Nasci na terra franciscana da Umbria, em Foligno, a 18 de agosto de 1886, às 20:30 h.  Era eu desconhecido de Mário Guzzoni Segato, de Turim, quando, ele, baseado na data e na hora do meu nascimento, extraiu um horóscopo, em que me retratou com surpreendente exatidão. A primeira sensação de vida humana de que me recordo (teria talvez três anos) foi de vazio e tédio. Desde criança não me identifiquei com meu corpo físico, que sempre explorei como veículo de minha viagem. Parecia-me estranho e oprimente o vínculo do tempo, que liga os fenômenos e seu desenvolvimento, em sucessão. Nasci sensitivo, tendo no coração, por instinto, o Evangelho: nasci para amar e perdoar. E óbvio que, no mundo humano, a vida para esses temperamentos só pode constituir um lento martírio. Minha personalidade era demasiadamente complexa, para poder amadurecer rapidamente e brilhar superficialmente, seja na escola, seja fora dela. Era medíocre, muito medíocre. Olhava para mim mesmo, observava, refletia e nada me escapava: eu julgava. Era lenta a maturação espiritual, porque desde os primeiros anos sentia confusamente subir em mim mesmo as camadas profundas da consciência. Na escota, estudava apenas para passar nos exames, porque não acreditava naquilo que me ensinavam, e que eu sentia truncado, inútil, sem base substancial. A verdade estava em mim, eu a procurava dentro de mim. Rebelde a qualquer guia, lançava-me aos conhecimentos humanos ao acaso, procurando secretamente a minha verdade. Narro minha história interior, porque a exterior é insignificante. Tive sempre o instinto de olhar o mundo e as coisas por dentro, nas causas e nos princípios e jamais nos efeitos e nas utilizações práticas. Da mesma forma que os volitivos e práticos podem considerar-me incompetente na exploração utilitária da vida, posso eu considerá-los incompetentes diante da solução dos problemas da consciência.

Minha primeira revelação interior foi-me feita ao ouvir meu professor de ciências, no Liceu, proferir a palavra "evolução". Meu espírito teve um sobressalto; brotara ao vivo uma centelha, sentira uma ideia central. Tornei-me, a seguir, estudioso de Darwin, mas só para completar seu pensamento.

Na Faculdade de Direito, em Roma, disseram-me um dia que, antes de agir e viver, era necessário conhecer os princípios e orientar-se, sem o que não se poderia realizar com consciência e retidão o mínimo ato. Mas, então, como agiam, meus semelhantes, sem sabê-lo? Por instinto, como os animais. Eu estava pois sozinho e em trevas.

Defendi com louvor o doutorado, por ser de tema livre, mas não acreditava no Direito, nas teorias jurídicas, nem na orientação filosófica e científica da época. Antes de doutorar-me, aprendi rapidamente, como se recordasse um sonho longínquo, o francês, o inglês e o alemão. Realizara particularmente meus estudos de piano. Na música e nos músicos, assim como na arte e na poesia, eu acreditava profundamente. Chopin e Wagner, como Dante e Goethe foram revelações para mim.

Começou a vida. Fiz uma longa viagem aos Estados Unidos da América do Norte, até o Pacífico. Casei-me. O turbilhão das existências exteriores batia sem trégua, reclamando a atenção de meu espírito, que, ao contrário, queria viver a vida verdadeira. Acumularam-se as experiências humanas, quase todas duríssimas. A dor martelava minha alma; sob seus golpes, era feito o amadurecimento. Um dia, à beira-mar, em Falconara, contemplando o encantamento da criação, senti, com evidência, numa revelação rápida como o raio, que tudo tinha de ser Matéria, Energia e Conceito ou Espírito, e vi que esta era a fórmula do Universo

                                           (M = E = C) = S

em que M = Matéria, E = Energia, C = Conceito ou Espírito e S = Substância. E esta é a grande equação da substância, isto é, o mistério da Trindade, em que se move toda A Grande Síntese.

A ideia central da revelação aparecera-me, mas eu ignorava os pormenores: como harmonizar esse transformismo em seus pontos extremos, como definir as passagens, preencher as imensas lacunas, como tecer toda a trama deste conceito gigantesco e afirmar tudo em termos exatos, diante de uma ciência cega e inconcludente? No âmago da filosofia indiana, através da teosofia, eu intuía verdades profundas, mas apareciam-me escondidas numa terminologia exótica que as afastavam de mim e de meu mundo.

Comecei timidamente a expressar-me num opúsculo que saiu em trechos na antiga revista Ultra, de Roma, Maio de 1928 a Dezembro de 1929, mais tarde editado, em 1932, em Buenos Aires pela Casa Editora "Constancia": "Evolução Espiritual" (Veja o Volume: Fragmentos de Pensamento e de Paixão).

Entretanto, sentia nascer em mim, gradativamente, A Grande Síntese, através da lenta incubação de 20 anos. Entendamo-nos. O amadurecimento não veio por meio de verdadeiros estudos realizados, porque sempre li ao acaso e apenas como pretexto para escutar-me. A Síntese não me veio de livro algum, mas surgiu toda do mistério de minha alma. Eu li, é verdade, mas nada encontrei que já não existisse em mim. Reconheci nas leituras o que já sentira ser verdadeiro, e repudiei o que já sabia ser falso. É verdade que durante alguns anos escrevi várias páginas de apontamentos, mas eram caóticos, discordantes e foram julgados uma tempestade que ameaça e nunca desaba. Além disso, foram escritos quase sempre à noite, motivados mais por um impulso interior invencível do que por minha vontade, num estado de consciência todo especial. Eram meus primeiros exercícios; o impulso submetia-me a uma escola de preparação e treinamento, para a grande recepção, escola que devia formar em mim o instrumento. Aquele manuscrito foi apenas coleta de material e, quando escrevi a Síntese, senti náuseas daqueles primeiros abortos de pensamento e que muitas vezes reneguei por completo. Sofrido aquele processo de maturação e após alguns anos de inatividade, meu pensamento recomeçou tudo desde o início, seguindo um fio seu, interior, e não outro.

