O Sistema

Chegamos ao fim do livro. O nosso trabalho de análise e de crítica está terminado. Os conceitos da visão foram levados ao contato da realidade existente entre nós, em nosso mundo, como sua conseqüência. O fato desta realidade confirmar os conceitos, deu-nos prova de corresponderem à verdade. Descemos aos pormenores e vimos que confirmam o universal donde partimos; que efeitos no relativo são explicados por sua concordância com as suas causas, situadas no absoluto. O controle lógico e positivo que fizemos da visão, obtida por intuição, mostrou-nos, na realidade, a concordância entre os fatos circundantes e os princípios da visão. Esta correspondência de um pólo ao outro do todo, do Sistema, colocado além dos nossos meios de conhecimento, ao Anti-Sistema em que vivemos, constitui uma afirmação que nos diz ser a visão verdadeira. Observando e raciocinando, esclarecemos os pontos obscuros, respondemos às perguntas e objeções, resolvendo as dúvidas e as dificuldades.

O quadro está agora completo diante dos olhos. Foi apresentado primeiramente limitado ao ambiente terrestre, tratando-se apenas do trecho matéria-homem, no volume A Grande Síntese. Depois o quadro foi ampliado em suas linhas gerais, abarcando o ciclo completo do ser que, criado e depois afastando-se de Deus, a Deus regressa. Isso foi feito no volume Deus e Universo. Finalmente, no presente livro O Sistema, o quadro foi completado em muitos pormenores, confirmado pelas provas oferecidas pela realidade em que vivemos, observado melhor e demonstrado verdadeiro sob novos pontos de vista. Esses três volumes: A Grande Síntese, Deus e Universo e O Sistema, são os três degraus de uma mesma verdade, que progressivamente se esta revelando, por meio de fases de amadurecimento do instrumento, que assim se torna apto a compreender e explicar cada vez mais profundamente, como ocorreu nos últimos dois capítulos deste livro.

Dessa forma se pode compreender como funciona o fenômeno inspirativo, partindo dos princípios gerais para depois descer aos particulares. Prova-nos isto a genuinidade do fenômeno. Se se tratasse de uma criação mental do instrumento, dever-se-ia como faz a ciência, partir da análise do estudo dos fatos particulares, único meio que a razão possui para chegar ao conhecimento. Não tomar como ponto de partida a teoria geral, que representa normalmente o ponto de chegada, como conclusão de pesquisas efetuadas. Aqui, ao invés, começamos pelo absoluto, para chegar apenas no fim às suas conseqüências em nosso mundo. Parece ser este o método direto do Sistema, enquanto o outro, usado comumente, parece constituir o método inverso, do Anti-Sistema. Se a razão sozinha quisesse arriscar-se a usar o primeiro método, que do Alto desce, ao invés do humano que sobe de nosso mundo aos princípios que o dirigem, correria o risco de necessitar rever as posições tomadas e corrigir as próprias afirmações gerais, quando os fatos não as confirmassem. Seria fácil errar, por não haver previsto tudo. Como se explica, então, não ter sido necessária correção alguma?

A mente humana procura a verdade por tentativas e hipóteses, e só chega a encontrá-la no fim, como conclusão das suas pesquisas. Mesmo neste caso trata-se de verdades parciais, de teorias circunscritas a determinadas ordens de fenômenos, tanto que, diante de uma síntese universal a ciência, com o seu método de observação e experiência, pode, imediatamente, declarar-se incompetente, impotente para alcançá-la. Como explicar o nosso caso, em que não procedemos por tentativas e hipóteses, como se faz na busca do desconhecido, mas ao contrário, com um sentido seguro da verdade, como se já fosse conhecido, afirmando-o decisivamente desde o princípio, e depois sempre mais esclarecendo, e nunca corrigindo? Como explicar, sem o fenômeno inspirativo, que os totais das operações tenham sido colocados como uma premissa, anteposta às mesmas, antes de realizá-las e sem o escritor conhecê-las? Essas mesmas só pouco a pouco chegam ao conhecimento, à proporção que se vai escrevendo. E como mais tarde, ao analisá-las, pode verificar-se que elas levam exatamente àqueles totais? É evidente que a mente humana, sozinha, não pode funcionar desse modo, produzindo esses resultados. E então? Estes livros são um fato positivo, e não se resolve o problema pelo fato de querer ignorá-lo. Quando nos achamos diante de um efeito inegável, que não se pode destruir, cumpre-nos descobrir a sua causa, se não quisermos renunciar a compreendê-lo.

Dessa forma, o leitor que tiver chegado ao possuir conceptualmente toda a visão aqui exposta e desenvolvida, poderá ver em sua mente um quadro completo. Aparecer-lhe-á como um todo harmônico, compacto em suas partes, logicamente ligado em todos os seus pontos, sem resíduos insolúveis nem com vazios de mistérios; um quadro que resolve os problemas, esgota o assunto, sacia a mente, satisfaz o espírito. O todo nos aparece como um verdadeiro edifício, como foi pensado por Deus no primeiro momento, executado no segundo, traduzido em realidade no terceiro momento da Trindade. Esse edifício, cuja construção aqui se mostrou, representa a vitória da unidade. O monismo afirmado desde o início no volume A Grande Síntese, recebeu aqui nova e plena afirmação. O alfa e o ômega do universo foram unidos no mesmo ponto: Deus.

Até hoje a humanidade não conhecia tudo isto senão vagamente, através das religiões e lendas, sem análises e sem controle, sem demonstrações racionais nem prova de fato. Mas, chegou a hora em que deve saber. Por isso, na plenitude dos tempos, foi permitido a um pobre instrumento ler um pouco mais claramente, no pensamento de Deus. Quem compreende que estamos todos imersos nesse pensamento, constituindo a atmosfera que todos respiramos e da qual todos tiramos a vida, não se surpreende com essas palavras. Não há maravilha alguma, em alguém o descobrir e perceber, fato que pode ocorrer a todos quantos tenham olhos para ver e ouvidos para ouvir.

Esta nova forma de compreender não deseja destruir as revelações precedentes, mas quer confirmá-las, desenvolvendo-as e explicando-as, com esclarecimentos e demonstrações necessárias, porque hoje, para crer, é necessário convencer, e não basta impor por princípio de autoridade. A inteligência desenvolveu-se e ninguém, a não ser um primitivo, está mais disposto a aceitar cegamente o que não estiver claro e provado. A humanidade necessita conhecer o edifício dentro do qual está morando, tanto mais que bem depressa, terá de assumir a direção e a administração dessa parte chamada Terra. A humanidade precisa desta nova evidência, indispensável para começar a aprender e se comportar melhor, sem a qual não mais se pode viver como seres civilizados. Este alimento espiritual chegou, de maneira a poder prover a nutrição necessária para continuar a vida, progredindo.

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Assim nasceu este volume da segunda obra, coluna central da mesma, situada no início da segunda das três trilogias. Continuamos, tenaz e fielmente, a trazer a nossa contribuição para a construção do edifício do conhecimento, orientar nos pontos vitais e responder às perguntas que o homem faz, sem muitas vezes encontrar resposta.

Infelizmente, parece inevitável que as novas construções, mesmo as mais pacíficas e necessárias, perturbem as velhas. Embora o novo pareça irregular, porque revolucionário, inconstitucional e irreligioso, nem por isso se pode parar o progresso. Disseram que estes livros sacodem os alicerces de todas as religiões. Não seria o contrário, isto é, viriam a reforçar esses alicerces, sobretudo nos princípios gerais que elas têm em comum, demonstrando com a força da lógica e dos fatos serem seus princípios verdadeiros e reais, sobrepujando a forma, ainda vaga, baseada na fé ou na lenda, sem controle, até agora assumidas? Além disso, sempre proclamamos o máximo respeito por todas as doutrinas e se as teorias forma expostas como verdade, nem por isso pretendemos impô-las a quem as não quisesse admitir, pois, foram apresentadas como hipóteses. Tudo foi simplesmente oferecido para cada um buscar aí, conforme o seu desejo, o que lhe fosse útil. Entretanto, estes livros foram condenados pelas religiões que mais se opuseram pelas razões acima e reciprocamente se excluem. O novo sempre se encontra diante de uma parede de dogmatismo, para qualquer lugar onde se dirija, porque encontra posições já conquistadas, procurando aumentar o poder que já possuem, e não deseja caminhar pelas estradas do progresso. Prevalece sempre o instinto humano, de armazenar tudo na própria casa, excluindo e condenando o novo porque, mesmo de acordo com o velho, se apresenta sempre como uma revolução. Prevalece o instinto de apegar-se à forma, trocando-a pela substância, ao aderir à letra que mata, invés de ao espírito que vivifica.

Mas agora a construção chegou a cerca de 4.000 páginas. Para destruí-la, precisaria ser construído um outro edifício do mesmo tamanho. Criticar e condenar é fácil. Só quem construiu com a tensão de todos os dias, durante dezenas de anos, sabe o que significa construir. Por isso, muitos criticam e poucos constroem.

Pelo modo de agir, parece interessar mais em conservar íntegro o próprio grupo, que progredir no conhecimento da verdade. Pensam já a possuir totalmente, o que os autoriza, a não se incomodarem em trabalhosas e perigosas pesquisas. Assim, as religiões demonstram ser contrárias a qualquer nova indagação, porque esta pode levar a conclusões novas, diferentes das que já possuem, e dessa forma minar o velho edifício. A verdade já foi conquistada, possuída; fazê-la progredir, significa atentar contra um patrimônio sagrado. É o misoneísmo da vida que resiste ao impulso renovador dor progresso. Por isso, qualquer tentativa nesse sentido perturba, é olhada com suspeitas, e são-lhe postos obstáculos. Tudo permaneceria anquilosado nas velhas fórmulas, se se pudesse paralisar a evolução. Mas, como detê-la, se ela é uma lei fundamental da vida?

Além disso, há outra lei, contra a qual é difícil rebelar-se: a lei de solidariedade, pela qual quem caminhou um pouco mais à frente, é levado instintivamente a olhar para trás, a fim de ajudar os outros a subir. Lei sábia e necessária para impedir que o progresso, distanciando os seres uns dos outros, quebre a unidade, justamente o princípio do Sistema, para o qual todos caminhamos. Para reconstruí-lo, é mister todos chegarem à salvação, e por isso, logo que alguns elementos estejam mais adiantados, tornam-se instrumentos, de evolução, auxiliando os outros que ficaram atrás.

De tudo isso, podemos imaginar quanto esforço deve enfrentar e quantas dificuldades deve superar quem quer construir. Nenhum grupo, nenhuma religião o defende, porque cada um desejaria apenas a filiá-lo, a fim de aumentar o número de prosélitos, não lhe importando evoluir para um conhecimento maior. Quem constrói o novo está sempre só. De um lado, vê as doutrinas e os textos das religiões, com a solução própria dos problemas, mais incompleta e obrigatória. De outro lado, vê os fatos que indicam soluções mais completas e a urgência destas. Assim se achou Galileu entre a Bíblia, segundo a qual Josué parou o sol e as observações, que lhe diziam, teria sido a Terra que deveria ter parado, em tal caso, porque não era o sol que girava em redor da Terra, mas a Terra em redor do sol. Para satisfazer à tradição, Galileu retratou o que foi classificado como seu erro e heresia, sem poder deixar de reconhecer os fatos, acrescentando o seu famoso: "eppur si muove" (e, no entanto, ela se move).

Como conseguir, modificar os fatos, dobrar e torcer a evidência, para fazê-los coincidir com esta ou aquela doutrina que ensina diferente? E se não concordam, como fazer calar a realidade? Não está em poder de algum homem mudá-la, para pô-la de acordo com os textos do passado, como não estava em poder de Galileu parar a Terra para fazer o sol girar em redor dela, só porque assim dizia a Bíblia. Nesses casos, a única coisa que resta fazer é deixar de parte as doutrinas, com todo o respeito, porque elas têm uma função a cumprir, e permanecer com os fatos.

Quem não quiser aceitar as conclusões resultantes, deveria contrapor outros fatos positivos. Estamos no século da ciência, no qual o homem quer compreender, sem o que não aceita mais crer. É o direito das crianças que se tornam homens. Se tudo não tiver explicação, depressa a humanidade não acreditará mais em nada. E isto já está começando a acontecer. O consenso das massas ignorantes não pesa no progresso do mundo. Em qualquer religião seguem sempre os seus instintos e se enfileiram atrás dos vencedores, que gritam mais alto. O que interessa é o consenso dos pensadores e dirigentes, atrás dos quais segue a multidão. Hoje só se pode aceitar uma doutrina que resolva tudo, racionalmente controlada, trazida ao contato dos fatos que a expliquem. Se deixamos a humanidade sepultada ainda entre os mistérios, ela retrocederá, animalizando-se no materialismo, dominada apenas por seus baixos instintos. Se a condição para salvar-se for a de cortar a cabeça para não compreender, o homem preferirá perder-se com a cabeça, a salvar-se sem ela. Hoje a ciência nos ofereceu muitos conceitos novos que outrora não se conheciam e o homem já amadureceu mais, por isso, a iluminação da mente é um dever e uma necessidade.

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O nosso trabalho foi de pura pesquisa, com a maior imparcialidade, a fim de conhecer como tudo acontece verdadeiramente, e não para defender esta o aquela doutrina ou grupo humano. Assim, como não foi possível, como às vezes se faz, antepor à pesquisa os ditames de cada escola, pelo fato de se pertencer a ela, também não foi possível recusar, a priori, a verdade sustentada por esta ou aquela doutrina, só pelo fato de não ser a nossa. Quem procura a verdade, não pode ter outra finalidade: caminha sem saber como poderá concluir e deve estar pronto a aceitar sem preconceitos tudo o que venha a ser demonstrado verdadeiro.

É preciso compreender a função do pesquisador. O seu estado de alma e as suas finalidades são completamente diferentes dos do crente ou ministro que têm de defender a sua fé. Estes procuram prosélitos e não o conhecimento. Têm a medida já estabelecida, com a qual tudo medem, julgando verdadeiro somente o que corresponde a essa medida, e falso o contrário. Possuem uma verdade já confeccionada para o uso, à qual nada se deve acrescentar, não admitindo transformações. Pesquisar para iluminar e progredir, traz desordem às fileiras, sendo portanto ato reprovável, com sabor de insubordinação. No entanto, o estado da alma do pesquisador honesto não é absolutamente o de agressividade. Interessa-lhe descobrir e conhecer a verdade, e não defender ou demolir as instituições humanas. Naturalmente, é contrário ao interesse de muitos que constituem a maioria.

Dada esta atitude de pesquisa objetiva , não nos foi possível tomar em consideração as teorias não susceptíveis de controle, sobre as quais, por isso, não era possível exercer alguma crítica que nos desse a prova da sua veracidade. Por exemplo, o pensamento religioso da antiga Índia, mesmo tão profundo, chegado ao Ocidente através de várias escolas diz muitas coisas; mas, mesmo quando traduzido, continua a dizer com palavras ignoradas por nós, com sentidos intraduzíveis em nossa forma mental e na linguagem racional e científica; além disso, são ditas de uma forma simbólica, própria a velar, mais do que a revelar o pensamento que a nossa mentalidade ocidental, para aceitar exige que seja expresso com imagens nossas, mais próximas da realidade qual a concebemos. A mentalidade oriental é muito diferente da ocidental; diferentes são os pontos de referência e também o que constitui prova convincente e meio para esclarecer. Falta-lhe aquela psicologia de crítica e controle, para nós tão importante, porque nela se baseia o nosso progresso científico. Por isso, o esplêndido edifício constituído pela antiga Índia, permanece como uma afirmação não-demonstrada nem demonstrável, que pode ter valor mais como mitologia do que como solução de problemas.

Tudo isso nos chegou através da Teosofia. O mesmo podemos repetir para a Antroposofia de Rodolfo Steiner. O Espiritismo Kardecista não nos oferece material suficiente, em relação aos temas que aqui tratamos, porque não enfrentou decisivamente esses problemas e, portanto, para ele, isto constitui um terreno inexplorado. O catolicismo permaneceu gloriosamente no século de São Tomás: pensamento profundo, mas velho, que ignora os problemas modernos, e além disso está corroído pelos abusos da escolástica. A Bíblia, por outros preferida, foi escrita em outros tempos, para outras mentes e afins, e não para resolver os nossos problemas, então completamente desconhecidos.

Ora, tudo isso está muito longe de estar errado. Há nessas doutrinas centelhas de luz, mas não há um quadro universal que esgote o assunto, que resolva tudo: um sistema teológico, científico, racional e positivo, que coordene tudo, até mesmo as últimas conquistas do conhecimento humano, em estreita unidade. Com isto, não queremos afirmar tenhamos chegado a ver toda a verdade. Mas esperamos ter atingido o nosso objetivo, isto é, o de chegar a ver um aspecto mais completo, profundo e convincente da verdade. Continuaremos amanhã, e outros depois prosseguirão neste mesmo caminho e sobre ele continuarão também as doutrinas e as religiões, porque este é o fatal e irrefreável caminho do progresso do pensamento humano. No entanto, aos céticos, ainda não convencidos, não pretendemos oferecer os resultados atingidos como verdade completa, definitiva e absoluta; oferecemo-la apenas como hipótese de trabalho, a fim de a controlarem por meio de suas observações e experiências, aceitando-a se demonstrada pelos fatos, ou recusando-a se estes dizem o contrário e, neste caso, construirem uma verdade melhor, que coloquem no lugar desta. E, às várias doutrinas filosóficas e religiosas, pelas quais nutrimos o máximo respeito, não só não queremos substituir-lhes qualquer de suas verdades, nem mesmo o sistema aqui exposto, mas oferecemos o fruto do nosso trabalho, a fim de o tornarem seu, pois o mais importante é fazer progredir o pensamento humano. Este é o único objetivo que nos prefixamos.

Uma das primeiras razões da condenação de A Grande Síntese, por parte do catolicismo ortodoxo, foi a concepção monista e panteísta do universo. Mas como conceber um universo onde Deus não esteja presente em todas as suas partes, mantendo-o como um princípio animador, em perfeita unidade? E no entanto, este foi o pensamento dos maiores místicos cristãos! Era o pensamento de São Francisco de Assis, quando sentia Deus em todas as coisas e criaturas. O panteísmo é justamente condenado porque consiste, frequentemente, em crer que todas as coisas e criaturas sejam Deus por si mesmas. Mas, esta é apenas uma interpretação materialista do panteísmo.

Para combater esse panteísmo errado, não só se condena o panteísmo sadio dos místicos, mas se cai no erro oposto, ou seja, o de admitir um Deus somente pessoal e transcendente, separado de Sua Criação. Com esta separação, Deus e o mundo resultam contrapostos, num dualismo inconciliável. Isto levou à idéia de Deus não estar onipresente em nosso mundo, mas habitando apenas nos céus, longe, separado de nós; Ele não desce senão em Seus templos, por intermédio de seus ministros, e não será achado fora desse terreno reservado onde só existe erro e pecado. Desaparece assim a idéia da onipresença de Deus, transformado em prisioneiro de monopólios, encerrado em formas materiais de certas religiões. Verifica-se, desse modo, um afastamento, uma separação entre a alma e Deus, entre a nossa vida e o seu centro gerador, de cujo alimento continuamente tem necessidade. Perde-se, dessa maneira, o conceito de Sua maravilhosa potência saneadora, presença contínua, mesmo no secreto de nossa culpa; presença não apenas de dura justiça, mas sobretudo de amigo benéfico e médico salvador. Confirma-se, assim, a separação do dualismo; Deus nas igrejas e Satanás no mundo. Mas, se Satanás está no mundo, também Deus está no mundo do qual é o dono, a quem o mal deve obedecer. Com esta cisão, rendemos a Satanás a homenagem de um poder que ele não tem, ou seja, de possuir um reino todo seu, onde é dono absoluto, e no qual Deus não pode nem mesmo habitar. O homem iria de um a outro dos dois reinos e, ao viver no mundo, permaneceria a maior parte de sua vida pertencendo exclusivamente ao mal.

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Talvez possa agora interessar ao leitor saber como foi escrito o presente volume e quais foram as minhas sensações na execução desse trabalho.

As horas de minha maior atividade começam mais ou menos às oito da noite, quando os outros vão repousar. Só então pode começar-se o trabalho, porque se pode ter a certeza do silêncio e tranqüilidade, sem perigo de interrupções. Não é possível fazê-lo durante o dia quando este é utilizado para outras atividades comuns a todos. Fechado no quarto, certo de que a minha atenção não será distraída por coisas exteriores, atinjo rapidamente o estado de alma apropriado, de profunda percepção e visão. O ambiente já está saturado dessas vibrações, no meio das quais continuamente trabalho, e posso envolver-me nelas imediatamente, pois constituem a minha verdadeira atmosfera, da qual vivo. Esta deve ser sobretudo harmônica, constituída de paz, de sentimentos de bondade, de absoluto abandono em Deus: em estado de completa harmonização com sua Lei. O ambiente é também sintonizado acusticamente, com este estado harmônico, por meio da música clássica dos melhores autores, que dessa forma podem funcionar como parede protetora, trazendo àquela atmosfera as altas vibrações de espíritos elevados. Assim, atingido em poucos minutos, o estado de alma apropriado, são novamente encontrados os conceitos desenvolvidos na noite precedente, torna-se a penetrar neles com os sentidos profundos da intuição, o espírito volta a mergulhar nesse mar de pensamento, e tudo é novamente visto com os olhos interiores da visão. Então, tudo é registrado, capítulo após capítulo, cada noite, muitas vezes até de manhã, quando já é necessário atirar o corpo em uma cama, em busca de um sono que então não vem mais. Isto durante meses e meses, até o livro estar terminado, para depois começar com outro; isto até se perder a capacidade de dormir.

Trata-se de subir a planos superiores de vida, próximos do Sistema. Não se trata do fenômeno comum da mediunidade, em que o "eu" renuncia à consciência de si mesmo, para abandonar-se em poder de não se saber a quem. Ao contrário, trata-se de um despertar da consciência além do normal, para atingir um estado que, à pessoa comum, pode parecer de extrema tensão nervosa, mas representa um estado de grande velocidade, em que, como no avião, parece-nos estar parados. Trata-se de um fenômeno do qual as teorias aqui desenvolvidas nos podem dar a explicação.

