Procuremos observar, sempre mais de perto, o encontro entre involuído e evolvido na vida real do nosso mundo.
O embate não é, por nada, pacífico e desenvolve-se no terreno de uma luta desapiedada, de todos contra todos, do mesmo modo como ocorre, embora em outra forma, entre as feras da floresta. Em nosso mundo prevalece a lei do involuído, por força da qual o modelo ideal, o que mais vale, é o mais forte. Não se trata exatamente de um mais forte de musculatura, presas ou garras, como na floresta. A força aqui se refina na astúcia, a ferocidade pode esconder-se sob uma veste hipócrita de bondade, mas o princípio permanece o mesmo, tornando a vida ainda mais desapiedada e difícil, debaixo de uma aparência que esconde a verdadeira natureza da realidade.
Poder-se-á dizer com isto que a vida é dura, mas não que seja ilógica. É sempre coerente e justa. Como poderia deixar de ser dura, uma vez que se trata de planos de vida inferiores, cuja finalidade é de colocar solidamente as bases da vida, que, antes de ser boa e sapiente, deve ser forte? Na fase do involuído devem ser plantados os alicerces do edifício biológico e nesta não é ainda possível cuidar dos embelezamentos e refinamentos das superelevações posteriores. Naquela sua fase elementar de evolução, a vida não cuida ainda de construir o homem orgânico das grandes unidades coletivas, como o será o componente de uma futura humanidade disciplinada e pacífica. Este trabalho dar-se-á depois, na fase do evolvido, mas, nesta, do involuído, a vida quer alcançar outras finalidades, quer produzir outro fruto. Quer criar o indivíduo forte, matéria prima para as criações posteriores, mais complexas. O indivíduo representa o bloco de pedra. Com a sua multiplicidade poder-se-á, depois, elevar o edifício futuro.
No seu trabalho de reconstrução, a vida deve enfrentar uma infinidade de problemas e os vai resolvendo sucessivamente. O trabalho a ser executado num plano de existência, não pode ser efetuado num outro. O ser que começa a existir num ambiente hostil, deve aprender, em primeiro lugar, a manter-se nele, impondo-se com a força. Neste plano, a bondade, qualidade preciosa quando se trata de conviver socialmente, constitui uma verdadeira fraqueza, um defeito, um, valor negativo, daninho e contraproducente. Há, pois, razão  justa, quando, nos planos inferiores, a vida deixa que o débil seja desprezado, antes que ajudado, deixa que o instinto do mais forte seja o de esmagá-lo para eliminá-lo. Esta é a lógica daquele plano de evolução, ainda que a lógica dos outros planos seja diversa. Também a floresta possui as suas leis, e os selvagens, como as feras, obedecem-lhes. Se isto toma formas ferozes, esta é a sua justiça; se isto, para quem se encontra mais no alto, parece anarquia e caos, aquela é a sua ordem.
Nesse mundo de egocentrismos rivais, onde tudo é inimigo, o matar produz vida, porque libertar-se de um perigo, significa conquista de espaço vital. Onde tudo é inimigo, destruir corresponde à  vitória sobre todos os rivais. Por que, de outra forma, a natureza haveria dotado todo ser com suas próprias e adequadas armas de ataque e defesa? E por que, diversamente, tão logo o mundo. começa a civilizar-se, nascem aquelas soluções evangélicas, aparentemente absurdas, uma vez que invertem aqueles princípios com a pretensão de destruir aquelas armas, que, anteriormente, era a garantia das bases da vida? Será que esta enlouqueceu? Não obedece mais às suas medidas habituais de lógica e prudência? Não podemos acreditá-lo. A razão esta em que a evolução, levando o ser para outro plano, para nele trabalhar, quer outro comportamento, segundo os princípios de uma lei diversa. A vida não pode deixar de permanecer lógica e coerente em todo seu momento. Eis como e porque, enquanto o primitivo, pelas razões ditas, chega ao ponto de encontrar gozo no matar, um dos primeiros mandamentos de Deus, promulgados por Moisés, é o "não matarás" que, em Cristo, vem a ser ama o teu próximo
As proposições do raciocínio do involuído são muito simples: ataque e defesa; constituem-se totalmente de força e de pouca inteligência. O que faz uma fera quando alguém se lhe avizinha? Recebe-o com suas garras. Da mesma forma os selvagens, se um estrangeiro chega ao seu território, o recebem a flechadas. E, em nosso mundo, com o desconhecido, usa-se de grande cautela, supondo-se nele um inimigo. As leis religiosas e civis tratam, o indivíduo como um rebelde a ser induzido a obediência.. Por isso é que todas as suas normas são acompanhadas da respectiva sanção penal, sem a qual não surtiriam efeito. Assim é que não se consegue ainda conceber um estado sem exército, um governo sem polícia, uma religião sem inferno. Isto compreende-se e justifica-se precisamente pelo fato de estarmos ainda no reino do involuído.
Nestes planos inferiores a vida pensa concretamente. As proposições do seu raciocínio são golpes materiais. Não podendo utilizar a mente, ainda não desenvolvida, usam-se os meios físicos. É  pelo uso reiterado destes que a inteligência se desenvolve. A sensibilização é ainda escassa e é necessária uma sólida experimentação para fazê-la aparecer. As experiências do ser aperfeiçoado, dos planos mais elevados, não seriam percebidas, por serem demasiado sutis. Não obstante o que a fera e o selvagem pensem, porque toda ação é resultado de um pensamento, suas ações são preponderantes sobre o pensamento, enquanto no evolvido o pensamento prepondera sobre a ação. Decorre disto que, enquanto, no primeiro caso, a ação é uma tentativa incerta por não ser guiada pelo conhecimento, no segundo caso, a ação, com muito menor esforço e gasto de energia, alcança maiores resultados, já que, focalizada por um pensamento preponderante, atinge exatamente o objetivo e não vai ao acaso, como acontece inevitavelmente a quem não conhece e não sabe pensar.
O primitivo é rápido em suas decisões porque pensa pouco e age muito. Este seu muito agir constitui todo o seu pensar O evolvido é lento na ação, por ser ponderado, porque suas conclusões derivam de uma muito maior quantidade de fatores. Por isso é que, enquanto o primitivo parece efetuar grandes trabalhos, uma vez que se agita muito e não sabe pensar senão dessa forma, fisicamente, o evolvido, por sua vez, cumpre um trabalho interior, invisível, mas de grandes resultados, embora pareça que nada faça.
No plano do involuído, quem mais desfere golpes vence e vive; quem mais os recebe, perde e morre. Tudo gira em torno deste motivo fundamental. Orientar-se, compreender porque se age, propor-se os problemas do conhecimento e atormentar-se para resolvê-los, tudo isto não interessa, é considerado inútil por não produzir resultado imediato. Deste, o primitivo tem necessidade; uma vez que não enxerga mais nada no caos em que a sua ignorância lhe dá a sensação de viver. É um cego que, nas trevas, agarra tudo o que poder e as coisas longínquas escapam à sua compreensão; sua inteligência nem mesmo consegue concebê-las, por isto não pode pensá-las e abarcá-las. Por isso ele considera um teórico sonhador, um ser inútil quem se ocupa de resolver, primeiro, o problema do conhecimento que se encontra fora daquela vida prática, positiva — a realidade verdadeira, o todo — para ele. No entanto, a civilização e o progresso da humanidade devem-se em grande parte ao trabalho destes teóricos sonhadores que, com o lançamento de novas idéias e das descobertas científicas, fazem avançar.