Esta verdade, eu a quis dizer, mesmo arriscando-me aos que acreditam que eu haja preparado a Síntese através de estudo. Venho ao contrário, demonstrar a verdadeira natureza de minha mediunidade: inspirativa e intelectual. Esta, nascida comigo, mas mínima, se agiganta com o tempo. Mediunidade a princípio rudimentar, intermitente, a lampejos, como se vê pela narração de meus primeiros anos. Mediunidade progressiva até tornar-se em mim uma qualidade estável, uma segunda natureza.

Essa progressividade é a característica fundamental que define o meu fenômeno. E isto é lógico e corresponde aos princípios da ascensão espiritual das religiões, assim como aos da evolução biológica Darwiniana. Pois a mediunidade, em meu caso, significa não o fenômeno isolado, sem raízes e sem razões, de manifestação do supernormal, mas de amadurecimento profundo e revelação de minha personalidade eterna e de suas capacidades. Religando-me aos conceitos conhecidos e aceitos da evolução biológica Darwiniana, eu, na Síntese, continuei essa evolução no campo espiritual — pois seria truncada e absurda se assim não fora — harmonizando a afirmação da ciência com a afirmação da fé, sustentando a ascensão espiritual. Esta minha progressividade de mediunidade inspirativa é, pois, para mim, um fenômeno biológico normal, porque está colocado na linha de evolução psíquica que os homens, antes ou depois, percorrerão naturalmente, enquanto eu me acho percorrendo agora, apenas antecipando um pouco a maioria. A mediunidade intelectual é para mim o estado normal de um futuro psiquismo mais sensibilizado, de uma percepção anímica direta supersensória mais apurada, é uma fase superior de consciência e dimensão conceptual perfeitamente normais na evolução, mas que hoje, na Terra, constitui posição de exceção em virtude do estado relativamente involuído da raça humana.

Portanto, nada de anormal, de extraordinário ou milagroso. É questão de caminho percorrido. Coloquei assim o problema, porque assim o vivi e o resolvi. Caminho aberto a todos e que se percorre através de uma purificação de espírito como de corpo, de pensamento como de nutrição, que impõe um regime espiritual e dietético, em que as substâncias físicas e psíquicas de nível inferior, de vibração lenta e grave, devem ser expulsas. Medicina e misticismo devem colaborar neste ponto. Purificação que se atinge ao lançar a própria natureza inferior animal e seus instintos e paixões, no fogo lento do desapego, da sublimação e sobretudo da dor.

A dor sempre teve uma parte importantíssima em minha vida, cobrindo-a, muitas vezes, quase totalmente; e posso afirmar que ela foi o fator mais ativo na formação de minha inspiração e espiritualidade. Parece impossível, mas foi a dor, mais do que a cultura, que me esclareceu a mente, que me deu ideias, justamente porque tudo já estava no fundo de minha alma, e bastava torná-la transparente para que elas aflorassem.

Foi justamente a dor, que apareceu na forma mais intensa e profunda, que preparou e determinou a passagem desta fase que até agora observamos, e que pode chamar-se "preparatória", de minha mediunidade, à fase de sua explosão decisiva. É através da dor que o fenômeno entra no período de sua plenitude. Essas relações entre sofrimento e mediunidade confirmam minha interpretação anterior: trata-se de um fenômeno evolutivo de mediunidade progressiva, pela qual o espírito revela seus poderes interiores, através da purificação de seu veículo humano, e tanto mais claramente se manifesta, quanto mais este se torna sutil e deixa transparecer sua luz.

Estava em Assis, em 1931, quando maiores golpes me atingiam em cheio. Devo observar aqui que a Divina Providência e, para mim, uma força real e sábia, cujos impulsos nas vicissitudes de minha vida senti continuamente. Se ela, para minha evolução, deixou sempre a porta de meu destino escancarada à dor, no entanto sempre dosou as provas, que jamais superaram minhas forças, e, no momento da real necessidade, enviou a ajuda indispensável. Verifiquei que essa força não quer ociosos, procura constranger ao progresso, mas jamais abandona, ainda que dê o auxílio mínimo necessário, para que este não seja um estímulo ao ócio. Minha hipersensibilidade toca essas forças do imponderável, que, para muitos, que as não sabem perceber, parecem inexistentes. Durante o verão, minha família transferiu-se para o campo, em Colle Umberto di Perugia, e eu, deixando Assis, a cidade de Francisco que eu tanto amava, abandonando minha casa, ninho de paz, e afastando-me da família, de que tanto gostava e pela qual continuei sempre a velar, caí, pobre e sozinho, no fundo da Sicília, em Módica, triste, destruído. Conhecendo o inglês e diplomado em Leis, vencera, no verão, um concurso, e obtivera aquela longínqua cátedra de língua inglesa. Tendo renunciado aos bens hereditários, tive que ganhar minha vida. Caí num quarto paupérrimo, entre pessoas ávidas, desprovido de tudo, aturdido, acabado. Só então meu espírito pôde revelar-se. E, debaixo do tremendo golpe, explodiu.