Nesse estado de despertamento interior, a potência do centro vital se transfere toda para o plano do pensamento, conferindo uma lucidez mental agudíssima, enquanto ao corpo é deixado apenas o mínimo de funcionamento mecânico que lhe é necessário para não interromper a sua vida, e depois poder tornar a tomá-la em seu plano. Não se trata, pois, de recepção mediúnica passiva, mas justamente o oposto, isto é, uma captação espiritual ativa, na qual a personalidade não é abandonada de maneira nenhuma em estados letárgicos, mas colocada em condições de extremo dinamismo. O estado de abandono em Deus é tudo menos inércia; é o resultado de uma adesão alcançada por haver compreendido e por ter fortemente buscado; é o produto de um esforço para subirmos e nos aproximar mais Dele, mais alto que o plano normal de vida. Isto é possível enquanto a personalidade se transporta, momentaneamente, a níveis superiores de evolução, transformando-se num tipo de individualidade biologicamente mais adiantado, o que lhe confere uma sensibilidade e capacidade perceptivas supranormais muito mais agudas, no sentido de permitir uma penetração conceitual muito mais profunda do que a da forma comum mental em seu estado normal. Então a percepção e a concepção abstratas, que em geral são as mais difíceis de atingir, assumem a evidência e a concretização, quase sólidas, com que passamos a ver e a tocar o nosso mundo, que nos aparece tão claro e real.

Esse estado é o que chamamos intuição ou inspiração. Devido ao longo hábito, obtido rapidamente o deslocamento de nosso centro vital e entrado em novo estado mental; aí permaneço imerso, traduzindo na linguagem das idéias e sensações normais, conhecidas por serem as de minha vida diurna, os conceitos que aparecem no estado de visão. O fenômeno permanece em cada momento perfeitamente consciente e controlado, permitindo-me, assim ter conhecimento do seu funcionamento e assenhorear-me de sua técnica.

Tão logo entrei no novo estado de visão conceitual, percebo o ambiente que me circunda, não mais no plano físico, e sim no plano espiritual, ou seja, como uma atmosfera de pensamento que me envolve completamente. Percebo-a como vibrações de todos os pensamentos positivos, de todos os sentimentos bons, de bem e de Amor, como divino poder ativo e criador, que rege a existência de todos os seres e coisas. Sei que existem aí também os pensamentos negativos, os sentimentos maus, de mal e de ódio, carregados de poder destruidor. Estão no mesmo ambiente que os outros, mas enquanto os impulsos dos primeiros, estando harmonicamente unidos, se somam, os dos segundos se destroem, porque estão em luta entre si. Além disso, estando sintonizados com os pensamentos bons, feitos de bem, encontro-me existindo apenas neste plano e ambiente. Percebo, então, somente os bons, e não os outros, pelo fato de não estar sintonizado com eles; como vibração não respondo, não percebo, não existo no seu espaço, pois, como vibração, apenas respondo, percebo e existo situado em outro espaço diferente, o dos pensamentos positivos.

Trata-se agora, de subir. Chegados a este ponto, o esforço é concentrado na subida. Comunicar-se com os desencarnados, que às vezes sabem apenas tanto quanto nós, quando não sabem ainda menos e são piores do que nós, não pode interessar num trabalho deste tipo. Subir, porque isso justamente me afasta das forças do mal e me abre as portas do conhecimento, o que constitui agora objetivo. Como é possível isto e como ocorre? O pensamento de Deus, que constitui a Sua Lei tudo dirigindo, sendo coexistente com o universo físico e dinâmico, constitui a sua atmosfera psíquica, na qual tudo está imerso, inspirando-lhe a norma diretora e o poder que sustenta a sua existência. Dessa divina atmosfera de vida cada tipo individual participa, recebe e compreende em proporção ao seu despertar espiritual, dado pelo plano de evolução alcançado. Nessa atmosfera está escrita a Lei, que representa o pensamento de Deus; nela está o conhecimento, estão feitas todas as descobertas e resolvidos todos os problemas. Ora, quem consegue, mesmo por um momento, subir, aproximando-se um pouco do Sistema no retorno evolutivo a Deus, pode ler nesse pensamento um pouco mais do que lhe permitem os recursos próprios do plano normal de evolução humana. Não pode ler tudo, mas um pouco mais do que é possível pelos meios comuns.

Ora, é lógico que tudo depende do grau de sintonização atingido. Quem se acha sintonizado, pelo tipo próprio de personalidade, com ambientes involuídos, espiritualmente baixos, perceberá, ao invés, na mesma atmosfera, as vibrações e os pensamentos baixos, que não atingem quem está sintonizado mais no alto, e que não os percebe. Quando o nosso espírito é feito de pensamentos involuídos só somos capazes de registrar as ondas do mal, do ódio e da dor. Esse estado é chamado inferno. Quando, ao invés, vivemos de pensamentos evoluídos, então estamos aptos a registrar as ondas do bem, do Amor e da alegria. Dizemos, pois ser este o paraíso. Tudo depende do estado espiritual, conseqüência da elevação de nossa natureza.

Nos breves minutos necessários para entrar nesse estado de alma, tão diferente daquele a nos obrigar a luta diária, a personalidade deve percorrer várias adaptações e deslocamentos, ajudando com a vontade e o hábito, a transformação necessária. Neste momentos percebo uma elevação de temperatura psíquica do meu ser e o sistema nervoso se esquenta pouco a pouco até quase abrasar. Esse fenômeno pode exprimir-se de muitos modos diversos. Atingido o estado incandescente, de alta freqüência vibratória, ou de forte tensão nervosa, o ser assume uma forma de existência que não é a normal durante o dia, chegando com isto a um estado vibratório e perceptivo que lhe permite entrar, com outros sentidos bem despertos, no ambiente espiritual, e comunicar-se com ele. Pode entrar, não porque tenha perdido consciência – fato que o afastaria ao invés de aproximá-lo – mas, por um despertar de consciência, acima do normal; em um confronto, o normal parece até inconsciência. Sem esse despertar que aguça a sensibilidade, o ambiente permaneceria inacessível e fechado. Assim é atingido esse outro mundo.

Quando lhe penetro, não ouço nem leio tanto quanto absorvo, tal como uma esponja na água, quer o pensamento, quer o sentimento e a potência, que constituem aquele ambiente. A absorção completa a transformação, dando-me, no cérebro, uma sensação de potência conceitual incontida, que transborda de todas as partes, sendo descarregada nas páginas que rapidamente se vão acumulando durante a noite. Os conceitos, alcançados pelo espírito, são transmitidos ao cérebro, que os transforma em palavras, e a mão escreve. Toda a personalidade é atravessada por uma potência vibratória percebidos com luminosidade e clareza de forma deslumbrante, que os vive, como se esses conceitos viessem a formar a sua própria vida. E tanto mais, à proporção que vão chegando, segundo o tema tratado, também como ondas de sentimento e poder. Forma-se assim, em todo o ser, um sentido de euforia, de leveza, de onipresença e dilatação, pelos quais aos pontos de referência do pensamento vão achar-se em outras dimensões.

Torna-se necessário, então, com a consciência bem desperta, exercer um controle ainda mais severo sobre si mesmo, provendo-se com algumas normas, como por exemplo:

1)     Não se transviar, perdendo o controle de si mesmo. Permanecer senhor do fenômeno, crítico, positivo, sem perder o sendo se realidade.

2) Perceber toda a visão, com exatidão e clareza, mantendo-se ao mesmo tempo bem acordado também como mente racional, para poder traduzir os conceitos percebidos em dimensões superiores, nessa forma incompreensíveis para a psique comum, nos termos próprios desta. O trabalho a realizar é justamente esse: transportar o pensamento percebido por intuição, para a forma de palavras escritas, nas quais permaneça registrado definitivamente. Ao mesmo tempo, com a parte racional, observar o fenômeno que se está vivendo, recordando os seus particulares, para depois estudar o seu funcionamento. Trabalho necessário também, para se assenhorar da técnica do fenômeno e transformar-se de instrumento cego, em meio inteligente e ativo.

3)     Não afastar demais do corpo físico, o próprio centro vital. A palavra afastamento não tem sentido espacial, mas de tipo de vibração. Portanto, não concentrar toda a vida própria apenas no plano espiritual, abandonando totalmente o corpo. Não tirar deste todas as energias vitais, mas deixar-lhe o mínimo suficiente para continuar funcionando, a fim de não se apagar permanecendo-lhe sempre ligado, ou seja, continuando a vibrar também um pouco em seu nível, para depois ser também possível resolver o problema de tornar a descer e reentrar cada noite, no fim do trabalho.

Com essas previdências, começa-se. O ambiente físico quase desaparece, os sentidos corpóreos funcionam em surdina, enquanto outros sentidos se destacam e funcionam com outros poderes e percepções. Na mente, tem início um lampejar contínuo, que ela absorve e com o qual se vai carregando cada vez mais. Daí a imperiosa necessidade de descarregar no pólo negativo, em baixo, pela palavra escrita, essa carga acumulada na mente, no pólo positivo, no alto. Esta se embebe e se satura totalmente com essa atmosfera, e derrama em baixo tudo o que absorveu. Assim foi sendo escrito este livro, e estamos agora completando suas últimas páginas.

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Procuremos, agora, analisar o que significa tudo isso, num sentido mais profundo, e compreender o que acontece com mais exatidão, no fenômeno inspirativo.

Como pode estar esse pensamento sempre à disposição do indivíduo, cada vez que o queira perceber? O fato é que ao lhe penetrar, a mente se enche de uma corrente de idéias ininterruptas. No meu caso não estudo antes do assunto. Tudo nasce ao escrever. Começa-se o livro e as pesquisas no vazio, sem saber onde se vai acabar. Como pode nascer sem um plano guia, estudado com antecedência, um trabalho orgânico coerente e convergente para certas conclusões inicialmente ignoradas? Além disso, mesmo se talvez existam, não conheço na Terra livros donde pudesse ter extraído o conteúdo desse volume. E no entanto, jamais faltaram as idéias, sentindo necessidade de estender em outro livro, as idéias que neste não couberam. Pergunto-me então: se esse pensamento cósmico não estivesse sempre, a cada instante, pronto na atmosfera psíquica circundante, como poderia ser recebido todas as vezes que o indivíduo quisesse? Isto confirma o ponto de vista exposto acima, ou seja, de não se tratar do fenômeno comum da mediunidade, mas da captação de um pensamento universal, sempre presente e em funcionamento.

Como isto é possível e acontece, pode ser esclarecido pelo novo ponto de vista oferecido pela terceira forma de representação mental, exposta no fim do capítulo precedente. Explicamos que, com a queda, os espíritos permaneceram no mesmo ambiente do Sistema, pois a queda não consistiu num deslocamento espacial, mas numa mudança em sua natureza ou sua transformação involutiva. Deduz-se que nós, seres decaídos em forma material, coexistimos espacialmente no ambiente espiritual não-decaído do Sistema, ou seja, estamos imersos no pensamento de Deus como os peixes no mar, pois o pensamento de Deus é onipresente, penetra tudo e constitui o Sistema. Então, esse pensamento está sempre presente, mesmo em nosso mundo material, em todos os momentos e em todos os lugares, não apenas como pensamento, sendo pois captável para quem possua a necessária sensibilização, função do grau de amadurecimento atingido, mas também como Lei: é o poder em ação, para realizar esse pensamento e diretor que dirige tudo o que existe e só pode existir enquanto é sustentado e dirigido por esse poder divino.

Eis porque esse pensamento se acha sempre pronto para ser captado se a cada momento a mente se volte em sua direção e se ache em condições de percebê-lo. Esse pensamento constitui a atmosfera psíquica do universo, coexistente espacialmente com a atmosfera dinâmica que o permeia, envolvendo os núcleos de condensação da matéria que nela se formaram. Por isso, podemos dizer que as três fases evolutivas: matéria, energia e espírito constituem três universos que se interpenetraram reciprocamente, de modo que tudo, inclusive nós, estarmos sempre imersos na substância de Deus. Trata-se de uma interpenetração íntima, pela qual respiramos a cada instante a atmosfera de Deus, fazendo dela a nossa vida. Existimos Dele e com Ele, porque não é possível existir sem Ele.

Mas, então, como normalmente não O percebemos? Em que consiste essa distância, se não é espacial, e no entanto nos deixa longe de Deus? De que é constituída essa barreira a nos dividir? Dele, tornamos tão inacessível à nossa percepção? Como não nos apercebemos de maneira nenhuma, em geral, dessa Sua presença tão viva?

Efetivamente há uma distância, mas não se trata de distância espacial, porém evolutiva, ou seja, de natureza e qualidade; uma distância evolutiva, produto do estado de contração ou desfazimento que resultou da queda. Nem por isso Deus desapareceu dos planos inferiores de existência; desapareceu apenas a percepção que o ser tinha Dele antes da queda; desapareceu o estado de consciência e de sensibilidade capazes de alcançar essa percepção. Permanecemos, dessa forma, imersos em sua sabedoria e em Seu poder, mas distante Dele, sem conhecer-lhe.

Como pode ser superada essa distância, para reaproximar-nos de Deus? Subindo o caminho da evolução, que significa regresso ao Sistema. Basta saber subir para a espiritualidade, que constitui os planos mais altos da vida, para neutralizar os efeitos da queda, percorrendo a estrada oposta da volta e encontrando dessa maneira, de acordo com a estrada percorrida, a sensação da presença de Deus e a percepção e Seu pensamento presente. Pode-se, assim, respirar essa atmosfera divina, sentindo-a e com ela comunicando conscientemente, enquanto os involuídos estão nela mergulhados sem sequer imaginar Sua presença.

Eis então como ocorre o fenômeno inspirativo. O pensamento cósmico está presente em toda a parte, sempre pronto, qual atmosfera psíquica e universal, a ser atingida todas as vezes que um indivíduo tenha alcançado o amadurecimento apto para tanto. Basta conseguir esta condição, pois o livro de Deus está sempre pronto para ser lido e a sua leitura depende apenas das qualidades do leitor. A condição para esse pensamento cósmico ser alcançado, depende apenas da natureza e das condições do indivíduo, tornando-o apto à percepção. Está sempre presente, mas só pode comunicar-se com quem possua as qualidades necessárias, da mesma forma como a luz do dia está presente para todos, mesmo para os cegos, embora estes não a possam perceber, por estarem imensamente longe e por sua impotência sensória. O que separa o homem de Deus e de Seu pensamento cósmico, no qual está a solução de todos os problemas, é apenas a insensibilidade, a impotência perceptiva do cego. Quando o homem evoluir, poderá, apenas pelo fato de ter aguçado com isto a sua mente e despertado o seu espírito, ler no pensamento de Deus, a solução de todos os problemas.

Procuremos esclarecer e explicar mais um pouco esse fenômeno inspirativo, sob outros aspectos. Quando o ser, com a evolução, atinge o plano espiritual no caminho ascensional, é possuído de uma sensação de expansão. A involução, efeito da queda, foi, ao contrário, um processo de contração, do positivo ao negativo, de felicidade à dor, da sabedoria à ignorância, da liberdade à escravidão, da vida à morte, do espírito à matéria etc.. A evolução representa o processo oposto, de libertação, de dilatação desse estado de contração.

De tudo isso se deduz que:

1)    O involuído está imerso no Sistema, ou seja, em Deus, na atmosfera de Seu pensamento e Sua Lei, tanto quanto estão imersos os espíritos não caídos.

2)    O involuído, devido o seu estado de involução, percebe apenas as vibrações de seu plano, muito pouco além destas e quase nada do pensamento de Deus, que o circunda de todos os lados.

3)    Quanto mais o ser evolui, tanto mais se torna apto a perceber tudo isso. As capacidades perceptivas são relativas ao grau de evolução e se aguçam e aperfeiçoam com a subida.

4)    Tudo se passa entre os dois casos limites, representados pelos dois pólos do ser, ou seja: no negativo, limite extremo da involução, e o ser nada sabe de Deus, feito de qualidades positivas, que ele combate como negativas, contrárias à vida, enquanto são a sua própria vida. No pólo positivo, limite extremo da evolução, o ser que voltou ao Sistema, como também o não-decaído, vivem em plena consciência da atmosfera de Deus, conhecedores e participantes da plenitude de Sua vida.

De tudo isso resulta importante conseqüência. Se com a evolução se consegue romper a casca que aprisionou a primeira centelha de Deus, na contração involutiva, essa centelha pode achar as qualidades perdidas entre as quais a sensibilidade que lhe permitirá perceber o pensamento cósmico, com o qual encontrará o conhecimento perdido.

Eis como se explica o fenômeno inspirativo, enquadrado no próprio seio das teorias expostas neste volume. Quando o ser consegue evoluir, corrige o processo de contração que o mutilou, rompe a casca e torna a encontrar o conhecimento, tanto mais, quanto mais tiver conseguido subir. Consegue, desse modo, perceber o pensamento cósmico no qual ele também, como tudo o mais, está imerso. Chegados a este ponto, é possível transportar a teoria da visão ainda além do campo em que a usamos até agora, ou seja da observação inspirativa, da intuição, ou de controle racional em contato com seus efeitos em nosso mundo; pode-se transportar esta teoria também para o terreno experimental, aplicando e controlando-lhe os seus princípios, como um curso de desenvolvimento psíquico e espiritual. O primeiro produto do uso experimental da teoria aqui desenvolvida, é este volume.

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Neste livro oferecemos o fruto do processo analisado, como resultado positivo. O leitor poderá formar um conceito da sua gênese, da técnica usada e do significado de tudo isso, enquadrado na teoria da visão. O trabalho está terminado e, como fato concreto, fala por si mesmo, representando a teoria sustentada, trazida até ao campo experimental. A experiência a confirma através do êxito alcançado.

Observamos o fenômeno inspirativo no momento de sua formação e depois no seu pleno funcionamento. Observemo-lo agora em seu momento final, resolutivo, em que se apaga, para deixar o indivíduo voltar ao seu estado normal, reassumindo a sua psicologia comum, diurna. Vejamo-la, agora, por meio do meu caso, as suas sensações.

Terminado, praticamente o livro, estou a observar o que aconteceu. Olho para trás. O quadro está completo. Passou diante de minha vista interior como uma visão alucinante, atirando-me para fora das dimensões de nosso mundo. Foram alguns meses de intenso contato com outras formas de vida, em planos mais altos. Grande festa do espírito, na qual o corpo se consumiu um pouco mais, ardendo!

Desço agora ao mundo normal, ao mundo de todos, com esforço e sofrimento. O trabalho de registrar toda a visão e traduzi-la, reduzindo-a a palavras humanas, de forma acessível à psicologia corrente, está terminando. Olho para trás admirado, e releio, a fim de compreender também, com o meu cérebro normal, o que escrevi com outra mente, a fim de assimilá-lo. Releio com a minha psicologia comum, parando de vez em quando, para meditar, compreender e aprender.

Com isto novo degrau foi galgado. Escrever um livro, neste caso, não é obra cerebral literária, mas para o indivíduo, significa realizar mais uma etapa da sua transformação evolutiva. O leitor poderá observar, nestes livros, além do desenvolvimento dos conceitos, também o fenômeno de um progressivo amadurecimento, pelo qual o tipo biológico do escritor está mudando gradualmente. É um trabalho profundo da vida, em que as teorias expostas são, ao mesmo tempo, experimentalmente vividas, o que oferece a maior prova de sua verdade.

Trata-se de uma verdadeira metamorfose, semelhante à da lagarta que se torna borboleta. Mas a lagarta pode proteger-se no casulo, onde pode executar em paz o seu completo trabalho de transformação, enquanto neste caso, o indivíduo deve fazer o seu trabalho no meio da tempestade da vida. Imerso neste seu esforço, necessário para subir a planos mais altos onde, unicamente, encontrará a inspiração, não pode lutar para defender-se. E os lobos estão sempre aí, prontos a empregar a sua grande sabedoria, que consiste em agredir. Forçoso é trabalhar debaixo de assaltos, mesmo quando todas as energias nervosas e as potências intelectuais estão presas no trabalho de inspiração. É preciso saber executar uma obra de espiritualidade e pensamento profundo, totalmente absorvidos, alma e corpo, entre feras que nada tem para fazer, estando prontas a cada momento e são habilíssimas em devorar. Imersos na visão, é mister possuir a força e manter-se prontos e defender-se de todas as traições e explorações de que é feita a vida. Enquanto a alma, presa em suas contemplações, se afasta da dura realidade, esta está sempre pronta a feri-la a todo o instante, a fim de recordar-lhe as suas necessidades improrrogáveis e, haja o que houver, a luta pela vida não pode deter-se nem um instante sequer.

Dizemos isto para fazer compreender que a necessidade de defender-se de todos os salteadores que povoam o mundo, não cessa de maneira alguma pelo fato de estarmos imersos num trabalho que absorve todas as energias da vida. Ele tem de ser realizado, pois, nas mais duras condições, sem tranqüilidade, sempre sob a ameaça do assalto dos lobos vorazes. O indivíduo que trabalha por inspiração não deve, portanto, suportar, neste caso, apenas o desgaste imposto ao sistema nervoso pela tensão em que precisa manter-se, mas deve realizar também o esforço de defender-se de um mundo feroz, que possui acentuadas habilidades de gênero bem diferente. Enquanto o espírito está todo preso no esforço de produzir para o bem dos outros – porque a Lei impõe que, para manter a unidade, não se pode subir senão fazendo outros subirem – mil mãos rapaces e mil bocas vorazes estão sempre prontas para aferrar e devorar tudo para si. Esta é a sua febre e por ela destroem tudo, até o fruto que lhes é oferecido e o próprio instrumento, necessário para produzi-lo. É terrível, enquanto estamos perdidos na contemplação das coisas de Deus, ser sitiado e sufocado pelos adoradores do deus-dinheiro. Então sentimos quão grande é a distância de um plano de vida a outro, e que esforço heróico deve ser dispendido pelos mais evoluídos para preenchê-la. Pode-se compreender dessa forma como é horroroso, para um ser espiritualizado, ter que viver num mundo assim.

O trabalho de inspiração deve realizar-se nessas condições, quando o menor abalo nervoso pode trazer conseqüências fatais. Para conseguir uma tranqüilidade relativa, este livro foi escrito à noite, deixando para o dia o trabalho normal de cursos, conferências, viagens, visitas, correspondência, conversas etc.. Esse sistema de trabalhar a noite esgotaria um jovem de 20 anos, mas é o único que pode ser adotado. O milagre é o organismo físico, ao menos até agora, ter conseguido resistir.

