“As grandes ideias formam os grandes povos. Um povo só é grande quando chega a realizar uma grande e santa missão no mundo.”

Giuseppe Mazzini 

 

“Este Brasil está destinado a ser, industrialmente, um dos mais importantes fatores do desenvolvimento futuro do Mundo.”

Stefan Zweig

 

É natural que, neste volume, escrito no Brasil, devamos ocupar-nos de modo especial também deste grande país e dos problemas mundiais vistos em função dele. É natural que, quem escreve, assuma a psicologia do país em que se acha, e olhe os problemas também desse ponto de vista. O ponto de vista, em relação a determinado país não é uma preconcebida determinação de chegar a certas conclusões, em função de interesses próprios ou em defesa de orientações particulares, mas é sempre uma visão objetiva de realidades que pertencem a todos.

 

Qual é a função histórica do Brasil no mundo, especialmente em relação à esperada nova civilização do Terceiro Milênio? Evidentemente, não é uma hipótese mas um fato positivo, que o Hemisfério Norte é um armazém de bombas atômicas, e é evidente que não são elas construídas por pura curiosidade científica. Os Estados Unidos e a Rússia estão armando-se cada vez mais, e naturalmente não é para abraçarem-se. O medo de uma luta perigosa e tremendamente destrutiva para todos os retém. Mas também os atrai a miragem do domínio do mundo, prêmio de sua vitória. A guerra fria já está em ação. Sem dúvida, os meandros da política são tão tenebrosos, a imprensa é tão obediente a quem manda e a quem paga, e no círculo vicioso dos interesses costuma dar-se ao público tanta propaganda e tão pouca verdade, que é possível que haja talvez outra realidade sob estas aparências, geralmente aceitas. Entretanto, estes são fatos. Mesmo se a Rússia, com seu sistema de expansão de ideologias, chegasse a realizar seu objetivo de submeter outros países, ao entrar nestes pela porta da representação parlamentar de partido, jamais seriam conseguidas por este meio a paz e a ordem.

 

Um fato, entretanto, parece certo: que a hora é apocalíptica e o hemisfério norte é terreno minado. Ora, a primeira grande riqueza e potência do Brasil é de estar em outro hemisfério, longe de tudo isso. Este fato o garante, ao menos, de não ser objeto de ataques e teatro de guerras, sorte que a Europa, os Estados Unidos e a Rússia estão bem longe de ter. Além disso, o Brasil não precisa de expansões nem imperialismo, porque seu território já é vasto como um império, e só espera ser povoado. Não tem, pois, razões de rivalidade com nenhum país. É, finalmente, o lugar em que há espaço para todos, e em que não há necessidade de guerras para conquistar um lugar ao sol, nem precisa garantir-se contra vizinhos perigosos, que andem atrás de espaço, dado que para todos há lugar de sobra. Acha-se, pois, o Brasil em condições pacíficas naturais, e é esta sua posição natural no mundo. Que os Estados Unidos e a Rússia preguem a paz, eles que se estão armando cada vez mais, é coisa que não tem sentido, senão o de querer desarmar o próprio antagonista e captar o favor das massas, esfaimadas de tranquilidade. Um verdadeiro sentido de pacifismo não pode vir do Hemisfério Norte, mas apenas desta grande terra da América do Sul. A função histórica do Brasil no mundo só pode ser, portanto, neste nosso tempo, uma função de paz. Esta é sua posição atual no pensamento da História, esta é a missão que lhe foi confiada. As circunstâncias, com efeito, enquadram hoje o Brasil nesta posição, como num destino, expresso pelas condições de fato.

 

Compreendamos bem este conceito. De acordo com o que dissemos antes, no capítulo "O Pensamento e a Vontade da História", é esta que, com uma inteligência e sabedoria que o homem não tem, escolhe homens e povos para determinadas funções históricas e lhas confia, utilizando-se deles segundo sua natureza e capacidade. Num sentido mais vasto, é a vida que atribui aos indivíduos e povos mais aptos determinada função biológica. Se o fenômeno pode assim exprimir-se em termos científicos, também o pode em termos religiosos, dizendo que Deus confia uma missão. Dizer: executar uma função biológica, ou uma missão confiada por Deus, ou fazer Sua vontade, é tudo a mesma coisa. Ora, de tudo o que foi dito nos nossos volumes precedentes, resulta que, aquele que se acha nessas condições, virá a personificar uma força em ação no funcionamento orgânico do universo. Tornando-se, assim, um operário executor do plano divino que dirige o evolver das coisas, ele se acha, então, protegido pela vida, que lhe oferece os meios para que realmente se complete a realização da função ou missão. Por isso, pudemos dizer num dos capítulos precedentes, que a vida ajuda os homens e movimentos que têm uma função biológica, e deixa indefesos os que não a têm. Disto pode compreender-se de que poder disponha o homem ou o povo que tenha uma função biológica, ou seja, uma missão. É a própria vida que o investe de seus poderes, os quais, embora concedidos apenas onde Deus o queira e na medida em que o queira Deus, são meios ilimitados por sua própria natureza. E isto, praticamente, se chama sorte ou destino, pelo que são vistos homens comuns lançados subitamente aos primeiros planos da História. Diga-se o mesmo para os povos.