Era a noite Santa, Natal de 1931, e minha pena começou a primeira Mensagem:

"No silêncio da sagrada noite, ouve-me. Deixa toda a sabedoria, as recordações, a ti mesmo, esquece tudo, abandona-te à minha voz, inerte, vazio, no nada, no silêncio mais completo do espaço e do tempo. Neste vazio ouve a minha voz que diz: levanta-te e fala. Sou eu...  Não temas; escreve" (. . ..).

Aniquilado, eu tremia. Depois levantei-me transfigurado. Havia em mim uma força nova e eu tinha que segui-la. Finalmente explodira minha mediunidade em sua plenitude, e desde aquele dia eu firmei "Sua Voz".

Chamei assim a essa fonte de pensamento, de vontade, de ação e de afeto, que me inundava todo; chamei-a assim, com sinceridade e simplicidade, incapaz de definir melhor, para dizer: a voz daquele que ouço.

Ela mesma dizia-me naquela sua linguagem: "não perguntes meu nome, não procures individualizar-me. Não o poderia, ninguém o poderia; não tentes hipóteses inúteis".

Em outro lugar (volume As Noúres) estudamos o problema da individuação da fonte e da paternidade da Síntese.

Avizinhara-se aquela voz, falando-me como falava no Evangelho, à doce voz do Cristo, aconselhando-me e guiando-me. Mas era interior, pelo menos eu a atingia por caminhos interiores, íntimos. Manifestava-se em mim como uma audição interior de conceitos, num contato tão direto, que estes nem sequer eram formulados em palavras. Sem dúvida era distinta de mim, de minha consciência normal cotidiana, porque me guiava, governava, pregava; e meu eu normal seguia e obedecia; porque surgiam também discussões e divergências entre as duas personalidades, nas quais meu eu normal cedia sempre, vencido e convencido por uma superioridade esmagadora de bondade e sabedoria. E, naquele inverno siciliano, na solidão de minha dor, aquela Voz esteve sempre perto de mim, único amigo, para sustentar-me a cada passo e para guiar-me em todos os atos, impondo muitas vezes novas doações e renúncias, naqueles pontos em que minha natureza humana não o desejaria. Uma correspondência frequente com a Senhora Luísa Carocci Govean, de Turim, está cheia de narrações dessas minhas primeiras impressões virgens e maravilhosas. Esta Senhora apresentou-me, na primavera de 1932, à escritora Laura Lègrange Bussolin, diretora da revista Alfa, de Roma, na qual se iniciou imediatamente a publicação das Mensagens. Com efeito, "Sua Voz", sempre teve essa característica: ao mesmo tempo que ditava a Mensagem, abria os caminhos para sua divulgação. E a divulgação foi rápida, pois eu, desconhecido como escritor, vi essas Mensagens saírem nos principais centros do mundo, espalhando-se por sua força intrínseca, sem que eu quase nada pudesse fazer para isso.

Era por certo um fenômeno já muito surpreendente para mim, ser arrastado, sem preparação e de surpresa, por um fio de conceitos que se desenrolavam automaticamente, como por impulso próprio. Agora somava-se outro fenômeno: sua divulgação rápida, abrindo-se as colunas das revistas mais longínquas e inacessíveis. E no entanto eu duvidava, temia enganar-me e pedia conselhos; mas, constantemente, de todos os lados, desde aquele princípio, só me vinha encorajamento. Nunca uma dissonância. Levantava-se em redor de mim um coro de vozes concordes (veja mais adiante: "Mensagens mediúnicas dirigidas a P. Ubaldi"). Da primeira gênese dos conceitos, à sua difusão automática, até à concórdia dos aplausos, movia-se tudo numa harmonia que parecia obedecer a um plano pré-estabelecido. Todavia, eu só tinha conhecimento disso dia a dia, no momento da realização. O pensamento de "Sua Voz" começava a realizar-se; surgiam fatos concretos em redor de mim, provas evidentes, e eu me dei conta que havia passado imediatamente do campo do pensamento ao da ação.

Foi esse o período dos mais íntimos e afetuosos contatos com "Sua Voz", assim como também dos maiores sofrimentos e isolamentos do mundo. Foi também o período em que se traçou a rede que me prende indissoluvelmente, há tantos anos, a esta fonte de vida.

Mister se torna contar tudo, para esclarecer o fenômeno e seu desenvolvimento; o fenômeno desta minha mediunidade inspirativa e consciente, progressiva e ativa, porque aqui começam a delinear-se as características típicas que mais tarde a definirão.

Rapidamente eu fixava na imprensa minhas impressões a fim de que não se perdesse nada do que ocorria dentro e fora de mim. Como continuação da "Evolución Espiritual", publicada na revista Constancia, de Buenos Aires, e a seguir em volume separado, publiquei na mesma revista, e como apêndice ao volume, um artigo: "Experiências Espirituais" (veja volume: Fragmentos de Pensamentos e de Paixão), em que estudava objetivamente o comportamento das forças espirituais que tão decisivamente intervieram, modificando a linha de meu destino. Sentia com evidência que operavam em mim forças superiores e observava, procurando compreendê-las.

Mas tinha que apressar-me, porque o amadurecimento se precipitava. As "Experiências Espirituais", publicadas em dezembro de 1931, enquanto Sua Voz já ditava sua primeira Mensagem, seguiu-se logo um artigo, em Constancia, de Buenos Aires: "Como oí su voz" (Como ouvi sua Voz), em fevereiro de 1932. O suceder-se rápido dos acontecimentos não me dava tempo de publicar esses trabalhos mesmo na Itália. Nesse artigo, expus minhas primeiras impressões, fixando-lhes as notas básicas. Dizia: "una voz interior me habla, me dicta, me ordena de escribir". "Siento que me dictará muchas cosas que tendré de escribir". Essa publicação era composta de duas partes: a primeira, "Mi razón", observava e explicava o que acontecia; a segunda, "Su palabra", transcrevia a primeira Mensagem de Natal de 1931. Estava feita a primeira afirmação. Não podia mais retroceder.