A compreensão, pois, entre o involuído e o evolvido, é difícil. O primeiro é um domador que procura dominar o próximo para reduzi-lo à escravidão; o segundo procura dominar a sua própria animalidade e as leis da natureza para elevar-se acima delas qual seu dono. O evolvido tem consciência da Lei de Deus que dirige o universo, sabe ser alcançável a felicidade somente com uma aproximação cada vez maior ao sistema e conseqüente distanciamento do anti-sistema. Por isso a sua maior ânsia é a de saber funcionar na ordem, obedecendo disciplinadamente à vontade: de Deus. É ele o biótipo social, a célula que tende espontaneamente à unificação, possuidor de sentido altruísta, fundindo-se organicamente com o próximo, amado por ele; de acordo com o Evangelho, como a si mesmo.


O involuído não possui nenhuma consciência de uma Lei diretora, acredita somente em sua própria força, convencido de poder impor-se a todos e a tudo, seguro de alcançar, felicidade por esse caminho. Por isso, a sua maior ânsia é a de revoltar-se contra a ordem para substituir a ela o próprio eu, indisciplinadamente desobedecendo à Lei de Deus. É o biótipo anti-social, protozoário unicelular tendente a viver individualisticamente, separado dos próprios semelhantes contra os quais luta encerrado no próprio egoísmo, isolado do próximo, como o Evangelho não quer. Para induzir esse tipo a seguir normas éticas de vida, não há senão o medo do próprio dano. Por isso os terrores da sanção punitiva do inferno formaram-se, não tanto como fruto de um espírito de domínio da casta sacerdotal, quanto por uma necessidade psicológica imposta pela natureza humana.


O evolvido é o ser mais adiantado que vive, quer viver e não pode deixar de viver o Evangelho. A Grande Batalha é travada para conseguir vivê-lo no ambiente involuído bem aguerrido com todos os recursos do seu plano. O Evangelho torna-se, assim, um novo tipo de luta dentro da outra luta comum para a vida, torna-se um Evangelho vivido e sofrido a todo momento, enxertado na realidade da vida que nos circunda. Assim os dois planos biológicos tocam-se e interpenetram-se. O caos vai reordenando-se, a revolta disciplinando-se na obediência, o separatismo individualista organiza-se na unificação. Acentuam-se, desse modo, cada vez mais, as qualidades dos planos mais elevadas, e atenuam-se as dos planos mais baixos. A exceção vai ganhando terreno e normaliza-se cada vez mais. Avizinhamo-nos, assim, sempre mais dos estados futuros, até tornarem-se presente. As antecipações encaminham-se a tornar-se realidade; a exceção a transformar-se em regra; a minoria, maioria; a tentativa, qualidade assimilada; o esboço uma forma definitiva. Então os princípios do Evangelho coincidirão com as qualidades instintivas das massas, sobre cujas medidas devem adaptar-se as leis se quiserem tomar-se aplicáveis. Poderá, então, a maioria impor os seus princípios e sobre estes organizar, em novas formas, a humanidade.

Até isso se realizar, o evolvido será minoria, só excepcionalmente respeitado, em geral somente depois da morte, quando o sujeito houver dado prova de tanta força, de haver sabido sobrepujar todos os obstáculos opostos a quem quer, que queira criar o novo. Estamos no terreno do involuído, onde o mais forte impera, onde manda aquele que, por possuir maior poder, haja provado saber vencer. Sobre esse terreno, o gênio, herói ou santo é exaltado somente quando, de qualquer modo, ele tenha sabido vencer. Deixado cair pelas sábias leis da vida no mundo dos involuídos para civilizá-los, o evolvido é constrangido; entretanto, a suportar suas leis e totalmente seu deve ser o esforço de enfrentá-las para modificá-las, uma vez que é esta exatamente a tarefa, dada a ele pela vida. É a ele que compete arrastar para diante a massa inerte da maioria, a qual, de seu lado, limita-se a deixar arrastar, extraindo do seu esforço, muitas vezes de seu martírio, o que lhe serve para o progresso e isto, freqüentemente, depois de havê-lo condenado, pisado, atormentado. triste é a sua sorte na terra. Raramente chega-lhe ajuda de seus semelhantes. Sorte tanto mais dura enquanto, depois de haver sido combatido e perseguido em vida, o mundo o exalta depois, na glória dos monumentos, muitas vezes tão só para dele fazer insígnia de seus próprios grupos ou partidos e para poder, depois, praticar melhor suas obras de exploração a sombra de tais bandeiras.

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Continuemos a analisar o encontro entre o involuído e o evolvido em nosso mundo. Este estudo deixar-nos-á compreender muitas coisas e porque estas se verificam entre nós. O fazemos não com a finalidade de condenar, condenação perfeitamente inútil dado não possuirmos o poder de nada modificar, mas o fazemos para compreender, de maneira a esclarecer, pelo menos, os inteligentes, para que procurem evitar o próprio dano, sempre conseqüente de práticas erradas. Nas grandes linhas, para as massas, compete ao tempo e à história, guiada por Deus, amadurecer o desenvolvimento da vida. Estamos aqui para explicar este processo, para verificar e compreender o que acontece, deixando seja dado a cada um aquilo que merece. Não estamos aqui para refazer o mundo, o que não nos compete, mas a Deus. Estamos, sim, demonstrando que recebemos de acordo com o nosso merecimento. Enquanto quisermos ter esse ou aquele comportamento, nada nos resta senão receber as conseqüências de nossos atos, de outra forma não pode acontecer de conformidade com a justiça. Aqui estamos para provar, mais uma vez, ser tudo regido por leis invioláveis dentro das quais estamos enquadrados sem possibilidade de escapar, ainda quando nos rebelamos à  sua ordem soberana. Procuramos, aqui, confirmar tudo isto descendo do estudo dos princípios gerais daquelas leis, estudo feito em outros volumes, até as conseqüências práticas e particulares que se verificam em nosso mundo, particularmente no caso de nosso plano de existência, aqui considerado. Poder-se-á ver, assim, como aquelas leis continuam dominando também a realidade da nossa vida comum, que, embora possa tornar-se desordenada e errada, não pode subtrair-se aos princípios de ordem que tudo regem.