 

Ora, o Brasil, como nô-lo indicam as condições de fato, personifica essa função biológica ou missão de pacifismo no mundo. Quem é verdadeiramente honesto, não vai a cada passo apregoando que é honesto. Os não-honestos é que procuram esconder seu rosto verdadeiro e defender-se. Assim, o povo verdadeiramente pacífico e pacifista é o que menos se faz paladino oficial de pacifismo, o que faz menos campanhas publicitárias com esse escopo. E o Brasil é assim. Pacifista até o âmago, naturalmente, e não precisa dizer muito por que o é. Ora, se aplicarmos a esta nação os conceitos acima expostos, poderemos dizer que, nesta direção do pacifismo, o Brasil personifica uma força em ação, segundo a vontade de Deus e da História. A consequência disto, é que ele é protegido pela vida, que lhe oferecerá os meios, para que a realização desta função ou missão de pacifismo realmente se complete. Dissemos acima, de que poder dispõe quem tenha uma função biológica, porque a vida mesma é que dele faz o instrumento das próprias realizações. É ela própria que age nele, naquele sentido e momento determinado, cedendo-lhe seus poderes dentro desses limites. O fato é que, quando a vida oferece uma função biológica, depois lhe dá os meios e prepara os acontecimentos para que ela a execute, dado que as palavras da linguagem da vida são os fatos. E fácil deduzir as consequências de tudo isso. As previsões dos cálculos e astúcias políticas não trabalham neste terreno, ignoram essas forças que, para elas, são contidas no desconhecido imponderável. Mas, nós falamos aqui em termos e raciocínio, fazendo apelo à lógica das coisas, para que ficasse compreensível e manifestasse suas notas características, a presença desse imponderável que aqui aparece.

 

O Brasil acha-se, portanto, numa posição particular de privilégio, embora ainda em forma não manifesta, porque é uma realização de amanhã, ou seja, acha-se com uma grande riqueza em estado latente. E esta espera ser explorada e utilizada em benefício de todos; uma mina de caráter espiritual, que espera o trabalho dos homens, os quais, com sua boa vontade, poderão tirar proveito, para a expansão da vida, da mesma forma que as tirarão de tantas outras riquezas ainda inexploradas no Brasil. Esta é a Lei. A vida quer expandir-se. Esta é sua vontade irrefreável. Por isso concede missões, funções, meios e circunstâncias adequadas, para que se realize esta sua vontade.

 

Eis a atual posição do Brasil na História. A vida lhe oferece uma função a executar, a qual faz parte de seu plano de expansão e de evolução do planeta. É um oferecimento, é a investidura de uma grande missão. Cabe agora ao povo brasileiro corresponder ao oferecimento, compreendendo-o e aceitando-o. Os momentos históricos jamais se repetem idênticos e esses oferecimentos não são feitos duas vezes. Perdida uma oportunidade, ela não volta mais. Cabe, além disso, ao povo brasileiro compreender que a natureza desta missão é manter-se na linha do pacifismo, isto é, que a função biológica que a vida confia ao Brasil, é função de paz e amor. Segue-se daí que, se esta é a vontade da História, e se o Brasil quiser caminhar nessa direção, aceitando a missão, ser-lhe-ão concedidos todos os auxílios; mas, se ao contrário, o Brasil se colocar, como primordial posição, no terreno da força bélica ou como potência ávida de supremacia, então a vida lhe retirará todos os auxílios e assim tudo será perdido, no sentido de que a função e a missão lhe são tiradas, e a oportunidade de exercer um papel mundial se esfumará. Quem vai de encontro à vontade da História, é cortado de suas fontes vitais, e não recebe mais ajuda.

 

Ora, tudo isso corresponde perfeitamente as condições atuais do Brasil; é um estado de fato já existente e nada é preciso fazer para prepará-lo. Esta concordância automática entre o que é a realidade atual e a natureza da missão oferecida, confirma a verdade de nosso raciocínio. Assumir hoje o Brasil, no mundo, uma função diferente, seria coisa de difícil realização. Seria bem estranho um Brasil imperialista e expansionista, se já de per si é maior que um império e não chega a povoar sua própria terra ilimitada. Seria bem estranho um Brasil que quisesse levantar-se como grande potência militar, quando não tem inimigos próximos para combater. Seria bem estranho que um país, definido como coração do mundo e pátria do Evangelho, se pusesse a fazer guerras de conquista ou de defesa, de que absolutamente não necessita. É claro, pois, que a função histórica do Brasil no mundo só pode ser a de abraçar a humanidade com o seu amor, em seu imenso território, à espera de ser povoado. Deixemos aos povos do Hemisfério Norte outras funções a executar no organismo social do mundo. Deixemos à Ásia a função metafísica, à Europa as funções cerebrais do mundo, à Rússia a função revolucionária e destruidora, à América do Norte a função econômica da riqueza, e assim por diante, e reconheçamos que a função histórica do Brasil é bondade, tolerância, amor.