Desde o princípio de 1932, saía a mesma Mensagem em italiano, inglês, francês, nos principais centros do mundo. Vasta correspondência crescia em torno de mim, em que figuravam Bozzano, Schaerer de Bruxelas, professores de Universidade, médicos, entre os principais expoentes do mundo espiritualista. A 1º de junho, escrevia-me Bozzano: "A Mensagem obtida com sua mediunidade provém indubitavelmente de origem transcendental, e mais ainda, de elevadíssima inspiração". E mais tarde, a propósito da Mensagem do Perdão: "Estupendo! Há nela trechos sublimes, em sua grandiosidade única que provoca quase um sentimento de sagrada surpresa".

E Bragadin escrevia, em sua revista Ali del Pensiero, em fevereiro de 1934: “Enquanto as coisas fortemente queridas e tenazmente preparadas, muito raramente têm no mundo o êxito merecido, um médium desconhecido, não preparado, cético por muito tempo de sua mediunidade, sem meios nem apoio, sem nenhum objetivo de interesse, viu em pouco tempo suas Mensagens, numericamente reduzidas, darem volta ao mundo e difundir-se rapidamente, automaticamente, sem nenhuma intervenção sua, assim como uma força secreta própria, emanada daqueles trabalhos”.

E verdadeiramente, cada vez mais me sentia aniquilado e tímido, e teria voltado atrás se, ao contrário, Sua Voz não me houvesse impelido para a frente.

Mas abandonemos esta história exterior, de que a contragosto tive de falar, e voltemos à história interior, menos conhecida e mais importante. A fase preparatória fora superada. Achava-me, plenamente, no primeiro período das manifestações, que pode chamar-se das Mensagens, e que vai do Natal de 1931 à Páscoa de 1933, e que aqui se fecha para entrosar-se e transformar-se no que chamaremos de A Grande Síntese.

A verdadeira história, a mais poderosa e mais trágica para mim, é a interior. Quem a preparara? Como podia nascer assim, do nada, um mundo novo, denso de atividades e acontecimentos? Não houvera nenhuma preparação visível. Até o verão de 1931, eu estudara literatura inglesa e alemã, para preparar-me ao concurso a ser realizado. A dor que me golpeara, a pobreza a. que me havia devotado, não eram, de certo, uma preparação cultural. Sigamos esta história íntima, em que se encontra a fonte de tudo, das Mensagens e da Síntese; procuremos, agora, permanecer próximos ao princípio genético do fenômeno, depois que lhe observamos os efeitos.

   Estava ainda em Módica, no quente inverno siciliano. Em torno a mim, insipidez, tristeza e desolação de espíritos selvagens, desolação de campos verdes. Eu obedecia. Realizara a pobreza, a renúncia, a perfeita alegria de Francisco, que tanto amara em Assis. Eram contínuos os colóquios íntimos com Sua Voz, agigantava-se seu poder, seu amor me sustentava. Conseguira descobrir, fora da cidade, numa colina, mirrada moita de alfarrobas, que, entre gigantescas figueiras da Índia e muros baixos divisores de campos, proporcionavam um pouco de sombra e a ilusão de um bosque. Para lá me retirava a orar. Já de outra vez, nos suaves campos da Úmbria, em Perúgia, depois de uma grande promessa, sentira tão perto de mim o espírito de Cristo e de Francisco, que fiquei sem saber se suas diáfanas formas corpóreas caminhavam, plenamente a meu lado, num trecho de estrada do bosque. Fazia uma prece imensa, à qual toda a criação respondia; anulava-me, para sentir-me renascer em todas as coisas. Lá escrevi o "Canto das Criaturas", visão poética, publicada em Milão e Buenos Aires. A inspiração franciscana exprime bem minha alma. Hoje podem muitos sorrir, na vida tão diferente do mundo, deste misticismo. Parece que a sociedade trabalha depressa e com força, a fim de destruir em seu seio estes sensitivos, dando a vitória aos volitivos imperiosos e egoístas. Mas é um fato: quem mais aparece, menos vale; quem mais grita, menos pensa; quem mais se impõe, menos sente; quem mais se afoba no campo da atividade exterior, se acha mais vazio e arruinado no campo das construções internas do espírito. Este período das Mensagens pode ser chamado o do sentimento e do coração, ao passo que a Síntese representa o período da mente e do pensamento. Primeiro calor, depois luz; primeiro amor e depois vontade; primeiro o coração, depois a inteligência. Sua Voz tocou todo o meu ser humano. Admiro também essa sua riqueza de formas, essa sua plenitude, essa totalidade de seu poder. Período este de profundas emoções. E enquanto me abandonava a ele, a minha atividade eu ia realizando sem perceber e desenvolvia, um plano lógico.

Eu orava. Naquele refúgio campestre e solitário houve um dia um colóquio profundo, íntimo, que não sei descrever, entre Sua Voz e eu, de alma para alma, um daqueles colóquios que não   se esquecem mais por toda a eternidade. Chorei. A vontade que está no centro do Universo estava perto de mim, fulgurante e boa; inclinava-se para mim em homenagem ao seu princípio: liberdade e responsabilidade do ser. E pediu o meu consentimento. Mergulhei naquele mar de resplendores e anulei-me numa promessa incondicional, numa dedicação completa. Respondi: Sim! Desde aquele dia, minha vontade foi a Sua, e não mais podia desobedecer. Iniciada aquela rota, teria que continuá-la até o fim.

