Defrontamo-nos agora com o problema do comando, observando o mecanismo psicológico que preside ao funcionamento das forças nas quais se baseia a autoridade, seja em quem a exercita, seja em quem lhe obedece, e procurando precisar também neste campo quais são os erros modernos e a sua razão de ser. Esses são erros de provas e de tal vastidão que é muito difícil corrigirem-se. Da mesma forma o mal aqui não se encontra na perfeita Lei de Deus que tudo rege, mas no espírito humano de revolta

Qualquer que seja o sistema político e o período histórico escolhido para exame, o comando cabe ao mais forte. Esta e a base do poder na atual fase biológica da humanidade, em que a seleção é dirigida não para o triunfo do elemento moralmente melhor,  mas do tipo mais capaz de se impor egoisticamente. Uma humanidade assim involuída não pode polarizar-se senão em torno de um indivíduo ou de uma classe que a sobrepuje e vença e que possa, por conseguinte, dominá-la segundo o próprio tipo de forças que nelas prevalecem. É lógico, pois, que cada povo tenha o governo que merece e cada governo tenha os súditos que lhe correspondam. Em toda a manifestação da vida, apenas um indivíduo ou grupos de indivíduos, por vontade e inteligência sobressaem um pouco da massa, mas não o bastante para distanciar-se completamente. Então ele se erige, segundo, o esquema universal dos fenômenos em central dinâmica autônoma, isto é, em sol ou núcleo em torno do qual, como os satélites ou os elétrons, começam a girar as unidades dinâmicas menores, de nível negativo com respeito ao dinamismo central que é positivo. Esta é uma lei própria de qualquer manifestação biológica, que se manifesta também nas relações sociais, logo que estas devam ser disciplinadas em virtude da convivência de muitos indivíduos. O conceito de autoridade se baseia assim em um princípio de dinâmica biológica, que neste caso particular é social. Em política sucede o que observamos com o ga1o no galinheiro, com o homem na família, na célula entre o núcleo e o protoplasma e, mais longe, na intimidade do átomo e no sistema solar etc. Formado o poder central, em seu derredor começa a rotação dos elementos satélites. Da substancial natureza e valor biológico do núcleo deriva o direito de comandar e o dever de obediência.

A sociologia não é senão um ramo da biologia e só assim pode ser compreendida. Ora, dado o atual nível evolutivo humano, e inútil procurar nela o elemento moral. A obediência dos muitos aos poucos baseia-se num princípio de fraqueza dos muitos e na necessidade de compensá-las com a força dos dirigentes. É uma lei de complementação. A vida não rende homenagem senão ao mérito efetivo e mesmo e em tal caso, tratando-se de um mundo involuído, o mérito pode consistir na força brutal expressa pela dominação. Tudo depende da estrutura dinâmica do sistema, que requer sobretudo no núcleo a potência de reger os satélites.

Pela própria estrutura faz-se necessária uma certa proximidade qualitativa, uma afinidade entre governantes e governados, pois que, se quem detém o poder é demasiado evoluído e assim se distancia demasiado da média, os pontos de contato não subsistem mais e é impossível a troca dinâmica e a compreensão. Então os governados destroem o poder, que já não corresponde mais as suas necessidades e capacidades. Desta maneira, um santo jamais poderá governar, mas apenas o indivíduo ou a classe que possui as qualidades e também os defeitos próprio. da. involução da maioria.

Quando na ilusão própria da ignorância do atual estado da humanidade, quem comanda acredita comandar por si porque ignora que na realidade é um servo que a vida utiliza para os seus fins e que é eliminado quando não desempenha mais, como potência, vontade e inteligência, a sua função social. O homem atual, muito mais carne do que espírito, menospreza o chefe que não seja um domador porque necessita de ver nele a personificação do seu ideal de supremacia material e o vencedor na luta animal pela vida. Os membros exigem direção e proteção do centro, o cumprimento, ainda que inconsciente, dos fins da vida que são de prosperar e progredir: bem-estar e progresso. O homem moralmente evoluído, o homem evangélico da bondade e do espírito, corresponde a outras funções biológicas que não são as que dependem de governar pelo domínio. Também ele servirá de núcleo que atrai satélites, mas não no campo das organizações sociais que se baseiam na força material e econômica.

