A visão apareceu completa. Registramo-la na primeira parte, e temos o manuscrito sob os olhos. Podemos agora relê-lo, com outra forma mental: examiná-lo-emos nesta segunda parte à luz da razão, com a psicologia da análise e da crítica, que diverge fundamentalmente do estado de inspiração. Agora vamo-nos transformar em incrédulos a quem é lícito toda a discussão e toda a dúvida, para enfrentar a teoria exposta, agora submetida a uma ação de controle racional, necessário para provar sua veracidade. Se ela corresponder aos fatos e for por eles confirmada, poderemos aceitá-la, declarando que a inspiração viu efetivamente a verdade. Se assim não for, temos obrigação de não aceitar essa teoria. Por aí se vê até que ponto trabalhamos sem preconceitos nem dogmatismos, sem preocupar-nos de chegar a esta ou àquela conclusão, sem antepor à pesquisa, totalmente desapaixonada, às teorias desta ou daquela escola ou religião. Esta posição de absoluta imparcialidade, pela qual nós mesmos procuramos demolir, com dúvidas, os resultados de nossa inspiração, é a única a nos dar a garantia de ter visto uma verdade, garantia indispensável, se quisermos atingir resultados positivos, sem cair na fantasia.

As probabilidades de erro são muitas, no terreno da metapsíquica onde nosso espírito trabalha, e ainda conhecemos pouco a sua estrutura e funcionamento, para podermos julgar com segurança os seus produtos. Para o homem, a alma humana é ainda um abismo desconhecido, onde se movem forças de que não sabemos a origem nem as possibilidades. Enquanto não submetermos os resultados das operações do espírito a severo controle positivo, a ciência tem o direito de não os tomar a sério. De nossa parte, esta análise e crítica dos resultados de nossa inspiração leva-nos a resultados jamais alcançados no terreno teológico em que, agora, se aventuraram as nossas indagações. Entendemos por teologia a ciência das coisas de Deus, a que enfrenta os problemas máximos do conhecimento, situados no absoluto: teologia pertencente a todas as religiões na medida em que se ocupam das coisas de Deus. Pois bem, neste campo, inatingível para a ciência, poderemos chegar a conclusões positivas, alcançadas mediante um controle racional até chegar às provas, em nosso mundo, das verdades descobertas por inspiração, as quais, doutra maneira, escapariam no absoluto. Obteremos assim um plano de teologia demonstrada, e esta, baseando-se em provas encontradas em nosso mundo, tem o direito de ser levada em consideração mesmo pelos racionalistas positivos.

Estes resultados, nós oferecemos a todos, imparcialmente, seja às várias religiões, à filosofia ou à ciência. A solução dos problemas máximos interessa a todos. Subir o monte do conhecimento representa uma conquista para todos os homens. Levantar o véu do mistério é a grande aspiração e o maior progresso. Oferecemos o produto genuíno de nossa pesquisa, que é inspirativa e racional ao mesmo tempo. Cada um usá-lo-á da forma que lhe for mais útil. Nossa pesquisa é absolutamente desapaixonada. Nossa única finalidade é conhecer as causas primeiras, de que derivou a gênese e a estrutura de nosso universo, e não é, de modo algum, defender aprioristicamente esta ou aquela religião. Iniciamos as pesquisas sem saber aonde chegaríamos nem quais seriam as conclusões. Provavelmente, agindo desta maneira, descontentamos a todos, pois cada um procura mais achar provas em favor do próprio grupo, do que descobrir a verdade. Mas, em compensação, achamos a resposta a muitas perguntas que estavam em suspenso sobre nossa cabeça. Isto é o que vamos explicar nesta segunda parte.

Enfrentemos, pois, a visão, para verificar se ela resiste às várias objeções e se as  nossas dúvidas poderão destruí-la. Devemos, por isso, ser sinceros e honestos, mesmo nas dúvidas. Devemos ser impelidos apenas pelo desejo de conhecer a verdade, prontos a sacrificar, a ela, todos os nossos preconceitos, a render-nos sempre à evidência, todas as vezes que ela surgir. Não podemos antecipar as conclusões da pesquisa e obrigar-nos a repelir esta ou aquela verdade, apenas pelo fato dela ser contrária a certos princípios que ainda não estão demonstrados. Quem está na fase da pesquisa sabe que pode chegar a qualquer conclusão e deve estar pronto para qualquer surpresa.