Eu ressuscitara. Possuía-me a potência dessa nova personalidade. O destino flagelava, impassível, com a dor. Era um vento frio que me enregelava, enquanto no coração ardia um incêndio. O amor dos místicos é um fato real, conhecido, tão frequentemente vivido que ninguém deve admirar-se disso. Só uma ciência com premissas materialistas, e portanto incompetente nesse campo da espiritualidade, pode contentar-se, para resolver o caso, com uma negação sumária. Mas também esse amor tem um seu pudor sagrado, no qual se escondem os segredos mais profundos das Leis da Vida. E eu me calo.

Retomava a primavera. Certa noite fria, entre 9 e 10 de maio de 1932, pelas duas da madrugada, na hora antecrepuscular dos maiores silêncios, acordei bruscamente, por causa de uma movimentação insólita de conceitos em minha psique. Li, maravilhado, dentro de mim. Tinha que escrever, e escrevi rápido e com segurança na sonolência, como quem copiasse um texto, duas Mensagens breves, incisivas, poderosas. Uma era para Mussolini, outra para o Sumo Pontífice, pessoais, particulares, que eu devia enviar, e que diziam respeito a cada campo de ação política e religiosa. (Veja nas páginas seguintes: "Mensagens particulares de P. Ubaldi"). Tendo escrito, readormeci no meu cansaço pelo trabalho do dia. Depois, no dia imediato, e enfim, à noite, reli-as. Eram belas. Fiquei maravilhado. Como haviam nascido? No dia anterior, ocupara-me de coisas inteiramente diversas; à noite, até às 23 horas, ficara corrigindo exercícios e tirando médias escolares. A coisa tomara-me de improviso, e agora atemorizava-me a ordem: "Entrega-as". Mas como posso fazê-lo? perguntava. "Os caminhos serão abertos diante de ti", respondia-me a Voz. E, o que é surpreendente, por si mesmos se abriram os caminhos e as mensagens, estas e outras sucessivas, chegaram ao seu destino. O chefe de governo, na Itália, a 2 de março de 1933, agradecia-me publicamente e comigo se congratulava por meio do Prefeito de Perúgia e do Chefe Municipal de Gúbio, onde então me achava. Meus escritos mediúnicos, produzidos de modo tão estranho, não eram, pois, o resultado de desequilíbrio nervoso.

Após breve intervalo, voltei ao trabalho das Mensagens públicas, nascendo então a segunda, a "Mensagem da Ressurreição", na Páscoa de 1932. A mesma divulgação rápida. Esta chegou, por si mesma, até Saigon, na Indochina, onde foi publicada.

Terminado o ano escolar, deixei Módica e voltei a Perúgia (Colle Umberto) com a família, no campo, sendo depois transferido em setembro, para Gúbio, onde ensinei durante vinte anos.

No verão, nasceu a "Mensagem do Perdão", no dia do perdão da "Porciúncula" de São Francisco de Assis, a 2 de agosto de 1932. Fui tomado de improviso, pela manhã, com tal ímpeto de emoção, que, entre lágrimas, mal conseguia ver o papel em que escrevia. Escrita, como as outras, de jato, completa, sem qualquer arrependimento, nítida e segura desde a primeira cópia! E esta a mais bela, a mais vibrante e poderosa das Mensagens, e em pouco tempo fez também a volta ao mundo (calcularam que tivesse aparecido meio milhão de cópias).

Na Páscoa de 1933, XIX centenário da morte de Cristo, em Gúbio, nasceram juntas duas Mensagens:  a "Mensagem aos Cristãos" e a "Mensagem aos Homens de Boa Vontade".

Fechava-se, assim, o primeiro período das Mensagens. As revistas me pediram depois outras. Mas elas correspondiam a um plano bem diferente, do que a simples colaboração de imprensa. Não nascem a pedido, mas quando querem.

Neste ponto, cabe falar de outra Mensagem, transmitida na Páscoa de 1943, após dez anos de silêncio. Trata-se da "Mensagem da Paz", escrita, exatamente, na noite de Quinta-Feira Santa, no monte sobre o Santo Sepulcro (Arezzo), diante do Verna1. Apareceu em plena guerra mundial, para fazer ouvir, entre o ribombar da destruição universal, a palavra equilibrada de paz, de orientação, de encorajamento.

Após outros dez anos de silêncio, apareceu a última, chamada "Mensagem da Nova Era", no Natal de 1953, no Brasil, na praia de São Vicente, em Santos - S. P. Com esta, fecha-se a série das sete Mensagens.

Observemos sua harmonia. As primeiras cinco, estão dispostas em três anos, de 1931 a 1933, isto é: com a primeira, revela-se Sua Voz, na noite de Natal de Cristo, em 1931, para anunciar a ideia central da Obra; depois um grupo de duas, no ano seguinte, e as últimas duas, unidas, como uma estrela dupla, na Páscoa de 1933, XIX centenário da morte de Cristo.  Assim, do seu nascimento à sua morte, completou-se o primeiro grupo, em três anos, e, pode dizer-se, em três termos.