 

Se olharmos o mapa do mundo, acharemos uma distribuição de qualidades e funções correspondentes, diversas e complementares, como num organismo único. Este, na Terra, está em formação e se chama humanidade. O Brasil acha-se na posição oposta à Rússia, e é estranho que, a essa oposição geográfica, quase nos antípodas, corresponda também uma oposição de muitas outras qualidades fundamentais. E pode ser instrutivo observar-se isto. Não se trata somente de oposição geográfica, mas também climática, ideológica, política, moral, etc. Ambas as terras imensas, o Brasil irrompe quase ilimitado interiormente, tal como a Rússia na Sibéria, mas em posições emborcadas, o primeiro em direção ao calor do Equador, a segunda em direção aos gelos dos polos. A Rússia é o país de regime policial de coação, de menor liberdade do mundo, de ideologia única obrigatória. O Brasil é o país da máxima liberdade, em que todas as ideologias, suportáveis com o mínimo da ética e da ordem indispensável, são toleradas. A Rússia é abertamente ateia e materialista. O Brasil é crente e espiritualista, qualquer que seja a religião que se professe. A Rússia é o país bélico por excelência; formado agora na revolução violenta, só sabe fazer guerra e preparar-se para a guerra, para conquistar tudo. O Brasil é o país pacífico por excelência, que não pensa, absolutamente, fazer guerra a ninguém. A Rússia é imperialista e expansionista. O Brasil tem tanto para expandir-se internamente, que não precisa transpor seus limites à busca de impérios. A Rússia é o centro maior do Comunismo. O Brasil é o ponto de maior rarefação dele, pois é um dos poucos países em que, ao menos oficialmente não há representantes de partido, do Comunismo. Pode ser apenas casual uma tão perfeita coincidência de opostos? E então, poderemos concluir também, que se a função da Rússia é destruir com a religião do ódio, a função do Brasil poderá ser a de criar com a religião do amor.

 

Não é esse, com efeito, o temperamento deste país, em que pacificamente se misturam todas as raças, com seu sentimentalismo tolerante, com seu espírito antiexclusivista e anti-racista? Estas qualidades espontâneas, que já achamos existentes de fato, correspondem perfeitamente à missão que deve ter o Brasil, e a provam. Tudo concorda em cheio. É natural que a História escolha, para cada determinada tarefa, os indivíduos dotados das qualidades mais adequadas para executá-las, justamente porque a vida quer realizar, alcançando no terreno prático, todos os seus objetivos. E o Brasil pode fazer-se representante da vontade da vida, no terreno da bondade e do amor. Este é um setor vazio do equilíbrio de todas as funções do organismo social da humanidade, e que outro povo poderia preenchê-lo? Não digo que não haja outros povos bons no mundo. Mas estão empenhados em outros trabalhos. Muitas vezes, mesmo, é pelo fato de serem melhores, que estão mais sujeitos às opressões e às dores, porque na humanidade há também os destinados à expiação e à prova do sofrimento.

 

Tudo o que diz respeito ao Brasil, parece feito sob medida, de propósito para torná-lo apto a essa função. Trata-se, sobretudo, de amar, ou seja, de abrir os braços, evangelicamente. São tantas as ideologias propagadas no mundo... Por que deve parecer tão absurda a de um Evangelho verdadeiramente vivido? Abrir os braços ao mundo! E pode acontecer que o mundo, amanhã, com a infernal destruição que hoje se está preparando, tenha inadiável necessidade de um refúgio, onde encontrar paz; de uma terra em que não viva o ódio ou o interesse, mas o amor. Quem sabe se a luta entre as ideologias armadas de bombas atômicas, não se resolva num desastre tão grande no Hemisfério Norte, que os povos devam fugir de lá em massa, especialmente da Europa que está mais ameaçada? E quem sabe se esse impulso não exercite uma pressão desesperada sobre as portas do Brasil, tão forte que as faça ceder, e opere uma imigração em massa de milhões de europeus? Assim se preencheria rapidamente o Brasil, de frutos mais carregados de dinamismo e de inteligência, produto da milenária elaboração da velha civilização europeia, que já viveu tantas experiências, para que funcione como semente que se transplante para um terreno virgem para fecundá-lo. Tudo isto está na linha das maiores probabilidades. E então, a função do Brasil seria não só receber e abraçar, mas, com seus princípios de liberdade, de hospitalidade e bondade, de amalgamar todas as raças, como já está fazendo, assimilando-as em sua nova terra. Os povos novos se fazem com a fusão, não com o racismo, e a fusão se faz com o amor.

 

Tudo parece pronto para estas novas realizações. O Brasil possui território imenso, cheio de riquezas incalculáveis, que só esperam a mão do homem para ser valorizadas. Maior muitas vezes que a Europa, fértil, e com um clima que torna fácil a vida, pode conter mais de 500 milhões de habitantes. E tem hoje apenas a décima parte. E o mundo da velha civilização europeia acha-se justamente em condições opostas, de superpopulação e de pressão demográfica, à procura de um espaço vital. Dois impulsos opostos, que convergem para a mesma solução. A civilização emigrou do Egito para a Grécia, da Grécia para Roma, de Roma para a Europa e da Europa para as Américas. A raça anglo-saxônia criou a civilização do dólar nas Estados Unidos. Por que a raça latina, herdeira de Roma, não poderia criar a civilização do Evangelho no Brasil?