Muitos em pleno século XX, ainda acreditam poder a santidade ser alcançada apenas pelas formas tradicionais de renúncia e auto-perseguição. Esta pode ter sido a forma necessária e útil em tempos cruéis, ou ainda hoje para algumas pessoas que, para subir espiritualmente, precisem começar sufocando o corpo. Para estes, esta maceração pode parecer uma virtude maior. Para seres mais evoluídos, o corpo não é mais um inimigo a ser domado, mas um instrumento a ser utilizado pelo espírito. Macerar o corpo significa, então, procurar tirar ao espírito os meios para trabalhar e realizar-se na Terra. O próprio organismo físico transforma-se, então, de inimigo a domar, num amigo aliado que colabora com o espírito, o qual toma todos os cuidados necessários para conservar o seu útil instrumento; a virtude não consiste em renúncias inúteis para o próximo, que outrora eram praticadas enquanto se apodrecia no ócio, mas consiste no esforço de realizar um trabalho útil para o bem alheio. Este trabalho nos absorve a todos, de modo a não nos deixar tempo para dedicar-nos aos defeitos que as renúncias combatem, e que, dessa maneira, caem por si, sem serem reforçados pela reação provocada em todo o esmagamento. Hoje são mais necessárias e apreciadas as virtudes positivas, úteis para o bem do próximo, do que as negativas, dirigidas em mutilar a própria expansão vital. O trabalho de inspiração representa, justamente, essa mais alta expansão.

O caso do martírio do corpo está implícito e não deve ser procurado. O esforço a ser suportado é o máximo que se lhe pode pedir. Sofrimentos físicos, cilícios, jejuns e privações do necessário, como se usava antigamente, não apresentam mais utilidade, mas, sim, dar ao corpo o que é do corpo e ao espírito o que é do espírito, mas dar ao corpo o indispensável, para que possa suportar melhor o esforço de um trabalho executado pelo espírito por seu intermédio. A tensão desse trabalho já é um cilício e renúncia suficientes para o corpo. Não lhe peçamos mais, a fim de não mortificá-lo ao trabalho a ser executado.

Esse trabalho emprega toda a personalidade, física, mental e espiritual, como um ciclone. A vida dos planos inferiores treme aterrorizada. E, no entanto, pode dizer-se que essa hora criadora é uma festa imensa, porque constitui uma expansão vital indescritível. O terror pode vir depois, quando o espírito deve voltar ao corpo e o encontra esgotado pelo sono perdido em tantas noites, pelo esforço de concentração mental que atravessou e da tensão nervosa necessária para permanecer durante meses nesse estado de percepção inspirativa. Acrescente-se a isso, a necessidade de ter de retomar, subitamente, a luta para viver na Terra, defender-se dos assaltos que qualquer pessoa possa ter nesse ínterim, preparado, e descongestionar o trabalho terreno atrasado, acumulado, para libertar-se da rede das mil coisas inúteis que o mundo sempre inventa, julgando-as importantes porque não sabe fazer coisa melhor.

Aí, mil inimigos estão sempre à espera. Quando se está em estado inspirativo, não se pode pensar em lutar, porque as forças e a atenção estão todas presas ao trabalho; subindo a planos mais altos de vida, somos obrigados a tornar-nos melhores e amar o próximo que nos deseja devorar. Não se pode pensar em luta, porque a luta é toda voltada para a subida a outros planos de existência, contra a animalidade que nos assedia, para transferir o centro vital do seu plano a outros superiores. Não se pode pensar em luta contra os outros, para defender-se, quando todas as energias estão empenhadas mais no alto e subtraídas ao corpo físico.

A hora mais árdua é a do regresso, no fim da grande embriaguez da captação inspirativa. Enquanto esta dura, viaja-se em velocidades supersônicas, projetados para o sistema, e só percebemos a imensa felicidade da expansão e da libertação. Mas, terminado o trabalho, quando a última palavra do volume foi escrita, o espírito deve descer novamente ao plano onde deixou o corpo. Isto significa ter que sofrer as dores da contração involutiva, num desmoronamento de dimensões que é o da queda, desmoronamento involutivo, descida na vida, para baixo, muito baixo, até o infernal pântano terrestre, povoado de feras. É um aprisionamento regressivo, involutivo, em todas as pavorosas qualidades infernais do Anti-Sistema. Ao recairmos na terra, o único prêmio que achamos é a prostração de um organismo alquebrado; é uma luta nova a realizar, para não sermos sobrepujados; é a incompreensão, a rivalidade e a voracidade.

Uma humanidade civilizada deveria ajudar e proteger esses seres que executam, sofrendo, tão árduo trabalho. Deveria pelo menos deixá-los em paz ao invés de ocupar-se deles, apenas, quando há um fruto a ser expremido em favor do próprio egoísmo pessoal ou de grupo. Assim, devem realizar a descoberto, no meio da estrada, seu trabalho pacífico para o bem de todos. Se para eles, porém, existe a ajuda dos homens, existe o auxílio de Deus. Se com tanto esforço subiram a planos superiores, algo se movimentou em cima, outras forças e defesas se puseram em movimento, descendo em forma de divina providência, parecendo um prodígio. Apesar de tudo, são também ajudados, pois representam um valor biológico importante, para que as leis da vida intervenham a fim de salvá-los. Fazendo parte da Lei de Deus, movem-se para defender e salvar os inermes, que o mundo não compreendeu. Mesmo se ninguém lhes compreendeu o valor, não são apenas os artífices de palavras, mas constituem para a vida a germinação do futuro, os tentáculos estendidos em direção aos planos superiores de evolução, antecipando-a para depois conquistá-la; representam o dinamismo criador do novo, o motor que dirige o comboio na ascensão, enquanto este segue, constituído pelas massas inertes e imitadoras.

Nesses trágicos momentos permanecemos apenas nas mãos de Deus, que restauram lentamente o sistema nervoso, quase destruído pela alta tensão. Do mundo, nada chega: tudo vem de Deus. Descem do Alto forças boas e poderosas, estreitando-o para reintegrar na plenitude de suas forças, o cérebro cansado, a fim de que amanhã possa retomar o seu trabalho de instrumento, de forma mais amadurecida e mais alta.

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Assim se vai lentamente subindo o caminho do regresso. Trata-se de um fenômeno de amadurecimento biológico, de antecipação evolutiva, de exploração do supranormal, a fim de poder-se definitivamente apoderar-se dele, transformando-o em normal.

Antes de terminar o estudo que estamos fazendo, observemo-lo sob outros pontos de vista, ligando-o a todo o processo da queda e da subida. Com a desobediência dos elementos rebeldes, veio a faltar-lhes a força de coesão que no Sistema os mantinha unidos. Faltando a coesão, o edifício desmoronou prontamente, a união pulverizou-se no separatismo e, como se tivesse adoecido, mudou a natureza dos elementos decaídos. Chegados ao fundo do caminho da descida, no Anti-Sistema, tiveram de aprender à força, a lei que não quiseram aceitar livremente, por amor, na obediência; tiveram que aprendê-la à própria custa, por meio do longo caminho da evolução, errando e corrigindo com a dor e o erro, e assim aprendendo penosamente a não errar mais.

Chegado ao fundo, relativo a cada um, como já dissemos, o ser decaído recomeçou a subida. Observemos os seus movimentos, que interessam ao caso ora estudado. Para compreender melhor os pormenores que nos interessam, imaginemos esta viagem de regresso como uma viagem da lua à Terra. Esta representa o sistema que, com maior poder de atração, dirige e domina a lua, que representa o Anti-Sistema, movendo-se no campo gravitacional da Terra ou Sistema. Mas também a lua tem o seu poder de atração, dirigindo e dominando tudo o que lhe está próximo e penetra em seu campo. Os campos gravitacionais da lua e da Terra podem representar para nós os do Anti-Sistema e do Sistema. Assim, o primeiro domina, como centro de atração, os planos inferiores de evolução, que lhe são próximos e gravitam em sua direção, enquanto, o Sistema domina, como centro de atração e gravitação os planos superiores da evolução.

Que acontece, então, nessa viagem de regresso da lua à Terra ou do Anti-Sistema ao Sistema? O poder da Terra ou Sistema chega até mesmo à superfície da lua, que representa o fundo do Anti-Sistema ou plano ínfimo de evolução, o ponto de chegada da queda. Nesse ponto, a atração do Sistema para o retorno a Deus é mínima, enquanto é máximo o poder de atração para o Anti-Sistema, ou seja, é mínimo o impulso evolutivo e máximo o involutivo. Mas, por menor que seja, o primeiro consegue determinar um primeiro movimento ascensional evolutivo, vencido, todavia, por uma queda involutiva, em vista da proximidade da Anti-Sistema, pois tudo ocorre no campo de seu domínio. Mas a atração do Sistema não se apagou e continua a agir tenazmente, de modo que, logo após o impulso negativo do Anti-Sistema haver vencido, funcionado e ter-se esgotado, o impulso positivo do Sistema retoma o predomínio. Mas se, devido à maior massa de onde deriva, este impulso positivo do Sistema é mais forte, torna-se mais fraco na superfície da lua ou fundo do Anti-Sistema, por causa da distância; ao passo que nesse ponto o impulso negativo do Anti-Sistema, por ser mais próximo, é mais forte, apesar da massa menor de onde deriva. Por isso, os primeiros movimentos evolutivos são fraquíssimos. De início, são possíveis apenas movimentos ascensionais mínimos, no fundo do Anti-Sistema. Mas a atração, por parte do Sistema, jamais cessa de agir; embora longínqua e fraca, é constante.

Eis os dois impulsos opostos frente a frente, em luta e são diferentes: um é força de tipo Anti-Sistema (física), outro é força de tipo Sistema (espiritual). A evolução transforma uma na outra, entrando cada um em ação logo que o outro se esgote. O caminho ascensional da evolução assume, desse modo, a forma de uma onda. Observemo-la, para ver os movimentos que o ser executa em seu caminho evolutivo de regresso. Devido o poder diferente dos dois centros de atração e as distâncias diferentes entre si, em que os elementos em ascensão se vão sucessivamente encontrando. E esta onda será constituída por uma oscilação, mudando continuamente de forma, ao longo da subida. Na luta ente os dois impulsos contrários, o vencedor, para quem a vitória está garantida desde o princípio, é o mais poderoso, que provém do centro maior. O triunfo final, portanto, cabe ao Sistema; e se assim não fosse, a evolução seria tentativa inútil e não estaríamos a estudá-la, porque teria abortado de há muito. A cada um desses movimentos oscilatórios, se revela sempre mais clara a verdadeira natureza e o poder dos dois centros e seus impulsos.

Observemos, as formas que a onda irá assumindo, de acordo com a qual se vai desenrolando o caminho do ser em sua viagem de regresso. Devido a estrutura do sistema de forças, mesmo que fossem mínimos os primeiros movimentos ascensionais, é evidente que a cada um se atingiria um ponto mais próximo do Sistema e mais longe do Anti-Sistema. Desse modo alcança-se um fortalecimento contínuo do impulso de atração para o Sistema, e um enfraquecimento contínuo do oposto. Há mais, todavia. Se a atração age em razão direta das massas e em razão inversa do quadrado das distâncias, a sua potência aumentará também pelo fato de, a cada movimento ascensional, chegar-se mais próximo da massa atraente. Esse aumento na potência de atração se verificará tanto mais rapidamente, quanto maior for a massa do Sistema relativa a do Anti-Sistema. Teremos, dessa maneira, uma aceleração constante ascensional, devido não apenas à massa maior do Sistema, como também à progressiva aproximação do elemento.

No momento em que se esgotou o ímpeto da queda, ao atingir a plenitude de sua realização no fundo do Anti-Sistema, bastava que nesse momento o poder de tração do Sistema começasse apenas a funcionar (e podia fazê-lo, pois este representava uma força maior, embora mais afastada), para que se verificasse o primeiro aceno de um movimento ascensional em sua direção; e o movimento ondulatório ter-se-ia iniciado com as características estudadas, que tenderiam sempre mais a acentuar-se. E, assim, de fato, a onda ascensional tomou a forma de oscilação; cada vez mais desenvolveu-se em altura, ao longo da estrada, diminuiu na parte inferior. Essa diminuição inferior exprime o progressivo enfraquecimento do poder de atração do Anti-Sistema (mundo físico), e o progressivo fortalecimento do poder de atração do Sistema (mundo espiritual). Esta a razão pela qual a evolução significa espiritualização.

Devido às forças em jogo, forma-se, automaticamente, um tipo de onda, cuja oscilação constitui uma contínua aceleração ascensional. Na verdade, esgotado todo o ímpeto da queda, do fundo da involução, começou a funcionar a atração do Sistema, produzindo o primeiro movimento mínimo ascensional. Esgotado este impulso, a atração do Sistema retomou a supremacia, produzindo um regresso, e assim por diante. Mas, cada oscilação de subida correspondia uma potencialização da atração positiva por causa da aproximação do Sistema, e um enfraquecimento da atração negativa por causa do afastamento do Anti-Sistema. O resultado de cada oscilação é a curva inferior da onda se afastar cada vez mais do Anti-Sistema, e o vértice superior se aproximar cada vez mais do Sistema. Segue-se que a cada oscilação, a subida da evolução ganha em dois sentidos: primeiro, porque a extremidade inferior da onda se apresenta cada vez mais alta e afastada do Anti-Sistema; segundo, porque a extremidade superior, está cada vez mais alta e próxima do Sistema.

Ora, a transformação da onda, nesse sentido, tende a acentuar sempre mais, quanto mais progride em direção ao alto. Tornando-se cada vez mais poderosa a atração positiva (porque a massa do Sistema é maior e a onda se aproxima sempre mais), e sempre mais fraca a atração negativa (porque a massa do Anti-Sistema é menor e a onda se afasta cada vez mais), a onda tende a alongar-se sempre mais para cima e a encurtar para baixo. Chegará dessa maneira ao ponto em que o seu trajeto ascensional prevalecerá totalmente, reabsorvendo o de descida, que será assim completamente eliminado. Então, nos planos supremos da evolução, desaparecerá a onda numa reta, lançada como uma flecha em direção ao Sistema.

De tudo isso se compreende ser a evolução tanto mais lenta e penosa quanto mais se está em baixo, e tanto mais rápida e feliz quanto mais alto se encontra. O homem se acha no meio do caminho. Se a onda, para ele, pode ser constituída, hoje, de três medidas para frente e duas para trás, para os seres mais evoluídos, ou para o homem de amanhã, poderá ser constituída de quatro medidas para cima e uma para baixo, até que a descida esteja relativamente anulada em relação à subida. O homem poder-se-ia dizer, hoje, ainda retrocede para o Anti-Sistema dois passos, cada três que ganha em direção ao Sistema. Quanto mais se evolui, tanto mais se espiritualiza o ser, tornando-se mais poderosa a atração para Deus, enquanto tende a desaparecer a atração oposta da animalidade inferior.

Ao expor tudo isto, buscamos explicar cada vez melhor o fenômeno da evolução, mas especialmente fazer compreender o nosso caso, que só se pode entender em função dela e do que dissemos até aqui. Escrever um destes volumes representa o período ascensional de uma onda de evolução. Colocados sob o poder da atração do Sistema, sobe-se até o vértice máximo suportável, estabelecido por todos os desenvolvimentos atingidos nas oscilações precedentes, às quais se acrescenta um pequeno trecho à frente. Terminado o trabalho, cessado o esforço, a onda torna a descer involutivamente; o espírito, nesse momento, perde o poder intuitivo e vai permanecer cansado, abatido no vale da onda, em sua veste corpórea. Mais exatamente, não se exauriu o poder de atração do Sistema, mas, é o indivíduo que se cansa, porque esgota a energia necessária para manter-se em alta tensão, a fim de poder corresponder àquela atração.

Ocorre, então, o colapso nervoso, que representa, todavia, um repouso natural e necessário, porque, depois, o espírito se acha pronto para reerguer-se em novo salto ascensional, ou seja, para percorrer o trajeto de outra oscilação, atingindo então um vértice mais alto. Enquanto antes, na descida, era o Anti-Sistema que procurava reviver, agora é o Sistema que retoma a supremacia, de forma cada vez mais decidida e elevada, ou seja, para escrever um livro ainda mais avançado, com mais profundo amadurecimento do espírito. Assim se desenrolam, sucessivamente, os períodos ascensionais, atingindo uma produção cada vez mais elevada, proporcional ao progresso espiritual. Um passo após o outro, vão subindo os degraus do conhecimento e da evolução. Experimentalmente, os impulsos do Anti-Sistema .Que procurava reviver, agora é o Sistema que retoma a supremacia, de forma cada vez mais decidida e elevada, para escrever um livro ainda mais avançado, com mais profundo amadurecimento do espírito. Assim desenrolam-se sucessivamente os períodos ascensionais, que atingem uma produção cada vez mais elevada, proporcional ao progresso espiritual, subindo um passo após o outro os degraus do conhecimento e da evolução. Experimentalmente, os impulsos do Anti-Sistema são pouco a pouco demolidos e reabsorvidos pelos do Sistema.

O produto útil deste esforço ascensional aparece, externamente, nos volumes escritos e permanece depositado, internamente, no tesouro dos valores pessoais, onde o indivíduo os achará sempre, como seu patrimônio inalienável. Mas os colapsos da descida, embora sempre menores, não são revelados, e o indivíduo os suporta sozinho. Serão uma doença? A medicina oficial, desconhecendo esses complexos fenômenos que explicamos, considera-o como um estado patológico. Já tocamos neste ponto no Cap. XVI, “Reconstrução orgânica do Sistema e desenvolvimento da consciência”. Trata-se de crises naturais de desenvolvimento, a que estão sujeitos os que possuem a chamada doença da evolução. Distúrbios raros, porque poucos sofrem dessa doença. A maior parte vegeta estacionária em seu nível, onde se acha proporcionada a tudo, não possuindo esses ímpetos para o alto, nem se propondo a suportar os respectivos sofrimentos e perigos. Está constantemente bem plantada em seu plano biológico, sem oscilar, considerando como louco utopista quem se arrisca a sair daí. No entanto é por esse meio, custe o que custar, que se dá a ascensão, enquanto, do outro modo, a vida permanece segura e cômoda, mas sem sentido nem objetivo. Aos que ascendem cabe o tormento do esforço e o terror do inexplorado, mas também a alegria da criação e a vitória da descoberta. Aos outros restam as satisfações inferiores e ilusórias, que só deixam à alma um sentido desolador de vazio.

Preferimos estar doentes com esta atormentadíssima enfermidade da evolução e seus colapsos dolorosos. Preferimos pertencer à classe dos que, lutando e sofrendo, melhoram a si mesmos e constroem um mundo melhor, do que à classe dos que passam por felizes e afortunados, mas, carregados de pesos, poderes e riquezas, perdem tempo e fazem que os outros também percam. Bendigamos, pois, estas crises, porque são de evolução e crescimento. Se o organismo não atravessasse esses desmoronamentos de potencial nervoso, como poderia depois retomar o impulso para novas e sempre mais altas ascensões? De onde nasceriam e como poderiam nascer, de outro modo, esses períodos tão intensamente construtivos? Essas horas de abatimento são o preço com que se paga o próprio progresso. Elas exprimem e provam verdadeiramente, nos fatos, a existência do período de descida da onda evolutiva que ilustramos acima. Confirmando o que dissemos no capítulo citado, verificamos que não se trata de casos patológicos, mas de um fenômeno natural, uma oscilação necessária para reações criadoras sempre mais altas. Só quem oscila poderá também subir, e não quem permanece estacionário no pântano de uma inteligência média, incapaz de ir além das pequenas coisas desse mundo. Só quem oscila, precipitando-se na dor para reerguer-se na alegria, vai cada vez mais encurtando o período de regresso da onda, a favor do período oposto de progresso. Assim, para este, sempre mais se encurta o retrocesso, enquanto sempre mais se alonga o avanço, cada vez mais se aproximando do ponto em que a onda, à força de subir, terá demolido o período de descida que a levava em direção ao Anti-Sistema e se terá transformado numa reta apontada como uma flecha, em direção ao Sistema, para precipitar-se nele, voltando finalmente para os braços de Deus.

 

 

Completada a segunda representação mental do fenômeno da queda, observemo-la, agora, por meio de uma imagem mais apta a fazer ressaltar seus outros aspectos, que não puderam ser explicados pelas duas primeiras.

Se analisada com maior atenção, a segunda representação que acabamos de expor não corresponde, perfeitamente, à realidade, visto que tivemos de imaginar o Sistema fechado nos limites de uma superfície esférica, ou mesmo na projeção plana desta, como circunferência de círculo. Ora, trata-se, na realidade, de um infinito, ao qual não é aplicável o conceito de limite nem a representação de uma figura geométrica limitada. Entretanto, tivemos de recorrer a essa imagem fechada, porque, embora o conceito de esfera ou círculo ilimitados não seja representável por uma figura geométrica, tínhamos necessidade dela para fixar as idéias do melhor modo possível. Se não imaginasse o Sistema fechado dentro de uma superfície esférica, não se teria compreendido o conceito de uma saída dessa esfera, se esta fosse ilimitada, estendendo-se ao infinito. Nem teria sido possível imaginar a formação de uma segunda esfera, do Anti-Sistema, em redor da esfera do Sistema. Assim, tivemos de contentar-nos com representações relativas, já que não é possível encontrar em nosso relativo, uma representação que possa conter e mostrar-nos a realidade do fenômeno.

Outros aspectos do fenômeno poderão ser observados, por meio de uma terceira imagem, que nos permita focalizar melhor a nossa visão. Quanto mais olharmos em profundidade, mais verificamos não ser exata a idéia de esfera. Se o Sistema é o Todo, não se pode imaginar uma superfície que o delimite. Não pode constituir uma propriedade do infinito, estar fechado dentro de fronteiras, que lhe permitam ter uma parte interna e outra externa. Então, não é possível imaginar a queda como uma projeção dos elementos rebeldes fora do Sistema, para formar outra zona externa a ele, o Anti-Sistema. Temos então de encontrar outra forma para representar com maior exatidão e verdade, esse fenômeno. Não podendo os elementos rebeldes existir além e fora do infinito, nem podendo pensar-se numa sua saída, devemos imaginar a queda numa forma que se tenha realizado com todos permanecendo dentro do Sistema.

De acordo com esta representação do fenômeno da queda, os espíritos rebeldes não foram lançados fora, mas permaneceram no Sistema. Então em que consistiu e como ocorreu a queda? Procuremos compreender imaginando o fenômeno da queda da seguinte forma: com a criação dos espíritos, formaram-se, na substância homogênea, muitos núcleos de pensamentos, constituídos por vibrações, cada uma de seu tipo. Disso nasceu o novo estado diferenciado, formado pelas individuações dos vários “eu”. Ora, muitos pensaram conforme a Lei, assim permanecendo em seu seio, porque constituídos de pura vibração de pensamento. A Lei representava o pensamento de Deus que tudo dirigia e regia; permaneceram na ordem do Sistema os espíritos que continuaram a existir em uníssono com esse pensamento. Mas outros espíritos, ao contrário, pensaram contra a Lei. E porque constituídos de pensamento, acharam-se fora Dela. Desse modo, caíram fora da ordem, na desordem, os espíritos que não quiseram viver sintonizados harmonicamente com o pensamento de Deus, representado pela Lei. Isolaram-se, por isso, num funcionamento próprio antagônico ao do todo.