Se o mundo do involuído funciona do modo que observamos, isto depende do fato de ser exatamente o mundo do involuído, eis que, se não o fosse mais, deixaria de funcionar como esta funcionando. O estado das coisas, qual o verificamos na terra, depende, pois, de nossa posição e grau de amadurecimento evolutivo, de nossas qualidades atuais, das quais deriva nosso modo de agir. Tudo depende da concepção da vida e da conseqüente modalidade de comportamento. Quando o homem houver entendido tantas coisas ainda não compreendidas, e com isto pensar diversamente, então procederá de outro modo e tudo transformar-se-á ao seu redor e transformar-se-á ele mesmo, único artífice do seu destino. O universo contém infinitas possibilidades e formas de vida e cada qual não pode deixar de permanecer naquela que lhe pertence conforme ele é. Há liberdade de escolher a própria casa, mas (aqui intervém a lei) não é possível ir morar senão na casa apropriada, correspondente às qualidades de cada um. Assim é que o homem poderá habitar a casa do super-homem somente quando esta lhe for apropriada. De certo, seria cômodo ir ocupá-la imediatamente porque é mais bonita, mas não é possível se, antes, não forem adquiridas as qualidades precisas. Um selvagem sujo e feroz não pôde morar num apartamento moderno feito para um homem civilizado.


O fato de nosso mundo ser regido pela lei da luta pela seleção do mais forte, prova que está situado ainda no plano animal-humano do involuído. Esse mundo baseia-se no princípio do egocentrismo individualista que conduz do estado inorgânico, funcionando com o método da rebelião. Isto não é um erro da vida, mas uma qualidade deste seu nível de evolução. A vida quer, antes de mais nada, viver, qualquer seja o seu plano de desenvolvimento alcançado. Alcança, assim, esta sua finalidade, fundamental, porque não poderia diversamente alcançar nenhum de todos seus outros fins; alcança aquela com os recursos que possui aquele plano do involuído, salvo alcança-la diferentemente em planos mais elevados, onde pode utilizar os meios mais aperfeiçoados conquistados pelo ser naqueles planos mais elevados. A vida, desse modo, alcança a sua primeira finalidade,  a de viver, com garras e presas no plano animal, com a força e a astúcia no plano humano, com a coordenação dos indivíduos num organismo coletivo, no plano do evolvido. Os métodos: e os resultados são proporcionais ao estado de evolução, isto é, de compreensão e inteligência alcançada.


Explica-se desse modo como a vida aceita no plano do involuído o estado de revolta egoísta, uma vez que, nesse plano, este é legitimado por representa um ato de defesa da própria vida. Dada a conformação do ambiente, se o animal não possuísse presas: e garras, como defenderia sua vida? Se o homem não usasse força e astúcia, como conseguiria sobreviver? Se o evolvido não usa tudo isto é porque não o precisa mais para proteger sua vida; sendo esta, no seu plano, protegida pelos meios civis da organização social. A vida é lógica. A natureza é lógica. Para que deveria continuar a usar o método do ataque e da defesa, quando este foi superado e portanto não há mais necessidade para garantir a vida?
Eis, porém, como o nosso mundo, onde aquele método não foi ainda superado, se explica e justifica o seu uso. E também explica-se como quando na terra nasce um evolvido, este venha a ser reprovado. Quando o involuído o vê enquadrar-se espontaneamente na ordem, disciplinar-se obedecendo às leis e formar, com isto, o seu valor, uma sua força, o involuído o julga qual um imbecil incapaz de procurar sua própria vantagem. Não conseguem eles compreender-se uma ver que possuem duas mentalidades completamente diversas.


O evolvido desdenha prostituir inteligência e energias numa luta inútil contra o seu semelhante, seu companheiro de vida, em quem ele enxerga a si mesmo. No seu plano, a ordem é realizada e isto basta para garantir a vida, na forma necessária num plano em que a atividade deve  ser utilizada em trabalhos e para conquistas superiores. Par isso é que o seu espontâneo ato de defesa consiste no .enquadramento na ordem, eis que nesta ordem consiste toda a sua força de indivíduo orgânico.


Para o involuído as coisas são diversas. Se ele abandona por um momento a luta contra o seu semelhante; este o esmaga e o elimina. No seu plano a ordem não existe, ninguém garante a sua vida e ele tem que a garantir por si mesmo. Se não sabe defender-se ninguém o defende, uma vez que cada qual tem a sua luta e não pode pôr a seu cargo a luta dos outros. A inteligência e as energias devem ser usadas primeiramente para esse fim, o mais urgente; aquele que as use para outras finalidades é julgado um sonhador, vivente fora da realidade. O enquadramento na ordem, como método de defesa, adotado pelo evolvido, nesse outro plano do involuído não tem sentido, uma vez que uma ordem verdadeira não existe, aparecendo apenas algumas tentativas de esboço. O mundo não possui ainda, senão alguns grupos egocêntricos e imperialistas, constituídos em torno dos mais fortes, que os usam, antes de mais nada, para si, ou em função de interesses de grupo. Tudo isto não serve para garantir a vida, mas para organizar a luta em maior escala. Aceitar uma tal ordem significa tornar-se servos de um determinado chefe, que, por ser o mais forte, construiu a sua ordem para si. Nesse plano de evolução, o poder, em geral, é suportado como um peso, enquanto é exercido como uma vantagem por quem o possui. De fato, na terra, com o sistema representativo, as massas procuram defender-se contra a opressão naturalmente existente no poder absoluto. É assim que o cidadão moderno, começando a evolver, procura defender-se contra um poder que tem sua origem histórica no estado de opressão que o mais forte acreditava ser seu direito exercer sobre os mais débeis que havia conseguido subjugar. Estamos no plano do involuído e, enquanto assim ficarmos, toda forma de vida não poderá deixar de manifestar-se a não ser com o sistema da luta, característica deste plano.


Como é possível pretender da vida que seja dado ao involuído o instinto da obediência quando esta não lhe traz vantagem alguma? Preferirá, por isso, a rebelião, quando esta lhe for mais útil para a vida. Exigir que esta ande contra a própria conservação, constitui absurdo biológico, admissível somente na mente do primitivo ignorante, desconhecedor das leis da vida e que acredita possível impor-se também a esta. De outro lado, é lógico que a vida dê ao evolvido o instinto da obediência, quando existe uma ordem, e o disciplinar-se traga vantagem.


Na oposição entre os dois diversos mundos, podem formar-se julgamentos diferentes, conforme se trate do involuído que, do baixo ao alto, julga o mundo do evolvido, ou trate-se do evolvido que julga, do alto, o mundo baixo do involuído. Para o involuído, aquele que se submete  por motivo de ordem e de disciplina, não é um virtuoso, mas um covarde que aceita a servidão, é um vencido merecedor de desprezo. Teórica e oficialmente a palavra de ordem é diversa, mas isto não evita que a substância dos instintos humanos seja esta. Para estes o que conta é o homem forte, capaz de rebelar-se, impor-se, dominar, vencer. Alcançar o sucesso é á que é apreciado. Quem vence tem razão pelo fato de haver provado que sabe vencer.