 

Há também uma razão de caráter moral e, para a História, têm poder, outrossim, as forças desse tipo, mesmo se a política não as leve em conta. E esta razão pode ter maior valor hoje, porque esta é a hora do juízo, a hora apocalíptica, em que será liquidado um velho mundo indigno, para que nasça outro melhor. Ora, a América do Sul é inocente das últimas  guerras e a raça latina é inocente da criação e do uso da bomba atômica. Esta inocência, diante da justiça de Deus, imanente nas leis da vida, forma uma base e um direito de ser salvo. Tudo, pois, parece concordar para uma missão do Brasil no mundo, que o faça, em grande parte, herdeiro especialmente da civilização latina.

 

O Brasil é a terra clássica das fusões de raças, é o  "melting-pot" em que tudo se mistura. E sabemos que a natureza se regenera na fusão de tipos diversos, ao passo que o princípio racista isolacionista é antivital. Prova-o o esgotamento das aristocracias muito puras e selecionadas. E já se pode dizer que todas as nações do mundo tenham, hoje, seus representantes no Brasil. Este, dessa forma, já as concentra todas em síntese, como modelos, num todo que as funde juntamente numa raça nova, que pode ser chamada a síntese de todas as outras. Por isso, o Brasil, com este seu universalíssimo, que o coloca nos antípodas das cisões nacionalistas europeias, está apto a ser o berço de uma nova civilização, cujo primordial caráter será a universalidade. O mundo caminha hoje para as grandes unidades, e os patriotismos, em sentido exclusivista e agressivo, da velha Europa, tendem hoje a ser rapidamente liquidados pelas leis da vida, porque são contraproducentes para seus objetivos evolutivos. Nisto, o Brasil tão jovem se acha mais adiantado do que a Europa dividida e belicosa, adiantado numa ideia mais vasta, de nacionalidade cosmopolita, em que todas as nacionalidades se fundem sob o mesmo céu. Por este motivo, o Brasil é mais apto do que a velha Europa a realizar uma ideia, que é a ideia do futuro, uma unidade livre, constituída não de satélites submetidos à força, mas de fusão demográfica, a única que resiste no tempo e que forma os povos novos.

 

Mas outras qualidades ainda possui o Brasil, para desempenhar a função histórica que a vida lhe oferece. É ele um país jovem. O fato de não estar carregado de milênios de história, isto é, de lutas e de dores, de fadigas pelas conquistas de tantos valores de todo o gênero, o torna mais ágil. E a história do Brasil, assim como ocorre para os jovens, está mais no futuro que no passado. Este povo tem a vantagem de poder colher, ainda em idade juvenil, os produtos de uma longa civilização, já confeccionados e prontos para o uso, pela Europa já velha, que suportou e sente o cansaço, produzido pelo esforço de quem os teve que criar por si mesmos. É uma vantagem poder dispor de tais meios; porque isso permite enfrentar a vida mais rico e armado de recursos. Com a técnica moderna, derruba-se a floresta virgem, transformando-a em cidades habitadas e civilizadas, muito mais facilmente do que com os meios primitivos de nossos avós. E tudo isso é mais fácil, quando esses meios são utilizados pela força dos jovens. O Brasil é jovem. O ponto de chegada da civilização europeia é, para ele, um ponto de partida. Ele começa sua vida com os meios mais adiantados da civilização: o arranha-céu, o automóvel, o avião, o rádio, a televisão; meios novos que, nesta terra acham o espaço livre, ao passo que na Europa devem ser sobrepostos aos meios mais velhos, que estavam dantes em plena eficiência e que, em determinada época, constituíam a base da civilização.

 

Diga-se o mesmo para as ideias. O Brasil é terreno desimpedido, pronto para assimilar o que é novo. Na Europa, tudo está encadeado, cada ideia já foi lixada na vida em formas concretas, que constituem hoje uma barreira ao que é novo, e criam um obstáculo a cada passo. Sua filosofia tem todo o requinte do sofisma e do bizantinismo, enquanto que a vida nova pulsa com ideias simples, fortes e grandes. Quem tem este gênero de ideias, não pode encontrar terreno propício numa Europa que está entregue a todos os requintes da decadência: pode só em países novos que, ao contrário, estão esfaimados dessas ideias, porque sentem que elas são vitais. A Europa é a árvore carregada de frutos e sementes, à espera que o vento os carregue para longe, para frutificar em terras virgens. Eles penetrarão nos povos novos que os olham com admiração e anseiam beber-lhes o pensamento, a civilização, a vida madura, que fecunde sua vida nova. Talvez venha a ser a Europa, bem cedo, o que foi a Grécia vencida diante de Roma: vencida e mestra. E a nova luz virá ainda de Roma, sempre viva no pensamento do mundo.