Esta é uma nova forma de representação do fenômeno da queda que, agora, em termos de imaginação espacial, dir-se-ia: os espíritos foram expulsos. Mas esta é relativa à nossa forma mental e vale apenas para o seu uso. Na realidade, não havia espaço, e, portanto, não podia haver afastamentos espaciais, nem haver saída do Todo. Por isto, os espíritos rebeldes permaneceram no Todo, como estavam antes. Não obstante, surgiria uma diferença, que até agora foi expressa com a idéia de afastamento espacial, isto é, os espíritos que permaneceram obedientes, continuaram a existir na Lei, porque estavam de acordo com Ela, enquanto os desobedientes, tendo-se colocado contra a Lei, de acordo com a sua própria vontade, se acharam fora Dela.

É esse o sentido de afastamento. Os espíritos rebeldes não foram expulsos e isolados por um afastamento parcial, mas por seu comportamento. Se quisermos dar, uma representação concreta do fenômeno, podemos imaginar o Sistemaconstituído de muitas bolas brancas, tendo algumas, no momento da revolta, se transformado em bolas pretas, as quais, mesmo ficando ao lado das bolas brancas, passaram a constituir o Anti-Sistema. As posições permaneceram sem nenhuma mudança. Mudou apenas a qualidade dos elementos constituintes, porque a revolta produziu uma transformação íntima em sua natureza. O Anti-Sistema permaneceu no Sistema, diferenciando-se por ser constituído por elementos de natureza diferente, bem longe, substancialmente, e impossibilitados de se misturarem. Então, mesmo permanecendo tudo no Sistema, as bolas brancas constituíram a parte sã do organismo; e as bolas pretas constituíram a parte doente, chamada Anti-Sistema. Ao invés de bolas brancas e pretas, poder-se-ia chamar esferas rolantes em sentido positivo, e esferas rolantes em sentido inverso, isto é, em sentido negativo. Ou também chamá-las esferas com carga eletro-positiva, que se fundiram num circuito, constituindo o Sistema, e esferas com carga eletro-negativa, que se fundiram num circuito oposto, passando a ser o Anti-Sistema. Pode-se ainda dizer que as células sãs do organismo do Todo, permaneceram funcionando coordenadamente para a saúde deste, enquanto as outras células adoeceram, permanecendo no organismo do Todo, mas funcionando desordenadamente.

Enquanto expomos estas novas formas de representação do fenômeno, observemos de quantas maneiras diferentes pode se expresso, mesmo tendo em conta que nenhuma é suficiente para exprimi-lo por completo. Paralelamente, podemos representar de muitos modos diferentes o fenômeno da evolução. Por exemplo, como um regresso, uma subida, ou um fenômeno de reabsorção no Sistema; como um voltar a pensar, funcionar e existir segundo a Lei, após haver feito o contrário; como uma cura da natureza corrompida dos elementos; como um endireitar da própria posição invertida; como a direção do próprio movimento rotativo, invertendo a carga eletro-negativa do Anti-Sistema, na carga eletro-positiva do Sistema etc. A exemplificação poderia continuar. Mas, o conceito conclusivo e focalizado agora, é que os modos pelos quais podemos representar em nosso relativo o fenômeno da criação, da revolta e da queda, ocorridos nas dimensões do absoluto, situadas fora de nosso concebível, são infinitos. Escolhemos apenas alguns modos, pouquíssimos, deixando a fantasia do leitor imaginar todos os que ainda achar úteis.

Todavia, se tantas podem ser as nossas observações no relativo, com as quais procuramos ver representado o fenômeno, este, na realidade, teve e tem caracteres e comportamento bem definidos, que uma observação mais atenta vai sempre representando melhor. A queda não se verificou ao acaso, por si mesma. A Lei, ou seja, o pensamento de Deus, previra-lhe a possibilidade; prova-o o fato de haver determinado o seu decurso e suas conseqüências, mesmo antes da sua ocorrência. Sem dúvida, devia haver na Lei, princípios que, mais tarde, ao se verificar a queda, teriam regulado a descida involutiva e, também, a posterior subida evolutiva, como no-lo demonstra o seu evidente telefinalismo.

Em todo o fenômeno verificamos uma maravilhosa correspondência entre as partes, um desenrolar de equilíbrios, um contrapor de opostos que se compensam; há uma previdência, uma sabedoria e uma harmonia jamais desmentidas, que tanto mais se revelam, quanto mais aprofundamos a nossa observação, descendo aos pormenores. Por isso, o fenômeno da queda assume cada vez mais características de um incidente, necessariamente deixado à liberdade da criatura, porque essa liberdade devia também necessariamente existir, a fim de satisfazer a outras necessidades do plano. Tudo, portanto, estava sujeito a normas precisas, previsto e correspondente às exigências impostas pela lógica desse plano.

Pode então, dizer-se que a desordem da queda ocorreu ordenadamente, ou seja, sempre contida dentro dos limites estabelecidos pela Lei, que permaneceu sempre senhora do fenômeno. Este jamais se lhe escapou das mãos, tendo sempre permanecido submisso sob o seu controle. Os que vêem na queda uma imperfeição inadmissível na perfeição do Sistema, não compreenderam tratar-se de uma imperfeição contida no âmbito da perfeição, regulada e dominada por esta. E isto é lógico. Não é admissível que, após o plano perfeito, pensado por Deus, algo lhe pudesse escapar ao domínio e controle. Portanto, também a revolta e a queda não podiam sair do âmbito da Lei, que representa a presença de Deus no Sistema e o princípio regulador de todo o existente, em qualquer momento e sob qualquer forma. Era necessidade fundamental e lógica, que a Lei tudo abarcasse e fosse impossível escapar-lhe algo, pois isto constituiria uma perda de poder e de controle do Criador sobre a obra criada, representando Sua derrota e falência. Essa mesma necessidade lógica nos obriga a admitir a possibilidade de uma queda prevista com antecedência, no caso de a criatura querer o não praticá-la. Era de sua competência, sendo-lhe permitido voltar à perfeição, após o erro e suas conseqüências, ao invés de atingi-la com a aceitação. Mas, não estava em seu poder alterar os planos divinos, que tudo haviam previsto e regulado com antecedência. Deus estava no todo e com todas as possibilidades. Tudo está em Deus, e a própria revolta não podia estar senão em Deus, porque nada pode existir além e fora Dele. Portanto, esta também devia estar contida em Seu pensamento fazendo parte de Seus planos, que não podiam deixar de ter organizado tudo com antecipação. Por  isso, devemos reconhecer que até a queda devia desenrolar-se segundo uma lei, como de fato a vemos, representando dessa forma uma desordem ordenada e uma imperfeição perfeita; uma imperfeição tão bem regulada, que nos dá uma das maiores provas de perfeição de Deus.

Após estes argumentos, procuremos alcançar e expor a terceira representação mental do fenômeno da queda, acrescentando maior esclarecimento à pergunta formulada sobre como constituiu e ocorreu a queda. Segundo esta nova imagem do fenômeno, a queda consistiu na contração individual de cada elemento, para dimensões evolutivamente inferiores. Cada um teve a sua queda particular conforme a sua culpa. O período involutivo ter-se-ia iniciado com a revolta de cada um dos elementos rebeldes, com uma transformação interior, permanecendo todos no Sistema, no mesmo ambiente do Tudo-Uno-Deus. Com a revolta individual, o ser ficou à mercê do processo involutivo que o teria transformado, passando a  constituir com todos os rebeldes no fim desse processo de transformação, o Anti-Sistema. Com esta terceira imagem do fenômeno, o conceito, da segunda imagem – expulsão do Sistema ou projeção para fora dele – assume uma outra concepção não mais deslocamentos espaciais, mas mudança na natureza do elemento.

Então, a expressão da imagem precedente, que dizia: os mais altos caíram, proporcionalmente, mais embaixo; ou os mais centrais no Sistema foram arremessados mais longe no Anti-Sistema; pode, agora, ser traduzida dessa maneira: os maiores tornaram-se presos de um processo íntimo de transformação, que os levou a um estado de mais profunda contração de dimensões. O processo de expulsão do Sistema teria sido constituído, então, não de afastamentos espaciais, mas qualitativos; ou seja, teria consistido num regresso involutivo, mais tarde corrigido por um progresso evolutivo, de endireitamento daquele processo. Além disso, essa transformação teria ocorrido ao longo da linha dada pelo tipo, segundo o qual, cada ser foi criado, ou seja, ter-se-ia verificado para cada indivíduo, nos termos específicos próprios, segundo sua natureza, seguindo um canal involutivo-evolutivo próprio de cada um, descendo involutivamente até o ponto situado no Anti-Sistema, nas antípodas da posição antes ocupada no Sistema, para, em seguida, subir em sentido oposto pelo canal, até o ponto de partida. Assim, o ciclo involutivo-evolutivo da queda é constituído por um movimento destrutivo-reconstrutivo, dado por um íntimo transformismo, que muda a constituição do ser, primeiro ao longo de uma fase de aprofundamento involutivo, e depois numa segunda fase de emersão evolutiva.

Desse modo, tudo permanecendo no Sistema, a parte rebelde teria caído no próprio desfazimento interior, sem perturbar, com a própria alteração patológica, a parte sã do Sistema; esta continuou a viver inalterada na ordem em perfeita saúde. Isto nos faz pensar que a Lei tivesse ao seu dispor freios automáticos à dilatação epidêmica da desordem. O freio automático foi a impossibilidade de cair na escala involutiva além do ponto determinado pelo impulso que era proporcionado à altura ocupada pelo ser no Sistema. Aconteceu exatamente segundo o modelo repetido em nosso organismo, quando aparece um estado patológico, no qual a natureza procura imediatamente isolar e circunscrever o mal, a fim de impedir a sua difusão e melhor combatê-lo.

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Procuremos precisar com maior exatidão os conceitos da visão. Dissemos tratar-se de uma contração, regresso involutivo, transformismo íntimo, desfazimento interior, tentando, com estas diversas expressões dar uma representação ao fenômeno. Mas serão exatas e dirão tudo? Não haverá, talvez, um conceito mais profundo, além destas primeiras aproximações? A cada passo à frente e maior ajustamento, percebemos estar por aparecer uma realidade mais consentânea, pronta e revelar-se tão logo se queira observar a visão com maior profundidade. Então, que outros conceitos podem se esconder por trás das primeiras representações do fenômeno? Observemos, mais atentamente.

Dissemos, há pouco, que a realização da queda não foi abandonada ao acaso, mas tendo ocorrido segundo uma Lei, pela qual, cada movimento, mesmo deixado à liberdade do ser como possibilidade de ocorrer ou não, tinha sido previsto e enquadrado numa disciplina, unicamente segundo a qual podia desenvolver-se. Então, como se realizou exatamente o fenômeno, que simplesmente exprimimos com as palavras: contração, transformação, desfazimento? Qual a realidade escondida atrás dos seus significados?

A evolução da-nos um sentido de expansão, de superação de limites, de emersão do baixo para o alto, de libertação da prisão. O fenômeno da involução apresenta-se-nos com características opostas. Aparece-nos como um processo de contração, e a evolução, ao contrário, como de expansão, levando-nos a pensar que na estrutura do espírito, no estado puro em que fora criado, quando tudo tinha sido previsto, deviam existir as posições, através das quais se teriam podido operar as transformações, que constituem o processo involutivo e evolutivo. Em outros termos, na estrutura dos espíritos criados devia existir, no estado latente ou embrional como de sementes, as posições que depois apareceram no período evolutivo, ou seja, de energia e matéria. Sem esta preexistência, não se sabe donde possa haver derivado esse modelo, mais tarde seguido, na queda e na subida; preexistência, no entanto, puramente potencial, como possibilidade pronta a realizar-se, logo que uma revolta tivesse acontecido, através de um primeiro impulso, tal como ocorre, com a centelha, que acende uma dinamite já pronta, mas pode permanecer indefinidamente inerte, se a centelha não ocorre.

Deduzimos, então, que a Lei, ao prever a possibilidade de uma revolta tinha também previsto com antecedência o seu caminho, caso esta viesse a se verificar, colocando os germes do seu desenvolvimento. Havia-lhe traçado todo o percurso. Nada podia escapar à Lei, cuja ordem, sempre soberana, devia controlar essa desordem, produzindo os seus devidos efeitos, para ensinar e salvar, com equilíbrio e justiça, e não para destruir, reconduzindo tudo a Deus, após seu desmoronamento no caos. Sem essa previsão, não se explica como os fenômenos da involução e da evolução tenham resultado, tão proporcionados, equilibrados e orientados em seu desenvolvimento; regulados conforme uma exata e recíproca compensação de opostos. O desmoronamento ocorreu e a recuperação é feita precisamente de acordo com uma Lei, da mesma forma como ocorre, segundo uma lei, num organismo vivo a doença e a cura. A Lei de Deus não podia ausentar-se, desaparecer, permanecer estranha, num fenômeno de tal importância, sem tomar-lhe conta. Não podia, também ter sido deixado, pela vontade de Deus, à vontade de alguns elementos rebeldes, tanto poder de forma a conseguir modificar a Lei. Esta não podia abdicar de suas funções diretoras, nem deixar de permanecer viva, presente e ativa, mesmo na queda. Por isso a faz chegar até o ponto devido, e não além, com equilíbrio e justiça, e a faz voltar atrás, enfeixada em normas, através de vários planos de existência, orientada segundo um telefinalismo preciso, como de fato vemos existir. Só assim podemos explicar a razão de nosso universo ter tomado a forma atual, o seu significado e donde se derivou o seu modelo. Só assim podemos compreender como tenha sido possível tanta e tal perfeição, na imperfeição.

Mas voltemos a observar a visão. Seria o modelo estrutural do espírito, que permitiria, no caso de revolta, à involução, antes, e depois à evolução, pudesse assumir a forma única, como de fato assumiu? Já dissemos que os espíritos possuíam não uma imperfeição absoluta, como a de Deus, mas subordinada e relativa à sua posição, nos vários círculos e suas funções no organismo do Sistema. Caíram, então, na imperfeição e, portanto, na possibilidade de errar e desmoronar, logo que saíram do âmbito daquela posição e função, nas quais constituía a sua perfeição. Ora, a queda, conforme esta terceira imagem adotada, foi constituída por um processo de introversão, que chamamos contração, significando que o centro vital dos espíritos rebeldes se deslocou para o interior de si mesmos. Com outras palavras, passaram a existir como vibração vital em outros planos de existência cujo despertar interior, lhes fora uma possibilidade prevista pela Lei, em caso de rebelião. Deflagrada a centelha, realizou-se a possibilidade e a existência dos rebeldes se deslocar a planos inferiores de existência. Esse foi o resultado e o significado do deslocamento do “eu” para o interior, causas e efeitos do fenômeno de contração. Justamente, como reação lógica de ricochete, que corrigiria o exagerado impulso expansionista da criatura, do querer ultrapassar os limites assinalados. Contração proporcional ao impulso da revolta de cada criatura, de acordo com sua posição e potência, para planos inferiores de vida, interiores a eles, para os quais, por lei de equilíbrio, foram arremessados os seres que tinham querido expandir-se demais para planos superiores de vida, exteriores a eles, situados além dos limites estabelecidos pela Lei.

Mas perguntamos ainda: porque esse deslocamento para o interior produziu a involução? A imagem mental, agora formulada representando o fenômeno, consiste em pensar que o desmoronamento não tenha ocorrido como no primeiro caso, no qual a queda foi imaginada como uma descida espacial, do alto para baixo; nem ocorreu como no segundo caso, em que a queda foi concebida como uma emigração de uma segunda esfera, projetada à periferia da primeira esfera do Sistema; mas que o desmoronamento tenha consistido numa contração individual de cada elemento, nas medidas estudadas por meio da segunda imagem, ou seja, proporcionalmente ao impulso determinado pela posição ocupada pelo ser no Sistema, conforme o seu círculo e poder. Enquanto na segunda imagem isto era visto em posição invertida, passando do Sistema ao Anti-Sistema, por esta terceira imagem esse emborcamento não se dá mediante projeção para fora do Sistema, mas retrocedendo para o interior de cada um, por contração.

Como já verificamos essas posições do ser e modos de existir da substância, não puderam nascer por acaso. Nada podia aparecer que não tivesse antes pensado por Deus, ao formular o seu primeiro plano, no primeiro aspecto da Trindade. E essas posições do ser, em que lugar do Sistema podiam estar situadas, senão nos elementos que constituíam todo o Sistema? É lógico imaginar, então, que essas qualidades residiam no seu interior, prontas a desenvolver-se apenas no caso de alguma desordem viesse perturbar o equilíbrio, movimentando os impulsos da desordem. Assim, nos espíritos que permaneceram disciplinados na Lei, não o provocando, nenhum impulso foi determinado, que excitasse esse deslocamento. O micróbrio da doença, não achando ambiente propício, não podia desenvolver-se. O impulso de inversão, dado pela revolta, o querer erigir-se na posição de Anti-Sistema dentro do Sistema, removeu os diques da ordem que mantinham presa a desordem, e dessa forma se romperam, provocando a queda. Tudo estava pronto. Foi como se Deus houvesse dado, nas mãos do ser, um revólver carregado, dizendo-lhe: não apertes o gatilho, porque explode. Certamente nem Deus falava nem os espíritos ouviam, como acabamos de imaginar, porque isto ocorre em nosso mundo. Mas o conceito estava contido no pensamento de Deus, vibrando sempre presente na Lei e eram percebidos pelos espíritos, imersos nessa atmosfera de pensamento. Continuando com a imagem do revólver, para os espíritos obedientes que não tocaram no gatilho, não houve detonação e a arma carregada não produziu dano algum. Mas explodiu para os espíritos que a quiseram manejar, pensando com isso, aumentar o seu poder, ultrapassando o limite da obediência. Assim, se produziu aquela contração que chamamos involução.

De acordo com essa terceira representação do fenômeno, essas posições, que revelam outras possibilidades de existência, situadas potencialmente no interior dos seres, eram as de energia e matéria. Nesta imagem, a revolta teria projetado o centro vital do ser de sua posição de espírito, para a posição de energia, e por fim para a matéria. Quanto mais poderoso o espírito e elevada sua posição no Sistema, mais potente o impulso da revolta gerado por ele, e tanto maior teria sido o efeito desta, como contração, ou seja, mais profundamente teria sido projetado o espírito no estado de matéria; mais densa teria sido a casca de matéria em que teria ficado preso. Acreditamos ter conseguido traduzir, nos termos desta terceira representação mental do fenômeno da queda, o conceito utilizado na segunda imagem desse fenômeno, na qual o ser foi projetado em posição invertida, fora do Sistema, no Anti-Sistema.

Dissemos “aprisionado em uma casca”, porque o emborcamento colocou o ser numa posição invertida, como é de fato a sua atual, no Anti-Sistema. Por esta inversão, não só tudo o que era positivo no Sistema devia transmutar-se em negativo no Anti-Sistema, como também o que era interior devia tornar-se exterior, e vice-versa. Assim, se explicaria por que e como, no homem, o espírito é íntimo no corpo, como o princípio espiritual é íntimo na forma e rege em todas as coisas. Isto faz pensar que, no espírito, existiria a possibilidade de um estado feito de matéria, como forma íntima no estado potencial, e que o existir na forma de espírito se tenha emborcado na posição inversa, não mais em poder mas em realização, posição material, que constitui a forma de existência de nosso atual universo. Com outras palavras, ter-se-ia passado (e nisto consistia a inversão) do estado no qual o espírito aprisionava e dominava como dono da matéria, nele jazendo fechada e adormecida em estado latente, como de não-existência, ao estado em que a matéria aprisionou e dominou, como dona, o espírito, nela permanecendo fechado e adormecido em estado latente, mais ou menos reduzido à inconsciência. Explica-se assim o estado atual, em que a matéria, outrora aprisionada e dominada, veio a aprisionar e dominar. Exprimindo-nos em termos espaciais, se a imagem não fosse por demais concreta, poder-se-ia dizer que o de dentro passou para fora, vindo a constituir (involução) a casa da forma física; e que o de fora passou para dentro, pelo que o espírito permaneceu aprisionado naquela forma de matéria. Pode compreender-se, então, porque a evolução consiste no processo contrário, pelo qual o espírito adormecido deve despertar, o prisioneiro da matéria deve libertar-se da forma, e o espírito por ela dominado deve voltar a dominar. Se, com a queda, passou a ficar fechado dentro da matéria, agora, no regresso, deve sair de dentro para fora, na plenitude de sua vida.

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Aceitamos a terceira representação mental do fenômeno, por nos parecer a mais apta a revelar-nos, com maiores relevos, alguns de seus aspectos, mesmo reconhecendo que não possa dizer-nos tudo. Pela mesma razão, aceitamos as outras duas representações, porque aptas a fazer ressaltar outros aspectos do processo. Cada uma revela-nos um ponto. O absoluto, para nós situados no relativo, é inesgotável e jamais terminaremos de percorrê-lo. Observamos várias representações e poderíamos continuar ao infinito, focalizando sucessivamente pormenores diferentes. As imagens examinadas, completam-se, na mais global visão possível, mas compreende-se que se trata apenas de expressões e pontos de vista diversos da própria visão que, em suas linhas fundamentais, permanece invariável. Em alguns casos, o mesmo conceito aparece em outra representação, traduzido em outras imagens. No relativo, a mesma coisa pode exprimir-se em muitas maneiras diferentes.

Por exemplo, esta última imagem, do aprisionamento numa casca, por emborcamento do externo no interno, e vice-versa pode ser expressa com outros conceitos que, suprimindo a idéia espacial de “dentro” e ”fora”,  ou seja, materializando-a menos, se afastam também menos da realidade do fenômeno. Então, à idéia de deslocamento, substitui-se pela de mudanças no estado da substância, constituinte do espírito. Com outras palavras: com a queda, o ser deslocou o seu centro de existência, mudando o seu modo de existir da forma pura de substância, como é o espírito, numa forma menos pura, como é a energia, e daí até à mais corrompida e inquinada, a matéria. Podemos pensar, então, que esses estados interiores do espírito eram apenas as fases previstas de um processo de corrupção progressiva do espírito, que se teriam tornado atuais no caso de uma saída sua do estado de ordem, o que lhe defendia a integridade e a saúde. Em outros termos, nas normas da Lei, teria existido também este princípio, pelo qual, se o espírito tivesse querido sair da disciplina de um regime sadio de vida, teria adoecido, com a doença da involução, levando-o do espírito à energia e à matéria, que seria o curso da doença. De forma que energia e matéria poderiam ser consideradas como estados de progressiva corrupção ou decadência do estado perfeito de espírito, e este seria então o sentido que deveríamos dar à palavra queda.

