Eis-nos, neste longo caminho, chegados a esta grande figura central na história do mundo! Sinto que nestas páginas a visão se avizinha da concepção da essência do Cristo em uma primeira aproximação, prelúdio de uma compreensão mais profunda, que amadurecerá no último volume, com o qual será coroada toda a Obra. Os escritores comuns das muitas vidas de Cristo, que se fixam nos fatos da Sua existência física, sem ocupar-se do drama cósmico que está por detrás dela e do qual esta não passa de uma ligeira emersão em nosso sensível, não podem imaginar que falar de Cristo somente como documentação histórica ou obra literária ou filosófica, e permanecer na superfície de abismos oceânicos. Para conseguir compreender um pouco da significação íntima da figura e das vicissitudes terrenas do Cristo, foi-nos aqui imprescindível observar antes a estrutura do universo através de muitos volumes, percorrer em síntese o conhecimento humano e resolver os maiores problemas do ser. Foi, assim, necessário o esforço de uma vida inteira e o auxílio de estados especiais de intuição. E nos encontramos ainda no limiar e temos de percorrer ainda outros volumes antes de nos ser permitido entrar no templo. E já a alma trepida consternada ante a potência titânica do argumento e se abate no temor de ser por ele esmagada. Há visões supremas capazes de fulminar o ser, e, contudo, impõe-se aceitá-las na hora que Deus quiser.

Eis, pois, que o nosso processo lógico nos conduziu até Cristo. Também João aí chegou. Ouçamos as suas confirmações. Do absoluto descemos até o plano humano: "Houve um homem enviado por Deus, cujo nome era João; ele veio como testemunha, para dar testemunho da luz, a fim de que por meio dele todos cressem. Ele não era a luz, mas veio para dar testemunho da luz. Havia a luz verdadeira, aquela que ilumina todo homem que vem a este mundo. Ele estava no mundo e o mundo foi feito por meio dele, mas o mundo não o reconheceu. Veio à sua casa e os seus não o acolheram. Mas a quantos o receberam, ele deu o poder de tornarem filhos de Deus, deu-o àqueles que acreditavam no seu que não nasceram do sangue nem da vontade da carne, nem da vontade do homem; mas somente de Deus. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós. E nós vimos a sua glória, glória como de Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade (. . .), ninguém jamais viu Deus; é o mesmo Unigênito, que está no seio do Pai, quem o revelou".

Aqui entramos no terceiro momento e os fatos se desenrolam no plano humano, no concreto sensorialmente perceptível, na forma que todos veem e tocam e que, pelo menos superficialmente, podem compreender. Chegamos ao plano da execução material, último momento, derivado dos precedentes e compreensível apenas se visto nesta sua cósmica preparação no imponderável. O sistema já se dividiu no dualismo e o espírito já desmoronou na forma material. Em relação a tudo isto, e só em relação a isto compreensível, aparece a figura do Cristo. E eis que, depois do Precursor, que não era a luz, mas somente enviado de Deus para testemunhar, aparece em nosso mundo, para alcançar a criatura até ao fundo de seu desmoronamento, para atingir o espírito aprisionado na matéria, eis que aparece na Terra a luz verdadeira - o Cristo. Veio ao mundo, que fora feito por meio Dele, na forma que é a Sua casa, habitação do espírito que o exprime, e essa luz não foi reconhecida, nem acolhida. Mas a quantos o receberam foi dado o poder de se tornarem filhos de Deus, isto é, os espíritos que não nascem nem do sangue, nem da vontade da carne ou do homem, mas somente de Deus, puderam assim redimir-se e refazer-se de sua posição invertida e, do anti-Sistema em que haviam decaído, retornar ao sistema pela via das ascensões espirituais, traçada por Cristo. "Et Verbum caro factum est, et habitavit in nobis; et vidimus gloriam elus". (E o verbo se fez carne e habitou entre nós; e vimos a sua gloria) – João, 1:14.

