Depois de haver completado a critica poliédrica do fenômeno, concluamos com a descrição das sensações que produz no sujeito. Quando se avizinha a fase da retomada de alta potencialidade, ele é advertido como por um longínquo ribombar de trovão no meio de uma calma que prenuncia tempestade. Aquele ribombar lhe diz que está iniciado um trabalho interior, passou da fase latente no inconsciente. para sua fase atual no consciente Há, nisto, qualquer coisa que se assemelha ao despertar da vida na primavera, depois do seu sono de inverno, isto e, um  “quid” de apocalíptico que se sente surgir no relativo vindo do absoluto. Percebe-se, então, que alguma coisa age profundamente em nós, proveniente das fontes do ser. É uma gênese, uma criação, uma nova manifestação divina que vem à luz. Sente-se, então, que a vida, e nela o nosso pobre Ser, é um canal através do qual o pensamento divino abre o caminho para a sua expressão, que o nosso pobre Eu é um instrumento de qualquer coisa de vertiginoso que o transcende e que quer operar através dele. E eis que a mente se torna túrgida de conceitos. É uma floração interior, intuitiva, irresistível, não preparada, não buscada. Acumula-se, assim, pouco a pouco, um punhado de pensamentos, em que navegam visões, problemas, soluções e conexões com o todo, em uma orquestração sempre mais vasta e complexa. Assim, os simples motivos iniciais se dilatam, entrelaçando-se em uma completa organicidade. Os germes conceptuais se esboçam e vêm a desabrochar quais gemas e flores. O pensamento se diferencia e se desenvolve como na multiplicação celular do embrião e, assim crescendo, faz pressão de dentro para manifestar-se à luz como feto maduro que quer nascer. Esse é o período de mais intenso e cansativo trabalho. A consciência lança-se ávida sobre todos estes conceitos para registrá-los, mas eles ainda lhe fogem na sua integridade. As visões são ainda fragmentárias e evanescentes. A mente não tem ainda o poder da penetração dado pela alta freqüência e persegue como em corrida laboriosa esse primeiro vertiginoso turbilhonar do pensamento. Essa ascendência conceptual não assume a mesma forma: alguma vez é racional, científica, outra vez mística, e emergem assim as soluções dos mais variados problemas de qualquer gênero, conforme o que foi proposto ao espírito, nos ciclos precedentes. Influem ainda as estações. O outono, em nosso caso, está mais adaptado aos trabalhos racionais, como a primavera o é para a inspiração mística, culminante no período pascal. O verão ardente de sol é negativo para esses estados de alma, que similarmente refogem de dia para florir à tarde até alta noite.

Dessa maneira a pressão interior se faz sempre mais intensa Ela quer explodir tomando a forma de uma exposição orgânica completa no seu campo  Cada conceito tem uma face e uma voz. O leitor pode imaginar uma maré subindo de um oceano feito pela mole de imensas massas de vultos e pelo estrépito das infinitas vozes da vida. Estas começam a falar submissas como o murmúrio da floresta, feito pelo sussurro de infinitos seres que despertam ao sol da primavera. E verdadeiramente o espírito tem a sensação de ser tocado por uma radiação que ilumina, aquece e vivifica. Mas gradualmente aquele murmúrio se torna voz possante, e a radiação que aquece se faz abrasadora. Tudo, pouco a pouco, se agiganta, se levanta, se põe adiante imponente e ameaçador. A ânsia para seguir, para tudo agarrar, para estreitá-lo e mantê-lo em seu poder, se torna tensão em que o espírito parece despedaçar-se. Esse é o momento crítico da ascensão e o da transformação de potencialidade. O ser o supera com angústia, sentindo-se preso e envolvido por um turbilhão de forças, como por um furacão que tudo abala. A consciência é perturbadora porque se desloca o centro vital para um plano mais alto. Ela sente-se presa no turbilhão de uma vida sempre mais intensa. E uma sensação de vertigem e de amedrontamento, como a de cair em um abismo de fogo.