Poder-se-ia dizer, então, que a substância pode assumir vários estados, entre os quais o seu estado perfeito como espírito, e outros estados tanto mais corrompidos e imperfeitos, quanto mais sua forma se afastar do espírito para a matéria. Com a queda, a substância, que estava no estado puro, ter-se-ia arruinado, para depois tornar a curar-se, ao percorrer o caminho inverso da evolução. O processo de libertação da forma material seria um processo de purificação; o desmaterializar-se em formas de vida cada vez mais espirituais representaria a cura que, em termos religiosos, foi chamada redenção. Este é o sentido desta palavra. A queda reduziu-se a uma grande transformação da primeira substância, o Tudo-Uno-Deus, além do qual nada pode existir. Essa substância permaneceu inalterada nos espíritos obedientes, mas, se corrompeu nos espíritos rebeldes.

Esta idéia de corrupção evita a idéia espacial das várias imagens examinadas e as substitui, completando o conceito de contração e fazendo compreender melhor como seja possível, para o espírito, assumir a forma de existência representada pela matéria. Dessa forma, ao conceito de contração do ser por deslocamento de seu centro de vida, exterior para o interior e ao conceito de que por esse caminho se possa atingir o estado da matéria, substituiu-se pela idéia mais profunda de uma transformação da substância do ser por efeito e um processo de corrupção progressiva, que vai do estado de espírito ao estado de matéria. Assim, ao conceito de um espírito que contenha potencialmente, dentro de si, os estados de energia e matéria, nas quais o espírito se contrai e que, portanto, aflorem com a revolta, substitui-se o conceito pelo qual a energia e a matéria constituem uma corrupção da substância, acarretando doença e decadência para o espírito, por efeito da revolta. Com este último aspecto de nossa terceira representação mental do fenômeno da queda, evita-se totalmente a idéia inexata de deslocamento espacial, que tivemos de aceitar nas primeiras aproximações, ao interpretar o fenômeno.

Para não arrastar ao infinito a argumentação e concluir o livro, devemos terminar por agora a nossa exposição das várias representações mentais, aptas a reduzir, ao nosso concebível, a substância da visão, em pormenores cada vez mais exatos. O nosso caminho poderia continuar, e continuará em outros livros. A pesquisa não tem limites, e ao descobrir novos horizontes, aparece imediatamente outro mais remoto. Grande é a nossa viagem pelos mares inexplorados do conhecimento. Atravessamos um oceano e aparecem novos continentes, nos quais viverá amanhã uma humanidade mais feliz, porque mais inteligente. Orientamos a primeira rota, pela qual poderão orientar-se melhor, mais tarde, os outros navegantes. Possuímos agora, de forma racional e compreensível, os princípios gerais até hoje apenas vagamente afirmados, e não provados, pelas religiões e teologias. Dão-nos as chaves para abrir outras portas do conhecimento, permitindo penetrar em pormenores cada vez maiores, até ao contato com os fenômenos e explicá-los no terreno, próprio da ciência.

Baste-nos, por ora, ter-nos desincumbido da tarefa deste volume, fruto do novo amadurecimento hoje atingida, ou seja, expor a visão de forma mais profunda, além da conseguida no volume Deus e Universo. Subimos, assim, mais um pouco e passamos a compreender o fenômeno da gênese, queda e subida, de que somos filhos; conhecer um pouco mais do que conhecíamos, no fim do volume precedente.

Assim, vamos avançando laboriosamente, e construindo o grande edifício. O nosso pensamento vai cada vez mais se aperfeiçoando por graus, esclarecendo-se sempre mais, analisando, provando o que foi dito desde o princípio, com conceitos que jamais se modificaram, mas foram, cada vez mais se confirmando. Jamais retratamos uma só palavra, por ter sobrevindo um fato que a demonstrasse errada. O trabalho consiste, sobretudo, em demonstrar, com a análise, que são verdadeiras as conclusões ou os totais das operações, colocadas antes da argumentação, quando ainda ignorávamos completamente, em princípio, o desenvolvimento futuro. Mas, a finalidade principal já foi alcançada que é a de mostrar as linhas gerais da Lei que dirige tudo e todos, e contém o pensamento de Deus. Outros, encontrando outras aproximações, poderão, subindo ao longo do relativo, continuar o tremendo trabalho de aproximar-se mais do absoluto, descobrindo-lhe sempre novos aspectos. Nós, segundo os planos preestabelecidos, e ainda todos não conhecidos, continuaremos a realizar nossa tarefa, até que tudo esteja completo.

 

Reunimos neste capítulo várias observações rápidas, feitas durante as conversações discussões. Serão expostas na mesma desordem e vivacidade como nasceram, durante os cursos. A finalidade ao concebê-las e ao reportá-las, foi realizar maior contato entre os conceitos da visão e a realidade de nosso mundo, concluindo dessa forma, esta segunda parte de análise e crítica, com a demonstração cada vez mais evidente, de que aos princípios da teoria correspondem os fatos que vivemos, confirmando-a. Com isso, não só lhe provaremos sempre mais a veracidade, como poderemos chegar a encontrar e estabelecer uma ponte de ligação entre as remotíssimas primeiras causas, situadas no absoluto, e os seus últimos efeitos, situados no relativo de nossa realidade cotidiana.

Guiou-nos neste trabalho de análise e crítica, da segunda parte deste volume, a realidade dos fenômenos de todos os gêneros, materiais e espirituais, que estão acontecendo em nosso mundo e que oferecem o único meio em nosso poder de estabelecer um controle positivo da verdade da visão. Este trabalho de análise e de crítica procurou ser exclusivamente objetivo, racional e científico. Quisemos deixar a palavra aos fatos, mais do que às construções filosóficas do pensamento humano ou às afirmações dogmáticas e tradicionais das religiões. A todas as doutrinas, substituímos a voz dos fatos, que não é possível negar, jamais polemizando para agredir ou destruir, mas sempre respeitando todos e afirmando para construir. O objetivo deste escrito não é, de maneira alguma, o de defender este ou aquele grupo humano, nem de sermos por eles absorvidos, para aumentar-lhes as fileiras, como todos o desejariam; mas é de oferecer a todos uma nova contribuição, inédita, na procura da verdade. Seguindo este caminho, não pode interessar-nos a defesa dos vários grupos humanos e seus interesses.

Eis-nos, portanto, aproximando-nos do fim deste nosso novo trabalho. Se em sua primeira parte mostramos a visão, percebida por inspiração, nesta segunda parte de análise e crítica, executamos o controle racional da mesma, com uma forma mental completamente diferente. Desse modo, o que podia parecer, na primeira parte, um sonho só aceitável por fé, agora tomou uma forma racional e positiva, e se nos apresenta como a conclusão de um processo lógico, cujo desenvolvimento leva a uma convicção, alcançada por meio da dúvida, da discussão livre e do controle em contato com os fatos. Podemos, então, dizer que agora temos uma certeza antes não possuída. Enquanto na primeira parte acreditávamos, agora sabemos.

Isto não significa que queiramos impor estas conclusões. Mas, para os irremediavelmente céticos, não podemos deixar de declarar que os conceitos expostos neste volume representam, pelo menos, a hipótese hoje mais aceitável, porque resolve o maior número de problemas, deixando o menor número possível de pontos em branco. Estes resultados não foram alcançados pelas filosofias nem teologias até hoje surgidas sobre a Terra, e em poder dos homens. Isto não quer dizer, contudo, que pretendemos ter atingido a última verdade e definitiva, e não possam ser conquistadas maiores aproximações no futuro, com a evolução. Ao contrário, nós a esperamos, sempre prontos a acatá-las, e até mesmo procuramos subir para prepará-las. Sempre fiéis de que o princípio de que a Verdade, em nosso mundo, é relativa e progressiva, estamos a caminho com esta verdade, ajudando a quem, também, está com ela. Aceitamos, pois, de qualquer parte que nos venham, luzes maiores, desde que sejam luzes verdadeiras, sustentadas pela realidade dos fatos e não apenas afirmações doutrinárias teóricas, não provadas por essa realidade. Continuamos sempre a procurar novas provas e confirmações, para desenvolver, aprofundar e aperfeiçoar. As velhas teologias e doutrinas, baseadas no princípio da autoridade, não convencem mais as mentes modernas, sendo-lhes desinteressadas, voltando o olhar para a ciência, a única fonte de conhecimento ainda hoje a desfrutar crédito. Chegamos ao ponto em que a ciência, e não as religiões, é hoje a dirigente do pensamento humano. Por isso, se as teologias e doutrinas quiserem sobreviver, ao menos entre as pessoas cultas, que sabem pensar, deverão tornar-se racionais e científicas, e demonstrar a sua verdade diante dos fatos.

Completado, nesta segunda parte do volume, o controle crítico da visão, exposta na primeira parte, temos diante dos olhos o quadro completo, no qual tudo aparece logicamente situado e funcionando harmonicamente, desde as causas primeiras até seus últimos efeitos neste mundo. Causas remotíssimas, situadas no absoluto, foram ligadas a seus remotíssimos efeitos, situados no relativo. No quadro geral cada fenômeno achou livremente o seu lugar, com a explicação lógica da sua existência, posição e função. Foi realizado um trabalho de reorganização ideal do caos, e de uma confusão de pormenores surgiu um Sistema que tudo concatena, não só por sua vastidão e potência reunificando num só organismo, a infinita multiplicidade do Todo, mas também pela beleza musical, fundindo o funcionamento de todas as partes para um único fim e orientando todos os seres para o centro único, Deus.

Numa visão cósmica, vimos o Sistema desmoronar-se no Anti-Sistema e depois o Anti-Sistema reconstruir-se no Sistema. Acompanhamos, dessa forma, toda a aventura cósmica do ser, desde o pólo positivo até o negativo e o retorno, até o pólo positivo. Pudemos ver, então, o que existe de real, por trás da grande ilusão representada pelo nosso mundo decaído. Isso nos ofereceu, em meio à triste realidade da dor, a mais otimista das filosofias. Rasgando a cortina das trevas que nos circunda, conseguimos compreender quanta luz existe por detrás dela. Por isso, foi-nos impossível ver a vida além da morte, ver a felicidade além da dor, e por trás do ódio, ver que existe amor. Mostrou-nos a visão que somos eternos e temos direito de ser felizes; ensinou-nos como realizar a felicidade, o nosso maior anseio. Indicando-nos o caminho do endireitamento do Anti-Sistema, para transformá-lo em Sistema, a visão enche de esperança a nossa miséria e ensina-nos a superá-la. Guiando-nos para o bem, representa alto valor ético, cujos efeitos benéficos podem imediatamente experimentar-se neste mesmo mundo.

Apresenta-se-nos a visão como algo de completo e cabal, porque nos oferece um Sistema que é, ao mesmo tempo, filosófico, religioso, científico, ético, social. Em outras palavras, é um Sistema universal. Reunifica e reorganiza o infinito numeroso, disperso na desordem. Demonstra, com provas acessíveis a todos, e assim torna acessível apenas com a razão, o que dantes era vagamente atingível só pela fé.

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Observemos, então, outros fatos explicados pela visão. Podemos compreender, assim, a razão profunda de fenômenos dos quais de outro modo, não saberíamos compreender suas causas primeiras. Poderemos responder, também de forma mais completa a certas perguntas que nos foram colocadas desde o princípio, no capítulo V: “Orientação”.

Por que, por exemplo, a parte espiritual de nossa personalidade deve viver num corpo material, que representa o pólo oposto? Que significado tem isso?

Em nossa personalidade humana, físico-espiritual, situada ao longo do caminho evolutivo, ou seja, de regresso, reencontramos as três fases: matéria, energia e espírito, que são as percorridas pelo ser decaído, primeiramente na descida involutiva, e depois na ascensão evolutiva, nos dois períodos de ida e volta do ciclo completo, exposto na visão. O espírito representa a parte mais evoluída, antecipando o futuro e cujo ponto final é o Sistema. O corpo representa a parte mais involuída, recordando o passado (animalidade, subconsciente) e cujo ponto final é o Anti-Sistema. Na composição do ser humano, encontramos os elementos que vão do mineral ao espírito, porque ele está percorrendo em subida a estrada da evolução, transformando um no outro.

Aqui a visão nos responde a outra pergunta. Donde se originou a matéria constituinte do nosso universo? As teorias expostas acima explicam não apenas a gênese da matéria, mas também resolvem o problema de sua extinção final, dando um sentido à sua existência, explicando a finalidade a que está sujeita, e justificando-lhe a presença. Sem essas teorias, não se sabe de onde proveio a matéria, como pode ter nascido, finalmente, e como poderá desaparecer. Isso porque é indispensável uma sua eliminação final, se não quisermos que o estado de imperfeição inerente a ela jamais se resolva, o que tornaria fracassada a obra de Deus. Só com a visão se resolve a necessidade lógica de tudo retornar ao estado de perfeição em Deus.

Ora, se presenciamos a passagem de matéria a energia na desintegração atômica, a de energia a espírito em nosso organismo; assim a energia elétrica, de onde se originou a vida, atingiu no homem o seu mais alto grau de evolução, na forma de energia nervosa, transformando-se através do cérebro em pensamento imaterial, que constitui o espírito. A estrutura celular cerebral representa o mais alto grau de complexidade e perfeição a que a evolução levou a matéria. Temos, assim, diante dos olhos o trajeto completo evolutivo do mundo físico ao espiritual.

Podemos, agora, dar uma resposta melhor a quem pergunta por que nosso espírito deve viver na Terra num corpo. De fato, verificamos, que a vida só chega às funções psíquicas quando conduziu a matéria a tal grau de elaboração e perfeição que transformou a substância mineral em cerebral. Veja a que estado de complexidade deve alçar-se a simples estrutura atômica da matéria inorgânica, para poder tornar-se instrumento de tão altas funções! E podemos reconstruir toda a estrada que foi percorrida para chegar a esse estado, evolutivamente, e a estrada necessária ainda a percorrer. Quantas elaborações, desde a matéria inorgânica do solo às plantas que a assimilam, aos animais que assimilam as plantas ao comê-las, ao homem que os assimila, igualmente uns aos outros, até que os átomos da primeira substância inorgânica, assumiu posições cada vez mais complexas. Chegam por fim a dispor-se de modos particularíssimos nas evoluídas células cerebrais! Mas, a subida continua. Chegados a este ponto, o espírito de tal forma se potencializou e desvencilhou de sua forma material, que a evolução ocorre além desta, a qual não lhe é mais necessária, como suporte à sua manifestação. Então, o funcionamento do espírito se apoiará na energia, primeiro na circulante no sistema nervoso, e depois na radiante e além deste, e, enfim, também acima de tais meios, apenas como puro pensamento.

À frente de toda essa transformação, pois, está o espírito que excita a matéria que a sustém, embora dela se nutra, para reconstruir-se. Por isso, deve o espírito descer a um corpo físico, por este representar o banco de suas operações da elaboração evolutiva, como também porque, reconstituindo-se nos planos inferiores consegue sanear a substância decaída que ficou atrás, para a subida ser universal e compacta e não aparecer, na unidade do todo, separações demasiadas grandes, ameaçadoras. Não se trata, com efeito, de substâncias diferentes, mas apenas de formas diferentes da mesma substância. Matéria e espírito são contíguas e conjuntas, e portanto não se pode reconstruir o espírito senão tornando a transformar a própria substância, de seu estado de matéria no estado de espírito. Este é a locomotiva que arrasta todo o comboio dos planos mais atrasados da evolução, ao longo do caminho da subida. Foi o espírito que chefiou a revolta, pondo-se no caminho da descida. Compete-lhe agora o esforço do regresso, sendo esta a razão porque precisa reencarnar na Terra. O trabalho da evolução só pode ser feito pelo espírito, que necessita, por isso, dobrar-se voltando lá embaixo, tornar a descer na matéria, para transformar a substância que a constitui, nessa outra sua forma, que é o espírito.

Explica-se assim, paralelamente, porque o ser humano encontra na Terra todo o necessário para construir civilização e bem-estar, mas com a condição de querer e saber fazer esse trabalho. No passado involuído, teve de viver nu, num mundo hostil para o qual, se quisesse viver, deveria fazer o esforço necessário para transformá-lo num ambiente a si favorável, porque a reconstrução tem de ser realizada pelo homem através de seus esforços e dores. Em seu passado, o homem tinha em redor de si apenas a desordem buscada por si mesmo com a queda, apenas as formas decaídas da substância, a matéria, a energia e as mais elementares formas orgânicas, como plantas e animais. Devia, portanto, impor-se a essa desordem, para aí estabelecer a sua ordem, até conseguir colocar-se à frente do fenômeno da evolução terrestre, para dirigi-la, transformando o planeta em sua habitação cada vez mais confortável. Seu dever era atravessar e superar toda a fase representada pela lei da luta pela vida, o que significa reabsorver o separatismo do Anti-Sistema, para conseguir a unificação do Sistema. Para progredir nesse caminho, o homem tem de aprender a destruir todo o seu egoísmo individualista, próprio do Anti-Sistema, e começar a viver em colaboração com os seus semelhantes, irradiando-se numa só unidade orgânica: a humanidade.

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Com estas teorias, acima expostas, podemos entender a razão de ser dos instintos atualmente em vigor no homem, compreender a sua posição evolutiva e a razão de aí se encontrar. Mais exatamente, podemos compreender porque o ser vive na atual fase o separatismo egoísta e não a organicidade unitária. A biologia descobriu a lei da luta pela vida, mas não o seu significado nem o porquê de sua existência. Sabemos que a meta do ser dentro do Sistema é a concórdia na unidade, ao passo que sua meta dentro do Anti-Sistema é a discórdia na luta; que o homem está situado na estrada que vai do segundo ao primeiro, ainda imerso na lei divisionista no Anti-Sistema. Percebe-se então, a necessidade fatal das guerras, inerente ao estado de involução em que ainda se acha a humanidade; desse estado, porém deverá fatalmente libertar-se e emergir com a evolução. A lei feroz da luta pela vida deve cessar um dia, e então o homem olhará o seu passado como o de uma fera, em cuja prepotência cega se desencadeiam as forças elementares da vida nas trevas da mais profunda inconsciência. Mostra-nos a visão que tudo isso vai terminar, fatalmente, e o porquê e o como, e quais serão as novas condições de vida. Faz ver o contraste entre o involuído, que acredita ser tanto maior o seu valor quanto mais gente esmagar, e o evoluído, que acredita, ter tanto maior valor quanto mais abraçar o próximo, para colaborar.

Explica-se, assim,  porque os instintos de agressão e destruição são tanto e mais fortes, quanto mais o ser é involuído. Quanto mais se aproxima do Anti-Sistema, tanto mais o indivíduo é levado a ver, em seu próximo, um rival inimigo e, portanto, ver na destruição deste uma conquista de espaço vital e, com isto, a alegria de viver. Para o primitivo, matar é uma vitória e uma festa, não um ato de ferocidade. Só concebe a si mesmo, separado em seu egoísmo e tudo o que estiver de fora, como qualquer dor alheia, não tem importância alguma. A nossa sociedade está cheia desses primitivismos que, não podendo matar com o medo da sanção penal, manifestam o instinto e o gosto da destruição, conservando nas cidades, entres as obras construídas com o esforço de seu semelhante, a mesma psicologia de inimizade contra o ambiente, posição lógica numa floresta, no meio de um mundo hostil. Não é possível deixar de compreender como cada dia se torna mais perigosa e inaceitável essa psicologia, quando o homem precisa adaptar-se a viver em sociedade, nas formas de vida civilizada.

Quanto mais próximo se acha situado o indivíduo do pólo negativo do Anti-Sistema, tanto mais negativas são as suas qualidades; quanto mais próximo do pólo positivo do Sistema, tanto mais são as suas qualidades positivas. Podemos, dessa forma, considerar como índice seguro de involução, o instinto da destruição, o espírito da agressividade e de polêmica, o egoísmo e a indiferença às dores do próximo. Contrariamente, podemos ter como seguro índice de evolução, o instinto de conservação, o espírito de compaixão e de conciliação, o altruísmo e a sensibilidade às dores do próximo.

Temos, desse modo, uma unidade de medida tomada fora de nosso mundo, com a qual é possível avaliar o indivíduo.Mesmo aqui se tentam unificações; contudo, estas não são baseadas nos princípios de fusão, próprios do Sistema, mas nos princípios desagregantes do Anti-Sistema. Trata-se apenas de coligações de interesses individuais egoísticos, aos quais não interessa o “eu” coletivo senão em função da vantagem própria. Trata-se de acordos temporários entre “eus” separados, sempre prontos a separar-se de novo, logo que lhes não convenha, a seus egoísmos individuais, permanecer unidos. Sendo uma construção do Anti-Sistema, é lógico que seja feita às avessas. Onde o egoísmo é ponto fundamental, não pode haver coesão. Com efeito, não se trata de uma verdadeira construção, mas de uma reprodução contrafeita. O que aí domina não é o sentido de unificação, mas o sentido da separação, que leva a anular a unificação. Por mais possa aparecer como meta, a tendência real é destrucionista, porque o método requer demasiado esforço, pois não é dirigido para a vantagem do grupo, mas para a de cada um de per si; de modo que todo o esforço é absorvido pelo atrito entre os egoísmos dos componentes, e nenhuma contribuição é levada ao grupo, enfraquecendo-o com isso, até desagregar-se. Num mundo assim, que só sabe funcionar por coligações de grupos, falar de universalidade e imparcialidade é falar uma linguagem incompreensível, porque formada de conceitos pertencentes a planos mais altos, ainda não atingidos. Uma idéia de universalidade se reduz aos limites do comum concebível, compreendida apenas como um novo partido: o dos universalistas. Mas é inevitável que as idéias do sistema não encontrem lugar nos planos próximos do Anti-Sistema. E isso ocorre, freqüentemente, diante das palavras que exprimem altos ideais, os quais, transportados à Terra, assumem outro sentido, justamente porque descem dos planos do Sistema aos planos invertidos, os do Anti-Sistema.