Na história, a vitória legitima tudo, porque  é o vencedor o construtor da verdade, naturalmente sempre para sua vantagem e glória. Quando estes são os instintos e os métodos, todos endereçados à exaltação do mais forte e à aniquilação do bom e do honesto, o que é possível esperar desse mundo senão um estado de insegurança e de luta contínua? E não depende tudo, como havíamos dito, da forma mental dominante? Tudo decorre de nossos instintos e de nossa atuação conforme a psicologia correlata.
A obediência, a disciplina, para o involuído e o evolvido, possuem significados de todo diversos. Para o primeiro representa um dano, para o segundo uma vantagem. O primeiro procura ser obedecido, o outro, obedecer. Para o involuído o homem ideal é aquele que, em qualquer campo, consegue submeter os outros a si, aquele que os outros menos conseguem dominar. Eis porque, quanto mais involuídos, tanto mais consideram valoroso o rebelar-se à ordem. Por que, em alguns países, ainda está em uso a blasfêmia? É uma prova de coragem que se pretende alardear, desafiando até a Divindade, é um descaramento da coragem. Onde esta é admirada, admira-se também a revolta, como prova de força. Como é possível pretender, nesse mundo, não busquem as religiões sua sustentação no terror da punição? Com tal instinto de revolta, se Deus não, fosse apresentado como poderoso e vindicativo, os homens; se pudessem, o devorariam.


É assim que se explica, a psicologia da antiga religião mosaica, apresentando um Deus modelado sobre a mentalidade do involuído a quem era destinado. E, então, o homem o era muito mais que hoje. Devia, pois, ser proporcionada a ele a imagem de um Deus que falasse conforme a psicologia dominante, já  que, de outra forma não seria compreendido, nem respeitado. Eis um Deus ciumento de todos os outros deuses, bem armado de punição para, conseguir obediência,. Eis um Deus, cuja primeira qualidade é a força sem a qual ninguém o teria temido. Ainda hoje o Cristianismo é forçado a buscar apoio nos terrores do inferno, sem o que não seria ouvido por muitos. Nas naturezas inferiores o temor é percebido muito mais do que o amor. Os governos absolutistas e terroristas, de fato, são possíveis somente nos povos menos civilizados.


Quando Moisés desceu do Sinai e encontrou o seu povo adorando o Bezerro de Ouro, conforme relata a Bíblia, o seu furor, em que expressou a ira de Deus, foi tremendo, e por isso Moisés, chamando a si a parte do povo permanecida fiel,, ordenou-lhe, em nome de Deus, matassem todos os infiéis: "Cada um cinja a sua espada sobre a coxa. Passai e tornai a passar de porta em porta pelo meio do arraial, e cada um mate a seu irmão, e cada um a seu companheiro, e cada um a seu vizinho. Fizeram os filhos de Levi conforme a palavra de Moisés; e caíram do povo naquele dia quase três mil homens".


Se a Bíblia, na sua singeleza, parece não aperceber-se da terrível contradição, isto não nos exime do dever de procurar compreender as  razões do fato. Pense-se bem: aquela carnificina, Moisés a determinou em nome de Deus, para sustentar aquela lei que a Bíblia declara ter sido escrita pelo próprio dedo de Deus no monte Sinal, lei que, em um dos seus mandamentos fundamentais, determina: "não matar". Aqui não procuramos condenar, mas, apenas, explicar-nos um fato acontecido e que apanharia Moisés em plena contradição. Como pode ter-se verificado isto e que forças obrigaram Moisés a tão flagrante contraste consigo mesmo, coisa que não é possível admitir fosse deliberadamente querida por ele?


O que obrigou Moisés a agir de maneira oposta a que determinava a lei por ele trazida, foi, sem dúvida, a forma mental própria dos homens pelos quais aquela lei devia ser aplicada O escopo daquela lei era o de ensinar. Ora, não é  possível ensinar a um involuído, pretendendo que ele aprenda o que deve aprender, apenas com demonstrações, exortações, apelando para uma inteligência ou bondade que ele não possui ainda. Neste caso infelizmente, há apenas um sistema: o de deixar que o violador da lei sofra o dano resultante de seu erro. Isto pelo fato  de que, naquele nível de evolução, se pode aprender somente à  própria custa. Se a finalidade a ser alcançada é, de modo absoluto, a de que o indivíduo aprenda, não se pode evitar de o deixar pagar, em forma de sofrimento, o respectivo custo.


Tão somente assim é que se consegue explicar uma outra contradição semelhante, isto é, aquela de que um Deus infinitamente bom e que nos ama irrestritamente, parece encontrar-se em pleno contraste com aquelas suas qualidades quando verificamos que Ele nos deixa sofrer desapiedadamente. Quando observamos que, nem sempre, desse modo o homem aprende, força é concluir que, garantidamente e por sempre, nada aprenderia se nem tivesse que suportar as conseqüências dos próprios erros. A causa, pois, desse procedimento, que parece absurdo, não esta na contradição de Deus, mas na forma mental da criatura, que é a que, quando se queira alcançar o seu bem, impõe esse método. Assim é, para o bem da criatura, a qual compreende apenas a linguagem dura da dor, que Deus é obrigado a tornar-se desapiedado. Não é possível fazer de outro modo quando, respeitando-lhe a liberdade, se quer salvar um ser que não sabe agir senão com a forma mental do rebelde que faz consistir todo o seu valor na força para rebelar-se contra a lei, e não na inteligência para obedecer. A causa da dor, por isso, não está em Deus, o que é inadmissível, mas está nesta errada psicologia e conduta do ser.


Bastaria compreender isto para poder eliminar, com essa psicologia, também a dor que dela deriva. Mas, infelizmente, é exatamente aquela psicologia de egoísmo e de revolta o que impede que nós mesmos não sejamos a causa primeira do mal. E, desse modo, a dor permanece. Mas é lógico, outrossim, que, alcançada, por evolução, uma outra forma mental em planos de vida elevados, a dor desapareça, não tendo mais que cumprir os anteriores fins educativos, que são sua única explicação e justificação no seio do amor, bondade e justiça de Deus. Absurdo e blasfêmia seria o admitir haja sido Deus o construtor das cadeias da dor e que a elas devamos permanecer sempre amarrados. Estas cadeias são devidas ao estado de involução e devem desaparecer com a evolução, cuja tarefa é precisamente a de tudo corrigir e sanear, reconduzindo-nos à perfeição do sistema. A dor existe para eliminar a si mesma.