Superado esse ponto crítico o Eu reencontra-se em um plano mais alto, onde não há mais a agitação das mutações, mas onde só há a grande alma da alta potencialidade. Então o Eu toma plena posse do seu novo estado, reconhece-se qual era o cume do ciclo precedente, reencontra a sua potência e lança-se com ímpeto e alegria no vórtice da criação. A vertigem do estado de transição é superada; todo problema é encarado e resolvido por visão, como um novo sentido da verdade, que dá a orientação na organicidade universal e em cada problema particular. A consciência encara, sem mais tremer, os abismos do infinito que, agora, é o seu elemento natural e com o qual está em plena sintonia. A consciência sente-se senhora dele, lança-se em vôo nessa nova atmosfera e, como um ser aéreo destacado da terra, encontra a calma potente das altas velocidades. E a exposição conceptual surge, calma e alegre, límpida e vibrante, por escrito, nos profundos silêncios da noite. Estando tudo já completo na elaboração interior, a redação torna-se simples fato mecânico. Tudo se reduz a um registro de visões conceptuais. Para estas, a preparação cultural não serve, nem os livros humanos, porque se lê somente no grande livro da vida, no qual está escrito o pensamento de Deus. Trata-se de um trabalho absolutamente livre, ao qual são inaplicáveis as normas dos trabalhos comuns, obrigatórios e com pagamento. A maior obra criadora não se pode fazer senão além dos meios e das leis humanas.

Enquanto o organismo espiritual assim se inflama, o físico diminui o seu metabolismo, estaciona em calma, vive em regime reduzido, fugindo do alimento, enquanto o sono representa para ele mais do que uma continuação da maturação do pensamento. O sono prepara o pensamento que no estado de vigília é registrado. Uma vez formado tal estado de alma em plena eficiência, as distrações exteriores não têm o poder de estacioná-lo; porquanto, tormentosas elas podem, quando muito, retardar o parto espiritual, mas não impedi-lo. Assim nascem os volumes, um depois do outro. O  espírito arde, mas não se queima. Sabe que o instante é precioso e que foge; sabe que, se produz, se, como a mãe, ele obedece aos fins da vida, cumpre a sua missão que o valoriza, embora o seu organismo físico no incêndio naturalmente. se gaste. Mas não importa. Esse, para ele se torna sempre mais uma escória a ser abandonada. O corpo não segue completamente essas tensões; as exigências materiais da vida não diminuem portanto o seu quotidiano tormento. Enquanto o principal ator desse drama se sente enlevado em um trabalho conceptual que se torna prece e mística união com Deus, o homem comum, sem nada compreender, o enfrenta com a sua psicologia, tendendo, conforme as leis do seu plano biológico, a fazer com que ele se exercite na forma da luta pela vida. Exercício útil somente para as finalidades de uma seleção animal. Pode-se imaginar como essa atividade se torna sem sentido para ele, enquanto é bem necessária para fazer evoluir quem vive no plano normal. No entanto, o sujeito deve pensar em se defender de todos, deve escutar os ociosos, não se deixar roubar, vigiar as astúcias dos outros, trabalhar para viver, consumir as suas energias para opor resistência a quem está cheio de forças porque não tem nada a fazer, deve lutar na vida banal de todos. Mas, nem por isto, pode apagar-se aquela atmosfera de incêndio. Enquanto algum novo motivo se movimenta em turbilhão arrastando a consciência aturdida, diante de improvisos, abismais rasgos do infinito, escancarados e cegadores, também a pequena ofensa do vizinho que arranha a epiderme, pode tomar, naquele estado de hipersensibilidade, a potência de um cataclismo. O centro da vida, para o sujeito, está deslocado e o normal acha que se encontra em frente de um fraco inepto, fácil de se vencer Como não se aproveitar desse grato convite para dele tirar vantagem? Para quem está nesses estados especiais, o espírito está no céu, o corpo ainda na terra, com os pés no lodo. A posição é cheia de riscos e o contraste pode tornar-se sofrimento agudo. Mas, não há outro caminho para quem quer verdadeiramente progredir na terra.