Um dos pontos em que se pode descobrir a presença do Sistema na Terra é o amor. Este, nos seus primeiros e ínfimos degraus do plano físico, representa sempre o princípio da unificação e é alegria, quando leva o ser para a sua harmonização, que será completa no Sistema. Por isso, o amor não é apenas alegre, mas é também genético e criador, em todos os planos; e tanto mais, quanto mais sobe do físico ao espiritual. O amor é tanto mais alegre e criador, quanto mais nos aproximamos de sua plenitude, só realizável no Sistema, cuja primeira qualidade é a unificação. Desde os seus mais baixos degraus, é confiada ao amor essa grande função de harmonização que quebra os egoísmos e refunde juntos os elementos separados da queda. A alegria que o ser experimenta no amor é dada pela alegria do regresso ao Sistema, que representa o reino da felicidade. Nos amores humanos comuns, os princípios opostos do Sistema e do Anti-Sistema estão em luta: a atração é egoísta e exclusivista, a alegria é facilmente envenenada pelas rivalidades e pelo ciúme; quanto mais o amor é material, ou seja, involuído, tanto mais é fácil corromper-se pela náusea, pelo vício, pelo sofrimento.

A luta entre o Sistema e o Anti-Sistema pode ser vista dentro do próprio desenvolvimento da família humana. Na formação desta, domina, no primeiro momento, a atração unificadora do amor, a alegria de unir-se, a potência vital criadora, qualidades próprias do Sistema. Logo após sua formação, acontece na família, um período diferente com as características do Anti-Sistema. Os filhos crescidos tendem a destacar-se do tronco, para realizar a sua própria vida. A unidade tende a quebrar-se. O egoísmo sobe a primeiro plano. Surgem entre os filhos rivalidades que os afastam e cada um tende a formar um novo centro familiar. Desagrega-se então a família-mãe. Período destrutivo e negativo, em que triunfa o Anti-Sistema. É como uma queda no separatismo, uma contração no egoísmo, até cada filho ou filha encontrar seu termo complementar, pelo qual retorna ao Sistema, com os princípios de unificação, amor, alegria e criação. Isto acontece na família, onde, a cada passo para o Sistema, com qualidades positivas unificadoras, segue-se um passo atrás, para o Anti-Sistema, com qualidades negativas separadoras. Mas, entre os dois impulsos vence sempre o amor, a vida, o Sistema.

O amor é criador, porque representa o princípio positivo, construtor, vital, próprio do Sistema, ou seja, de Deus. O ódio representa o princípio negativo, destruidor, mortal, próprio do Anti-Sistema, ou seja, de Satanás. Quanto mais o amor se liberta de sua materialidade, tanto mais perde as qualidades do Anti-Sistema; quanto mais conquista espiritualidade, tanto mais adquire as qualidades do Sistema. Isso até que o amor, limitado, em princípio, apenas às funções animais da reprodução sexual, transforme-se no amor evangélico, elevando-se ao poder de cimentar não apenas duas criaturas para formar uma família, mas de fundir todo o gênero humano, dele fazendo uma unidade orgânica. Está confiada ao poder do amor, princípio do Sistema, a função de retirar a criatura, pouco a pouco, do plano biológico onde impera a dura lei da luta pela vida, para fazê-la subir ao plano da colaboração fraterna. E como o Sistema, onde está Deus, é o mais forte, destinado a vencer o Anti-Sistema, assim o amor é o mais forte, destinado a vencer o egoísmo e o separatismo dos planos inferiores.

Essa unificação é uma necessidade implícita no desenvolvimento das leis da vida. O involuído é um individualista genérico, no sentido de só saber pensar em si mesmo e saber fazer um pouco de tudo. O evoluído é um ser coletivista, orgânico e especializado, no sentido de viver em colaboração com os seus semelhantes, e cada vez mais se adapta a executar, na sociedade humana, a sua função específica. A evolução, desse modo, ao produzir esse tipo biológico, leva necessariamente à unificação, que será a forma de vida do homem evoluído do futuro, ou seja, uma organização de especialistas fundidos em cooperação. Quanto mais evoluir, mais se tornará um indivíduo social, e menos apto a viver sozinho, porque aprendeu as qualidades que o tornam apto a viver em sociedade e compreendeu a grande vantagem de fazê-lo. Assim, vemos os princípios gerais da visão acharem plena confirmação até mesmo nos seus remotos efeitos, em nosso mundo.

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Com a orientação oferecida pela visão, podemos explicar também algumas posições psicológicas, em geral aceitas, sem discutir, axiomaticamente, porque muitos concordam com elas e, por serem verdadeiras, não precisam de nenhuma demonstração.

A psicologia do milagre oferece-nos uma das provas demonstrativas: o homem ainda vive, em grande parte, no Anti-Sistema. Parece estranho a quem não vive na ordem de idéias do Anti-Sistema, feito de revolta, mas na psicologia do Sistema, feito de ordem, que muitos, para crer, exijam o milagre; ou pelo menos este milagre constitui uma grande prova em favor de quem o opera. Para quem vive nas idéias do Sistema, dá-se o contrário. O fato de exigir o milagre como prova de valor e verdade, mesmo constituindo um conjunto de leis do plano superior às dos planos inferiores de nosso mundo, é comumente entendido como uma imposição a este, provocada por uma vontade para dominá-lo, violando suas leis; isto exprime, exatamente, a psicologia da revolta do ser rebelde caído no Anti-Sistema. Desse modo, geralmente, é interpretado o milagre e não no sentido de aplicação de leis naturais pertencentes a planos mais altos, que parecem prodigiosos ao involuído ignorante. Este, para crer e respeitar precisa de uma prova de força, de algo excepcional que o maravilhe, do prodígio fora do comum, enquanto lhe passa desapercebido, no plano das coisas naturais, o grande milagre do normal, que acontece todos os dias.

Desse modo reaparece, mesmo diante de um ato de fé em Deus, o espírito da revolta original; constituindo base de respeito e fé o saber impor-se à ordem preestabelecida, com uma lei diferente, opondo-se à que está em vigor, para vencê-la. Um homem que respeita a Deus, aceitando-o como seu chefe, mas somente enquanto esse Deus, de acordo com a mente dele, saiba ser tão prepotente que possa impor-Se à Sua própria lei para violá-la, – ou seja, enquanto esse Deus, com o milagre, dê provas de força contradizendo-Se a sim mesmo – esse homem demonstra pertencer ao Anti-Sistema. Para ele, o valor do ser consiste justamente no poder de revolta e de desordem, e não no poder de harmonia e de ordem. Esses são os princípios do Anti-Sistema, ainda sobreviventes na forma mental da maioria dos homens. O evoluído que se aproximou do Sistema não pode aceitar, como prova, o milagre compreendido como uma imposição, pelo qual Deus dá provas de violar a própria Lei. Quem vive na psicologia do Sistema, acha o contrário; Deus, ao invés de rebelar-Se à Sua própria Lei, obedece-lhe e respeita a Si mesmo, sem contradizer-se, eis a prova que mais induz crer Nele e a respeitá-Lo.

A idéia dualista de existir um oponente a ser vencido e de que o valor consiste em saber impor-se a ele, é um princípio de cisão e contraste, particular ao Anti-Sistema. Quem possui essa psicologia, decaiu da unidade num estado em que está invertido o Sistema. Neste, qualquer separação é inconcebível, porque existe apenas uma unidade orgânica, na qual tudo está fundido. Esse conceito de divisão e antagonismo constitui, para o homem, uma verdade tão arraigada em seu instinto, que ela a aceita como axioma, sem discuti-la, ressurgindo esse conceito em toda a parte, inclusive no terreno religioso. Isto prova o quanto está ainda o homem imerso no Anti-Sistema, que nem mesmo sabe conceber a Divindade fora da luta, criando para si um Deus antropomorfo, feito à própria imagem e semelhança, ou seja, um Deus partido no dualismo, que luta consigo mesmo, o que constitui o absurdo máximo. A própria psicologia humana corrente oferece-nos uma prova do Anti-Sistema, e, portanto, da verdade da teoria da queda.

Essa teoria nos explica como a nossa vida se baseia no contraste, embora seja, também, equilíbrio de contrários. Tão logo surge uma força, aparece também o impulso antagônico para a reequilibrar. Por isso, ao nascer um desejo, primeiro movimento da alma do qual deriva tudo, traz consigo a tendência à expansão ilimitada, constituída pelo egocentrismo, que levou os espíritos a exagerar o poder do “eu” até a revolta e à queda. Os nossos desejos são ilimitados, por sua própria natureza. Sua realização é limitada pelas reações do ambiente, dos seres rivais e das forças nestes encontradas. Daí o contínuo atrito da luta. Eliminar essa dispersão de forças seria o interesse máximo de todos, mas para gozar dessa vantagem é necessário uma inteligência que o homem ainda não possui e está lutando e sofrendo para conquistar. Não possuindo cada um em si a medida de seus anseios insaciáveis, o equilíbrio é alcançado de acordo com a oposta avidez do vizinho, que a limita com a força, infligindo-lhe dano. Atinge-se, desse modo, o único equilíbrio possível no Anti-Sistema, um equilíbrio forçado, coagido, não inteligente nem espontâneo, um equilíbrio que custa desperdícios e sofrimentos.

O fato de o homem procurar a vitória por meio da violência, na desordem, demonstra ainda estar imerso no Anti-Sistema. A cada desejo se repete o motivo da revolta, da expansão ilimitada, sem freio nem disciplina, qualidades apenas do Sistema. Como na primeira revolta, agora também o instinto recorda e reproduz a tendência ao excesso, ao abuso, como um eco do primeiro impulso que levou o ser além dos limites a ele assinalados pela Lei. Ao subir para o Sistema, e quanto mais dele se aproximar, mais aparece o impulso oposto, contrário à ordem e à disciplina. Surge então o verdadeiro princípio reequilibrador, resolvendo o conflito; ou seja, ao lado de cada defeito, abuso, vício, aparece o conceito da virtude correspondente, com a função específica de frear o abuso e de corrigir o defeito. Isto representa, ao lado do impulso destruidor próprio do Anti-Sistema, o impulso salvador, próprio do Sistema, reconstituindo os valores espirituais desfeitos com a queda. A idéia de virtude representa o impulso reequilibrador, que tende a repor nos devidos limites e a tornar a disciplinar, na ordem, o exagero rebelde do egocentrismo, que constitui a revolta. Por isso, a evolução se constitui em uma subida espiritual e moral para formas de vida nas quais o estado de virtude, próprio do Sistema, acentua-se cada vez mais quando se enfraquece o estado oposto, defeituoso e viciado, próprio do Anti-Sistema. A evolução, quanto mais sobe, mais se torna uma reconstrução de valores morais. O santo representa, em si, uma reconstrução do Sistema, muito mais adiantado do que o homem comum. Eis porque quanto mais se evolui, tanto mais aparecem ordem, obediência à lei, virtudes notáveis, em lugar da desordem, da revolta à lei, dos vícios, que ao contrário crescem tanto mais, quanto mais o homem involui para o Anti-Sistema.

Todavia, pode ocorrer um fato, que também confirma a teoria da queda. Esse impulso de reconquista da saúde, mesmo nascendo no seio do Sistema, desce para operar no Anti-Sistema. Quando o impulso penetra no ambiente do Anti-Sistema, começam a agir as forças desse ambiente, que lhe são contrárias, pondo-se imediatamente nesse sentido. Isto representa uma tendência a corromper, a torcer, a inverter a correção salutar que desceu do Sistema, Para as formas mais assumidas do Anti-Sistema. Em outras palavras, a idéia de virtude, quando vem à terra, assume em geral as características da luta e da agressividade, próprias dos involuídos; usa-se, então, o conceito de virtude, não tanto para melhorar a si mesmos, mas para impô-las ao próximo; porquanto, representando um sacrifício, é melhor seja imposta aos outros, antes de nós mesmos. Outros reagem sem demora ao assalto, agredindo o pregador de virtudes, a fim de controlar se ele age segundo prega, procurando, dessa forma, restituir o golpe, ao exigir-lhe fazer primeiro o sacrifício que não lhes é agradável. Assim, tudo se reduz a termos de agressão e luta. Mas, como impedir a descida ao Anti-Sistema e não ser arrastado se a tendência geral deste é de inverter tudo? Por isso, a virtude, princípio do Sistema, é utilizada de forma invertida, não para melhorar-se, mas para condenar os outros. Assim, um princípio do Sistema é usado na forma invertida do Anti-Sistema. A verificação do fato de uma função do Sistema ser aplicada em posição invertida, na forma de Anti-Sistema, ou seja, não para elevar, mas para lutar, condenar, dividir, constitui uma das provas mais evidentes da existência dos dois termos opostos, Sistema e Anti-Sistema, e portanto da teoria da queda.

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O nosso mundo, se baseia numa contraposição de conceitos opostos, que se completam como dois pólos do ser; são contrários, mas só podem existir um em função do outro; lutam, mas justamente na luta se escoram mutuamente, e um não pode dispensar o outro. Ora, tudo isso é dado pelo primeiro modelo Sistema/Anti-Sistema, que aparece reproduzido em todas as formas do ser, dependendo desse fato, todo o nosso modo de conceber. Assim, a afirmação nasce da contradição e só podemos afirmar enquanto existe o termo oposto da negação. Por isso, a negação conduz à afirmação e a afirmação implica na possibilidade da negação.

Não sabemos conceber o infinito e o absoluto, esta é a verdade, senão como o estado inverso ao nosso estado de finito e relativo. O conceito que, em nossa posição de Anti-Sistema, conseguimos formar do Sistema é, para nós, negativo, apesar de tratar-se da coisa mais positiva que pode existir. O fato de só conseguirmos fazer do infinito e do absoluto uma idéia que representa o inverso de nosso finito relativo, e não uma idéia correta e positiva, dá-nos também uma prova de estarmos situados no Anti-Sistema, por efeito da queda.

Vejamos um caso mais particular. Poder-se-ia dizer que o ateísmo representa uma das provas da existência de Deus. O ateísmo é uma negação presumindo afirmação, e só em função dela pode existir. A negação não só presume e prova a afirmação, como faz parte de dois conceitos condicionados reciprocamente, de modo que um não pode existir senão em relação ao outro.

Há mais ainda, porém. A negação, ao negar, enquanto é negação, alimenta e reforça o poder da afirmação apenas com a sua presença. Quando há dois conceitos juntos, dizer não de um lado, significa dizer sim do outro, e quanto mais se diz não de um lado, tanto mais se diz sim do outro. De modo que, em última análise, o não só pode existir para anular a si mesmo, e para reforçar, com a própria negação, a afirmação oposta. Quem nega, nega em última análise a si mesmo, ou seja, se destrói; e quem afirma, afirma a si mesmo, isto é, se fortalece e constrói. Quem nega uma afirmação, nega a si mesmo em favor dessa afirmação, que se fortalece, crescendo por um meio dessa negação. Os negadores caem nesse erro. Deduz-se daí que, quando um conceito possui um valor intrínseco como afirmação de verdade, nada terá de temer das negações que, se aparecerem, trabalharão em seu favor. O esforço para destruir a nova verdade é utilizado, pelas leis da vida, para difundí-la, tal como os ventos tempestuosos que trazem destruição são utilizados para levar para longe as sementes fecundas de uma vida mais ampla. A própria posição negativa assumida pelos negadores, servirá para destruí-los em favor da afirmação, nutrindo-a com a própria carne.

Vemos o modelo dos dois opostos, Sistema e Anti-Sistema, reproduzindo também nos dois termos contrários: espírito e matéria. E instintivamente o homem vê Deus e o paraíso, isto é o Sistema no céu; e nas profundezas da terra, afundado na matéria, o inferno. Por que isso? Porque a queda se deu do estado de espírito ao estado material, através da energia. Aqui, a idéia da queda é reproduzida em sentido espacial, do céu para a Terra. Na concepção de Dante, Lúcifer se precipita do céu ao inferno, aprofundando-se até o centro da Terra, onde, no ponto mais longe do céu, permanece a habitação do maior rebelde a Deus. E as subidas ao céu são concebidas em sentido contrário. O purgatório dantesco é o monte da ascensão, subindo por ele, de pano em plano, chega-se ao paraíso. Esse inferno e purgatório exprimem exatamente, em sua posição inversa, o primeiro escavado nas profundezas da matéria, o segundo, emergindo de seu seio, as duas metades inversas e complementares do ciclo da queda constituído pelo período involutivo (queda no inferno) e pelo período evolutivo (purgatório), da purificação que leva a Deus. Sob outra forma, achamos aí a substância da visão que expusemos. O inferno dantesco possui todas as qualidades do Anti-Sistema: trevas, dor, ódio, mal etc.. O paraíso dantesco possui todas as qualidades do Sistema: luz, felicidade, amor, bem, etc.. Também no inferno há certa ordem e disciplina. Mas a ordem é coagida e a disciplina é a do escravo algemado; enquanto no paraíso a ordem e a disciplina são livres e por convicção. Isso corresponde aos conceitos de determinismo, a que está presa a matéria, e de liberdade, primeira qualidade do espírito.

Explicam-se, dessa maneira, muitos modos de conceber, encontradas nas várias religiões, e as formas nas quais os estados de além túmulo são representados por elas. Passa-se a compreender, também, a contraposição entre espiritualismo e materialismo, sendo o primeiro concebido como elevação e o segundo como negação. Explica-se a divisão do pensamento moderno nestas duas direções opostas, num contraste que representa em nosso mundo a luta entre Sistema e Anti-Sistema. O materialismo moderno constitui um movimento de descida, mas descida na matéria, para depois chegar a compreender melhor, em relação a Deus e ao espírito, a significação do universo e de nossa vida. Nasceu como corretivo e reação ao espiritualismo abusado das religiões; como libertação e renovação, a fim de passar das velhas estradas às novas; como salvação da cristalização dogmática, a fim de que o pensamento não permanecesse morto no seu interior, mas revivesse, continuando a avançar. Só num primeiro momento a ciência apareceu como inimiga da fé, quando se manifestou como reação de cura do pensamento humano, o qual corria o perigo de permanecer fechado em alguns caminhos sem saída. Mas depois a ciência materialista não podia evitar de caminhar, de iluminar-se mais, de construir; porque, observando honestamente os fatos e os fenômenos, devia encontrar-se com o pensamento de Deus que os dirige, e a ouvir a voz que lhes fala de Deus. Pôde, assim, aparecer a verdadeira função positiva criadora da ciência, própria desse regresso à matéria, ou seja, a de poder tomar um impulso mais forte, para ascender mais no alto, no caminho da evolução para o espírito. Só agora começa a delinear-se este fato, mas representa o verdadeiro sentido, o valor e o futuro da ciência.

Vimos que a evolução avança com regressos contínuos, compensados depois por maiores progressos, tal como ficou explicado em A Grande Síntese, pelo gráfico que traça o desenvolvimento da trajetória dos motos fenomênicos, na evolução do cosmos. Ora, a atual fase materialista, no desenvolvimento do pensamento humano, representa o movimento expresso naquele gráfico por um período de envolvimento, que resulta menor diante do maior desenvolvimento de toda a trajetória; e assim, não obstante os seus contínuos regressos, esta continua sempre avançando. Por isso, a ciência materialista continuará a avançar, assumindo agora a tarefa, já não mais desempenhada pelas religiões, de fazer progredir o pensamento humano. Não é destruição, é progresso. A função da ciência não é de matar a fé, mas de fecundá-la com a razão e a observação, de demonstrá-la, dando as provas de seus enunciados, que já agora se tornaram, em sua forma primitiva demasiadamente imprecisos e elementares, para poderem ser aceitos pela forma mental moderna, mais evoluída.

 

Chegados ao fim de nosso trabalho, vamos fechá-lo oferecendo uma última representação ainda mais pormenorizada do fenômeno da queda, procurando alcançar dessa maneira uma apreciação ainda mais precisa.

No volume Deus e Universo, como na primeira parte desta obra, ao expor a visão, apenas pudemos traçar as linhas gerais e as características fundamentais do fenômeno da inversão do Sistema no Anti-Sistema, explicando as respectivas características. Procuraremos reforçar a nossa observação da visão, penetrando em novas minúcias, caminhando em profundidade, além dos conceitos já obtidos nas aproximações precedentes.

Com efeito, no princípio da segunda parte deste volume, chegamos a uma apreciação mais exata do fenômeno da queda, especialmente no capítulo VIII: “Sistema e Anti-Sistema”. Assim chegamos a entender o fenômeno, não mais como uma descida, que podia ser do alto para baixo, como se podia ter imaginado a princípio, mas como uma explosão, da qual resultou, por expulsão do Sistema, uma segunda esfera na periferia deste.

Aperfeiçoemos, esse conceito. Após havê-lo aprofundado, poderemos alcançar uma terceira representação do fenômeno da queda, dessa forma, melhor formulado e analisado. Temos de proceder por aproximações sucessivas, sendo impossível enfrentá-lo direta e imediatamente em sua essência, pois está além do concebível e não pode ser alcançado pelas capacidades comuns da mente humana. Trata-se de um fenômeno situado fora de nosso relativo, do qual resultou como conseqüência, e portanto, em sua substância, irredutível ao nosso plano mental normal. Esta a razão pela qual à primeira representação se tenha acrescentado uma segunda mais aproximada, e se seguirá uma terceira, à proporção que vamos subindo e amadurecendo.

Nunca poderemos deixar de esclarecer e advertir que não podemos apresentar a realidade do fenômeno em sua substância, mas apenas imagens mentais humanas dessa realidade, que nos escapa em sua essência. É mister, pois, aceitá-las tal com são e não entendê-las como uma expressão definitiva, que esgote a realidade. É compreensível e lógico ser assim, porque um observador situado no relativo, com os pontos de referência marcados apenas em si, não possui os outros totalmente diversos, necessários para orientar-se no absoluto, nem os conceitos para compreendê-lo. Logicamente, para poder exprimir no relativo toda a realidade infinita contida no absoluto, seria necessário ter uma série correspondente e infinita de imagens e representações mentais. Só assim seria possível reproduzir todos os aspectos infinitos do fenômeno, em nosso plano de existência. Nestas pesquisas, é preciso ter sempre pesente o conceito de limite, próprio de nosso universo e contentar-se em ir superando as barreiras impostas por esse limite, que nos fecha no relativo. Por isso, vamos oferecendo aqui três imagens diferentes e sucessivas do fenômeno da queda, procurando uma aproximação cada vez maior, gradualmente, para compreendê-lo cada vez melhor. Todas são aceitas, porque cada uma delas é relativamente verdadeira e nos mostra um lado, pondo em evidência alguns aspectos verdadeiros da realidade. Trata-se de várias reduções, isoladamente incompletas, mas justamente por isso, precisam completar-se reciprocamente.