Sobre este primeiro ritmo ternário, fundamental, desenvolve-se outro ritmo ternário mais amplo; sobre este primeiro grupo de base, eleva-se como segundo termo, após um silêncio de dez anos, na Páscoa de 1943, a "Mensagem da Paz", e a seguir, um terceiro termo, também, depois de dez anos de silêncio, para concluir, no Natal, como no Natal começara, em 1953, com a "Mensagem da Nova Era" Assim, neste segundo e terceiro termos, ecoa o primeiro grupo e se fecha e termina o ciclo septenário das Grandes Mensagens. Essas harmonias só foram notadas e compreendidas, depois que tudo ficou terminado.

Nessas Mensagens - apelos supremos ao mundo - numa linguagem que seria loucura atribuir a mim, são tratados os pontos nevrálgicos dos mais atuais e vivos problemas religiosos e políticos, com conexão e desenvolvimento lógico, de modo completo, e com um conceito central diretivo que eu, acompanhando separada e particularmente, só pude descobrir depois de tudo terminado. As Mensagens são um apelo direto, um toque de recolher, e, harmonizando-se em perfeito equilíbrio entre temporal e espiritual, culminam no problema da salvação espiritual do mundo. Palavras inequívocas dão vivíssima impressão - confirmada especialmente pela imprensa da América do Sul - de tratar-se de uma fonte que, não sabemos por quais caminhos, e de que forma, se prende ao pensamento de Cristo. E foi isso o que senti. Afirmar algo mais, seria audácia; quanto a mim, seria presunção. Neste campo, devo humilhar-me, calar, obedecer. Esta fase está terminada. Sobrevive apenas o eco dos comentários da imprensa.

*****

Não finalizara ainda esse período, mas em seu declínio transformava-se em outro, que vinha sendo preparado desde 1932. Podemos chamá-lo período de A Grande Síntese. Não mais sentimento, mas sabedoria; não mais apelo, mas revelação. No outono de 1932, conheci a nova revista que surgia: Ali del Pensiero (Asas do pensamento), de Milão e seu diretor, Sr. M. A. Bragadin. Em mim nasce um impulso gigantesco: retomar a ideia base das Mensagens e desenvolvê-la em profundidade. Essa ideia me domina, me entusiasma e lanço-me ao trabalho sem plano algum, sem refletir; ai de mim se tivesse refletido e compreendido o que devia fazer: teria ficado esmagado. Sua Voz mandava e guiava. E eu estava calado. Minha natureza apaixonada pelo Cristo, por Seu amor, por Sua dor, por Sua bondade, transforma-se em grande máquina de pensamento que abarca todo o saber humano, o supera, o contém. Sucede à linguagem do sentimento, às horas de emoção (Mensagem), a fria e cortante linguagem da ciência, a hora da profunda absorção da visão imensa do infinito. Muda o plano de ação. Falo agora ao outro mundo, científico, filosófico, religioso, intelectual. Preciso saber tudo, resolver tudo, mas Sua Voz me orienta, e eu caminho seguro. De Milão, Bragadin escreve-me que conhecia a médium Valbonesi, recebeu uma comunicação de seu espírito guia, chamado "O Mestre", dizendo que eu devia colaborar por meio de comunicações de ordem científica. Nossos pensamentos encontram-se, sob um guia único, apresentando coincidência que dão para pensar. Ainda não conhecia a revista nova de Bragadin, que não me conhecia e muito menos sabia da minha maturação, e no entanto, tudo se harmoniza com coincidências de ambos os lados, que faz crer terem sido criadas para reunir-se.

Sem dúvida, bem estranha coincidência é esse encontro e a série dos fatos, aparentemente casuais, e que, no entanto souberam convergir para a publicação de A Grande Síntese. Para mim, foi sempre um fato inexplicável humanamente, que o diretor da revista Ali del Pensiero, sempre tão severo e prudente para aceitar colaborações, tenha tido para mim, desconhecido, a mais absoluta confiança imediata, e tenha aceito um trabalho aparentemente utopístico, que não tinha escrito ainda, mas apenas imaginado, e tenha empenhado, com tão poucos elementos em mão, a si mesmo e sua revista, numa obra que poderia ter naufragado após poucas páginas. E sua confiança, ainda que ilógica, foi logo total e completa, mesmo depois de lhe haver revelado eu que não sabia qual o futuro desenvolvimento do trabalho. Sem essa confiança, que tanto me sustentou, não teria tido a coragem de empreender e levar a termo uma obra de tão grande monta.

Comecei, em janeiro de  1933, na Ali dei Pensiero, a publicação de A Grande Síntese, tendo em mente apenas o esquema. No início foi publicado um roteiro muito sumário, mas abandonei-me ao fio do novo pensamento. Durante quatro anos ocorreram regularmente a publicação e a compilação do texto. Só pude dedicar-me ao trabalho de escrever nos dois meses de férias de verão, único período em que a escola me deixava livre e em que me foi possível concentrar-me em paz. Utilizei, assim, mais três verões de férias para completar o trabalho: o de 1933 o de 1934 e o de 1935. O verão de 1936 dediquei-o a escrever As Noúres.

Com A Grande Síntese verificou-se, quase automaticamente, o mesmo fenômeno de divulgação que ocorrera para as Mensagens. Concomitantemente com a edição italiana, na revista de Milão, surgia a edição espanhola na revista Constancia, de Buenos Aires, e as duas edições portuguesas do Rio de Janeiro, no Correio da Manhã, diário de grande circulação, e no Reformador, mensário, da Federação Espírita Brasileira que, paralelamente, publicou a primeira edição da obra acima citada. Outras edições se fizeram, também na Europa.