 

Mas, a grande qualidade do Brasil, a que estabelece sua função vital, é o sentimento, o coração. Nesta terra estão as raízes daquela expansividade de afetos, que é a qualidade humana que, mais tarde, evoluindo, é a mais apta a sublimar-se no amor evangélico. Aqui, até o feroz Comunismo russo idealiza-se e concebe-se como programa de justiça social, torna-se até cristão, formas inconcebíveis na sua realidade russa. Tudo, também as coisas piores, aqui procuram tornar-se boas, porque cada biótipo tudo transforma, adaptando-o ao próprio temperamento.

 

O poderio bélico e o econômico, por mais que queiram evolver, partem de uma semente de natureza muito diversa, e jamais poderão transformar-se em amor evangélico. Os senhores do ouro e do poder bélico poderão sorrir de tudo isto. Mas a vida é feita de tal forma, que não pode ser construída apenas com estes dois meios. Assim como cada corpo humano precisa, não apenas do ventre para digerir, da inteligência para dirigir-se, dos braços para trabalhar e defender-se, mas também do coração para amar e proteger, como cada família necessita não só do pai, que luta, ganha e ordena, mas também do amor da mãe, que gera, e cria no amor; assim da mesma forma a humanidade necessita de povos que representem, em seu grande organismo, esta nobre função da bondade e do amor, da proteção e da conservação. Na humanidade são necessários os povos, como o Brasil, encarregados da função da coesão e unificação. A vida, que tem de ser completa, precisa de tudo isso. Portanto ela confia a essas nações, o desempenho de funções biológicas, que são verdadeiras missões históricas. Estas adquirem hoje uma importância muito maior, porque a seleção biológica se apresta a tomar formas mais evoluídas, que já não são mais aquelas tradicionais do mundo animal, aquelas que levam à vitória do mais forte no plano material; isto é, a seleção tende, ao contrário, a produzir o biótipo do mais inteligente e do mais adequado, por qualidades de sentimento, a confraternizar, ou seja, a saber viver socialmente. A inteligência é o caminho para chegar a compreender a utilidade individual e coletiva de ser bons e honestos; e o sentimento é a estrada mestra para alcançar essa fusão de almas, sem o que não poderão surgir os futuros organismos das grandes coletividades sociais.

 

O europeu que, pela primeira vez, chega ao Brasil, trazendo consigo sua mentalidade europeia, não pode compreender muitas coisas, porque seus pontos de referência são diferentes. Ele, que provém de uma terra em que tudo tem uma longa história, por ter vivido muito, e desde muito tempo está maduro e adulto, não pode compreender de imediato um país jovem, em que tudo está no estado de gérmen, e porque este ainda não nasceu nem cresceu, lhe parece o terreno inculto e deserto. No entanto, à planta madura resta apenas envelhecer e morrer, e às sementes só faltam desenvolver-se. Aos jovens pertencem a vida e o futuro. O que mais importa é o amanhã. Neste amanhã deve ser olhada e compreendida a grandeza do Brasil, um amanhã que para a Europa só pode ser, ao contrário, velhice e decadência.

 

Sem dúvida, o europeu traz em si um requinte que o leva a olhar do alto uma terra que, na Europa, é muito pouco conhecida, tanto que é considerada de tipo colonial. Apenas aqueles que se fixam um pouco e queiram olhar menos superficialmente as coisas, podem ver o que exista sob essas aparências; pode então observar como no requinte da civilização europeia nem tudo seja ouro que reluz e haja também um reverso da medalha. A maturidade europeia pode significar também cristalização senil, uma carga de superestruturas que bloqueiam a evolução, o esgotamento de forças vitais. Estas refervem, emergindo sempre do mais elementar, que está ávido de subir; ao passo que, quem já chegou gosta de repousar sobre o esforço realizado e, como os velhos, dormir sobre as próprias conquistas. É mesmo provável que a grande Europa, mãe e mestra do mundo moderno, já tenha esgotado sua tarefa e suas forças. O requinte pode significar então velhice, e o estado primitivo significar vida, não no passado, mas no futuro.

 

Há todavia mais coisas, no reverso da medalha. Requinte, madureza de pensamento, são muitas vezes, ausência de virgindade de espírito, isto é, qualidades contraproducentes para o desenvolvimento diante do futuro. A mentalidade europeia, com o passar e repassar em revista todos os seus valores, destruindo-os e reconstruindo-os para ascender, de controle em controle, em busca de verdades cada vez mais exatas, tornou-se hipercrítica, tanto que assumiu difusamente a psicologia do filósofo, que, após haver tudo examinado e discutido, só sabe ser cético de tudo. O próprio catolicismo não pode deixar de ficar preso na vastidão e no poderio desse ciclo histórico e, embora formal e teoricamente intacto, está de fato naufragando na realidade das almas. Chegou-se assim, na prática, a um estado difuso de ateísmo, que assume, nos que se dizem crentes, uma forma de materialismo religioso, ou seja, de religião materialista em que, na forma ortodoxa intacta, a chama da espiritualidade está apagada. Por muitas razões, assim, entre as quais as duas últimas guerras, pelo exemplo da ferocidade e pelo estado de necessidade que se lhe seguiu, está ainda vigorando nas almas, sob a formalidade do cristianismo, uma religião de egoísmo e de cálculo. Quem está de fora segue, diretamente, a religião do ódio, quando isso é necessário para sobreviver.