A forma mental a ser corrigida é precisamente a do cidadão revoltoso do Anti-Sistema, para dar-lhe, em lugar daquela, a forma mental do obediente cidadão do sistema. Trata-se de endireitar o que havia sido invertido, isto é, de conduzir ao estado de ordem aquela psicologia de revolta., É deste contraste, dado pelo embate entre os dois métodos, opostos, que deriva aquela moral de contradição que estamos comentando. Esta contradição encontra a sua justificação lógica no contraste entre o Sistema e o Anti-Sistema, porque é o primeiro que desce do Alto para impor a sua ética mais evolvida no terreno do Anti-Sistema, exatamente para erguê-lo à condição de Sistema. Explica-se, desse modo, como, na conduta humana, aquilo que se pratica não representa  senão  uma porcentagem do que se prega como representação da lei de um plano superior em luta para realizar-se na terra.


Quando o mandamento de Deus diz: "‘não matar", quer dizer: "nunca matar ninguém". Mas quando este mandamento desce na terra, na qual é o melhor quem sabe eliminar maior número de inimigos em seu favor, então aquele mandamento se quiser subsistir em tal ambiente, deve deixar algum lugar à lei desse  ambiente, e transformar-se, adaptando-se a ele. Na prática, desse modo, o mandamento vem a exprimir-se assim: "não me mates e ajuda-me a matar os meus inimigos". De fato, foi nesse sentido que Moisés não pôde deixar de entender e aplicar aquele mandamento, logo que desceu do monte e encontrou-se frente à realidade da vida. Foi uma espécie de necessidade moral e também espiritual, porque, diversamente, a idolatria sairia vencedora.


Posteriormente, com o desenvolvimento da evolução, a lei do Sistema, fazendo pressão, tornar-se-á cada vez mais atuável, até os tempos modernos em que se chega quase a condenação das guerras, coisa inconcebível aos tempos de Moisés. Mas foi daquele modo que então se chegou, certamente não por culpa dele, mas da dominante psicologia involuída, a esta conclusão estranha: que, para defender a lei de Deus, foi preciso deixar de aplicá-la. Para tornar válido o mandamento de "não matar", para tornar possível transmiti-lo a outras gerações que, depois, o pudessem aplicar, se fez necessário violá-lo primeiro, matando uma porção de gente.


Assim desde que apareceu pela primeira vez, a lei ética, deve levar em conta a realidade do mundo. A primeira coisa que Moisés teve de demonstrar com fatos ao descer do Sinai foi a inaplicabilidade imediata da lei que proclamara. Para fazê-la descer ao plano humano, para depois educar o homem ensinando-lhe a aplicá-la, Moisés teve, inicialmente, de cair numa contradição, que permanecerá através dos séculos: a de que para poder aplicar a lei que proíbe a força, se usa a força.. Para aplicar a lei, se faz justamente o que ela proíbe. Não, é o legislador moralista que mostra a aplicabilidade da lei seguindo-a ele mesmo, em primeiro lugar, e educando com o exemplo. É ele próprio, inicialmente, que. prova a inaplicabilidade dela com o fato de não aplicá-la a si quando, exigindo obediência, afirma, com os fatos, o princípio oposto ao da obediência determinada pela lei, isto é, o princípio do próprio mando. Eis aquilo que na ética deve tornar-se, quando desce em um mundo onde o problema  fundamental sempre  presente é de ser o mais forte e de, assim, impor-se para não ser devorado. Desse modo é que encontramos na Terra uma ética de contradições, pela qual a lei parece dever valer só para os sujeitos que devem ser educados, e não para os educadores, que não ficam obrigados a aplicá-la,  embora devessem ser os primeiros a fazê-lo. É uma ética de. contradição, porquanto, determinando obediência pratica, a dominação. É. uma, ética de coação, que impõe a ordem pela força das sanções, isto é, faz a paz usando a guerra, quer atingir a não-reação usando a reação.


É assim que a ética ensina a não matar, matando; a renunciar, mantendo a posse; a obedecer mandando. O próprio moralista está imerso no plano humano, não consegue colocar-se acima de seus dependentes e com estes, mesmo em nome de altos princípios éticos, desce para a luta no mesmo nível.
Somente Cristo permaneceu em Seu plano mais alto. Somente Cristo praticou a não-reação pregada pe1a ética: Ele não desceu para pactuar com o mundo estabelecendo compromissos. Por isso, porque ele não quis usar a força, o mundo, usando a força, o matou. Sé puderam sobreviver as outras autoridades que se dizem baseadas na ética, foi porque, diante da moral pura de Cristo, elas representam uma posição híbrida de comprometimento. Assim,  assistimos na Terra ao estranhíssimo espetáculo através do qual, em nome da ética, se proíbe a reação punitiva individual, permitindo-se somente a da autoridade. Esta diz ao indivíduo: "Não usarás mais a violência para defender teus interesses; só eu posso usa-la para defender os meus. Eu, porque sou o chefe, o que venceu como mais forte, nego a ti o direito de matar por teus próprios objetivos  para usá-lo somente pelos meus fins". Na verdade, o que cada governo faz, logo de inicio, é desarmar o cidadão, reprimindo-lhe a violência, para armá-lo contra os próprios inimigos, premiando-lhe com honras a mesma violência.


Na prática, a ética reduz-se a um arrancamento de poderes da massa para poucos dirigentes, fato que se justificaria se feito com finalidades educativas ou para o bem da coletividade, o que nem sempre se verifica, já que, ás veres, tais poderes podem ser usados pelos dirigentes só como vantagem pessoal. Assim a ética constitui a primeira violação de si mesma, porque os homens que a representam, na prática, fazem exatamente o que ela proíbe. Desse modo, os princípios permanecem como teoria e fica, no plano humano o fato de que, sobrepondo-se força a força, não se alcança justiça. Enquanto se aceitarem os métodos do mundo, isso não pode ser superado.


Destarte, quisemos somente explicar o estado de contradição em que se encontra a moral humana, contradição que pode parecer mentira, mas nem sempre é desejada com tal propósito. Ela pode ser aceita com uma necessidade transitória, de adaptação dos princípios superiores às exigências de um mundo inferior, onde também eles devem aplicar-se. De qualquer modo, esta contradição é fatalmente destinada a desaparecer com o progresso evolutivo, destinada a ser corrigida quando os princípios da ética vierem a ser verdadeiramente aplicados em favor da educação do homem, ensinando-lhe a viver num plano de vida mais alto.


