O verdadeiro chefe de todas as revoluções e de todos os poderes é a Lei de Deus; manobra os líderes que podem mandar apenas enquanto obedientes às leis do progresso e à vontade de Deus. Tendo em vista os objetivos da evolução humana, a Lei estabelece as posições e distribui as funções; humilha os grandes e exalta os humildes aos postos de comando; depois, liquida todos com justiça, ou seja: com honras, se cumpriram a missão; como refugo da vida, em caso contrário. Interessa a ascensão de todos; dela somos, ao mesmo tempo, escravos e senhores. Embora quase todos queiram, com egoístico isolacionismo, que as coisas girem em torno de si mesmos, qualquer ação nossa é função coletiva; e toda vida é missão.

A luta moderna se trava, como sempre, entre o velho e o novo. O primeiro se aconchega entre as gigantescas construções do passado, mas tem contra si as leis da vida. Não nos ensinaram elas todo o dia o superamento do passado? Todo dia não vemos, apenas em homenagem ao progresso da vida, os moços substituírem os velhos em suas posições? Isso acontece entre as plantas e os animais, como entre os homens. Não se pode resistir a essa vontade de renovação. A vida não pode existir senão na forma de ascensão ou como meio para caminhar, cada vez mais, em direção do divino centro do universo. Trata-se de imponderáveis; poderemos negá-los e até mesmo rirmo-nos deles; mas arrastam-nos e seguimo-los. A vida pertence a quem sobe e não a quem pára ou desce; o futuro está sempre mais em cima. A vida faz-se de construção, embora deva atravessar a destruição. O universo é função imensa e perfeita, dirigida pelo pensamento de Deus, movida por forças titânicas e imponderáveis, sempre e em toda a parte presentes e ativas. Tudo está regulado, previsto, tudo nele se resolve em ascensão.