 

Sem dúvida que a cultura, a crítica de tudo, desenvolveu a inteligência, tornou mais requintados os métodos de luta, fazendo-os mais sutis e terríveis. Por isso, as massas cresceram em desconfiança e astúcia, não em bondade. Sua agressividade tornou-se organizada, racionalizada, científica. A crítica e a cultura destruíram as trevas da ignorância, sim, mas ficou apenas a razão, fria calculadora de egoísticos interesses materiais. Este é o positivismo do mundo civilizado de hoje. O poder criador, representado por um transporte de fé, com esperança no futuro, parece perdido neste mundo cinzento de ceticismo, agarrado, sem esperança, apenas à vantagem que pode oferecer o minuto que foge. Perdeu-se, assim, na realidade, todo o sentido verdadeiro de religiosidade, embora quase todos se declarem homogeneamente católicos apostólicos romanos, ao menos na Itália, ou protestantes e católicos alhures, mas todos igualmente cristãos. Na prática, as massas adoram o deus dinheiro e só nele creem firmemente. Muitas belas práticas formais sobrevivem, mas domina, na maioria, a indiferença e desapareceu todo o sentido de verdadeira espiritualidade.

 

O Brasil acha-se em condições opostas. Antes de tudo, o temperamento é menos frio, menos fechado, mais expansivo. Poucos, na Europa, se abraçam em público, mesmo entre os íntimos, e todas as expressões de afeto são controladas e sopesadas. No Brasil, a luta menos dura e a virgindade maior de espírito ainda não fizeram fechar-se as portas da alma, nem as manifestações dos próprios sentimentos, pela desconfiança necessária aos povos mais experimentados pela calamidade inimiga. O tipo biológico do Brasil é levado mais a religião espontânea, numa expansão livre, de amor e de fé, do que a uma religião já rigidamente codificada, em que o pensamento e o sentimento permanecem enregelados nas formas. Ora, este primitivo estado espiritual incandescente, ainda que, pelo europeu, possa ser olhado com um sorriso de compaixão, é o estado mais apto aos futuros desenvolvimentos. Aqui as almas são virgens e receptivas e pode criar-se o novo. Na Europa, só se pode continuar a elaborar o velho, finando-o sempre mais em sutilezas capilares, ficando tudo fechado nas velhas barreiras construídas pelos séculos.

 

Assim, não há apenas, no Brasil, um estado de sentimentalismo dominante, que dulcifica os homens, mas prevalece uma disposição à religiosidade e ao misticismo. Este é um povo religioso por excelência esse seu tipo biológico. Não importa que as religiões e as formas sejam muitas. Encontram-se no Brasil quase todas as religiões do mundo, vivendo juntas na mesma terra. Na Europa pode dizer-se que há apenas uma religião, tão afins são as duas dominantes, catolicismo e protestantismo, ambas cristãs. Entretanto, não há muita disposição espontânea à espiritualidade, e o biótipo místico não domina em absoluto. Quem pela primeira vez chega ao Brasil, fica escandalizado com a macumba, com tantas superstições, assim como com o carnaval do Rio de Janeiro. Pois bem, estes são os graus mais ínfimos da tendência à religiosidade, ao misticismo, ao amor. Estamos muito em baixo, mas o gérmen  existe. E se existe, ele pode ser guiado e desenvolvido. Na Europa mais puritana, mas não mais casta, mais formalmente religiosa e disciplinada, mas não mais crente, não existe esse gérmen, e nada pode ser desenvolvido. Que futuro se pode dar a uma religião mecânica, sem grandes transportes de fé, a uma alma friamente calculista, sem grandes transportes de paixão? Os grandes santos surgiram, mais frequentemente, dos grandes pecadores passionais do que dos frios e ortodoxos pensadores. No Brasil há o estado passional que, embora no estado caótico, representa a matéria prima da fé, da religiosidade, do misticismo. Condena-se justamente a sexualidade quando é animalesca, entretanto, representa ela a primeira porta, embora a mais baixa, pela qual começa a alma a irromper ao egoísmo frígido (naturalmente calculador e que acumula para si, sexualmente neutro) para dar de si mesmo aos outros. Por esta porta passarão mais tarde, com a evolução, todas as sublimações deste primeiro e grosseiro movimento de expansão altruísta, que aos poucos se irá cada vez mais desmaterializando, até o amor aos pais pelos filhos, do homem evangélico ao próximo, do filantropo à humanidade, do místico à Divindade.