Da descrição acima exposta compreende-se que o fenômeno inspirativo não é tão simples como sói ser considerado. Já o havia enfrentado e descrito, no meu caso vivido, no volume: As Noúres. E longe de crer haver conseguido com isto esgotar a complexa questão, quis agora voltar a ela com uma diversa maturidade, para redescobrir novos aspectos. Era necessário por isto ter antes separado o problema da personalidade humana e muitos outros com ele conexos. Como se vê, estamos longe daquele fenômeno que se chama ultrafania, que se crê poder simplesmente reduzir a uma receptividade passiva do sujeito em transe, recebendo o pensamento de uma entidade transmissora. Em nosso caso, não há nenhum transe ou passividade, mas antes, um estado de hiperconsciência e hiperatividade espiritual, ao qual exclusivamente se deve poder o sujeito elevar-se a mais altos planos de consciência, e pôr-se em comunicação com correntes de pensamento situadas em dimensões superiores à normal humana. Não se trata, pois, de um contato esporádico, limitado a poucos conceitos morais, mas de um contato de retorno periódico, para registrar sistematicamente uma visão orgânica do universo que abraça e orienta todo o saber humano. O fenômeno ultrafânico que alguns querem encontrar neste caso, não é mais que um particular; na realidade, há coisa bem diversa, que escapa das órbitas do campo espírita das comunicações mediúnicas, é a catarse biológica, fenômeno imenso que toca toda a vida, do seu polo físico ao seu polo espírito, fenômeno do qual médiuns e ultrafanos pouco se ocupam e que, pelos seus resultados interessa mais à ciência, à religião e à filosofia do que à ultrafania. Para o sujeito, ele não termina na mediunidade, mas no misticismo, no caminho da união com Deus. Que pretende, de fato, a vida alcançar através desse fenômeno? Parece que o espírito, esse novo imponderável organismo, centelha de Deus, na qual Ele se manifesta através da evolução humana, quer continuá-la da sua fase orgânica à psíquica. E parece que, em certo grau de maturidade biológica, o que é o resultado do funcionamento do organismo físico e da sua experimentação registrada na psique, venha a tornar-se um filho adulto, avançado demais para poder ainda exprimir-se nas formas da animalidade. Então o espírito, sentindo no corpo, mais que uma casa, uma prisão, tenta transcendê-lo nas suas manifestações supernormais, transbordando das limitadas vias de percepção sensória, até o ponto de quase libertar-se dele, destacando-se do seu velho suporte corpóreo. Eis o que acontece quando o ser, percorrida toda a fase terrena da animalidade humana, se apresenta no limiar de mais altos planos de existência. As oscilações observadas na personalidade não são mais que periódicas, rítmicas e graduais oscilações de adaptação a novas posições biológicas. Assim se explica o andamento ondulatório e progressivo do transformismo evolutivo que examinamos. Dessa maneira se compreende como a vida se retrai dos vértices alcançados, mas por toque dos mínimos sempre menos baixos para se lançar em busca de vértices sempre mais altos, depois de se ter apoderado, através desses percursos, das posições atravessadas. Tais são as leis da vida e cada um as encontra a seu tempo, quando chega a sua hora e fase. Nos grandes momentos da vida, nas passagens criticas, é o ritmo da Lei que nos aferra e nós nada podemos fazer, senão segui-la. Assim o nascimento e a morte, a fome e o amor, o crescimento físico e a ascensão espiritual, têm o seu ritmo e suas voltas fatais nas quais não se pode mandar. O nosso livre arbítrio é uma pequena liberdade enquadrada em uma lei absoluta, mas boa, que nos comanda somente para nos impor o nosso bem que, ignorantes, não sabemos encontrar. Por sermos livres, devemos sempre viver todos no âmbito da Lei de Deus.

Que acontece ao corpo nessas transformações biológicas é fácil imaginar. Mas pela Lei de equilíbrio e justiça é preciso pagar a alegria da nova ressurreição no espírito com a dor de uma agonia de morte no corpo. Porém, se o corpo embaixo grita desesperado a sua lenta consumação, no alto o espírito canta triunfante a sua maior vida. A transformação deve alcançar o ponto em que se tornará secundário o que hoje, para o espírito humano, é o principal meio de sua expressão, isto é o corpo. Os atuais meios sensórios devem ser superados por uma sensibilização que abre novos canais perceptivos e com ela a via para novos contatos. Mas as leis da vida são benignas também para o corpo, por isto nunca forçam o fenômeno, amadurecem sem romper, pois que o fim é transformar para criar e não para matar. As forças da vida sabem operar essas profundas elaborações que do espírito penetram até no metabolismo celular, transformando a composição química e atômica, isto é, harmonicamente em todo o complexo orgânico, do pólo-espírito ao pólo-matéria, estreitamente conexos e comunicantes. Se o espírito é redutível, na sua mais profunda substância, a uma estrutura cinética, como o é o organismo físico e a matéria que o compõe, encontramos naquela fundamental estrutura que é o denominador comum ao qual se pode reduzir o ser de um pólo a outro, a possibilidade do mencionado transformismo evolutivo. Assim se concebe como, através dessas oscilações progressivas, se possa formar o organismo espiritual, até ao ponto de, no fim, se poder reger com vida autônoma, independente de uma sua expressão física. Entretanto, o corpo é veículo necessário aos fins dessa elaboração, qual instrumento de experimentação no denso ambiente terrestre. Todavia, a sua energia vital é absorvida em favor do espírito; em outros termos, a intima atividade cinética constitutiva se desloca do corpo para o espírito, abranda-se no primeiro pólo e se torna mais ardente no segundo. É necessário que a reconstituição vital venha a ser contemporânea e paralela de modo que no conjunto não haja nenhuma destruição de vida, mas somente um deslocamento de centro para o pólo-espírito ao qual pertence o porvir, uma vez que essa é a direção da evolução.