Por isso, temos de ser pesquisadores sinceros, que amigavelmente se ajudam no mesmo trabalho de indagação, e não polemistas que procuram sobrepor-se, esforçando-se cada um por impor ao outro a própria verdade. Para nós, situados no relativo, as perspectivas são diferentes. Dessa forma, não só as verdades são relativas à posição particular de cada um, como também são progressivas, ou caminham em evolução, e são conquistáveis por aproximações sucessivas. Por isso, os verdadeiros pesquisadores, sabendo disso, não fazem polêmicas, mas pelo contrário, ao invés de procurarem eliminar-se mutuamente, como num combate de esgrima, buscam o caminho da compreensão para colaborar, combinando as próprias visões particulares para alcançar uma visão de conjunto sempre mais vasta. Por estas afirmações se compreende quanto esteja afastada de nós a idéia de proferir afirmações catedráticas, em tom de autoridade. Explicamos tudo isto, porque o objetivo destas pesquisas é também mostrar o método evoluído com que elas devem ser conduzidas, e porque este estudo quer ser também uma escola de arte de pensar de acordo com uma técnica mais produtiva.

O sistema de querer vencer polemizando, ou seja, usando as palavras e os argumentos como armas e projéteis, para esmagar o inimigo, é o sistema do homem primitivo, que instintivamente ainda adota os métodos da guerra, para ter razão contra os outros. Nos planos mais elevados, não é o vencedor, o mais forte em dialética mas o que, usando da mais simples sinceridade, convence porque demonstra que descobriu desapaixonadamente maiores verdades e sabe dar as provas necessárias. Ora, a descoberta da verdade pertence a quem vive nesses planos mais altos e usa seus métodos. Os involuídos sabem fazer bem as guerras e vencê-las, sendo muito fortes no terreno da luta pela vida, mas são impotentes diante do problema da busca da verdade.

É preciso compreender este princípio geral, de que a verdade não se conquista – como as coisas humanas – pela força ou pela astúcia, mas sim pelo amor. A verdade está escrita, fechada no pensamento de Deus, e só se revela a quem mereça conhecê-la, porque esse dará garantia de saber usá-la bem. A ele a verdade abre suas portas e se deixa conquistar pela sinceridade e pureza de intenções, pela humildade do pesquisador e pelo desejo de conhecê-la para o bem. Quando aparece o contrário, ou seja, o orgulho de apoderar-se da verdade para explorá-la e impô-la ao próximo; quando transparece na busca a insinceridade, o egoísmo, as segundas intenções; a verdade que é constituída por inteligentes correntes de pensamento, recusa-se e fecha as portas ao seu conhecimento. A verdade se esconde dos involuídos, porque estes a usariam mal e portanto devem ser dela excluídos até que tenham atingido, vivendo e lutando, o necessário amadurecimento. Por conseguinte, quando deparamos com quem queira impor a própria verdade, vendo no próximo antagonista a serem derrotados, ao invés de neles encontrar colaboradores que lhe possam apresentar novos e inéditos aspectos; então, podemos dizer que este não só descobrirá pouco da verdade, mas também demonstra nada ter compreendido a seu respeito, apenas pensa poder pregar só por tê-la aprendido dos outros. Tudo isto pelo fato de procurar impô-lo ao próximo. A verdade se entrega a quem ama, e quem ama procura a unificação com os seus semelhantes, e não o domínio sobre eles. Isto porque a verdade está em Deus, e só podemos nos aproximar de Deus pelos caminhos do amor, ou seja, unindo-nos fraternalmente ao próximo. Quem assim não procede, mesmo quando prega a verdade em nome de Deus, só consegue afastar-se dela e de Deus. Portanto, com a agressividade polemística não se difunde nem, muito menos, se descobre a verdade, antes, pelo contrário, ela se sufoca e se nega, pois tudo o que não é amor não pertence ao Sistema, mas ao Anti-Sistema.