Por esses princípios de dinâmica social, vê-se como os eventos históricos são determinados por impulsos interiores dos quais os atores principais não têm conhecimento. A história, pois, não avança como produto do conhecimento e da vontade humana, mas movida por um dinamismo interior de que os homens, mesmo os mais importantes, são em geral uma expressão inconsciente. Mais do que na inteligência deles esse dinamismo parece situado no subconsciente das massas, por uma espécie de alma coletiva inconsciente das massas que sabe, por intuição, sem poder dar-lhes as explicações, racionalmente, a substância da ação que a cada momento é preciso. Então esse dinamismo confia aos mais diversos indivíduos as mais diversas funções sociais, que eles cumprem segundo o próprio tipo biológico, mas ignorando cada qual a coordenação que se verifica e que só é conhecida pela inteligência que dirige a história. Não será esta a própria sabedoria de Deus que opera com o nosso desconhecimento, quando eleva no nosso organismo o nível térmico, buscando defendê-lo pela febre, quando assaltado pela enfermidade? Não se trata sempre da mesma fraternal e benéfica onipresença da sabedoria divina? E assim não estaremos nós, quer na nossa vida individual, quer social, confiados a essa sabedoria que existe e funciona acima da nossa consciência?

É desta sabedoria e potência divina que está no funcionamento da vida, que os homens recebem o poder. São elas que o dão, mas que também o tomam. É uma espécie de direito divino, mas em sentido biológico, isto é, que permanece enquanto justificado por uma função vital no corpo social, que representa em outros termos o real cumprimento de uma missão. Um direito que cessa quando deixa de ser biologicamente útil e, portanto, justificado. Segue-se daí que assim sendo, seria rapidamente eliminado um santo posto a governar, porque se bem adaptado a funções altíssimas, essa não é a sua, assim também é eliminado o involuído que abusa do poder transformado em gozo de vantagem próprias. A vida exige uma utilidade em troca dos poderes que confere e quando essa utilidade social venha a faltar, ela os retoma.

Se as massas são involuídas, esses poderes serão exercitados de forma proporcionalmente involuída, Isto é, pela força que atinge as raias de ferocidade. Mas a função, não importa qual seja a forma que ela deva assumir de acordo com o grau evolutivo dos povos — deve estar sempre presente. Assim se explica como alguns fortes, que polarizam em torno de si os povos, tenham sido eliminados por outros mais poderosos, quando, por opressão ou abuso, tenham através da tirania traído a sua missão, não hajam por uma razão qualquer cumprido a função que lhes confiara a vida, de dirigir e proteger. Como se vê, trata-se de reações biológicas automáticas, que todas as afirmações históricas de poder por direito divino não podem conter, mal a missão e a função cessem. No dia em que um governo e uma classe dirigente comecem a viver só para si próprios e não mais para a nação, iniciam o próprio suicídio.

Quem, pois, na essência atribui e retira o poder não são os homens, não importa qual seja o sistema político, mas as forças biológicas. Elas proporcionam o grau evolutivo dos governantes ao dos governados e dispensam um servidor que tenha se tornado inútil, quaisquer sejam as defesas que a sua posição de comando lhe tenha facultado acumular e usar para permanecer artificialmente no posto. A vida não nutre mais essas formas, disseca e as enfraquece interiormente, chamando a ribalta da história os elementos adaptados que lhes dão o último golpe. Tais são as leis biológicas que regem a política de todos os tempos e lugares e a que todos estão sujeitos. Não há barreira legal que possa sustar o seu irrompimento, pois que, de uma forma ou de outra, elas prevalecem sempre.

A primeira afirmação de todo novo governo é dizer: eu represento a nação. E isto é verdade até que apareça um outro mais forte e mais adaptado que diga o mesmo. Desta forma os homens e as classes sociais vão ocupando na história uma posição de autoridade que eles afirmam por si mesmos, mas que na realidade se despersonaliza e só subsiste e tem valor como função. Mudam assim as várias verdades políticas conexas em cadeia no caminho evolutivo da sociedade humana. Elas vão e vêm, contradizem-se e se combatem, transmudam-se no oposto a cada momento e no entanto não constituem na história senão o desenvolvimento de um único pensamento, o da vida que o guia. Todo governo se declara insubstituível representante do bem público e, apesar disso, cedo ou tarde vem a ser substituído. A verdade, feita para uso e consumo de cada um deles, se inverte. E assim por ação e reação compensam-se os excessos e os erros de cada um e se desenvolve, por superações um pensamento único, continuamente progressivo, o que a história e não os homens pensa e quer. Mudam os servidores da vida escolhidos para o bem público e, através de tantas formas e indivíduos, que acreditam combater-se e que ao invés se equilibram, o bem público é e vem a ser por todos diversamente servido.