Chegamos, assim, ao nó central de uma questão tremenda: quem era o Cristo? Todos nós mais ou menos conhecemos a Sua figura humana, historicamente retraçável. Mas que haveria por trás dela? Eis o grande problema. Certamente; estes quesitos não se podem nem ao menos formular para a forma mental da ciência moderna, pois com os seus métodos de conceber, eles não são solúveis. As religiões não dão  explicações racionais cabais e são obrigadas a recorrer aos únicos meios pelos quais tais problemas se podem apresentar ao involuído atual: o mistério e a fé.  Procuremos, pois, compreender.

A luz verdadeira é "aquela que ilumina - todo homem que vem a este mundo", e o espírito, a centelha de Deus, que se manifesta como consciência, o saber-se "eu", a fundamental qualidade e sensação do ser. A treva é a inconsciência, a ignorância, que se torna cada vez mais densa, à medida que se precipita no anti-Sistema, involvendo na matéria. De onde provém a luz verdadeira. De Deus, centro do sistema, e ela o anima por completo. Ela é sinônimo de consciência e de vida, é o espírito, é a substância do ser, que permanece Substância em cada um dos seus três aspectos ou momentos. Cristo é, pois, a luz irradiada por Deus, está conexo com Deus e provém do centro do sistema. Ele mesmo, de fato, repetidamente, se declara Filho de Deus.

Mas não basta estabelecer essa origem e descendência, pois que todos os espíritos têm a mesma origem e descendência. O difícil é precisar quais eram as relações entre Deus e Cristo. Mas João o precisa: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós". Mas todo espírito se faz carne e anima um corpo, sem o que este não teria nem sensibilidade, nem consciência, e seria cadáver. E todos os espíritos são filhos de Deus, visto que foram por Ele gerados e Dele provieram  Então, que diferença há entre a natureza de um espírito comum e o espírito de Cristo?

João fala claro: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós". O espírito de Cristo era, pois, o Verbo. Já vimos que este é o segundo momento da Trindade, em que a ideia (espírito), dinamizando-se, encaminha-se à ação, o momento da gênese, do Pai, de Quem nascem todas as coisas, isto é, de que deriva o terceiro momento, a obra completa na forma. Mas o Cristo, aquele que o homem viu na Terra, era o Verbo feito carne, isto é, o Verbo não mais como o segundo momento, mas como terceiro; ou seja, era o Pai imerso na Sua manifestação em nosso plano físico, não mais apenas dinamismo sem forma concreta, mas revestido de matéria. Ele é, pois, o Filho derivado do Pai, o Unigênito do Pai, como lhe chama João. Tudo isto corresponde perfeitamente à estrutura do sistema, como acima descrito e representa a sua fase mais periférica, mais distanciada do centro - Deus; aquela em que o espírito, provindo do centro, submerge nos antípodas, na matéria.

João acrescenta: "Ninguém jamais viu Deus; o Filho Unigênito, que está no seio do Pai, foi quem o revelou". Trata-se, pois, de uma manifestação de Deus, do Seu primeiro aspecto, do espírito que, através do seu segundo aspecto, o Pai, projeta-se na forma, tornando-se sensível ao homem, que assim pôde ter uma imagem concreta do invisível Deus. Se, pois, Cristo, visto do centro, pode representar uma imersão do Espírito nas trevas e na imperfeição da forma física, visto da periferia, onde está o homem, representa uma revelação de Deus. Trata-se, assim, do sacrifício do Espírito, que vem encarcerar-se no relativo, agraciando o homem com o dom de uma porta aberta para o céu, como uma via de comunicação com Deus. A descida de Cristo à Terra representa, por conseguinte, a penetração de um intensíssimo raio de luz nas trevas, que se dissipam ante o seu ofuscante lampejo. Efetivamente, quantos espíritos não se puseram depois a seguir as pegadas de Cristo, no caminho da ascensão para Deus!