A nossa finalidade, pois, deve ser única; a de chegar a conhecer a verdade. Com o máximo respeito para com tudo já dito pelas religiões e filosofias, somos obrigados a enfrentar sozinhos, para resolvê-los, os problemas que elas não enfrentaram nem resolveram. A Lei de Deus rege todos os fenômenos e não há religião nem filosofia que lhe possa alterar o funcionamento. Tanto no mundo espiritual como no material, há fatos positivos que como tais a todos se impõem, independentemente de nossas crenças. Galileu não podia impedir que a Terra girasse em redor do Sol, fazendo o Sol girar em redor da Terra, só porque a Bíblia podia fazer supor que assim acontecesse. Da mesma forma não se poderá impedir que a reencarnação seja verdadeira, só pelo fato do o catolicismo sul-americano a combater (o catolicismo europeu nem sequer se interessa por isso e não a combate). Assim também não se pode impedir que a teoria da queda dos anjos se nos apresente com grande possibilidade de ser verdadeira, só pelo fato de vários espiritistas brasileiros não a aceitarem, por ela parecer de origem católica, sem saberem que os teólogos de Roma seriam os primeiros a condenar o nosso ponto de vista, pois a teologia clássica os orienta de modo completamente diferente.

Infelizmente, sobre estes problemas e suas soluções apoiaram-se numerosos interesses materiais e morais de casta, que para defender-se criam obstáculos a cada passo, como trincheiras no caminho do pesquisador. A este não é pedida, de modo algum, a verdade, que pouco interessa, porque já a julgam em suas mãos, mas pedem-lhe se filiar ao próprio grupo, para fazê-lo crescer. Assim, o pesquisador sem preconceitos é constrangido a esbarrar a cada passo do seu caminho, com as estradas transversais, onde está escrito: local ocupado, aqui não se passa! Mas, isto está perfeitamente justificado, porque o mundo está organizado segundo o tipo médio normal, mais precisando de chefes que o dominem e o domem, do que de compreensão e liberdade para poder realizar investigações, a fim de chegar ao conhecimento da verdade. Por isso, a resposta ao nosso esforço de investigação não foi discutir o problema em si, para saber como de fato se passavam as coisas, mas foi, sobretudo, para cada grupo, saber se as conclusões concordavam ou não com princípios seus; em caso afirmativo, declarando-as ótimas, em caso negativo, condenando-as.

As necessidades da mentalidade corrente parecem ser diferentes. O que se pretende a qualquer coisa nova que surja, é enquadrá-la num dos muitos padrões já existentes para catalogar todas as coisas humanas. Esta é, com efeito, uma das características do ser situado no anti-sistema, de conceber tudo dividido e de querer fixar essas suas divisões em categorias separadas e contrastantes. A criatura situada no Anti-Sistema não concebe uma idéia senão em posição de antagonismo com outra oposta à sua. Por isso, a principal preocupação de muitos que acompanham estes estudos, é saber, em primeiro lugar, a que religião ou corrente humana pertencem, naturalmente, para formar grupos e agredir os que se acham do outro lado. E é incrível a desilusão, quando não acham nada disso. Seu sentimento é quase de desgosto, diante desta estranha linguagem de imparcialidade e universalidade, num mundo fundamentado em outros princípios. Linguagem que dá, a quem vive de lutas, com a psicologia correspondente, um sentido de inutilidade, como de ecletismo vazio e passatempo para diletantes.

Mas, perguntamos: como é possível excluir a priori esta ou aquela filosofia ou religião, garantir que não possa haver, no campo alheio, um pouco de verdade, só porque não está em nosso campo? Como negar que o outro aspecto da verdade, possa ser talvez o mesmo que nos falta para completar a nossa? E como não admitir também que, mesmo no campo alheio, possa faltar outro aspecto da verdade, e seja este justamente o que não possuímos? A voz de todas as coisas é tão grande e rica, a presença do pensamento de Deus é tão universal no todo, que cada um terá visto, por certo, algo da verdade. Num mundo onde tudo é relativo, como admitir estar a verdade toda de um lado, e nada do outro? Como é possível acreditar que a verdade esteja toda exclusivamente do próprio lado, e o erro sempre do lado oposto? Isto corresponde à psicologia de quem vive no plano da luta animal, mas não à de quem vive no plano mais evoluído, no qual deveria estar situado o homem.

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Dito isto, ou seja, esclarecidos os critérios com que procederemos em nosso exame, enfrentamos a visão. Eis-nos, pois, como incrédulos, mas incrédulos honestos. Portanto, devemos permanecer eqüitativos, sinceros, fraternos com todos. Como incrédulos, temos direito de perguntar: será verdadeira esta teoria? Como tais, temos de partir da dúvida, para somente aceitar o que ficar provado. Mas, embora honestamente imparciais, não podemos deixar de reconhecer verdadeiro o que sinceramente nos convence.