Estamos nos esforçando para traduzir nos termos da forma mental corrente e relativa, fechada num limite que estabelece as dimensões do concebível, conceitos próprios de dimensões superiores. Não temos outro meio senão imagens construídas em relação aos pontos de referência existentes em nossas dimensões espaciais, temporais e mentais. Não possuímos outro material conceptual, nem outras palavras senão a linguagem humana, para fazer-nos compreender. Com esses meios, devemos exprimir o inexprimível e tornar concebível o inconcebível. Por isso, não quisemos exprimir-nos desenhando imagens concretas, neste volume, porque tendem a induzir a erro, pois são confundidas com a realidade ou com uma representação que esgote toda a realidade e isso não pode ser. Isto não significa que o leitor não possa fazer para si esquemas gráficos, para os quais lhe são dados todos os elementos. Pode recorrer a esse auxílio representativo se sentir necessidade, utilizando-o como meio para fixar as idéias, mas atribuindo-lhe o valor relativo que têm os símbolos em matemática. Temos de contentar-nos com os meios verbais, que, por serem concretos, fixam e aprisionam menos a idéia em formas definidas, como os contornos exatos de um desenho. O desenvolvimento da palavra pode melhor dar-nos a expressão de uma imagem em movimento, ao mesmo tempo que aparece já se está desenvolvendo numa imagem sucessiva. O movimento é o único modo pelo qual o relativo pode aproximar-se do absoluto, perseguindo-lhe a imobilidade. A verdade, em nosso universo, para os decaídos, só pode ser relativa e progressiva. Por isso só podemos oferecer uma imagem relativa e progressiva da visão; não uma representação estática, mas o desenvolvimento de uma representação, que gradualmente se vai desenvolvendo e aperfeiçoando. Era necessário que o leitor, e nós mesmos, conhecêssemos o método de pensamento seguido aqui, a técnica usada ao exprimir os resultados da intuição que, como se pôde ver, permanece controlada em todos os seus momentos. Pudemos estabelecer assim o valor a ser dado a estas representações do fenômeno da queda, acrescentando, por fim, que mesmo na forma verbal progressiva, usada aqui, são apenas uma projeção plana da realidade contida na visão, só podendo resultar diminuída, ao projetar-se em nossa dimensão conceitual. A nossa mente é filha do próprio ambiente e não sabe funcionar além dos limites deste.

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Antes de passar a expor a terceira representação do fenômeno da queda procuremos completar, em alguns aspectos novos, a segunda, já exposta no capítulo VIII – Sistema e Anti-Sistema. Voltemos ao princípio, retomando, para desenvolver o conceito de criação necessária para se poder compreender a forma como saíram do Sistema os elementos rebeldes, ou seja, a sua expulsão ou projeção para fora da periferia deste, a fim de constituir o Anti-Sistema. Para não fechar a representação numa afirmação absoluta, que depois lhe impeça qualquer movimento de desenvolvimento, e para torná-la mais aceitável às mentes positivas, expô-la-emos em forma de hipótese, aceitável por explicar muitos fatos, mas suscetível de aperfeiçoamentos posteriores.

Já dissemos que a primeira criação consistiu numa transformação da esfera Tudo-Uno-Deus, constituinte da Trindade em Seu terceiro momento, no qual a substância divina que a constituía passou do estado homogêneo a um estado diferenciado, orgânico, hierárquico. Ora, observando o fenômeno com maior exatidão, podemos pensar ter essa criação ocorrido não toda concomitantemente, no mesmo instante, mas sim em fases progressivas, e portanto por graus e em planos sucessivos, segundo os quais se teria propagado na esfera do Sistema, o impulso proveniente do centro, Deus.

Observemos, logo, que a idéia de esfera é de natureza espacial, e dá apenas uma idéia aproximada, não podendo fornecer toda a realidade. Mas isto é o que de melhor podemos conseguir, no momento, para obter uma representação imaginável do fenômeno e por isto a aceitamos. Para simplificar essa representação, exprimamos a esfera em sua representação plana, ou seja, como um círculo. Eis então, como mais exatamente teria ocorrido a criação. Do centro, Deus, teria partido o primeiro impulso criativo, atingindo o primeiro nível ou círculo de seres, ou seja, o primeiro plano da vida. Depois, Deus teria feito chegar esse Seu impulso, através dos seres do primeiro círculo a um segundo. Em seguida, através dos seres do primeiro e do segundo, a um terceiro e assim sucessivamente. Dessa forma, o impulso criador de Deus teria sido transmitido através de toda a esfera do Tudo-Uno-Deus, até transformá-la toda, de seu estado homogêneo, num estado diferenciado, nisto constituindo o fato da criação. Mais exatamente, teria sido a propagação desse divino impulso criador que teria produzido a transformação da  substância do todo, a qual se achava no estado homogêneo, num novo estado diferenciado, constituído por individuações separadas, isto é, as criaturas, hierarquicamente organizadas por círculos em um Sistema. Teria sido esta a técnica da criação, que agora nos aparece, após um exame mais atento do fenômeno. O que teria nascido do nada, de um estado antes não existente, não podia ser a eterna e incriada substância de Deus, mas apenas a sua forma nova e atual, que assim se individualizara agora em criaturas, hierarquicamente organizadas em centros concêntricos em torno de Deus.

Esta representação do fenômeno permite-nos ver imediatamente, com maior relevo, uma característica importante. No próprio ato da criação, as criaturas, logo após o nascimento, teriam sido chamadas a colaborar com Deus, a funcionar ativamente como Seus instrumentos no Sistema, como veículos de atuação de Sua lei. Tudo isso confirma ser o amor o princípio dominante em Deus e no Sistema; representando, desde o primeiro momento, o vínculo genético da filiação, pelo qual cada elemento derivou do outro por descida do impulso divino criador, de círculo em círculo. Amor não apenas entre as individuações do Sistema, mas entre Deus e todas elas, não só parentes entre si, mas todas filhas do mesmo Pai, unidas pela consangüinidade representada pelo ser constituído da própria substância de Deus. Amor que constitui a potência fundamental de coesão que cimenta todo o edifício do Sistema e lhe mantém compacta a unidade orgânica hierárquica. Mantém-na porque o impulso criador do amor, emanado de Deus, não só penetrou e transformou toda a esfera, mas continua a irradiá-la sempre de vida, como o sangue que circula em nossas veias.

Esses conceitos são confirmados pelo fato de vermos o mesmo método ser usado por Deus no trabalho de salvamento do Anti-Sistema, para levá-lo ao Sistema, através das Suas criaturas ou espíritos que permaneceram no estado puro, chamados desta vez a colaborar como veículos de salvação. Com efeito, em nosso mundo, jamais vemos Deus agir aparecendo diretamente, mas sempre indiretamente, através de Seus instrumentos, encarregados de cumprir missões, como no caso máximo de Cristo, espírito não decaído, a quem foi confiada por Deus a tarefa de redenção de nossa humanidade. Em casos menores, Deus pode utilizar-se de espíritos decaídos, mais evoluídos que os outros e capazes, por sua posição mais adiantada, de realizar um trabalho de auxílio e salvação em favor de seus irmãos, menos capazes porque mais atrasados. Em tudo o que provém do centro do Sistema, prevalece sempre o método do amor, da colaboração fraterna, da hierarquia e da unidade orgânica.

A transformação criadora, à qual se desvia a gênese do Sistema, foi obtida, pois, com esse método da filiação, o que estabeleceu entre todos os seres um vínculo de parentesco ainda mais estreito do que o representado pelo fato de terem sido constituídos da mesma substância. Eis a estrutura orgânica do Sistema e pode compreender-se quanto essa qualidade é fundamental e profundamente enraizada, devida ao fato de a criação ter ocorrido através de um processo de filiação, na qual os seres tomaram parte. Esse método de filiação recíproca constituiu o primeiro modelo, mais tarde transmitido ao nosso mundo, no desenvolvimento reconstrutivo, operado pela evolução, ou seja, na continuação da vida de pai para filho, na multiplicação genética das sementes, no crescimento mediante ramificações de um único tronco. Continua também no Anti-Sistema, e constitui o modelo de unidade e organicidade, entre nós expressa pelas primeiras tentativas de reconstrução orgânica unitária do Sistema, que são a família, a nação, a humanidade.

Essa filiação funcionou, no momento da criação, como um fio unindo para sempre todas as criaturas ao Pai comum, Deus, a Quem, por isso, coube o direito de mando, enquanto a estas coube o dever da obediência, todos unidos pelo amor na mesma família, representada pelo Sistema. Nessa organicidade, cada elemento permaneceu ligado ao outro. A um observador mais atento, deve ocorrer que assim se forma a criação, devendo ter sido o resultado de uma emanação progressiva do centro, Deus, para a periferia, numa realização gradual, transformando toda a substância de seu primitivo estado homogêneo, naquele estado orgânico constitutivo da criação.

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Podemos compreender agora, com maior exatidão, como ocorreu com a queda, a emigração dos elementos rebeldes do Sistema, sua expulsão ou projeção para fora da periferia deste, para constituir o Anti-Sistema. Ter também uma imagem mais exata da estrutura do Anti-Sistema, compreendendo melhor algumas das qualidades que o caracterizam.

O fenômeno da queda pode ser representado pelo mesmo modelo como ocorreu a criação, ou seja, pela mesma propagação gradual de impulsos, mas em posição invertida, porque ao invés de ser gerado e ter partido do centro, Deus, o movimento foi gerado e partiu da criatura periférica. Assim, também a queda teria sido progressiva, por sucessão de filiações, resultantes não de Deus e depois dos elementos puros do Sistema, mas dos espíritos rebeldes. A propagação desse impulso invertido, ao invés de gerar, como na criação, círculos de ordem, no seio do Sistema, gerou por filiação invertida os círculos da desordem, no seio do Anti-Sistema. Teria assim nascido a estrutura do Anti-Sistema, invertida em relação ao Sistema, ou seja, construído em círculos e níveis ou planos de existência concêntricos, segundo os quais se teriam escalonados os seres.

Percebe-se, agora, que a emigração dos elementos rebeldes do Sistema, ou projeção para fora da sua periferia, não ocorreu ao acaso, mas foi regulada por uma lei, segundo a qual tudo estava previsto. Essa estrutura do Anti-Sistema, construída em círculos, situados em posição inversa à que ocupavam no Sistema, derivou do fato de, na emigração dos elementos rebeldes, a sua projeção para fora ocorreu em proporção ao impulso recebido, determinado na revolta, pelo poder de cada elemento e estabelecido pela sua posição em seu círculo, e deste no Sistema. De modo que o Anti-Sistema ficou constituído de círculos ivertidos em relação aos do Sistema, correspondendo cada um, no Anti-Sistema, ao círculo perfeito original do Sistema. Da posição ocupada nos círculos do Sistema, cada elemento foi projetado na posição oposta, representada pelo círculo correspondente invertido no Anti-Sistema. Aconteceu então, que, os primeiros se tornaram os últimos, e os mais próximos a Deus foram precipitados mais longe; o anjo mais belo, Lúcifer, se tornou o mais horroroso, Satanás, projetado no abismo mais profundo do Anti-Sistema. Atrás dele, deixaram-se arrastar num cortejo os elementos situados mais em baixo na pirâmide, ou seja, nos círculos mais afastados e periféricos.

Permaneceu desse modo, no Anti-Sistema, o modelo do Sistema, mas em posição invertida; permaneceu o princípio da organicidade, mas emborcado, isto é, a organicidade do mal, de tipo destrutivo, em lugar da organicidade do bem, de tipo criador. Com efeito, o nosso universo é constituído, verdadeiramente, de planos de existência, nos quais os seres decaídos estão escalonados por graus de evolução, mais ou menos próximos da perfeição do Sistema. Explica-se assim, essa estrutura de nosso universo físico-espiritual, construído em planos superpostos, cuja natureza tende a afastar-se do Sistema, em direção centrífuga no período involutivo, e a reaproximar-se do Sistema, em direção centrípeta e para Deus, no período evolutivo.

Achamo-nos, assim, diante de um conceito mais exato sobre a queda, ou seja, não mais uma queda única, igual para todos os rebeldes, mas uma queda de amplitude proporcional à posição do elemento no Sistema, e portanto à sua potência e ao impulso da sua projeção. A potencialização desse impulso, dada pelo círculo em que estava situado o elemento, determinou a força do arremesso de expulsão do Sistema, de modo que o ponto de chegada no círculo do Anti-Sistema resultou proporcionalmente corresponde ao ponto de partida no círculo do Sistema. Com esse método, foi construído o Anti-Sistema, que por isso resultou um organismo no qual tudo se achou situado em posição inversa à que se achava no Sistema. Então, os elementos situados nos círculos mais afastados do centro, inverteram-se no Anti-Sistema nos mais centrais, e vice-versa; os situados no círculo do Sistema mais próximos de Deus, justamente por sua maior potência, foram lançados nos círculos mais periféricos do Anti-Sistema e afastados de Deus.

O conceito com que estamos procurando dar maior exatidão ao fenômeno da queda, mostra-nos, ter sido ela proporcional, isto é, constituída por um afastamento exato em função do conhecimento, potência e valor ou peso específico de cada elemento, qualidades que estabeleceram a natureza e a potência do impulso de projeção para fora do Sistema. Portanto, a queda foi proporcional à responsabilidade da revolta, à culpabilidade de cada um, pela qual foi projetado mais longe no Anti-Sistema e mais profundamente na involução, quem estava mais altamente situado no Sistema e mais parto de Deus. Os elementos menores, caindo de altura menor, ao serem projetados para foram por seu impulso de seres menos potentes, aprofundaram-se menos na involução, permanecendo nos círculos mais altos do Anti-Sistema. Chega-se, assim, a um efeito proporcional à causa, a uma reação proporcionada à ação, a uma queda proporcional à revolta. Então, para os maiores, sendo maior a queda, maior é o esforço da subida, porque mais longo o caminho de regresso.

Deduz-se daí, um fato importante: nem todos os seres teriam decaído até o estado de matéria, mas podem tê-lo feito até círculos ou planos de existência mais altos, menos involuídos. Enquanto esses seres não conhecem os planos inferiores, o plano em que naturalmente se acharam na queda, deve ser atingido pelos elementos caídos mais embaixo, através do esforço da própria evolução. Desse modo, o trajeto evolutivo que cada ser tem de percorrer para reentrar no Sistema não é igual para todos, mas proporcional para cada um, à profundidade alcançada com a própria queda. Portanto, existe uma correspondência perfeita de justiça nas gradações de posição de origem, culpabilidade, involução alcançada e trabalho evolutivo a realizar, para voltar à salvação. O mais onerado e o último a chegar no regresso, por causa do caminho mais longo a percorrer, será, portanto, Satanás, como é justo. Na inversão, os primeiros se tornaram os últimos. Mas, estes também deverão chegar e serão salvos.

Isto faz-nos pensar num novo modo de conceber a evolução. Se em seus princípios gerais, pode ser concebida, como foi explicado (veja-se também o capítulo XI: “A visão diante da biologia”), constituída por um caminho ascensional único, progredindo para seu telefinalismo, podemos agora pensar ter essa evolução começado para cada ser de pontos diferentes ao longo desse caminho. Esses pontos teriam sido determinados pelo ponto de queda de cada ser no Anti-Sistema, situado no círculo correspondente ao do Sistema, em que o ser fora criado e do qual, pela revolta, partiu o impulso para o Anti-Sistema. Justamente por tratar-se de uma exata inversão de posições, a criatura veio a achar-se, com a queda, no círculo do Anti-Sistema oposto, em relação ao do Sistema. Temos, então, uma série de posições distintas, das quais precisamente podia começar o caminho evolutivo do regresso: posições não causais ou arbitrárias, mas preestabelecidas para cada ser no momento da criação. Ao indivíduo era deixada a liberdade de desobedecer ou não, mas não a liberdade de cair ao acaso ou onde quisesse; por isso havia sido estabelecida precedentemente a amplitude da queda, se, por acaso, houvesse escolhido o caminho da desobediência. Podemos admitir, tenha o ser começado o caminho evolutivo, do ponto em que a inversão o havia projetado, correspondente ao ocupado no Sistema e estabelecido por Deus, para cada um, na Sua criação.

Então conforme esta teoria, a posição, na qual o ser decaído se encontra, pode ser conseqüência de dois fatos: 1º) ou o ser caiu até o fundo do Anti-Sistema (matéria) e subiu evoluindo até o ponto em que agora se encontra, 2º) ou o ser não caiu até ao fundo do Anti-Sistema, mas até determinado plano, de onde evoluiu e presentemente se encontra.

O fato de, em ambos os casos, ser o mesmo o resultado exterior, o de encontrar-se situado num dado plano de evolução, só por si não nos permite descobrir as causas que o determinaram; por isso, sua posição não é suficiente para nos fornecer as provas da verdade desta teoria.

Permanece porém o fato de ser a única que pode conciliar as duas maiores afirmações existentes a este respeito, a da ciência e a da revelação, hoje inconciliáveis, ou seja, a do evolucionismo darwiniano e da Bíblia. Conforme a teoria deste capítulo permaneceriam admissíveis, ao mesmo tempo, as duas afirmações contrárias, isto é: o homem poderia ter derivado por evolução dos planos inferiores de existência, mineral, vegetal, animal, (Darwin); como também poderia ter iniciado a sua evolução do plano humano, ou seja, ponto de partida o próprio homem (Bíblia).

Poder-se ia então, lógica e cientificamente, aceitar como verdadeira a narrativa da Bíblia, isto é, depois da queda dos anjos e da desobediência de Adão, que esta queda presume e repete, admitir o aparecimento (criação) de homem como tal, não produto de uma precedente evolução. Teria iniciado a evolução no plano de vida humana, tendo o homem caído só até este nível, razão pela qual iniciou a sua evolução de regresso, entrando na forma material humana (criação descrita pela Bíblia).

Trata-se de duas importantes afirmações com grandes bases: a ciência positiva no evolucionismo darwiniano e a revelação na Bíblia. É difícil condenar qualquer das duas, declarando-a errada. Assim, ambas estariam certas. Já existem teorias evolucionistas que admitem derivarem as várias formas de vida, de pontos de partida diferentes, de estípites separados.

A própria teoria das unidades coletivas não é derrogada admitindo-se ter sido a queda como relativa, pois o ser caindo até o fundo, não chegou à sua completa pulverização no separatismo do Anti-Sistema e portanto não foi destruído completamente o seu estado orgânico. O ponto onde caiou passou a ser o seu ponto de partida que assim, possuindo já um certo grau de organicidade, não precisou tê-la reconstruído (teoria das unidades coletivas) pelo processo da evolução.

Esta teoria, como se vê, abre as mais interessantes perspectivas, de uma amplitude tal que seriam necessários outros volumes mais para estudá-las e desenvolver novos pormenores.

De tudo isso se deduz que a evolução pode não ter partido para todos, do plano da matéria, mas também de planos mais altos, como por exemplo do vegetal, do animal, do homem, e planos ainda superiores, a que todos deverão chegar um dia. A meta final é a mesma para todos: o Sistema. Na fase de regresso verifica-se o mesmo fenômeno que se realizou na fase de descida ou queda. Voltar ao Sistema significa reentrar num organismo de partes diferenciadas; significa, portanto, retomar o lugar ocupado de cada ser no próprio círculo do Sistema, segundo o exato tipo precedente criado por Deus. Atende às exigências da lógica, do equilíbrio e da justiça ser dessa forma, porque a inversão da queda e o endireitamento no sentido da subida devem corresponder aos dois fenômenos. Em todo esse processo de desmoronamento aqui estudado, devemos sempre admitir, necessariamente, que o alfa e o ômega coincidem, sobrepondo-se. O ponto de chegada da evolução só pode ser o mesmo ocupado pelo ser quando da partida para a involução e não um ponto estratégico qualquer. Também o ponto de chegada de involução, em que a criatura foi arremessada com a queda, só pode ser, como posição, proporção e qualidade, o inverso do ponto de partida ocupado no Sistema.

Dessa forma pudemos chegar a esta exata apreciação do fenômeno involutivo-e-evolutivo da queda, e dizer que mesmo sendo a evolução, como princípio geral, um regresso universal de todos ao Sistema, a amplitude e o tipo de estrada é diferente para cada ser, ou seja, cada um se desenvolve ao longo de um canal próprio. A criatura deve voltar ao grau de perfeição e conhecimento que possuía antes da revolta, como fora criada, porque só assim podiam ser anulados os efeitos da revolta. O regresso a Deus, portanto, é entendido não como um regresso a Ele como centro, ou seja, à perfeição e onisciência absolutas, mas como uma volta a Deus como Sistema, isto é, ao ponto correspondente de cada ser no organismo desse Sistema. Portanto, no processo involutivo-evolutivo o ser só conserva o seu tipo de individuação, ainda que esta se corrompa primeiro para curar-se depois, sempre segundo o próprio tipo, mas também cada ser percorre apenas a diferente distância de ida e volta que lhe compete, segundo o seu ponto de partida no Sistema e chegada no Anti-Sistema, determinados pela sua natureza e posição de origem. Disso se pode depreender com quanta perfeição foi concebida e executada a obra criadora de Deus, se tudo, inclusive a técnica, as medidas e as proporções no processo de endireitamento em caso de queda, tinham sido previstas. Embora com o maior respeito à liberdade da criatura, cada movimento seu já estava implicitamente contido numa possibilidade bem definida em potencial, em que a Lei o havia enquadrado, tendo sido previsto e disciplinado precedentemente, mesmo antes que a criatura tivesse pretendido se revoltar.

 

Respondamos a outras perguntas, antes de concluir o livro.

PERGUNTA:

No decurso da resposta anterior, falou-se, incidentalmente, em morte. Pedem-se explicações mais exatas, quanto às causas determinantes desse fenômeno, e esclarecimentos a respeito das razões justificatificadas de sua existência e verdadeiro significado; e também a respeito das causas e significado do fenômeno conexo da reencarnação, em relação às teorias apresentadas neste livro.

RESPOSTA:

O fenômeno da morte faz parte de uma série de conceitos negativos, que por esta sua natureza negativa só podem fazer parte do Anti-Sistema. Este fato implica na presença de uma série oposta de conceitos positivos, que por sua natureza positiva só podem fazer parte do Sistema. Os dois pólos contrários, afirmação e negação, constituem um equilíbrio de opostos que se presumem e se condicionam mutuamente, só podendo existir em função um do outro. A base e a origem do conceito está no pólo positivo, em forma de afirmação. A parte oposta só é concebível como sua derivação, por inversão. Assim, em todas as coisas encontramos, ligados aos pares, os dois conceitos constituindo o mesmo princípio, antes em seu aspecto positivo, depois em seu aspecto negativo.