Esta íntima análise do fenômeno explica o verdadeiro significado da experiência do místico que, na renúncia ao mundo, sobe para Deus, e do gênio que, na alta tensão do espírito, revela os mistérios do ser. Neste sentido a virtude é verdadeiramente a morte do Eu inferior e por isto repugna; o erro está em concebê-la somente neste seu aspecto negativo, enquanto o seu valor e sua alegria estão no seu aspecto positivo e criador de expansão vital. É justo que o Eu se revolte contra uma virtude somente negativa que destrói embaixo, sem construir no alto; tudo o que destrói sem criar é contra a Lei de Deus. Jamais é lícito matar, nem mesmo o Eu inferior, senão como condição para a construção do Eu superior; a morte não é admitida pela Lei senão como condição de um paralelo renascimento. Nenhuma dor é admitida senão para conquistar uma alegria, nenhum limite senão para alcançar uma expansão. A virtude apenas negativa, que destrói sem criar, transformada em perseguição e ódio à vida, é um erro biológico que se deve pagar. Sadia e salutar é somente a virtude que, enquanto sufoca uma parte do ser, desenvolve-lhe uma outra, melhor e mais alta. A vida é utilitária e econômica; tudo deve produzir um valor no bem, que é uma alegria e não uma demolição, no mal e na dor. Ai de quem se mata com a renúncia sem saber ressuscitar! A virtude sadia e positiva é construtiva e se inflama no espírito, deixando cair em esquecimento os instintos inferiores, sem se encarniçar contra eles, provocando o resultado de assim os reforçar por reação. Primeiro construir e depois deixar cair o resto, pois que os construtores nunca são destruidores. Tudo o que toma o aspecto de perseguição, ainda que sob a veste de ódio ao mal, é mal. A vida deve ser incitada a elevar-se, nunca agredida para a suprimir. Porque então ela se revolta, se adapta à força por meio da mentira; mutila-se, mas não cede, porque ela não pode abandonar uma sua forma, enquanto não possuir uma melhor.

É um erro muito difundido esse de ver o lado-morte no pólo inferior, e sempre o lado-vida no superior. Daí os escassos resultados espirituais de tanta prática de virtudes e enúncias. O homem que se reconstrói no espírito, ao contrário, vê tudo positivo, não fala de renúncia, mas sempre de conquista. Assim, por exemplo, os três votos franciscanos: pobreza, castidade, obediência, perdem o sentido negativo para adquirir o positivo. Não são mais: não-riqueza, não-amor, não-comando e não-poder, mas riqueza em Deus, amor em Deus, poder em Deus. Tudo depende do fato de encararmos as coisas mais do ponto de vista humano que do super-humano e do fato de que, também na virtude, sentirmos a perda dos bens e alegrias terrenas, às quais a nossa mente continua sempre a volver, em vez de olhar mais no alto para sentir a posse dos bens e alegrias super-humanas, no espírito. A nossa alma fica sempre na terra, e nós devemos sair dela. É preciso cuidar de se firmar no mais alto, antes de se mutilar embaixo. Esse comportamento tira-nos a vida sem nô-las devolver, quando ela deve expandir-se e não se contrair. Não devemos declarar-nos pobres, olhando sempre para a riqueza do mundo, mas devemos declarar-nos ricos, olhando para a riqueza de Deus. É preciso ir ao encontro da vida e não contra ela, viver em sentido positivo, não retirar-se em sentido negativo. A verdadeira virtude, antes de ser renuncia, é conquista; se dela fazemos uma renúncia sem conquista, uma privação que empobrece, em vez de uma aquisição que enriquece, fazemos dela uma maléfica forca anti-vital. De tudo isso se compreendera o caráter ativo e positivo de quem evolui. A ação negativa da perseguição e destruição do Eu inferior lhe interessa muito menos do que a ação positiva da criação do Eu superior. Quem evolui, se expande. A renúncia, mais do que virtude como luz, é a sombra da virtude. Certo é que o negativo é condição do positivo e que a conquista começa onde acaba a renúncia, e a alegria, onde acaba a dor. Mas nem por isto se deve fazer do meio o fim.