Ora, a razão pela qual estou desenvolvendo e aceitando a teoria da queda, não é tanto por um ato de fé cega nas origens inspirativas da mesma, quanto pelo fato dela resolver muitas das minhas dúvidas, explicando muitos fatos e solucionando muitos problemas, num quadro orgânico e harmônico, reconduzindo tudo à unidade e ao mesmo tempo satisfazendo as exigências da minha mente e do meu coração. Esta teoria me dá, de Deus, um conceito verdadeiramente grande e bom, que permanece tal apesar da maldade dos ruins dominar em nosso mundo humano. Nesse conceito, que busca afastar-se cada vez mais dos conceitos comuns antropomórficos da Divindade, vejo triunfar a bondade, a liberdade, o Amor, que um instinto irresistível me diz serem Seus atributos.

Além disso, a teoria me explica algumas coisas, que nem a razão, nem as religiões, nem a filosofia, nem a ciência sabem dar-me. Por exemplo: por que motivo nasceu a matéria? Com isto pergunto não só de que nasceu a matéria, mas por que nosso mundo assumiu a forma de matéria. E mais: por que existe a evolução? E por que ela progride da matéria para o espírito? Por que esse telefinalismo na evolução, e não outro, e por que a evolução assumiu esta e não outra forma e direção? Mais ainda: que é a vida? E por que em nosso mundo existe o contrário, a morte? E, se Deus é perfeito, donde nasceu e como se justifica entre nós a imperfeição, o erro, o mal, a dor etc.? Como podem as trevas ter nascido da luz da nossa vida, e tantas negações do existir, quando a suprema qualidade de Deus é afirmação?

Poder-se-ia responder que esse Deus é uma nossa projeção antropomórfica no vazio, pois nela se idealizam as aspirações humanas de perfeição, sabedoria, poder, liberdade, amor, vida, alegria etc., em compensação da carência, em nós, dessas qualidades que desejamos, porque nos fariam felizes. Mas, então, poder-se-ia replicar: a vida não tem finalidade? Por que lutar e sofrer tanto, senão em vista de um amanhã melhor? A natureza humana tem exigências psicológicas, ânsias instintivas que não se podem obrigar a calar. Não podemos aceitar as sutilezas filosóficas que tudo destroem, sem nada criar. Além disso, como podemos dizer ser esse conceito de Deus uma criação nossa, inconsciente, alcançada para personificar nossas aspirações num Ser Supremo que as satisfaça todas, endireitando assim a nossa posição de emborcados na tristeza da imperfeição, se ao contrário poderíamos também crer ser essa criação justamente o efeito de um desejo de compensação e de soerguimento devido à queda? Então, não seria mais o homem que criaria um Deus de acordo com uma imagem tirada do emborcamento da própria imperfeição, mas seria o homem uma corrupção da perfeição de Deus, um ser decaído, que anseia por voltar à perfeição perdida.

São muitas as objeções à teoria e algumas parecem insuperáveis, mas iremos destruí-las uma a uma. Dúvidas foram propostas por outros ou por mim mesmo criadas. Olhamos melhor para a visão, focalizando melhor os pormenores, vemos que bastava observar com mais exatidão, para responder às nossas perguntas e solucionar as nossas dúvidas. Elas apareceram porque ainda não havia sido visto tudo, e tudo se resume em esclarecer melhor, iluminando os pontos obscuros, que permanecem imprecisos. Mas em sua primeira visão de conjunto, apresenta-se-nos a teoria com as características da organicidade e unidade, com grande poder de enquadramento dos fenômenos de toda a espécie, desde os da matéria inorgânica, até aos da vida e do espírito; dos fenômenos atômicos aos sociais e morais, reduzindo a um só sistema a infinita multiplicidade de nosso relativo. E sem dúvida, uma das maiores aspirações da alma humana é a das grandes unificações. Fazer de tudo num só organismo, que não só funciona mas progride através deste seu funcionamento para um fim único, exato, satisfazendo a lógica, o sentimento e os anseios mais instintivos e profundos da alma humana, tudo isso convence a mente e sacia a alma.