 

Resumamos, neste terreno, a posição do Brasil diante da Europa, num quadro de conjunto, expondo qualidades e defeitos de ambos os lados. O Brasil é primitivo, simples, espontâneo, de boa fé, tendente à confiança, alma infantil, acreditando em Deus e no futuro, ainda, não experimentado pelos golpes das guerras duríssimas e da iminente ameaça de uma terceira, não prostrado por milênios de luta; alma virgem, quente, entusiasta, ávida de assimilar, rica de sentimento, substancialmente religiosa, com disposições e tendências místicas, num ambiente de vida simples que, suavizando a luta, induz à bondade e à tolerância; alma exuberante e expansiva, generosa como a dos jovens, tendente, pois, a confraternizar e a fundir-se no próximo. Tipo biológico capaz de infinitos desenvolvimentos, retomando o caminho da fé, do estado de transporte virginal em que se encontravam os primeiros cristãos, hoje já no terreno de mais vasta base científica e racional, que a mente moderna atingiu e pode oferecer. Tudo no estado da semente que quer e tem fome de crescer, tudo enquadrado numa fase histórica de desenvolvimento do mundo para um novo tipo de civilização, no amadurecimento dos tempos, e diante da vontade da vida de fazer um grande salto à frente. E eis que, diante dos grandes problemas do século, como principalmente o da justiça econômica e da confraternização e cooperação para poder viver e trabalhar concordemente nas grandes unidades coletivas, que a História quer fazer nascer, agora, eis que diante desses problemas, há muito mais probabilidades que os saiba resolver um povo que amorosamente os enfrenta com o coração, do que o resto do mundo, que só os sabe enfrentar com a força do dinheiro ou das armas e exércitos. Estas qualidades, a tendência à religiosidade, a virgindade de alma, que significa terreno livre para novos desenvolvimentos, representam uma capacidade de progresso nas crenças religiosas, ao qual vemos corresponder, na história da humanidade, tão frequentemente, um progresso social.

 

Do outro lado, a Europa, madura, complexa, hipercrítica, cética e desconfiada, sem fé em Deus e no futuro, envenenada pela ferocidade de duas guerras e cansada do trabalho de civilizar o mundo, alma que já navegou por todos os mares do conhecimento, fria, reflexa, autocontrolada, farta de saber, que desbarata tudo com a análise até chegar ao ceticismo, carregada demais de coisas velhas e privada de espaço livre para o que é novo; temperamento positivo e, portanto, egoísta, calculador, nada generoso, como são, em geral, os velhos, a isso constrangido por uma vida mais difícil e dura, pela falta de espaço e pela pressão demográfica; alma tornada por tudo isso exacerbada, fechada e desconfiada, essencialmente materialista, utilitária, levada ao absolutismo e à intransigência, a um individualismo separatista, que repele a espontânea confraternização. Tipo biológico saturado, incapaz de renovações substanciais, mas apenas de aperfeiçoamentos cada vez mais sutis, na base das grandes estradas já fixadas pela raça, por assimilação de milênios. Tudo maduro, ao qual só resta envelhecer, no vasto mundo que procura, ao contrário, novos caminhos e elementos jovens para percorrê-los. Lá uma floresta de grandes árvores; no Brasil um campo fértil, carregado de sementes. Na floresta tudo está feito; não se pode nem semear nem colher. E nela se anda com dificuldade. A alma adulta é individualista, à maneira de grossos troncos eretos, e o resultado é o separativismo. Tudo está dividido, é rival, incrédulo até o materialismo religioso. A fé em qualquer coisa, que não seja o que é útil no presente, está em decadência.

 

Vejamos um só exemplo. Na catolicíssima Itália, centro do catolicismo, em cinco anos, até as eleições de 1953, os comunistas aumentaram de um milhão e meio. A Igreja de Roma condenou severamente, até com a excomunhão, a doutrina ateu-materialista. Pois bem, o comunismo, com isso, não foi absolutamente contido e continuou a progredir. Mais de nove milhões de adultos não fizeram caso da condenação da Igreja. Em 1953, sobre nove milhões e meio de adultos, isto é, uma pessoa em cada três era, declaradamente, materialista. Isto quer dizer que o Cristianismo embora com a Democracia Cristã se tenha tornado na Itália, além de religião, um partido político, não pôde deter a expansão dos princípios materialistas e nada consegue contra eles. Suas reações servem, assim, mais para desacreditá-lo, demonstrando sua impotência, do que para alcançar seu objetivo. Um terço da população adulta, que é o que conta, na catolicíssima Itália, onde oficialmente todos são católicos, e onde está o centro do catolicismo é ateia. E dos outros dois terços, quantos creem verdadeiramente? Sua conduta faria crer que também a maioria deles seja ateia.

 

O materialismo é, então, uma corrente coletiva, que arrasta todos, e contra a qual, já agora, uma Igreja reduzida à forma e vazia de espiritualidade profunda e convicta, ao menos no conjunto, não mais pode lutar para vencer. Os homens da Igreja podem dizer: Deus está conosco. Mas, se sabemos que Cristo está com Sua Igreja espiritual, estamos seguros de que Ele permaneça com aqueles homens, se eles não seguem seus ditames? Perdida dessa forma a força maior, que é a espiritual, que defesa lhes sobrará? Então, eles cairão no grande curso da corrente geral, até que ocorra uma renovação radical, com a volta ao espírito. Isto porque tudo se reduz a um grande fenômeno biológico, que não se pode realizar com os retoques da reforma, mas só por meio de grandes agitações políticas e sociais, que limpem e renovem radicalmente, refazendo-se tudo desde a raiz. Pesa sobre a Europa toda uma vingança comum da História, preparada longamente nos séculos, e que agora atinge sua fase culminante. Representa um determinismo histórico comum a todos, porque foi preparada concordemente por toda a Europa, não obstante a diversidade de línguas e raças, e que converge toda para o estado atual. O Brasil terá outros defeitos, mas é inocente dessas culpas, próprias de quem teve a responsabilidade de guiar intelectual e espiritualmente o mundo: sua história não se fez, ainda se fará; não há, pois, diante da Lei, violações executadas, nem espera de suas reações, nem débitos a pagar.