Quem tiver compreendido o processo acima descrito do desmoronamento do sistema no anti-Sistema, e a reconstrução deste sistema, poderá dar-se conta da capital importância da intervenção da Divindade na salvação da humanidade. Só assim podemos compreender o significado de redenção. A história do mundo não é somente feita de guerras e de impérios, mas também de imponderáveis impulsos espirituais. Céu e Terra se tocam. Muitos se preocupam com definir se Cristo seja Deus ou apenas um profeta. Trata-se possivelmente apenas de palavras, atrás das quais se oculta unicamente a preocupação da supremacia absoluta do próprio chefe espiritual, sobre todas as outras hierarquias e religiões. Preocupações humanas. Baste-nos por ora ter estabelecido o princípio da proveniência de Cristo. Estamos em um mundo em que não sabemos se os nossos pensamentos egocêntricos de personalidade subsistirão e se, a tais alturas, não seja provável que de todos os nossos conceitos não reste mais do que um princípio abstrato irredutível às nossas formas mentais.

Com o progresso da ciência, que aponta a nossa Terra apenas como um ínfimo grãozinho de poeira cósmica, torna-se cada vez mais inadmissível o antropomorfismo, que pretendia fazer dela o teatro dos maiores acontecimentos da criação. Não é concebível que a vida possa estar toda aqui. E, se Deus enviou Cristo como seu representante, torna-se cada vez mais difícil que Ele se tenha ocupado apenas de nossa humanidade, esse Deus que deve sê-Lo não apenas para nós, mas para todo o infinito Universo que escapa a qualquer medida e compreensão nossa. Por que devemos acreditar que Cristo tenha sido o único meio da intervenção de Deus para salvar o ser decaído, quem sabe em quantas e variadas formas? Por que admitir que Cristo tenha sido o único raio enviado pelo Centro para reanimar e reconstruir o universo desmoronado? Deve-se acreditar ter Cristo eventualmente, desempenhado, também em algum lugar, a sua missão redentora, ou ainda, já que o campo por ele escolhido tenha se limitado à Terra, que se tenha valido de outros colaboradores, com Ele enviados por Deus a todo o universo, que igualmente deve ser repleto de vida. Como separar os fatos da vida terrena dos acontecimentos da vida cósmica?

No Evangelho de João (Cap. 17: 1-2,4) estão as palavras de Cristo dirigidas ao: Pai:

(. . .) "Para que o Filho Te glorifique a Ti, porque Lhe conferiste poder sobre toda a humanidade” (. . .).

"Eu Te glorifiquei na Terra, consumando a obra que Me confiaste para fazer".

O mesmo Evangelho de João se reporta as palavras de Cristo, dizendo:

(. . . .) "Quem me vê, vê o Pai" (. . .),- Cap. 14:9.

(. . . .) "O Pai, que habita em Mim, faz estas obras. Crede-me que estou no Pai e o Pai está em Mim" (. . .) - cap. 14:10-11.

(. . . .) "O Pai, que me enviou" - Cap. 14: 24.

"Eu e meu Pai somos um" - Cap. 10: 30.

De tudo isso se poderia deduzir que se trata de uma incumbência recebida do Pai com respeito à humanidade, e que a identidade com o Pai é dada para representar um momento diverso da mesma Substância. Tudo o que é forma, porém, constitui esse terceiro momento ou aspecto, é a expressão do pensamento de Deus, sem o que nada pode existir. E então, a diferença entre o ser humano comum e Cristo, encarnado na mesma forma, só pode ser esta: o primeiro representa a imperfeita expressão do pensamento de Deus, com um espírito que se ofuscou pela queda, e corrompeu-se na sua posição periférica, que é o seu ambiente devido e merecido naturalmente; enquanto Cristo representa a expressão perfeita do pensamento de Deus, com um espírito perfeito, incorrupto, projetado apenas por Amor e missão de bem à periferia, que está nos antípodas da sua posição natural. E dizer expressão perfeita de um espírito perfeito é aproximar Cristo do Centro — Deus, de tal maneira, que indagar se Ele se identifica ou não com Deus constitui uma sutileza superior ao nosso concebível, que não pode alcançar a essência de Deus. Baste-nos, pois, ver em Cristo o nosso Pai proposto de nossa evolução. Para nós, Ele representa a aproximação máxima que as forças humanas intelectivas podem atingir da infinita perfeição de Deus; representa para as nossas possibilidades o limite máximo concebível em altura de qualquer modelo que possa ser proposto ao homem, além do qual a nossa acuidade nada mais sabe indagar. E se quisermos indagar, perder-nos-emos no incomensurável dos céus, na vertigem do superconcebível. Cristo provém de um centro que é luz tão ofuscante, que o olho humano nada pode distinguir.