Diante desses resultados, não posso deixar de perceber um sentido de fome satisfeita, fome de conhecimento que orienta a própria vida. É a saciedade do homem que, após haver atravessado as filosofias, as ciências, as religiões, pedindo a todos a explicação de tantos mistérios, finalmente a achou por outro caminho persuadindo-se, e agora vê claramente. E a satisfação é tanto maior, quanto essa clareza é comunicável e pode saciar tantos outros famintos e orientar tantas outras vidas, ainda perdidas nas trevas, por falta de uma visão clara e convincente do porquê das coisas, da vida e de seus objetivos. A filosofia caminha por sua estrada, e o mesmo faz a ciência e também as religiões. Cada um segue seu caminho e ignora o dos outros, quando até não o combate. Cada religião inimiga da outra, cada filosofia diferente da outra, cada cientista aplicado a um setor particular do saber. Todos divididos, atentos a visões parciais, fechados na terminologia e nos conceitos de sua propriedade, de que são vigilantes guardas. O conhecimento humano apenas nos oferece aspectos particulares, incompletos, perspectivas limitadas; isto, diante daquela maravilhosa unidade, à qual nossa alma sente que tudo deve reduzir-se, por necessidade lógica e por instintivo desejo do espírito.

Confesso que uma das maiores admirações, quando nasci na Terra, ao sentir-me vivo nesta veste corpórea, foi para mim a de verificar quão pouco de positivo o homem sabia, em relação aos maiores problemas, dos quais tudo deriva e em última análise, depende a própria vida e cada ato seu. Não compreendia como se pudesse agir sem conhecer, só com fundamento nos instintos, não se sendo orientado de forma positiva, clara e segura, em relação aos efeitos do próprio comportamento. Então, para poder viver, tive de buscar eu mesmo, o alimento para mim indispensável. Isto porque não sei conceber como se possa viver sem compreender. Assim, conquistar o conhecimento, coisa para mim indispensável, foi o maior trabalho de toda a minha vida e este é o melhor fruto que agora, no fim do meu caminho, posso oferecer, a fim de servir de alimento a todos quantos, como eu, tenham esta fome, que bem sei quanto é tremenda, para quem a sente.

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Ofereçamos, pois, a fim de que os outros se saciem, o fruto maduro de nossas investigações. A idéia é oferecida, não imposta. Ofereço-a como a minha verdade, sem pretender que possa ser a verdade de todos. As formas mentais são diferentes e podem ocorrer para outras formas mentais outras formas de verdade, não obstante, existirem no mundo formas mentais semelhantes. Pode acontecer, então, que estes homens encontrem, nesta exposição, a verdade adaptada a eles, os convença e satisfaça. Para estes, tal como experimentei, será grande satisfação achar o que buscavam. Essa compreensão ocorre espontaneamente entre os espíritos do mesmo grau de evolução, sintonizados por afinidade de tipo biológico, ao longo do mesmo canal de especialização de trabalho.

Que o pensamento humano não se move por acaso, é um fato. Mesmo a compreensão entre homens e a difusão das idéias depende de leis precisas, contidas nas teorias que estamos expondo, teorias que tão profundamente penetram em nossa vida, pois as estamos vivendo, no momento mesmo em que lhes estudamos a estrutura. Estamos aplicando-as enquanto observamos para ver como funcionam. Não se poderia exigir maior prova da verdade de nossa visão.

Nas próprias coisas, em seu funcionamento e desenvolvimento, há uma lógica que constitui um caminho já traçado, que não se pode deixar de seguir. Nenhum fenômeno ocorre ao acaso, mas sempre de acordo com uma sua lei que o guia e individualiza. Assim, o desenvolvimento de cada processo lógico tem uma lei sua, como a tem o desenvolvimento de cada processo dinâmico, ou químico, ou orgânico etc. Em cada fenômeno as causas continuam em seus efeitos até às conclusões. Nenhum momento do “tornar-se” universal se move por acaso, loucamente, mas dentro de margens que lhe disciplinam o transformismo, coordenando-o ao de todos os demais fenômenos, no seio do funcionamento do grande organismo do todo.