Por isso se vê como na história reina a lógica e equilíbrio não obstante as aparências opostas e que tudo nela, desde um incidente momentâneo até o grande evento da maturação e queda da civilização, é regulado inteligentemente por uma lei. A essa lei se deve que a história caminhe, não loucamente como os interesses individuais desejariam, mas para suas metas.

Este é o estado atual do nosso mundo no seu nível ainda involuído. Dado que a consciência coletiva se encontra na sua fase paleontológica, de formação, ela possui expressões exteriormente caóticas, cuja lógica só se encontra nas diretivas internas da história, as quais, pois, tudo é confiado em uma zona situada fora da consciência e da razão do homem. Mas em um nível evoluído, uma vez formada uma consciência coletiva, o homem terá conquistado o senso do dever e das funções que cabem a cada qual, dirigentes e dirigidos, no organismo social. Então todo poder não será detido por meio da força, mas pela consciência do cumprimento de função e missão e,. sem uso de força, o cidadão capaz de compreender, espontaneamente a reconhecerá e respeitará. Mas esta é uma meta diferente, um ponto a ser atingido. O ponto de partida é bem diferente e o mundo atual está entre os dois.

A autoridade muito freqüentemente nasce da força e da violência, como a propriedade pode ter nascido, com freqüência, do furto. Mas com isto o poder não cessava de desempenhar a função de uma primeira ordenação e disciplinação da sociedade humana. Não é possível esperar mais de uma humanidade involuída. Em nosso ciclo histórico o princípio da autoridade está amadurecendo, de modo a passar da sua primitiva fase de violência e opressão, a fase futura de missão. Quantas lutas serão ainda necessárias para atingi-la. Através de cada forma política a vida matura alguns aspectos diversos e faz uma conquista diferente. O nosso tipo de poder ressente-se das suas origens e se apoia na força, sem a qual não se poderá manter, mas também possui o pressentimento do seu futuro. De fato, mal se tenha consolidado pela força, procura formar uma corrente favorável de opinião pública, um consenso geral, porque já admite o poderio de uma outra força, que se torna cada vez maior com a formação da consciência coletiva — a força de persuasão. Mas isto só se dá em um segundo tempo, após a estabilização pela força, seja esta bruta ou econômica ou de pensamento diretivo, mas sempre força, sem o qual não pode haver conquista, por mais que se queira mascarar sob os método mais diversos.

É verdade que os governantes são os servos da vida, mas aquele que hoje quisesse exercitar o poder sem uma porcentagem de egoísmo centralizador e impositivo, pretendendo empregar apenas um método evoluído da função e missão, antecipar-se-ia de muito a psicologia dominante e fracassaria. O tipo biológico atual médio, não pode compreender os deveres senão impostos pela força e pela ameaça em. prejuízo próprio. O uso da espada, dada a imaturidade prevalecente, faz parte do poder. Este, como o centro e o núcleo, é de sinal positivo, isto é, é másculo. Assim sendo, elimina da sua função o espírito de amor e de sacrifício que é feminil, isto é, próprio dos elementos que giram na periferia e que possuem nível negativo. Tal não poderá ser jamais a vitalidade dos governantes, que devem ter um viril espírito de justiça. E eis que o poder ao lado da espada não exibe um coração, mas uma balança. A ele não se pode pedir sacrifício e amor, pois que o instinto dos povos pede força e justiça. Os dirigentes, muitos temos, são hoje chamados pelos fatos a esta realidade biológica, que é a base das respostas e reações aos próprios atos da parte dos súditos. É lógico que o sistema da força a que o poder está atualmente ligado, seja um sistema que continue com uma tal ligação. A força está sempre pronta a retroceder contra quem a emprega (“quem usa a espada morrera à espada"), e por isto quem possui o poder não tem outra defesa que uma outra força maior. Se não a possui, está perdido. É uma fatal conseqüência do sistema que sobre tais elementos se move. Força de qualquer gênero, mas que mostre a sua real potência e superioridade. Se faltar, outros extratos sociais surgem, para operar a substituição. A primeira arremetida é dos mais involuídos, mais senhores da força bruta mas, ainda que eles possuam também a econômica, falta-lhes a da inteligência organizadora. Eles duram pouco. De fato em geral as revoluções devoram os próprios filhos. Estes assim exaurem a função de aplainar o caminho a elementos mais adaptados, de segunda ou terceira arremetida, que são os que resistem e, com mais gosto permanecem. Em suma, a vida deixa a função de comando a classe que é ainda muito involuída por ser afim com as massas, mas que é o suficiente evoluída para poder assumir o encargo de fazê-las evoluir.