Concluamos o exame do nosso caso vivido, observando as sensações do sujeito no período da descida. Quando o estado de graça se prolongou o bastante para permitir um registro orgânico, como pode ser um volume ou parte dele, segundo o trabalho a cumprir e o grau de resistência do indivíduo, então a natureza, econômica e prudente, retrocede para os planos evolutivos inferiores, o potencial desce, a freqüência diminui e a vida se reequilibra mais embaixo. Extingue-se então a centelha do pensamento, tudo enlanguesce e se precipita, numa agonia lenta, em um abatimento de morte. A vida se retrai, caminhando para trás. Reaviva-se a obtusa razão, míope e analítica. A base da descida involutiva é dolorosa para o espírito, porque é um regresso ao limite, um novo encarcerar-se no contingente de que antes tinha evadido e que volta a ser senhor. É uma descida de todo o ser na dura realidade da matéria. Fibra por fibra, vibrações mais grosseiras, mais desarmônicas e violentas o penetram, ferem-no, sufocam-no. Se tão alegre foi a sensação da subida, dolorosa é aquela de descer. Tais são, no um, as sensações, os resultados experimentais do movimento vertical ao longo das dimensões dos vários planos evolutivos, seja em direção evolutiva, subindo, seja em direção involutiva, descendo. Domina sempre um sentido de imensa tempestade em que turbilhonam, levantadas desde as profundezas, as forças da vida.

Este é o Getsêmani de quem aqui escreve. Na tempestade, subir. Cada volume é um degrau, é uma das séries salientes das visões que parecem querer dar a escalada ao céu. Mundo do qual é depois dolorosamente necessário precipitar-se na terra. No fim de cada sondagem no mistério a personalidade cai e se desfaz para reconstruir-se para a seguinte, e assim por diante. Andando, como as ondas do mar, como quer a Lei, fatalmente, como quer a maturidade, quem sabe há quanto tempo preparada no tempo, pelo próprio destino. A personalidade cai e se desfaz. No entanto, é preciso saber ficar senhor do fenômeno e não ser arrastado por ele; é necessário não perder-se na queda e permanecer impassível externamente, para que os outros não vejam; saber continuar a vida normal de trabalho e de relações sociais com todos, pois que bem se sabe que eles não podem ter piedade para com o que não podem compreender. Tudo isto implica uma força de espírito mais que normal, mas se está adestrado para bem mais. Ao despertar na terra, imediatamente é reencontrada a sua realidade desapiedada e infernal e, único conforto em tanto esforço, representa-se a dura face do contingente, a preocupação das necessidades materiais, o desprezo de quem reina em seu plano, onde é senhor. É preciso, então, ouvir o apelido de louco e sentir repercutir no coração, em cada pensamento e ato desse homem, o grito: "Não é verdade", porque somente a sua suja realidade na matéria, como ele quer, passa por verdadeira. Então com o olhar invocador, ainda ofuscado pelas visões do espírito, é preciso olhar para as pequenas coisas terrenas, que quereriam para elas toda a alma. Sente-se redobrado o peso da luta pela vida, a sua estupidez para quem, superados os seus fins de seleção, não sente mais o seu significado. Sofre-se, então, cegos e mudos, sem a grande compensação do espírito que antes fugia da terra, vitorioso na sua evasão. Ele, agora, agoniza, sozinho, num mundo que lhe é estranho. As portas do céu estão fechadas. As pontes para o retorno lá em cima parecem cortadas, para sempre, sem esperança. O fenômeno está cansado, o ciclo está ligado à sua descida, agora sua lei, os impulsos ascensionais estão esgotados. Não há mais força para subir. A hora da graça passou e o céu ficou lá em cima, no alto, longe, apagado, inatingível.

Tudo parece acabado para sempre. No entanto, deixou-se lá em cima, no céu, um farrapo sanguinolento de si mesmo e se sentiu a voz de outros mundos dos quais por um pouco se gozou a cidadania. Isto é uma ponte, um liame, uma chamada. Despontará a ascensão. Tudo será árduo, mas o ser está desesperadamente ligado à batalha, na qual se tempera e se revela, em que está a vida. Mastiga-se, então, com raiva, a glória que o mundo queria dar como compensação. O destino sopra tremendo sobre os cumes, e, entre as tempestades, sente-se a morte. Mas que importa a dor quando ela é criação e nos leva ao céu? Que importa sofrer? É preciso criar e a vida vale só enquanto se cria. Urge lançar a semente. A vida dá a cada um o que deve cumprir e ai de quem trai uma missão! Semear na tempestade, para aqueles que virão! Se a dor bate às nossas portas, é para que o espírito expeça suas centelhas. Este é o drama. Quem chegou lá em cima, no céu, deve dar tudo. Para ele não há piedade, porque a piedade o faria fraco e vil, não há ajuda, porque esta o tornaria indolente e inepto. Que ele siga para a frente, taciturno, solitário, desesperado. É necessário que ele sofra para que a sua alma cante. O trabalho deve ser o seu único refúgio, a bondade, a sua única vingança, a criação, a sua libertação.