Então, todo o nosso esforço de pesquisa, quer na fase inspirativa, quer nesta de análise e crítica, e todo nosso pensamento como a nossa própria vida, funcionam e se desenvolvem dentro destas leis que tudo guiam e dirigem. É por esta razão que, ao mesmo tempo que estamos julgando a teoria, nós a estamos aplicando e vivendo, pois, ela é justamente a demonstração dessas leis, levada até a forma mental humana. Neste momento em que estou escrevendo, e depois, no momento em que o leitor estiver considerando estes conceitos, estamos todos aplicando estas leis e a teoria que as explica. Todos nós vivemos e funcionamos, em cada pensamento nosso ou ação, envolvidos no seio de um sistema de conceitos e de forças, verdadeiro organismo, em função do qual existimos, em função de tudo o que existe. As normas de nosso pensamento, mesmo nesta fase racional de análise e crítica, de acordo com o nosso atual plano de evolução e o grau de amadurecimento atingido, para todos nós que aqui estamos pensando, quer na posição de escritor, quer na de leitores, essas normas já estavam contidas na lei que dirige. O que fazemos, apenas, é aplicá-las, neste momento, segundo princípios que não podemos admitir tenham nascido agora para nós, nem tenhamos sido nós a criar, da mesma forma que a visão percebida pela intuição não representa em si nada de novo, senão o eterno funcionamento do todo. De novo, ela apenas representa o fato de que, neste momento, conseguimos vê-la e registrá-la.

Se pensarmos, se julgarmos, se aceitarmos ou não, tudo sempre será em virtude dessas leis. É assim a própria estrutura lógica de toda a teoria de que estamos tratando aqui, o que constitui uma necessidade racional que nos liga, nos constrange a chegar a certas conclusões, impondo-nos a aceitar ou não. O pensamento de todos não pode deixar de estar enquadrado automaticamente no pensamento universal, do qual constitui justamente um momento. Nossas liberdades de pensamento são relativas, contidas em margens assinaladas na estrada, guiando o incerto caminho de nossa ignorância em direção à ordem da Lei, dentro da qual são permitidas apenas oscilações no relativo.

Estudando, portanto, essas leis e a teoria que as explica, ao mesmo tempo em que a discutimos, demonstramos a existência de um organismo e percebemos que fazemos parte dele, chegando a ver em que ponto estamos situados. Assim, a construção teológica e filosófica aqui exposta, não é um edifício de conceitos, criado pela mente de um pensador que projeta a sua personalidade, elevando a sistema uma forma mental particular sua; não é somente uma construção teórica, mas é o funcionamento vivo do todo, observado enquanto está funcionando, enquanto nós mesmos funcionamos dentro dele. Para compreender o assunto, tivemos de colocar-nos em dado ponto da escala evolutiva da subida, que reequilibra a descida involutiva. A própria visão não pôde dizer-nos nada, além do que podíamos compreender, de acordo com o amadurecimento de nosso espírito. A própria visão foi apenas um novo passo para aproximar-nos um pouco mais da compreensão do pensamento de Deus. Aproximação devida à conquista atual de um novo degrau de evolução por parte da humanidade, no início do Terceiro Milênio. É a teoria contida na visão que nos explica o seu significado, a razão pela qual chegou a nós neste momento e o que estamos fazendo agora.

Em outras palavras, o pensamento torna-se cada vez mais caótico, desordenado e ilógico, quanto mais involui, aprofundando-se no Anti-Sistema; e se torna cada vez mais ordenado e lógico, quanto mais evolui, subindo para o Sistema, ou seja, para Deus, o seu centro. É lógico, pois, que a evolução traga uma ordenação sempre maior do pensamento no ser que evolui. É natural que, quanto mais o pensamento se aproxima da fonte, Deus, tanto mais esse pensamento adquire suas qualidades de ordem e de logicidade. Esse conhecimento, chegando neste momento de amadurecimento evolutivo, representa a reorganização do pensamento, correspondente a esse grau de evolução. Esta nova visão do cosmos representa uma reconstrução pequena em nosso espírito, daquele conhecimento que o ser possuía outrora, antes da queda. Desse modo, com a evolução, aperfeiçoar-se-á cada vez mais o nosso modo de conceber e de raciocinar, e a humanidade, tal como já caminhou tantos passos no passado, tantos outros caminhará ainda no porvir.