O novo caminho de A Grande Síntese estava traçado, que se inicia com estas palavras:

"Em outro lugar e de outra forma (v. Grandes Mensagens), falei especialmente ao coração, usando linguagem simples, adaptada aos humildes e aos justos que sabem chorar e crer. Aqui falo à inteligência, à razão cética, à ciência sem fé, a fim de vencê-la, superando-a com suas próprias armas. Foi proferida a palavra doce que prende e arrasta para si, porque comove. Indico-vos agora a mesma meta, mas por outros caminhos, feitos de ousadias e potência de pensamento, pois quem pede isso não saberia ver de outra forma, por faltar-lhe a fé ou por incapacidade de orientação para compreender".

Estas palavras unem a Síntese às Mensagens, como continuação de trabalho e de programa. Explicava-me depois, a mim mesmo, estas orientações, em dois artigos: "Apresentação" e "Programa", que apareceram na "Revista Espírita do Brasil", do Rio de Janeiro, em maio e dezembro de 1934, e que foram inseridos rio livro Fragmentos de Pensamento e de Paixão. O plano diretivo continuava, portanto, a desdobrar-se, guiando-me e preparando os meios. No volume As Noúres estudamos o fenômeno e os escritos que foram por ele produzidos, olhando-os de dentro, como os vivi, para que nos revelassem o segredo da técnica da recepção mediúnica inspirativa. Mas, aqui, queremos notar e afirmar a contínua correspondência entre todos estes fatos interiores e exteriores, para lembrar que o subconsciente e o patológico — se alguém quiser recorrer a semelhante explicação do fenômeno — não podem conter a presciência de um plano lógico, nem podem os fatos exteriores e a vontade alheia concordar em colaborar com eles. Essas concomitâncias, também têm seu peso científico. Não me dirijo ao público leviano dos negadores fáceis; falo aos cientistas sérios que, por mil fatos objetivos, são induzidos à persuasão de que nos circunda um mundo imenso que ignoramos e de que nada se pode negar "a priori".

Há outras concomitâncias menores, mas comprobatórias, e que me incitaram: médiuns longínquos, desconhecidos, que apareceram num átimo em meu horizonte, só para dizer-me palavras de confirmação e depois desaparecerem. Quem os moveu? Tenho que contar tudo, ainda que a simples título de crônica, deixando toda apreciação ao leitor. A médium Marjorie I. Rowe, em junho de 1932 recebeu uma mensagem dirigida a mim, de Imperator (veja-se nas páginas seguintes: "Mensagens mediúnicas dirigidas a P. Ubaldi"), e me endereçou para Módica. Como me achou? Nela me confirmava todo o trabalho que tinha de fazer, acrescentando, como prova, revelações de pormenores íntimos, que só eu sabia, e que era absurdo que uma pessoa desconhecida, em Londres, pudesse imaginá-los. Falava do lugar acima descrito, em que eu me retirava, no campo, para orar, incluía palavras em que eu reconheci meu pai, já falecido, e me predizia (... ..): "a desordem do mundo faz parte daquilo que escreverás" (. ...).  E uma entidade mais alta concluía: "Sejas abençoado, meu filho, que ouviste minhas palavras".

A médium. Valbonesi, em várias mensagens; encorajava-me, aprovando e sustentando-me. Uma mensagem de outubro de 1932, da parte do "Mestre", dizia entre outras coisas: "Ouves.... e tu que escutas a ordem, vai e dize aos povos que Cristo ressuscitou. Serás o apóstolo simples, o que opera a caridade em nome de Cristo (.....). Assim diz aquele que envia tua voz ao mundo". Médiuns de incorporação e médiuns psicógrafos confirmavam-me sempre o caminho iniciado. A médium Giselda Smiles, de Roma, foi constrangida a mandar-me uma mensagem assinada: "The Spirit of Innocence", em que afirma uma missão minha. Traduzo o texto inglês: "O Espírito daquele que multiplicou os pães e os peixes está contigo, dentro de ti, em redor de ti. Estás agora unificado com Deus, com o bem existente em toda a criação. Sê fiel à promessa que a Ele fizeste, de seguir Sua inspiração. Não temas, pois que és Pedro, a rocha novamente escolhida, sobre a qual Ele edificará uma nova fundação e Sua ressurreição, e nada prevalecerá contra ela. Sua Luz derramará Seu resplendor em tua mente (.....). Em nome do mesmo te abençoo, ó Pedro, e através de ti Ele abençoa o mundo. (....). The Spirit of Innocence, in the name of † (O Espírito de Inocêncio, em nome de †). Que significam esses rodeios em torno de mim, com mensagens encorajando-me, provenientes de um ambiente de médiuns, entre os quais eu era totalmente desconhecido?

Paralelamente, Bozzano, indiscutível autoridade mundial nessa matéria, acalmou minhas dúvidas, garantindo-me a origem transcendental dos escritos, e aproximando minha mediunidade da de Miss Cummins, a médium pela qual se manifesta a famosa e extraordinária personalidade de Patience Worth. O professor Schaerer, de Bruxelas, escrevia no Bulletin du Conseille des Recherches Métapsychiques", que eu era "um médium extraordinariamente dotado para recepção de comunicações de ordem científico-filosófica. A Comunicação de A Grande Síntese trata de uma concepção monista-naturalista de caráter estritamente científico, cujo valor indiscutivelmente, é muito grande". No entanto, por outros, A Grande Síntese era definida como "uma nova e completa revelação". Em seu volume Espiritismo Moderno - Os Fenômenos, Trespioli fala a meu respeito em várias páginas, que eram publicadas em revista especializada. O mesmo Bozzano me escreveu, em outubro. de 1935: “eu soubera com que admirável constância e a custa de quanto sacrifício e dispersão de energias físico-psíquicas, conseguira sua nobre finalidade. Não se lamente, pois realizou obra meritória, cujo valor científico, filosófico, metapsíquico aumentará com o passar do tempo... Mas A Grande.. Síntese é tão densa de pensamento, de ciência e de sabedoria, que não é possível pronunciar a respeito um julgamento sumário, enquanto não for publicada em volume". Na carta de fevereiro de 1935: (.....) "a onda supernormal inspiradora foi a que lhe ditou a mais extraordinária, concreta e grandiosa mensagem mediúnica, de ordem científica que se conhece na casuística metapsíquica".