Deste modo, no caso agora em observação, a base e a origem do conceito estão no pólo positivo, em forma de afirmação, significando vida;  sua parte oposta, ou seja a morte, só é concebível em função da vida, como uma corrupção desta por inversão. Por isso, como em todas as coisas, encontramos esses dois conceitos unidos num par, como os dois pólos opostos do mesmo princípio, antes em seu aspecto positivo e depois em seu aspecto negativo. O primeiro representa a posição íntegra, situada no sistema, o segundo a posição decaída, corrompida no Anti-Sistema.

Ora, no estado de perfeição do Sistema, tudo é vida e consciência e não há lugar para o conceito de morte e inconsciência. No estado de Sistema, o espírito permanece sempre presente em si mesmo, em plena luz de consciência. Aproximamos estes dois conceitos de vida e consciência porque, como dissemos na resposta precedente, a substância da vida é constituída pela consciência do existir e a substância da morte pela perda dessa consciência. Foi dito também que, ao descer, tudo tende a morrer na inconsciência, propriedade do Anti-Sistema; e ao subir, tudo tende a reviver na consciência, propriedade do Sistema. Explica-se, dessa forma, o estado atual do homem, que tendo percorrido um trecho da subida evolutiva, acha-se a meio caminho entre o Anti-Sistema e o Sistema; por isso divide sua existência entre a forma-vida e a consciência, própria do Sistema, e a forma-morte e inconsciência, do Anti-Sistema.

Que é a morte, então? A morte é um estado de obscurecimento de consciência, atingido com a queda no Anti-Sistema, por inversão da luz da consciência que o ser possuía no estado de Sistema. Daí resulta ser a morte cada vez mais morte (isto é, perda de consciência) quanto mais o ser se encontra imerso no Anti-Sistema, ou seja, é um involuído; por outro lado, a morte é cada vez menos morte (isto é, perda de consciência) quanto mais o ser se aproxima do Sistema, ou seja, é um evoluído. Então, entre os dois pólos extremos de vida e consciência completas no Sistema, e de morte e inconsciência completas no Anti-Sistema, a fase de involução representa a passagem do primeiro estado ao segundo e a fase de evolução representa a passagem do segundo estado ao primeiro. Desse modo, como já dissemos, quanto mais se evolui, tanto menos se morre e menos o morrer é morte. Como a involução criou a morte, assim a evolução a destrói.

Nos planos intermediários nos quais se encontra o homem, temos a parte física, o corpo feito de matéria pertencente ao Anti-Sistema, e o espírito representando a parte mais próxima do Sistema; o espírito, ao repetir o motivo da queda, se encarna, recaindo assim no Anti-Sistema. Essas duas partes representam, no homem, os dois pólos já citados, Anti-Sistema e Sistema, entre os quais oscila a cada nova encarnação, para que, evoluindo, se afaste cada vez mais do primeiro e se aproxime do segundo. Que acontece então com a morte? Nessa ocasião, a parte física, pertencente ao Anti-Sistema, morre; mas não morre a parte espiritual mais próxima do Sistema. Isto acontece como efeito do princípio de que tudo o que pertence ao Anti-Sistema morre; e tudo o que pertence ao Sistema não pode jamais morrer, por ser feito da vida.

Ora, se para o corpo, que em todos os seres humanos apresenta mais ou menos o mesmo grau de evolução biológica, se verifica, na morte, mais ou menos o mesmo desfazimento físico, próprio a toda matéria orgânica que morre, e quase igual para todos, a mesma coisa não ocorre para o espírito. Se na parte humana os espíritos caem mais ou menos no mesmo cadinho de experiências oferecido pelo ambiente terreno, ainda que excepcionalmente, podem pertencer a planos de evolução mais elevados do que os da média. Eis então, que a morte, se para o corpo pode ser quase igual para todos, pode, no entanto, ser bem diferente para a parte espiritual. Essa diferença será tanto mais acentuada, quanto mais o indivíduo for espiritualmente evoluído e se distanciar dos planos comuns e mais baixos da vida. Em outros termos, a morte será tanto menos morte, e a parte espiritual permanecerá sempre mais viva e consciente na morte, quanto mais o ser for evoluído, ou seja, estiver mais próximo do Anti-Sistema, reconquistando-lhe as qualidades. Por isso, sentirá a morte muito menos que os outros, permanecendo, na morte e depois da morte, muito mais vivo e consciente que os outros, em relação ao grau de evolução que tenha atingido. Só o evoluído readquire plena consciência depois da morte, tanto mais plena, quanto mais for evoluído. Consciência quer dizer conhecimento do pensamento diretivo da Lei, do plano geral do universo e de sua posição, para realizar, como operário de Deus, a própria função e a do próprio destino de ascensão.

Os animais vivem apenas no plano físico do corpo, não podendo, por isto, gozar depois da morte, de uma vida consciente, que não possuem, pois ainda não conquistaram. Saem da vida física e a ela voltam por um fenômeno automático, determinístico, assim como caem as gotas da chuva, sem sabê-lo. A massa involuída da maioria dos seres humanos está pouco mais acima desse nível e permanece semi-consciente, ou seja, com uma consciência limitada ao da sua forma mental sensória no ambiente terrestre. Era aí o centro de vida, e aí permanece. A morte não pode mudar o tipo de personalidade. As idéias dominantes são conquistadas por longa repetição, até adquirir seu hábito; as novas qualidades, constituindo os novos instintos, formam-se com a técnica dos automatismos e não se improvisam nem sequer com a morte. Resulta daí que, comunicar-se mediunicamente como os desencarnados, não representa, na maioria dos casos, senão um transbordar do próprio material humano baixo, do qual a Terra já está saturada e já temos bastante, com pouco a nos ensinar. Não é comum os grandes espíritos descerem para comunicar-se com os homens. Isso somente se verifica por motivos especiais, que não acontecem todos os dias.

Com a evolução, o centro da vida se afasta do plano material cada vez mais no sentido do plano espiritual. Quanto mais é involuído o ser, tanto mais a vida terrena lhe é não só a verdadeira vida mas também toda a vida, tanto mais lhe é preciosa e tanto mais perdê-la significa verdadeiramente morrer. Quem não possui uma vida intelectual e espiritual em que viva liberto do corpo, teme a morte, porque nela se sente realmente morrer. Ao contrário, quanto mais evoluído for o ser, tanto menos para ele a vida corpórea é a verdadeira vida ou toda a vida. Ele conhece uma vida maior, onde sabe ser eterno e indestrutível; ninguém pode matá-lo, a não ser a sua própria vontade de involuir, praticando o mal. O seu inimigo não é mais o seu semelhante, que não lhe interessa mais vencer, porque não lhe disputa o espaço vital. Sua luta é contra a própria animalidade, única coisa que o impede de dominar, subindo. O evoluído, ao descobrir essa vida maior, não teme a morte, porque sabe que não morrerá de maneira nenhuma.

De onde deriva, então, o medo natural que o ser tem da morte? Ela é o símbolo, a lembrança e a prova da queda no Anti-Sistema. Representa a negação da primeira qualidade do ser, isto é, existir. A morte exprime um contínuo e repetido assalto do Anti-Sistema contra o Sistema, para destruí-lo. Reproduz o suicídio tentado pelo espírito, ao lançar-se no abismo da matéria. É o chamamento terrível do Anti-Sistema para a destruição, e a volta de seu impulso demolidor de tudo. Quando ela se aproxima, o ser sente-se tornar a cair no abismo do aniquilamento, em que já desmoronara, com a queda. Sente-se aterrorizado ao ver-se novamente preso no ciclo da queda, que torna a pegá-la a fim de arrastá-lo para baixo.

Isto prova que o ser conhece o Sistema, com o seu estado de plenitude de vida pelo qual sempre anseia, e conhece o Anti-Sistema, com o seu estado de negação da vida, no qual se precipitara com a queda. O seu maior instinto é agora afastar-se deste, para voltar ao Sistema. Só com a teoria da queda pode explicar-se esse instinto de fugir à morte, onde se revela o Anti-Sistema, para reentrar naquele estado de vida perene, onde o Sistema predomina. O ser anseia a sua vida completa, que possuía no Sistema, e tem horror do Anti-Sistema que, com a morte, tenta demolir a cada instante a sua vida. A queda da integridade originária é uma cegueira dolorosa e o ser se agarra desesperadamente à vida, para não se precipitar no abismo que a queda escancarou a seus pés.

Que significa a ânsia de imortalidade, esse desejo irrefreável de sobreviver de qualquer modo à própria morte, com qualquer obra imperecível. Esse anseio exprime a vontade de escapar à prisão das areias movediças do Anti-Sistema, que procuram engolir a vida. Doutro lado existe um anseio de crescimento, paralelo ao de não querer morrer. Não apenas sobreviver, mas desenvolver-se cada vez mais. Querem crescer as plantas, os animais, as crianças; querem crescer os povos com o progresso da sua civilização. Se o primeiro anseio exprime a vontade de escapar ao Anti-Sistema, este segundo exprime a vontade de aproximar-se do Sistema. É inegável o fato, por todos verificável: o contínuo esforço do ser para não morrer, defende, desesperadamente, a sua vida a fim de vencer o princípio de destruição, representado em todas as coisas pela presença do Anti-Sistema; e é fato inegável também o esforço contínuo para ampliar e reconstruir a vida, para vencer com o princípio da reconstrução, que representa a presença do Sistema.

Mostra-nos tudo isso que somos feitos de vida perene, tal como existe no Sistema, tendo se despedaçado com o desmoronamento no Anti-Sistema. Demonstra-nos, também, a nossa substancial indestrutibilidade, ou seja, que somos feitos de vida imortal, porque não pode morrer. O ser sabe, instintivamente, que apesar da queda, é filho do Sistema, e não quer submeter-se ao Anti-Sistema, pois este é apenas efeito transitório de um erro e não pode representar um estado definitivo. Embora submerso no Anti-Sistema tenta conseguir o que representa, ali, um absurdo: a plenitude da vida. No entanto, esse instinto não erra, porque o ser decaído só pode existir em função da reconstrução do Sistema. O ser tenta a loucura de querer vencer a morte, porque o seu instinto lhe diz ser feito de vida, de uma vida mais forte que todas as mortes. O sonho de libertação que arde no fundo de todos os corações, ainda que pareça irrealizável, está escrito que se realizará um dia, e não poderá deixar de realizar-se. Esse é o significado dos instintos humanos de imortalidade e crescimento e os instintos não erram. O grande sonho de jamais morrer, há de realizar-se, e para isso espera o ser atingir o cimo da escada evolutiva, onde reencontrará o Sistema, e com ele a vida eterna. O elixir da longa vida procurado pelos alquimistas medievais para conseguir a eterna juventude, existe; não, porém, sob forma de bebida, mas de esforço para evoluir, porque com a evolução será reconstruída a vida plena e contínua, não mais interrompida pela morte.

Já dissemos, no capítulo precedente, que a evolução, ao permitir-nos o afastamento do Anti-Sistema, nos liberta da morte, porque nos leva ao Sistema onde esta não existe. Os fatos confirmam estas asserções, pois, quanto mais a vida é involuída, tanto mais rápida é a mudança vida-morte a que está sujeita. Que significa isso? No estado monocelular ou microbiano, a vida do indivíduo pode reduzir-se a poucos minutos. Ora, é lógico ser presença da morte tanto mais freqüente, e a incerteza da vida tanto maior, quanto mais retrocedermos ao Anti-Sistema. Mas, a evolução nos conduz para a vida, com isto reforça as suas posições e, subindo, mais se torna longa e resistente.

Vemos o mesmo fenômeno no progresso das civilizações. A maior sabedoria do selvagem involuído consiste toda em saber fazer guerra, produzindo em seu plano um regime onde a maior habilidade e o valor mais alto consistem em saber matar as feras e o próximo. Ao contrário, a sabedoria do civilizado evoluído não consiste em saber agredir o próximo, mas em saber organizar-se com ele para a maior vantagem de todos, significando um novo afirmar-se da vida sobre a morte. Dessa forma, com a evolução, desaparece a ferocidade para dar lugar à inteligência. E para que serve tanta luta, das plantas entre si, dos animais aos homens, senão para desenvolver a inteligência, qualidade do Sistema? A morte, qualidade do Anti-Sistema, está sempre pronta a ameaçar o instinto fundamental da vida. Esta, porém, que não quer morrer, é obrigada a defender-se e, para defender-se, é levada a desenvolver todas as qualidades necessárias a esse fim. É por isso que surgem e se aperfeiçoam os sentidos, para desempenhar a tarefa mais urgente, que é do ataque e defesa, exatamente como ocorre com as novas invenções científicas, empregadas em primeiro lugar para fins bélicos de ataque e defesa.

Dessa forma, o ser é impelido a evoluir, pelo terror da morte e pelo anseio de viver, ou seja, por sua instintiva repulsa ao Anti-Sistema e por sua atração ao Sistema. A sua primeira conquista dos poderes dos sentidos tende a completar-se, mais tarde, com a conquista dos poderes intelectuais. Para o animal, perceber é tudo, tendo, com efeito, muito mais acuidade sensorial que o homem; este, ao invés, já conquistou, em compensação, outros poderes intelectuais, sendo, com isso possível controlar o valor dos resultados obtidos através das sensações, que o animal aceita cegamente, sem discutir, incapaz de discriminar o seu valor exato. Por isso, tanto o animal como o homem primitivo são muito mais escravos da ilusão sensória em relação ao mundo exterior, do que o homem habituado ao controle de si mesmo e dos próprios meios de percepção. Sem dúvida, um macaco, com seus olhos mobilíssimos, é muito mais hábil que o homem normal e capaz de ver, concomitantemente, tudo o que lhe acontece em torno. Mas, o macaco sabe avaliar muito menos o significado das percepções recebidas.

A evolução opera, então, um desenvolvimento diferente, não na forma extrovertida, produzida pelos meios sensórios, mas na forma de introspecção que, com o controle racional antes desconhecido nos seres inferiores, incrementa o valor crítico das observações alcançadas sensorialmente. Transforma-se, dessa maneira, completamente, a própria apreciação da realidade exterior, que acaba revelando aspectos totalmente inacessíveis aos meios sensórios. Por isso, aparece não apenas uma nova consciência do mundo exterior, permitindo maior proteção da vida, mas a evolução arrasta o ser, no seu próprio caminhar, cada vez mais para o mundo interior que é o mundo de espírito, ou seja, o regresso ao reino do Sistema.

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Procuremos responder, agora, à segunda parte da pergunta, relativa à reencarnação. Na teoria exposta o ponto fundamental que explica tudo, e sem o qual nada se compreende, é a reencarnação. Sempre colocamos morte e nascimento como dois pólos opostos do mesmo fenômeno vida, como dois momentos paralelos indissolúveis, um como condição indispensável do outro. Sem esta concepção de uma vida mais ampla, ligando todas as pequenas vidas no tempo, não se pode conceber o fenômeno da evolução, nem mesmo espiritual, em que se baseiam as religiões. O conceito de uma criação espiritual, que ocorra toda vez, individualmente, a cada nascimento, quebra todo o conceito de equilíbrio e de continuidade, fazendo do universo material-espiritual uma desordem absurda e caótica, em que nada mais se compreende. Essa idéia de uma criação da alma a cada novo nascimento pode ser colocada ao lado da idéia que diz ser a Terra o centro do Universo, em torno da qual o sol gira, como também a idéia do homem como único habitante objetivo da criação, e ainda a concepção antropomórfica de um Deus que pensa e age à semelhança do homem.

De fato, o ser progride através dessa contínua oscilação entre as duas posições inversas e complementares, que são vida e morte. Com a revolta, o espírito não morreu. Apenas a sua vida se inverteu no seu contrário: a morte, de onde vai ressuscitando à proporção que percorre o caminho da evolução. E, através das inúmeras mortes, vai ressuscitando cada vez mais com a evolução. Pensando negar a Deus para afirmar a si mesmo, o ser, com a revolta, não tocou em Deus e negou apenas a si mesmo, precipitando-se da vida, na morte. Com a evolução, deve agora tornar a subir da morte para a vida, com oscilações cada vez mais lentas, nas quais a fase morte vai sendo reabsorvida com o afastar-se do Anti-Sistema, até atingir a plenitude da vida sem mais morte, no Sistema.

Muitos afirmam esta verdade da reencarnação, mas poucos se perguntam por que a evolução tenha tomado essa forma de vidas alternadas com as mortes. Poderia ela perfeitamente realizar-se numa continuação progressiva, sem estas interrupções e inversões. Se fosse verdade, como alguns sustentam, que Deus houvesse criado os espíritos simples e ignorantes, para depois se tornarem completos e sábios com a própria evolução, donde teria surgido e que significado teria esse jogo de voltar atrás, da vida para a morte, a cada novo passo? Isso não teria razão de existir e a evolução deveria ser percorrida em linha reta, caminho mais curto entre o ponto de partida e o de chegada, e que logicamente desenvolve um impulso dirigido numa direção certa e precisa. Se o desenvolvimento não corresponde à natureza do impulso, quer isso dizer que outros impulsos entraram em jogo. É preciso, então, descobri-los e estudar-lhes o desenvolvimento, como fizemos neste tratado. Não é possível resolver os problemas, deixando-os num canto, ignorando-os, e a pior das soluções é deixar as mentes insatisfeitas, sem resposta. É necessário tornar bem claro: a evolução não tende apenas a subir, como deveria ocorrer numa criação que nasceu imperfeita e destinada a aperfeiçoar-se, mas tende, também, intermitentemente a retroceder. Urge explicar essa técnica estranha de construção, mediante a qual a evolução constrói, para depois demolir reconstruindo mais alto; em seguida tornar a demolir para mais tarde reconstruir mais acima assim por diante. Que maneira estranha de avançar, retrocedendo a cada passo! O fato de uma primeira criação simples não o justifica de maneira nenhuma. Só com as teorias aqui expostas encontramos a sua plena explicação.

Todavia, o mais estranho é isto: justamente alguns dos que mais admitem a teoria da reencarnação, porque faz parte de sua doutrina religiosa, precisamente negam a teoria da queda, porque faz parte de outra religião. Quando Galileu afirmou que não era o sol que girava em torno da Terra, mas a Terra em torno do sol, queria afirmar uma verdade científica e não religiosa, e a Bíblia nada tinha a haver com esse problema. Da mesma forma, queremos aqui afirmar uma verdade científica e não religiosa, e a ciência não costuma levar em conta o modo como as religiões resolvem os seus problemas.

Além disso, os que admitem a reencarnação e negam a teoria da queda, não percebem como estão ligadas estreitamente as duas coisas, e que, negando a queda, negam o Anti-Sistema e tudo o mais que possa explicar a presença da morte e dessa alternativa vida-morte, chamada reencarnação. Sem a queda não se justifica a reencarnação, a quem nega uma, deve negar também a outra, pois não possui elementos para justificá-la. Se a maior explicação da razão primeira da reencarnação está na teoria da queda, não é possível admitir, logicamente que se possa crer na reencarnação sem aceitar a teoria da queda que a condiciona. Só com esta teoria pode compreender-se a necessidade desse contínuo voltar atrás, que se chama morte, sempre no meio daquele impulso para a frente, que representa o maior impulso da vida. Só com a teoria da queda se explicam essas contínuas contrações das conquistas da evolução, em relação a um passado incompreensível se não estiver situado no Anti-Sistema, derivado da queda. Só assim se compreende essa tendência ao reenvolvimento das trajetórias desenvolvidas pela evolução, tendência a voltar atrás para a morte, enquanto tudo está subindo para a vida. Esses escorregões contínuos em direção retrógrada seriam inexplicáveis e imperdoáveis defeitos numa obra que, por ter saído diretamente das mãos de Deus, não é admissível apresentar defeitos.

Esta é a explicação da intermitência da vida, possuída pelo ser. Sem a queda, a vida, embora imperfeita, deveria ser contínua, evoluindo por continuidade e não através do contraste entre os dois pólos opostos, vida e morte. Por isso o cansaço e a necessidade periódica do descanso na morte, que acontece no fenômeno do desenvolvimento da vida, sem contudo esta jamais se esgotar, retomando depois o seu desenvolvimento normal. Este fenômeno não pode ser atribuído a um cansaço da vida, pois esta representa um princípio divino, qualidade fundamental do ser, não podendo jamais cansar-se. Tanto é verdade que, de forma contínua e inexaurível, tudo reconstrói e a vida renasce invencível das cinzas e da morte. Apesar de seus contínuos assaltos, a morte nunca vence definitivamente, sendo sempre vencida pela vida!

A cada existência o espírito constrói para si, de acordo com o grau de evolução alcançado, um edifício adequado, e a cada vida procura levá-lo a um grau mais alto de desenvolvimento. Mas, a cada morte, o edifício é demolido e a construção orgânica desfeita até ao estado de matéria inorgânica; e a cada nova vida o edifício é reconstruído sempre num estado de unidade orgânica um pouco mais complexa e perfeita do que a precedente. Assim realiza-se a evolução, numa reconstituição contínua, na qual a parte espiritual do ser, dirigente do seu andamento, volta atrás para arrastar consigo nessa caminhada, a parte material no pólo oposto. A vida representa o impulso do Sistema, dobrando-se sobre o Anti-Sistema, que resiste, em seu estado de destruição. O ser, preso nesse contraste, só pode existir arrastado ora por um, ora pelo outro impulso do Sistema, dobrando-se sobre o Anti-Sistema para fazê-lo ressuscitar. A morte representa o Anti-Sistema, que resiste, em seu estado de destruição. O ser, preso nesse contraste, só pode existir arrastado ora por um, ora pelo outro impulso, ou seja, sempre morrendo e sempre nascendo. Isto continua até que, após ter aprendido e subido tanto, sempre vivendo e morrendo, o ser aprenda a viver sem morrer jamais. Quanto mais progride para a frente, menos o ser escorrega para trás, na direção do Anti-Sistema, onde reina a morte, e cada vez mais se adianta para o Sistema onde reina a vida.

Dessa forma, o fenômeno da reencarnação não é estático, mas em contínua transformação, no sentido de se tornar cada vez mais vida e cada vez menos morte. A evolução tem a função de arruinar o Anti-Sistema e de reconstruir o Sistema. Por isso a reencarnação é um fenômeno transitório, que tende, por meio da evolução, a aniquilar-se; quanto mais se sobe, mais a morte deve ser reabsorvida pela vida, tanto quanto o Anti-Sistema no Sistema. Quando, à força de subir, tiver desaparecido completamente a morte, com a entrada do ser no Sistema, onde tudo é vida, então cessará também o fenômeno da reencarnação. Terminada a construção do edifício destruído, fecha-se o ciclo das reencarnações, porque já não mais terá nenhuma função a preencher, nem razão de existir. A grande aventura da queda está terminada e tudo reentra no estado originário de perfeição do Sistema.