Um outro problema, contudo, nos aguilhoa. Por que desceu Cristo à Terra e por que quis redimir-nos com a Sua paixão? É evidente que Cristo, estando no sistema, provém do Centro e, então, por que quis imergir no anti-Sistema? Por que desejou descer ao reino da criatura decaída, do espírito involuído da matéria, projetar-se no relativo, no limite e na dor? Quem compreendeu a estrutura do sistema, pode conceber a imensidão da distância percorrida. Por que este inverter-se com os invertidos, este deixar-se desmoronar no íntimo, até nós, filhos desfeitos pela queda? E por que o Pai, envia este Seu emissário, que tão intimamente,  O representa, manda-O ao martírio, com uma incumbência precisa, e por que Cristo tão piedosa e espontaneamente atende? Que representam estes espirituais movimentos cósmicos na economia do sistema e na obra de reconstrução do anti-Sistema? Seriam eles necessários e úteis, segundo a lógica estrutural do Todo?

Há pouco relembramos um conceito, o da divisão do pão na Eucaristia. E entrevimos uma paixão maior do que a de Cristo na Terra, que foi apenas pela humanidade terrena; entrevimos uma paixão cósmica, pela qual a Divindade, seguindo no desmoronamento todos os espíritos rebeldes, deixa-se arrastar com eles para salvá-los. No fundo, o próprio Deus era o sistema e, com o sistema, de uma certa forma, Ele mesmo desmoronava, pois que Ele estava em Sua obra. Mas isto não é suficiente para explicar-nos uma tão tenaz aderência a ela. E que esta era algo mais do que uma obra Sua. Na primeira criação espiritual, a verdadeira, Deus se havia dado a Si próprio e, assim, Ele mesmo permanecera no sistema corrompido, em sua profundidade, latente, sepulto, mas sempre imanente, qual única centelha, sem a qual não há vida Na obra, Deus se dera a Si mesmo, como o pai no filho, mas o universo desmoronado continua a conter Deus, que é a sua vida. O Todo permanece vivo somente enquanto Deus está nele. É necessário compreender como Deus criou os espíritos, para depois poder entender o resto. Deus, sendo o Todo, não pode criar, senão tirando de Si mesmo. Os espíritos puros da primeira criação provieram do seio de Deus, derivaram Dele como filhos. Donde surge um fato de alta relevância: todo espírito é da mesma natureza de Deus, como o filho é da mesma natureza do pai - natureza inalterável. Poderá ela ter-se desvirtuado, decaído, ofuscado, aprisionado no limite e na dor, imergindo na ignorância e na inconsciência? Todavia, a sua qualidade originária de centelha de Deus, diante de um incêndio cósmico, qual é Deus, é indestrutível. E assim ela permaneceu.

Ora, essa natureza divina do espírito não se destruiu, quando ele se rebelou, convulsionando o sistema. Desta forma, o desmoronamento do sistema é, também em parte, o desmoronamento de Deus, evidentemente não na Sua absoluta transcendência, que é inviolável por estar acima de qualquer criação Sua, mas no Seu aspecto de imanência. Se este significa a presença de Deus no universo desmoronado, isto pode de algum modo ser tomado como um desmoronamento de Deus, à semelhança do que pode suceder com o homem que, embora sendo espírito acima das necessidades do corpo, se este adoece, também a alma sofre.