A função está, pois, biologicamente aberta a todos, mas é reservada pela vida ao mais adaptado (e bem a desempenha ou paga com a própria vida), que e mantido na incumbência até quando pode executa-la, após o que é liquidado. Resulta disso um vai e vem de homens, um contínuo fluxo e refluxo, uma cadeia de lutas redentoras, de quedas espantosas, e de ascensões incríveis. Tudo isto não é fortuna, nem acaso. É função, é a lógica da vida. Mudam as formas, os meios, as dimensões. O motivo, até o homem, eleva-se a outros graus de evolução, é sempre o mesmo. Tudo se passa em turnos, porque segundo a própria lei igual para todos, os famélicos recém-chegados suavizam os próprios costumes e se exaurem no próprio bem-estar caindo por sua vez vítimas de outros novos que chegam. Assim como as ondas do mar, as várias formas políticas se sucedem e se sobrepõem no oceano da história. Assim se forma o tipo da atual humana seleção biológica, operante sobretudo, no plano animal; seleção ativa no campo político-social. como o é em todos os outros campos: orgânico, econômico, intelectual etc. Assim a vida martela as multidões a fim de que ativas ou passivas despendam centelhas criadoras e para que na diuturna atividade afanosa pejada de conquistas, golpes e dores, elas evoluam.

A vida é sábia e justa. Faz sempre o melhor possível com o mínimo esforço, segundo os elementos de que dispõe, dados pelo grau evolutivo de cada povo. Ela não pode dar-lhe uma forma de governo superior ao que este pode compreender. Como pode o cérebro evoluir por si só, em formas superiores, se paralelamente não evolui todo o corpo? Tudo é conexo e interdependente em uma nação. Méritos e culpas não constituem jamais um fato isolado. Só um povo de santos poderia pretender um governo de santo. A involução é de todas as partes e quem acusa usa os métodos do acusado. egoísmo está presente em todos. Dirigentes e dependentes estão habituados a considerar-se falsos e inimigos. Todos são adestrados para combater uns contra os outros. As nações não se fabricam com poucos homens dirigentes, mas com as forças espirituais das massas. O que se pode pretender se tudo se baseia na força, no direito de conquistar e não na compreensão, disciplina e colaboração? Que admira, pois, que em um tal mundo, que haja conseguido, só Deus sabe com que esforço, conquistar um poder ou um posto qualquer de autoridade, não seja levado a pôr em primeiro plano o gozo do prêmio das próprias fadigas? A defesa de Infinitos rivais custa não pouco trabalho. A empresa é arriscada, a posição incerta. Como se pode, ao invés de procurar aproveitar-se logo, pensar no bem do povo e no exercício de uma função-missão? Isto exigiria uma estabilidade, um respeito, uma compreensão, uma consciência que o homem atual nem mesmo imagina ainda. Ao contrário só a força comanda. Se existe um poder forte, então há ordem, mas ela se chama tirania e sujeição. Se ele se desagrega todos se sentem livres e então surge a desordem, a luta, o caos.

Como se pode pretender que uma disciplina social possa agir, nesta fase evolutiva, sem um absolutismo que se imponha pela força? Bela seria realmente uma ordem de seres livres!

Mas para isto o homem de hoje está ainda absolutamente imaturo. A disciplina social necessária à  vida das nações, qualquer seja o seu regime de governo, não se pode obter na fase atual de civilização pelas vias da liberdade da consciência, mas somente por meio da coação. A força é um elemento necessário a educação do homem inferior, incapaz de compreender outro meio. Por isto a vida ainda a admite, mas não admite mais o amanhã, com o homem evoluído. É elemento necessário hoje, porque a disciplina, em qualquer organização de elementos, quer se trate de homens, de átomos ou estrelas, é indispensável. Todo o universo não nos dá um exemplo patente?