Na realidade prática, a substância do incidente relatado  pela Bíblia é que, na ausência de Moisés, uma outra casta sacerdotal se havia apossado do poder, então político e religioso ao mesmo tempo. O problema tornara-se um só: destruir os rivais com energia implacável, uma vez que diversamente eles teriam destruído Moisés. Naquele plano de vida, quem possui o poder não tem outra alternativa: se não quer ser morto, deve matar ou, como dizia a rainha Elizabete da Inglaterra com referência a sua rival Maria Stuart da Escócia:, se não se mata, se é morto. É  preciso,, pois, matar. Estamos no reino da força, onde não há coisa que não seja regida pelo princípio da força, onde também as religiões, a moral, as metas ideais, a própria ação de Deus, estão baseadas na força. Não se obedece aos homens, nem a Deus, senão enquanto se está em face de alguém mais forte, e capaz de fazer pagar caro a desobediência. Nesse reino, a primeira preocupação de quem está no poder, seja o Deus das religiões como qualquer chefe humano, é a de eliminar todos os rivais, exatamente aqueles que constituem, a maior ameaça ao próprio poder. Isto significa quase um medo continuo de perdê-lo tão logo aquela força, base de tudo, venha a faltar, e isto porque, seja no terreno político, como no religioso, presume-se o instinto da revolta, pronto a explodir nos súditos e nos fiéis, tão logo aquela força não os mantenha submissos. Estamos no plano de vida do involuído, onde não há manifestação que possa sair desta atmosfera e possa tomar outra cor, compreendidas as mais .elevadas manifestações da idéia de Deus, sempre interpretações humanas do absoluto.  Todo plano biológico não pode superar, nunca, o seu próprio grau de aproximação. Assim é que, em nosso  nível humano, não se consegue, se não dificilmente, superar a psicologia da luta para a seleção do mais forte, lei dominante.


O involuído não pode conceber senão um Deus proporcionado à sua capacidade de concepção.O Deus de Moisés é o Deus do involuído, um Deus incompreensível de outra forma, a quem diversamente não se poderia obedecer, um Deus menos adaptado a nós que, com Cristo, pudemos alcançar uma concepção mais elevada. Se Moisés tivesse falado a linguagem de Cristo, feita de amor e perdão, houvera falado fora de tempo, demasiado em antecipação; o seu povo compreenderia apenas ser o seu um Deus bastante débil e, assim, ser possível destruí-lo rebelando-se-lhe impunemente, como de fato aconteceu quando Cristo se fez cordeiro. E destruir o próprio Deus, nesse caso, significava devorar os seus ministros e a casta que o representava.


Estamos num plano em que a inteligência é usada, não para seguir a ordem e a lei, mas para escapar-lhe, num plano, pois, onde a primeira qualidade exigida do chefe é a força capaz de impedir esta evasão, num plano em que o maior valor do súdito é reputado o saber evadir, rebelando-se a imposição, escapando de qualquer sanção. Resultados outros não se podem obter num plano no qual o indivíduo não age senão pelo desejo de uma vantagem ou pelo medo de um dano. Dada essa psicologia, não se pode usar sendo o método do prêmio ou do castigo. Eis o inferno e o paraíso. O método da livre aceitação por convicção não pode funcionar ainda. É preciso apoiar-se sobre o instinto fundamental da vida, o de viver, evitando a dor e procurando alegria. Enquanto se permanece no plano do involuído, não há outros meios de induzi-lo, a agir, conforme a lei, eis que não obedece a outros moventes.

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Evolvido e involuído permanecem frente a frente, cada qual com sua psicologia, suas armas, suas finalidades. Cada um possui sua lei e, tal qual eles que as personalizam, também as duas leis são inimigas e excluem-se reciprocamente: a do Evangelho e a do mundo.
O primeiro :artigo do código do mundo poderá ser enunciado desse modo:
"A culpa maior é a de ser débeis, pobres, honestos. Maior virtude, é a de ser poderosos, ricos, astutos. Perdão poderá haver para as outras culpas, mas não para aquela. A vida, na terra, pertence aos fortes e não aos fracos; estes devem ser eliminados. Bondade e retidão refreiam a força, paralisam a luta, devem, pois, ser ,evitadas e condenadas por serem daninhas e antivitais. Os indivíduos afetados por esta moléstia devem ser segregados e expulsos, não tendo o direito de permanecer no terreno da vida que é campo de batalha".


Todos sabem como o Evangelho ensina e preceitua diversamente. Podemos, pois, imaginar facilmente que condições desastrosas de vida o mundo apresenta àqueles que quiserem vivê-lo verdadeiramente, isto é, não apenas como teoria apregoada, mas como vida vivida. As variadas legislações religiosas e civis, não enfrentaram o princípio da luta para destruí-lo, como faz o Evangelho; procuraram apenas disciplinar esta luta, determinando-lhe limites e estabelecendo algumas regras, como fez a cavalaria no duelo ou o direito civil e penal nas relações entre os indivíduos, ou como procura fazer o direito internacional na guerra. Trata-se sempre de vantagens que não suprimem a luta e deixam de pé a força e a astúcia como bases da vida. Trata-se apenas de uma primeira ordenação dos impulsos do plano biológico do involuído, sem entretanto, sair dele para viver no do evolvido. Estes retoques representam um princípio de começo para ingressar depois neste plano, superando o atual plano inferior. E é justo que não se possa subir senão por graus, por lentas e sucessivas aproximações, mas é fato que, assim, se permanece ainda no plano do involuído.


A posição do Evangelho é completamente diversa. Representa um grande impulso para diante, na escada da evolução e coloca-se decididamente, logo e em cheio, num outro plano de vida: inverte as posições, cria uma nova escala de valores e coloca no alto deles o que no plano inferior, estava em baixo e ao contrário. Um dia, há dois mil anos, desceu na terra um Ser que não pertencia à raça humana, para ensinar-lhe um novo modo de viver, a ser aprendido lentamente, através da contínua, longuíssima experimentação da vida. É  um novo impulso extraterreno que o mundo haverá de assimilar quem sabe em quantos milênios. Trata-se de um novo endereço que a inteligência, guia do todo, quer dar a vida em nosso planeta. E a humanidade, compreendendo o que pode, dado o que era, mais ou menos esperneando, assim mesmo encetou a marcha. Está ainda nos primeiros passos, bem longe do ponto de chegada assinalado pelo Evangelho é o alcançará quem sabe quando. Este é como uma estrela no céu, a muitos anos-luz, alcançável definitivamente quem sabe depois de quais experiências a incidirem sobre a natureza humana, de modo a decidi-la a superar a sua animalidade. Neste caminho vamos subindo, passo a passo, elevando-nos de degrau em degrau Se, por vezes, nos escandalizamos pôr vermos que o Evangelho é, ainda, na prática, letra morta, isto quer dizer que há alguém começando a imaginar o que se deveria fazer e quanto poderíamos ser diferentes.


   As grandes massas são terrivelmente resistentes a qualquer movimento novo. Podemos, assim, compreender quais obstáculos se antepõem aos indivíduos que se esforçam no sentido de se realizarem na terra as idéias novas do futuro, e como é árdua a tarefa das religiões as quais cabe cumprir esse trabalho. São feitas, necessariamente, com material humano que deve elevar outro material humano, todos, entretanto,  pertencentes ao mesmo plano de evolução. Os seres superiores constituem exceção. O que se pode esperar nestas condições? É natural que, possuindo a adaptação certos limites, a maioria não preparada ao novo alimento, procure todos os meios para adaptá-lo a si, para poder enguli-lo, ainda que não consiga digeri-lo e assimilá-lo. Desse modo explicam-se, embora não se justifiquem, as tão lamentáveis acomodações, que entretanto possuem sua função: a de tomar atuável, em porcentagem embora exígua, um Evangelho que, diversamente, em sua totalidade, não o seria pela atual natureza humana. Assim mesmo, passo a passo, no tempo, com a evolução e a adaptação, aumenta a percentagem com que o Evangelho é vivido, e gradualmente são destruídas, num progressivo processo de purificação, as acomodações primarias;. O tempo traz evolução e, com isto, distanciamento do plano animal em direção ao espiritual, para a realização mais integral do Evangelho. Assim é que, no próximo milênio, daremos um grande passo avante.