 

Então, a qual desses dois grupos étnicos pertence o futuro? Diante dos grandes problemas do século, como o da justiça econômica e da confraternização para poder conviver e colaborar nas novas grandes unidades coletivas, qual dos dois grupos étnicos se acha mais apto, e espiritualmente preparado, para resolver tudo isto e chegar a uma conclusão, que não seja a da destruição de meio mundo, por meio de guerras exterminadoras?

 

Não queremos aqui impor conclusão alguma. Procuramos apenas expor dados de fato, para que o leitor os utilize livremente, para concluir por si, como melhor desejar. Mas, o certo é que, salvo erro ou omissão, parece que estes dados queiram concluir a favor do Brasil. Tudo isso nos aparece nas condições de fato, escrito na onda da História, onda que carreia homens e acontecimentos, como explicamos acima. Sem dúvida, a vontade de um povo, sozinho, embora com a maior boa vontade, não poderia criar a natureza da onda histórica, num determinado momento nem sua posição dentro dela. Cada nação acha aí situada em atitudes diversas, com diferentes funções, de acordo com o desenvolvimento das proposições lógicas do pensamento progressivo da vida. O que mais pesa, a esse respeito, é a vontade da História, é o momento, é o desenrolar dos acontecimentos. Ora, tudo está a favor do Brasil, para que, secundando os impulsos da História, que oferece, mas jamais coage, possa ele desempenhar esta sua função e missão. Esta convergência de circunstâncias favoráveis demonstra que efetivamente a História faz, hoje, ao Brasil, este oferecimento e para que este se torne função histórica e missão, e mais tarde se realize na ação, a questão é apenas de que o Brasil a aceite e a queira. Não nos detenhamos nas condições e aparências do momento. Esta que fazemos, é uma visão remota e de conjunto, e não um trabalho de análise do pormenor, em que vivem os homens políticos. Colocamo-nos aqui, em contato com os grandes movimentos da vida do mundo, e não com o jogo dos partidos, nem com as competições humanas.

 

No quadro de síntese que pusemos sob os olhos do leitor, vemos que a onda histórica, que exprime a vontade da vida, vai nesta direção, e faz, a esta nação, seu oferecimento. Trata-se de aceitar e compreender, de colocar-se na corrente que a História quer seguir. Mas, um homem ou um povo pouco podem sozinhos, e nada podem contra a História. Mas se a onda que os leva é favorável, Deus está com eles, as forças imensas da vida estão à sua disposição, e eles podem, portanto, alcançar até o inacreditável. As qualidades que o Brasil possui não só são aprovadas pelo novo rumo dos tempos, como também são aproveitadas, porque a vida, hoje, precisa justamente delas. É provável que o mundo se ache, brevemente, com uma necessidade tão premente de paz e de bondade, que se valorizem de modo extraordinário os poucos lugares em que seja possível encontrá-las. E o Brasil poderá ser o primeiro entre estes. É provável que os conflitos do Hemisfério Norte terminem com grandes destruições, após as quais a vida terá imperiosa necessidade, para sua reconstituição, de paz, amor, compreensão e colaboração, e de um lugar tranquilo onde possa repousar e recomeçar sobre essas bases. A carência crescente desses elementos e a progressiva elevação da procura, os valorizará cada vez mais, tornando-os buscados e preciosos. A humanidade, traída pela força e pela riqueza, nas quais unicamente acreditou, enregelada por um egoísmo da qual só terá recebido desolação, procurará, para não morrer, um sentimento de bondade em que possa viver com mais calor, e que termine de uma vez com as lutas. Eis a grande função histórica do Brasil, se este souber preparar-se desde já; eis sua missão, se ele quiser desempenhá-la amanhã, pois que a História está pronta para confiar-lha.

 

Então, poderemos dizer que o Brasil poderá ser a sede da primeira realização da terceira ideia, que funda, num todo, o que há de melhor nas duas atualmente em luta mortal, ou seja, a liberdade dum lado e a justiça econômica do outro, no amor evangélico, sem o que nada é aplicável, em paz, nem pode dar fruto algum. Isso tudo é possível, porque, como diz Victor Hugo: "há uma coisa mais poderosa que todos os exércitos: é uma ideia, cujo tempo tenha chegado". Então, poderemos dizer, que o Brasil poderá ser verdadeiramente o berço da nova civilização do espírito e do Evangelho, da nova civilização do terceiro milênio.