Da revista Ali dei Pensiero - Milão outubro e novembro de 1937.

Saíra o primeiro fascículo de Ali del Pensiero, há poucos dias apenas, quando —  a 15 de agosto de 1932 — chegou-me uma carta de um senhor desconhecido, de uma pequena cidade da Umbria, o qual se declarava dotado de uma forma de mediunidade inspirativa, que começara a afirmar-se justamente naqueles meses, com algumas "mensagens" de conteúdo espiritual. Essas "mensagens tinham sido imediatamente apreciadas no exterior e publicadas em várias revistas estrangeiras, enquanto que na Itália eram quase desconhecidas, pela falta de um periódico que se interessasse por publicações dessa ordem. Mas, justamente naquele tempo — coincidência ou acaso? — nascera Ali dei Pensiero, que em seu programa incluía também a divulgação de trabalhos mediúnicos, e o Prof. Bozzano sugeriu ao desconhecido médium que se dirigisse a mim.

Foi assim que os invisíveis fios do "acaso" me puseram em contato com Pietro Ubaldi e assinalaram o início de uma colaboração, que sem dúvida trouxe frutos notáveis.

Li algumas das "mensagens" enviadas por Ubaldi e fiquei impressionado com o conteúdo profundo delas, e mais ainda com uma "nota" poderosa que — mesmo através das incertezas daqueles primeiros escritos — vibrava inconfundível e majestosa. Enquanto organizava alguns trechos daquelas "mensagens" para publicá-los, em data de 28 de outubro de 1932, Ubaldi me acenou, pela primeira vez, com um ditado mais importante, que se sentia impelido a escrever. Em sua carta, dizia-me textualmente: "Será um verdadeiro e grande tratado dos mais profundos problemas da ciência, da origem e evolução da matéria e da vida. Será um estudo do processo genético do cosmos, uma síntese completa do conhecimento, desde a matéria até as mais altas formas de consciência. Aí estará resumido o cognoscível humano e o que a humanidade possui mediante revelação, para que este edifício seja, no momento atual, de desenvolvimento científico, completado e organicamente fundido numa síntese completa. Aí estarão expostas várias teorias, como o dos movimentos vorticosos, da estequiogênese, do físio-dínamo-psiquismo, e outras, com técnica e estilo científico. Haverá um estudo sobre a quarta dimensão aplicada ao tempo e à consciência humana. Tratar-se-á de umas cem páginas, e haverá alguns esquemas para imprimir" (.......)

Nas palavras dessa carta remota, os leitores reconhecerão o resumo de uma parte da obra hoje terminada. Mas, naquela época, a proposta representou, para mim, uma grave preocupação. O programa era, sem dúvida atraente, mas quem o representava era uma pessoa desconhecida, de longe, com o qual eu apenas trocara algumas cartas. Da obra só estavam escritas, por enquanto, algumas páginas de introdução, nem o manuscrito estaria pronto tão cedo: porque Ubaldi, sendo professor de língua inglesa no Ginásio de Gúbio, não tinha nem tempo nem possibilidade de pôr-se nas condições especiais de ambiente e de espírito, requeridas por sua mediunidade especial, a não ser no período das férias de verão. E mesmo que o início fosse de fato promissor, teria Ubaldi a força e a capacidade, perduraria sua faculdade inspirativa, para levar a cabo um programa que se anunciava tão grandioso? (Aliás, esse programa, como o podem verificar os leitores, teve desenvolvimento muito mais amplos e imprevistos). Aceitar, nessas condições, entre tantas dúvidas, significava assumir uma grave responsabilidade diante dos leitores de Ali del Pensiero.

E no entanto, aceitei.. . Assim nasceu A Grande Síntese. Aceitei, porque senti enraizar-se em mim, de modo inexplicável e providencial, a certeza de que a obra superaria todas as dificuldades e chegaria felizmente a termo, e que Ali del Pensiero tinha a tarefa de publicá-la.