Disto tudo podemos obter a compreensão da grandeza da função representada pelas religiões na economia da evolução humana: a de fixar na terra os ideais antecipadores do futuro, devendo fazer tudo isto no duro terreno da animalidade humana. Devemos ter um conceito  progressivo, evolucionista da verdade, se quisermos compreender esta seu processo de penetração na terra. Este processo, para incidir na evolução biológica, deve atravessar variadas fases. Aparece antes na terra o Ser superior que anuncia a nova doutrina. O movimento repercute forma-se uma corrente que arrasta alguns. Mas a primeira reação da animalidade, de acordo com os princípios do seu próprio plano, é a agressão para destruir o ser superior pertencente a um outro plano de vida. Depois, o que se salvou desta destruição, transforma-se em relíquia preciosa, conservada religiosamente. Antes mata-se o profeta; depois ele é santificado e venerado. Mas a semente caiu na terra e começa o lento trabalho de assimilação.


O ideal começa, então, a tomar corpo na matéria, na forma dos organismos terrenos das igrejas constituídas. Representam estas, a ponte da união entre a terra e o céu, ponte necessária, cuja verdadeira natureza podemos assim compreender; se de um lado deve ter suas elevadas ramificações  no céu, não pode, de outro lado, deixar de ter suas raízes na terra. "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja". E todas as igrejas não podem deixar de possuir uma pedra de apoio na terra, isto é, de possuir os defeitos da pedra. Como pode ela ser espiritual? Mas pertence ao seu conteúdo espiritual fazê-la tornar-se tal cada vez mais espiritual, isto é cada vez menos pedra. No entanto é natural que as Igrejas, situadas no meio, como organismos humanos, entre a pedra e o espírito, possuam as qualidades de uma e de outro. São esses os dois extremos representados pelos dois planos biológicos, do involuído e do evolvido e, também nesse caso, há entre eles a luta, querendo cada um vencer e impor-se incondicionalmente sobre tudo. Nas religiões dá-se o mesmo encontro de planos biológicos entre animalidade e espiritualidade verificado no indivíduo, pelo qual a espiritualidade deve lutar contra a animalidade até conseguir destruí-la no fim.
A pedra é a organização humana que serve como duro recipiente que contém e também protege e, desse modo, conserva e transmite a idéia recebida. Por isto as religiões tendem a ser conservadoras, zelosas do seu patrimônio a disto decorre o seu dogmatismo. Mas, em face desta exigência há uma outra oposta, com a qual a primeira. deve equilibrar-se: a exigência da vida que quer avançar e a efervescência do dinamismo do espírito, que não pode apodrecer encerrado na pedra, de onde procura extravasar a todo momento. Há o impulso irrefreável do espírito que se quer transformar em vida e realizar-se, uma vez que desceu à  terra exatamente com esse fim; e há ainda a evolução do pensamento a progredir, por sua própria conta, fora das igrejas. Nos grandes momentos, nas voltas da história, nascem, até, novos profetas que ultrapassam todos os que os precederam.


Então as velhas pedras exauriram a sua função, são lançadas fora e caem à margem da estrada da evolução para aí morrerem de velhice. Representam uma casca vazia recusada pela vida, por já ser-lhe inútil. Lutaram até então, fortes somente pela forma, lutando desesperadamente para sobreviver, mas o espírito, uma vez desenvolvido, fugiu da velha casa tornada insuficiente, e fez para si outra morada mais adaptada. Em todo este movimento, o que permanece estável é o espírito, fio condutor da evolução Explicam-se, assim, e compreendem-se as diversas posições e as variadas exigências de cada momento relativo na história da evolução do pensamento humano.

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As finalidades que a vida se propõe alcançar nos dois diversos .planos de evolução são completamente diversos. No nível do involuído, ela tende ao individualismo. A construção biológica que quer levar a efeito, é o homem forte, rebelde contra todos, o homem que vence .subjugando o mundo Do trabalho criador da evolução no plano do involuído não pode surgir senão um ser prepotente, forte e bem construído, apto ao domínio, mas isolado de tudo que está fora do seu eu.


No nível do evolvido, a vida tende ao coletivismo. A construção biológica a ser valorizada é o estado orgânico que todos abraça e funde em colaboração numa única unidade, na qual q indivíduo funciona disciplinadamente numa ordem útil para todos. Do trabalho criador da evolução no plano do evolvido, nasce uma humanidade forte e bem construída, feita de eus unidos no mesmo organismo, apta a um domínio mais amplo, não mais vencedora de um indivíduo contra os outros, mas alcançando a vitória de toda a coletividade sobre as forças naturais do planeta.


A vida evolve não somente para a espiritualidade, como veremos a seguir, mostrando ser o telefinalismo da evolução uma sensibilização nervoso-psíquico-espritual cada vez mais inteligente, mas evolve também para a formação de unidades orgânicas sempre mais amplas e complexas. Isto conforme o princípio das unidades coletivas demonstrado alhures (A Grande Síntese), e de conformidade com o plano geral de reconstrução do universo, pelo qual a evolução conduz do separatismo a unificação, do caos a ordem, da rebelião a disciplina, do Anti-Sistema ao Sistema, como demonstramos nos volumes Deus e Universo e O Sistema. Explica-se, assim, como a construção levada a efeito pelo plano inferior, é sempre mais individualista e separatista, menos unitária que a dos planos superiores, representando estas um estado de maior fusão, por colaboração e amor. Eis porque, num dado momento da evolução biológica desponta o Evangelho. Eis a sua significação sempre maior, até a máxima e completa em que, com o retorno a Deus, reconstruir-se-á toda a ordem destruída com a revolta e a derrocada do Sistema no Anti-Sistema, que a evolução agora está reconstruindo e reconduzindo ao Sistema.

   Esta é a significação profunda do movimento da evolução. Decorre disto que, se o evolvido presentemente, na terra pode parecer anacrônico, fora de fase, e pode findar no martírio, todavia é a ele e não ao involuído que pertence o futuro e a vida. A evolução está preparando não o estado anti-social e desorganizado do primitivo, mas o estado orgânico da sociedade dos civilizados.