Não é para engrandecer-me, que recorro a estas citações, mas para dar-me apoio moral, de que necessito no meu trabalho, em que apenas tenho fadiga; para aliviar um pouco a grande responsabilidade moral que, sem dúvida, assumo; enfim, para esclarecer melhor, com julgamento de quem é mais sábio do que eu, este estranho fenômeno de mediunidade, esta vida no imponderável, em que já agora me movo habitualmente, e que é tão intensa que entontece mesmo um homem normal.

Nestes casos, para não perturbar-se, é mister tal força nervosa, tal equilíbrio moral e tal objetividade científica, que nem sempre se encontram no tipo médio. Isso porque nesse mundo de realidades materiais, eu tinha que permanecer objetivo. E no entanto, iniciei a obra A Grande Síntese num estado de completa confiança para com o invisível, abandonando-me a um fio condutor, que também se poderia ter rompido; empenhei-me moralmente a desenvolver um programa imenso, só sabendo com segurança que dispunha de muito pouco tempo e de pouquíssimas forças. E, coisa única para um escritor ainda não conhecido: quatro editores se empenhavam, de um hemisfério a outro, na publicação em larga escala, antes que eu escrevesse o texto, antes que eu mesmo pudesse imaginar exatamente o que haveria de escrever. Mas esta certeza de divulgação, o empenho que me prendia, a certeza de que cada palavra escrita seria publicada sem modificações e seria ouvida no mundo, tudo isso só podia impelir-me ao esforço intenso, realizado enquanto um trabalho ingrato, para ganhar a vida, me sufocava e atordoava meu espírito com barulheira absurda. Minha fé, a fé dos editores, a fé de quem me compreendera e sustentava, sempre é a fé a base da criação de tudo.

Agora, eu amo a Síntese como uma criatura que veio de Deus, mas que pôde nascer aqui só através de minha dor e de meu amor, a criatura pela qual daria a vida, para que triunfe. Escrevi esse livro com meu destino e jamais será cancelado, por toda a eternidade; essa é a produção que me valoriza totalmente; por sua causa, não vivi em vão; ela é o pensamento e a paixão em que meu pensamento e minha paixão sobreviverão à minha morte. Admiro e exalto esse livro, como se pode exaltar a obra de outra pessoa, apenas pela alegria de sua beleza; e no entanto, há nele muito de meu, porque nele me empenhei todo inteiro. A verdade é que ele é um penhor de aliança entre mim e as forças superiores; ele é o sinal que permanecerá, da passagem delas por mim, e de nossa união secreta, é o cadinho de fusão de almas. No silêncio de meu gabinete ninguém poderia traçar a gênese da Síntese, nem saber a técnica particular de minha recepção; e eu teria podido facilmente fazer passar o livro como obra de minha sabedoria. No entanto, aqui estou a humilhar-me diante da fonte de meu pensamento, porque isto é mais verdadeiro, é maior, é uma potência que supera toda afirmação humana. E se deixo louvarem e se louvo a Síntese, é para oferecer este novo tributo àquela fonte a que tudo devo, após ter-me oferecido a mim mesmo por inteiro.

Só se podia realizar aquele trabalho apoiado no sentido de missão, na força que vem apenas da pureza de intenções e nobreza de objetivos, numa paixão pelo bem. As finalidades humanas não têm o poder de manter a tensão necessária ao esforço e de sustentar o espírito naquela atmosfera; as compensações humanas tornam-se irrisórias, desproporcionadas a um trabalho em que se empenham todos os recursos da vida e se navega no infinito. Quando somos tocados por esses aniquilamentos sublimes da mão de Deus, não mais se pode caminhar pelas tortuosas estradas humanas nem mais pensar em si mesmo. Logicamente não tenho merecimento por isso. O ser fica mudado, após esses anos de contato com o infinito; quem tremeu sozinho diante dos abismos do mistério, em novos estados de consciência, superou as dimensões de nosso universo e teve uma visão direta da Verdade, não pode novamente descer à vida normal, mesmo se for constrangido a viver nela e a servir-se de sua psicologia, sem dar a seus pensamentos, a seus atos e as coisas, um valor diverso. A visão foi vivida e permanecerá eternamente em minha retina.

Hoje, tudo isso constitui uma recordação, em que novamente mergulho para vivificar-me. A grande hiperestesia superou seu clímax. Aquela primeira fase foi vivida, mas ainda continua. Sobrevive como que um eco daquele trabalho realizado e o desejo intenso de progredir cada vez mais no caminho iniciado. Agora, a Síntese pertence ao mundo, a quem a ofereci. Em mim permanece a expectativa obediente, porque do mistério do ser continuarão a nascer ordens e auxílios para que a missão seja desempenhada até o fim.

Neste capítulo, delineamos com sinceridade total a história interna e externa do fenômeno, no período de sua gênese e em seus primeiros desenvolvimentos. E a história daqueles primeiros anos, escrita na Itália, em ambiente tão diferente do atual brasileiro, história que no presente volume documentamos.