Levanta-se, então, uma questão ainda mais relevante: se Deus tudo sabia, por que se expôs a tal perigo? Trata-se - assim parece - da falência de toda a Sua obra, naufragada na dor e o mal. Não. Tudo é lógico e perfeito. A equação parecerá insolúvel, enquanto não soubermos dar à incógnita X, chave do sistema, o seu justo valor. E este valor é representado pela palavra Amor. Este foi o nosso ponto de partida no início destes capítulos. Ele é agora o nosso ponto de chegada. Inicialmente aceitamos este conceito como um axioma não demonstrado. Agora ele está demonstrado completamente. Ele é o vértice para o qual convergem todas as linhas do edifício.

Deus sabia que a criatura teria podido cair e que Ele, que nela Se havia dado, deveria segui-la na queda, porque ela é substância da Sua Substância. Sabia-o bem. Mas Deus amava a criatura que de Si tirara e que não poderia deixar de querer livre como Ele. Uma criação de espíritos que não aceitassem a existência pelo mesmo Amor, e que livremente não aderissem a Deus pela compreensão espontânea, teria sido uma criação de inferiores, servos ou escravos, delito que só a nossa mente aprofundada no mal pode conceber. Que sucedeu então? Sucedeu que, quando o ser rebelde se precipitou, o Amor de Deus, jamais desmentido, sempre coerente, consigo mesmo, seguiu a criatura decaída e com ela desceu na matéria, para com ela sofrer a sua redenção. Eis o Amor, sempre o Amor, levado até às suas últimas consequências, Amor que, pelo erro do ser, que devia ser livre, em Deus se torna sacrifício.

A Eucaristia, na qual o pão se divide, a paixão de Cristo, o Seu sacrifício pela redenção da humanidade, nos falam claro. Tudo isto nos demonstra que Deus segue o ser decaído, põe-se a seu lado sob o peso da cruz na subida do monte das perfeições, do qual sé precipitou. Só assim se compreende a paixão de Cristo, enquadrando-a em uma paixão maior, que abrange todas as humanidades do cosmo, paixão da qual a de Cristo na Terra não é senão um caso particular. É verdade que o reino da criatura decaída é o do mal e da dor, onde impera Satanás. Estas são as características naturais de um universo decaído. Mas nele também existe como motivo fundamental o de dividir-se por Amor, o do sacrifício e também o de possuir por toda parte a divina virtude reconstrutora que se chama redenção. Nesta paixão maior de todo o universo não é apenas Cristo que morre na cruz, mas qualquer espírito em quem Deus vive e que, encarcerado nas dores de uma existência inferior e pervertida, submete-se a uma crucificação cósmica, em que o grande Centro também sangra e padece.

Eis a que ponto chegou o Amor de Deus! Até que ponto Deus quis respeitar no ser a liberdade! Deus atingiu o extremo de querer intervir para salvar, pagando com o que era Seu, assim como do que era Seu havia dado ao criar! Altruísmo máximo coincidindo com o egocentrismo máximo, pois Deus é tudo o que existe. O ser, ainda que decaído, nas suas profundezas espirituais não pode deixar de sujeitar-se a Deus, o Pai, sua origem. Assim, tudo o que ele sente e vive deve estar sujeito a Deus. O sistema implica conexão e relações entre centro e circunferência. A criatura se comunica com Deus através da oração, transmitindo-Lhe as suas aspirações - inclusive as suas alegrias e dores -, tudo o que sente e registra na profundidade do espírito, onde Deus está. Deus, Que se encontra em nosso íntimo, vive tão junto a nós, que partilha conosco as nossas alegrias e sofre as nossas penas. A nossa inconsciência, treva do espírito, impede-nos perceber esta realidade. Basta, porém, o despertar da alma para se sentir invadida pela universal presença de Deus.