É verdade que estamos situados no Anti-Sistema, no qual ruiu a ordem do pensamento perfeito. Mas o pensamento ali permaneceu latente, desorganizado, mas não destruído, e está à espera do ser reconstruído com o nosso esforço, à medida que o nosso amadurecimento evolutivo puder permiti-lo. Devemos reconhecer no todo, não faltar o conhecimento. Só a nós ele falta, faltando menos aos mais evoluídos e mais aos menos evoluídos. A ignorância é fruto da queda, que se anula com a subida, estamos, justamente, realizando esse trabalho de anulação da ignorância. Parece nos movermos ao acaso e por tentativas, devido à nossa ignorância e, relativamente a nós, é verdade. Mas na ordem de Deus já estão assinalados os planos da subida e a posição do ser, mesmo no que respeita ao conhecimento, ao longo desses planos. Em nossa agitação confusa, não podemos seguir outro caminho senão o que já foi traçado. Dessa forma, de fase em fase, a nossa mente se abre, como uma flor na primavera, ou uma criança que cresce. Estes nada sabem da Lei de Deus, e no entanto a estão vivendo e aplicando. Todos, sábios e ignorantes, obedecem, embora mais ou menos conscientemente, ao irresistível impulso determinado por Deus, e, queiramos ou não, vivemos a Sua lei. Mas, a maravilha da evolução consiste em que, quanto mais o ser se eleva e, portanto, conhece e se orienta, tanto mais compreende a bondade da Lei de Deus e a utilidade de obedecer-lhe. Então, a obediência forçada, como deve ocorrer para um inconsciente, a uma lei determinística, transforma-se em obediência livre e convicta, como deve ser para quem sabe; obediência a uma lei que vence não por constrangimento, mas por convicção. É natural que, subindo para o sistema, reapareçam todas as suas qualidades, e desapareçam as qualidades opostas, próprias do Anti-Sistema.

Concluindo: se no próprio momento em que estamos discutindo a teoria, a estamos aplicando, isto quer dizer que ela satisfaz a este primeiro controle, em contato com os fatos. Esta é sua primeira confirmação. Esta teoria indica-nos o ponto de chegada e a direção de nosso caminho, o nosso estado futuro, cujas causas, que nós mesmos estamos vivendo, estão em ação em nosso presente. As abstrações da visão permanecem, assim, coligadas com nossa realidade cotidiana, na qual, desse modo, a teoria encontra nova confirmação. Mas a nossa análise e crítica não pode esgotar-se com tão pouco. Outras dúvidas e objeções ainda teremos de resolver. E tudo servirá para esclarecer melhor, com minúcias cada vez maiores, o conteúdo da visão.

Entretanto ela não pretende esgotar até o fundo o conhecimento, mas apenas levar-nos a um grau mais elevado do mesmo, proporcionado ao nosso grau de desenvolvimento. Indica-nos a meta final, a reconstrução do Sistema do qual decaímos, pondo-nos diante dos olhos o modelo do edifício a ser reconstruído. Dessa forma, o nosso trabalho não permanece mais abandonado às tentativas da incerteza, filha da ignorância, nem constitui uma criação deixada ao acaso ou às nossas pobres diretrizes, uma criação no novo. Ao contrário, seguimos um plano que vemos, pois se trata da fiel reconstrução do que já existia no Sistema antes da queda e com ela demoliu-se. O trabalho do homem é traçado, por isso, com lógica e enquadrado no funcionamento do todo, porque o ponto de partida indica qual é o ponto de chegada e a coincidência de ambos.

Se essas são as vantagens práticas da visão, devemos também delinear os seus limites. Sem dúvida ela abriu a nossa mente a horizontes mais vastos. Mas tudo permanece em relação com o nosso atual grau de evolução, que, se permitiu uma superação dos limites do passado, por sua vez nos coloca outros, para além dos quais, em nosso estado atual, a visão não dá resposta. Assim, não podemos saber o que poderá ter ocorrido ou o que poderá ocorrer, além da criação dos puros espíritos. Sabemos apenas não poder negar a Deus a possibilidade de transformar-se mesmo segundo outros sistemas e tipos de criação. E ainda mais difícil seria responder a quesitos mais afastados, como por exemplo: Por que Deus existe? Por que Deus é trino? Por que quis assumir três formas, e não duas ou quatro? Podemos apenas saber que é assim, porque é assim. Chegados às causas, queremos saber as causas das causas, mas temos de deter-nos num ponto em que devemos aceitar os fatos, axiomaticamente, como são, sem precedentes casuais. De tudo isso, a visão não nos diz as razões. Achamo-nos assim, também aqui, diante de limites que não podemos ultrapassar. A visão explica como foi feita a obra de Deus, mas não quais os desígnios de Deus. Neste terreno não explorável, não podemos aventurar-nos, pelo menos hoje, no grau atual de nossa evolução. Na análise e crítica da teoria, não poderemos colocar estas indagações porque, uma vez que dizem respeito a um terreno situado além do limite de nossa compreensão, a visão não dá a elas, logicamente, nenhuma resposta.