Não é com indiferença que hoje recordo todas as ânsias e preocupações, as dificuldades de toda espécie, as incertezas, os esforços defrontados e superados, durante quase cinco anos de ininterrupta publicação, em série, de A Grande Síntese. As "cem páginas" previstas inicialmente, tornaram-se, ao caminhar, quatrocentas. O manuscrito, que deveria estar todo pronto no verão de 1933, ocupou, ao invés, três verões inteiros, e só foi terminado no outono de 1935. Durante esses anos, além disso, o próprio Ubaldi atravessou violentas crises espirituais, ligadas com o desenvolvimento intrínseco de sua sensibilidade pessoal, mística e inspirativa, que descontrolaram seu sistema psicológico com profundos desencorajamentos e desorientações. E mais, o estafante trabalho psíquico e físico — efeito e condição, ao mesmo tempo, daquele estado de ânimo necessário para a "audição" inspirativa — provocaram, várias vezes, nele, o terror de não poder mais resistir, com as consequentes e agudíssimas crises nervosas e o esgotamento físico, até o ponto de despertar sérios cuidados.

A correspondência bastante volumosa que troquei com Ubaldi, naqueles períodos atormentados, lança muita luz sobre a excepcional psicologia do homem, sobre as modalidades intrínsecas, através das quais ele pôde tornar-se instrumento para a produção de uma obra tão vasta, e sobre as "fontes" reais desta. Mas, talvez seja interessante que isto constitua o objeto de um exame especial, em próximo artigo.

Por estes breves relances, compreenderão os leitores o grande alívio que experimentei — e o próprio Ubaldi comigo — quando me chegou às mãos o último capítulo de A Grande Síntese, obra de tão admirável organicidade e complexidade e no entanto — pareceria impossível — composta com tantas interrupções, em condições de espírito e de tempo tão diferentes, e sem que seu "autor" soubesse com segurança qual seria o conteúdo de cada capítulo que iria escrever. Bastaria conhecer de perto a atmosfera particular em que nasceu essa obra, para convencer-se, ou ao menos para suscitar a dúvida, de que em redor dela houve algo de incomum, algo que verdadeiramente transcende os habituais métodos, concepções e obras humanas -

Hoje que terminou a publicação em série e que A Grande Síntese apareceu reunida num volume, e que Ali dei Pensiero lançou sob os auspícios do editor Hoepli, seja-me permitido agradecer a Ubaldi pela ingente prova que ele superou, tendo por único fim a esperança de fazer um trabalho útil aos ânimos sofredores de nosso tempo. Ainda hoje, Ubaldi pede para ser esquecido como "autor", para ficar na sombra, a fim de que só a idéia, só a obra, de que ele deu testemunho, atraiam a atenção dos leitores.

A palavra "Fim" apareceu sob a última frase da obra. Mas esta não "terminou". Terminou sua impressão, não a missão. A grande síntese que o livro quer realizar, só agora é que começa. A semente foi apenas lançada no sulco e brotará e se multiplicará. Abre-se agora a fase de elaboração, de difusão mesmo entre o público profano, de discussões. Muitos se preocuparão só com o "fenômeno", através do qual A Grande Síntese foi produzida. Outros deter-se-ão à letra da obra, e por-se-ão a caçar supostas falhas ou lacunas. Outros ainda descuidarão tudo isso e procurarão penetrar a essência mais escondida, na qual, unicamente, reside o valor real da obra.

Muitas partes dela, aliás, parecem dirigidas mais aos homens do futuro que aos de hoje. Mas as verdades profundas que lá estão elaboradas, esclarecidas, reveladas, não podem ter medidas de tempo. O caminho evolutivo traçado por elas está todo estendido para o futuro. Cabe ao leitor saber segui-las até o ponto mais avançado possível.

O tempo, inexorável demolidor de obras superficiais, poupa de exaltar aquelas que têm verdadeiro valor substancial.

(a) MARC‘ANTONIO BRAGADIN