Somos, pois, pobres seres decaídos no mal e na dor. Triste tributo este, que é justo porque foi desejado. Mas Deus está junto de nós. Ele está junto de nossa humanidade no Seu aspecto de Cristo, Que conosco colabora na reconquista do paraíso perdido. Na imensa obra de reconstrução, todo o universo está empenhado sob o comando de Deus, no curso desta longa estrada traçada pela Lei, e que se chama evolução. Deus coloca-se ao lado do ser sepultado na dor e, com ele, põe-se a subir. Na profundeza sé existe uma dor, em que Deus e a alma sofrem juntamente numa união que adulçora qualquer sofrimento. Mas do qual apenas os espíritos despertos têm consciência. No esforço da reconstrução não estamos sós, mas colaboramos com Deus, Que assume o grande encargo desse difícil trabalho.

No sistema devia existir para o ser também uma grande força de coesão, nele inserida desde o seu nascimento, que em qualquer caso e a qualquer custo impede a sua desagregação, força essa que ligaria o Criador à criatura, pela qual Deus viria a colaborar diretamente na reconstrução e, no caso da Terra, enviaria Cristo a encarnar-se na involuída forma humana, assumindo-lhe todas as misérias. E o que poderia ser essa força, senão o Amor, do qual nos fala o universo inteiro e ao qual nos reconduz cada momento seu? Se é verdade que há tanto mal e tanta dor, é porque tais são as qualidades do anti-Sistema. Mas este, com a ajuda contínua de Deus, está-se reconstruindo em sistema.  Esse mal e essa dor vão se reabsorvendo por obra do Amor, do qual, não obstante tudo, o universo está saturado. É verdade que Satanás se conserva rebelde, em luta. Mas ele está na superfície, na periferia. E é verdade também que Deus é ainda mais ativo e está presente em toda parte.

Cristo veio à Terra a fim de sacrificar-se por Amor. A Sua paixão é toda um mistério de Amor. A Eucaristia é feita de Amor imperecível. As Suas últimas palavras foram de Amor: "Isto vos mando: amai-vos uns aos outros" - João, 15:17.

"Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei; permanecei no Meu Amor" - idem, 15:9.

"O Pai vos ama, porque Me tendes amado" - idem, 16:27.

Este Amor é o raio de Deus, que ilumina e vivifica o universo. Por Amor Cristo desceu ao mundo, reino de Satanás, que fez dele um tormento. Mas Cristo venceu em espírito.

O fato de Cristo nos ter trazido Amor, demonstra que Ele provém do Centro e que é um reconstrutor. O Amor na periferia, em que nos encontramos, se despedaçou em ódio, fragmentou-se nas rivalidades egoístas que Cristo nos ensinou a reconstituir em unidade, amando-nos uns aos outros. Com este Seu mandamento fundamental, Cristo quer fundir os fragmentos do Uno, assim desmoronado com a queda do ser. Com o Evangelho, a Boa-Nova anunciada aos homens de boa-vontade, Cristo representa para a humanidade o toque de pôr mãos à obra, sob a Sua direção, na reconstrução de um novo e mais elevado plano do edifício desmoronado do sistema. Fenômeno biológico, pois, que diz respeito a toda a vida, em marcha evolutiva! Cristo veio, assim; revelar-nos uma vida nova, veio manifestar-nos um mais profundo e, consequentemente; um mais real aspecto de Deus - o do Amor - verdade antes ignorada pelo homem que não sabia conceber a não ser o feroz, ainda que justo, Deus dos exércitos da Bíblia. Na época da vinda de Cristo a humanidade começava a evoluir um pouco ou se preparava para tanto. Estava, assim, à altura de receber princípios mais amplos, inacessíveis antes à sua inconsciência demasiado involuída. Logo que o terreno ficou preparado, uma nova semente foi lançada para fecundá-lo. Faz dois milênios que ela jaz sepulta, dois grandes dias da história. E está próximo o despontar do terceiro dia, o da ressurreição, em que a semente, maturada sob a terra na elaboração das almas, deverá germinar e em que o Evangelho, apenas pregado, deverá ser vivido. E assim o templo será realmente reconstruído em três dias.

Cristo, provindo do primeiro motor central, o Amor, dinamiza o esforço do ser em nosso planeta, acompanha-lhe a maceração, auxilia o homem a sair do seu grosseiro invólucro material para a vida do espírito, repleta sempre de alegria. Assim Cristo se entranha em nossa vida terrena, como o mais poderoso fator de evolução, operando nos nossos mais elevados planos biológicos. Ele nos dá a mão na exaustiva subida para o centro, do ódio ao amor. Ele quis ensinar-nos alegrias maiores, mais reais, libertando-nos do truque ilusionista, próprio do anti-Sistema em que nos encontramos. Ponhamo-nos ao lado do Reconstrutor, colaboremos! E do nosso interesse subir para a alegria e desfazer-nos da dor, apanágio natural das regiões inferiores. Este trabalho de reconstrução do sistema reverte inteiramente em nossa vantagem, porque significa a evasão do anti-Sistema e de todas as suas aflições. O sistema somos nós mesmos e, reconstruindo-o, reconstituímos o nosso poderio, a nossa felicidade. A Lei é a nossa vida. Conhecê-la e executá-la cada vez melhor, redunda em viver mais intensamente sempre. Endireitemos a nossa posição invertida, isto é, amoldemo-nos à vontade de Deus, em plena e espontânea adesão, invertendo, assim, a primeira rebelião do ser. Deus quer a nossa livre aceitação do Seu Amor, Ele a quer por compreensão e não por força. Endireitemo-nos, rebelando-nos, ao contrário, contra a vontade de Satanás, que é a lei do Anti-Sistema.

Não nos esqueçamos de que Deus está conosco, por mais malvados que sejamos.

Assim termina esta visão, primeiro germe de visões mais vastas, da essência do Cristo. Ele nos aparece assim definido em relação a Deus e ao homem neste quadro cósmico. A Sua vinda à Terra significa a retificação do homem, que deve retornar à posição ereta, depois da queda pelo pecado original. Eis o conceito de redenção. Entretanto, o pecado original não foi senão uma consequência e continuação da queda dos anjos, foi o caso particular de nosso planeta e de nossa humanidade. Então, assim como por trás do pecado original houve um desmoronamento muito maior, igualmente por trás da descida do Cristo à Terra, para retificar o homem caído, deve ter existido uma descida, com uma redenção muito maior, para a salvação de todo o universo. E como o pecado original foi a consequência e continuação da queda dos anjos, também a descida e a paixão de Cristo, com a redenção da humanidade, foi a consequência da maior descida e paixão de Deus pela redenção de todo o universo desmoronado. Com essa obra imensa se coordena Cristo. Eis o significado daquelas palavras, transcritas por João em seu Evangelho, dirigidas ao Pai:

(. . .) “para que o Filho te glorifique a Ti, porque Lhe conferiste poder sobre toda a humanidade, para que dê a vida eterna a todos os que Lhe deste".

"Eu Te glorifiquei na Terra, consumando a obra que Me confiaste para fazer”.

Eis como do ponto de partida: o Amor, tudo se desenvolve, necessariamente com lógica até à descida de Deus, Que permanece imanente na forma, qual seu espírito animador, porque ela possui um pouco da luz originária para Poder voltar a subir. No fundo do quadro da paixão de Cristo, há a cósmica paixão de Deus, que não abrange somente a Terra, mas todo o universo; há a crucificação de toda a divindade, que não abandona o ser caído, mas o segue no desastre, conserva-se em seu interior até no plano físico, em meio à treva e à dor, porque ele sabe que somente a sua íntima presença, que é vida, pode salvá-lo, redimindo-o e reconduzindo-o à vida. Só assim, de fato, será possível a reconstrução do sistema pelo anti-Sistema. Somente desta forma o desmoronamento não será uma derrota, mas uma vitória. Por esse motivo é que Deus o permitiu, por saber que, em qualquer caso, o sistema seria o vencedor. E a vitória final de Deus em todo o universo será expressa pelo triunfo do seu princípio fundamental: o Amor.