A razão está com o involuído, e; com o evolvido, está a culpa, mas tão só temporariamente, enquanto a vida permanecer retardada no nível atual. Mas, tão logo, o sobrepujar, tudo mudar-se-á e o involuído, a quem hoje pertence a razão, será expulso das sociedades mais civilizadas do futuro. Ou civilizar-se-á ou ficara um retardado e, nessa qualidade, rejeitado para ambientes inferiores, somente onde poderá viver porque será adaptado a eles. Com a sua vitória atual, ele traz consigo a sua condenação, a de ser um involuído, incapaz de funcionar de outra forma, constrangido a permanecer encerrado naquele seu plano de vida, o da animalidade, com todas as suas conseqüências.


Dá-se o contrário com o evolvido.. Será, ele, por enquanto, um deslocado e um mártir na terra. Os crucificadores poderão gargalhar quanto quiserem aos pés .da cruz, tal qual fizeram com Cristo, mas, como aconteceu com Ele, depois cada qual volta ao seu lugar, no seu plano de vida. Cristo sofreu, deixou que o matassem, mas a conclusão final foi ter Ele voltado ao seu céu e terem ficado na terra os homens ferozes que o crucificaram, com toda a sua raça de involuídos, para continuar a se matarem reciprocamente e sofrer todas as dores conseqüentes.


Presentemente, em nossa humanidade, os dois mundos vivem, morrendo um, e o outro nascendo, num atrito demonstrativo de sua transformação. Nesta posição estão em vigor duas, opostas tábuas de valores, uma em via de extinção e outra em processo de formação. É assim que os ideais (em virtude de virem a ser adaptados, na prática, a oposta realidade da vida) aparecem numa retorcida forma de mentira. É assim que as mesmas palavras podem tomar significações e valores diversos. Para o evolvido a lei representa a ordem, sendo vantagem de todos o segui-la. Significa a disciplina necessária para o funcionamento do organismo que é a vida de cada um e de todos. Para o involuído a lei representa o comando do mais forte que, por ter vencido, sente-se no direito de ser obedecido por todos, não por um fim de utilidade coletiva, mas, apenas, para os fins do próprio egoísmo. Por isso, se, no mundo do involuído, a lei significa somente o interesse do vencedor, interesse que não é o do vencido, a posição para a qual a vida impele o indivíduo não é a da obediência disciplinada, mas a da revolta. Não é possível impedir a vida de ser utilitária, e. de procurar, por isso; em primeiro lugar, a própria defesa.


Para abolir o sistema da luta, com o regime de permanente inimizade conseqüente, torna-se necessário abolir o sistema do egoísmo separatista próprio do plano do involuído. É necessário inverter aquele egoísmo separatista em altruísmo unificador, é preciso passar da lei do mundo a lei do Evangelho. É natural que o ser procure a posição que melhor lhe garanta a vida Ora, se a força do evolvido está na ordem onde é possível afirmar-se altruisticamente, a força do involuído está na desordem, por haver somente aí a possibilidade de afirmar-se egoisticamente. Assim é natural que cada um procure afirmar-se conforme a sua lei: o evolvido altruisticamente na ordem, e o involuído egoisticamente na desordem. Não é possível pretender que o evolvido possa confiar-se ao caos, para ele destrutivo, como se não pode pretender que o involuído possa confiar-se a ordem para nesta encontrar sua defesa, coisa para ele sem sentido, uma vez que para ele a ordem que o defenda ainda não existe. Aquilo que para o evolvido, mais adiantado no caminho da evolução, representa uma força real em ação, para o involuído representa somente um germe em formação, uma possibilidade ideal futura, ainda sem consistência real.
Explica-se assim, como, quando aparece em nosso mundo o evolvido com sua psicologia própria ele é tomado como um teórico, um ingênuo desconhecedor da vida. De fato, para o involuído, a vida é uma coisa completamente diversa, que não obedece, por nada, aos impulsos que movimentam o evolvido. Este fala de amor ao próximo,. vendo-se nele a si mesmo, mas o involuído bem conhece que o próximo é inimigo e sabe que quem não esmaga o inimigo, por ele é esmagado. O evolvido fala de disciplina espontânea na ardem, e isto num .mundo em que a obediência se obtém somente com a ameaça de uma punição. Aqui tudo é regido por uma cadeia de proposições logicamente conexas: egoísmo, separatismo, individualismo, funcionamento possível tão só por força de dois impulsos,  medo do dano e desejo de vantagem.. Dada sua natureza, o involuído não pode funcionar de outro modo, sendo sensível. somente ao seu caso individual. Serem destruídos todos os seus semelhantes, não lhe interessa, a menos que lhe sobrevenha dano pessoal. Como os animais na floresta, cada qual pensa em si próprio. A utilidade coletiva, de sumo interesse. para quem vive numa sociedade orgânica, idéia sensibilizadora para o indivíduo organizado, representa algo que o involuído não consegue perceber, considerando até contraproducente cogitar dela.


Desta forma mental  deriva logicamente toda a estrutura do nosso mundo atual. A ordem não é espontânea, compreendida, mas é uma sobre-estrutura imposta a animalidade,  permanecendo seus instintos na base do edifício. Como ponto de partida, sempre a desordem, atmosfera natural do egoísmo separatista. Assim, evolutivamente, o nosso mundo representa uma luta para o endireitamento da animalidade, luta vivida para subir do plano do involuído ao da evolvido. Procura-se, com o instinto da propriedade, disciplinar a voracidade do lobo; com o matrimônio a voracidade sexual do macho; com as leis, e as suas sanções, frear os rebeldes com a ordem; com as religiões amansar a ferocidade, impondo normas de vida moral. A primeira preocupação do legislador é a de proibir o ilícito, por ser isto a tendência da natureza humana. Trata-se de um trabalho de correção, que confirma exatamente a natureza do fundo sobre a qual ele atua.


Este é o tipo das engrenagens com as quais funciona o nosso mundo, seja no alto como em baixo, eis que todos, dominantes ou dominados, vivem os mesmos princípios, no seio do mesmo plano biológico. Teoricamente, os chefes, deveriam ser todos evolvidos. Mas num mundo em que tudo, principalmente o poder, é resultado da luta e não é possível conquistá-lo e mantê-lo senão por uma contínua vitória sobre todos os rivais, o evolvido, homem evangélico, esquecido do próprio interesse pessoal, não lutará nessa forma; não conseguirá nem chegar, nem permanecer no poder. Seus métodos impedem-no, suas qualidades tornam-no apto a perder, não a vencer nesse ambiente. E, se por acaso, conseguisse triunfar, deixando de preocupar-se primeiramente com seu ataque e com sua defesa, seria prontamente eliminado. Tal é a incompatibilidade entre evolvido e involuído, que o primeiro não pode aparecer na terra senão como mártir.


Entre os dois há um contínuo mal entendido a respeito da significação das palavras. O involuído, dada a sua forma mental entende a autoridade como vantagem daquele que conseguiu alcançá-la, como uma posição que representa o prêmio legitimo pelo esforço e os riscos sofridos para alcançar a vitória. Assim é que o poder toma a significação, não de função coletiva e missão, mas de vitória pessoal na luta para a seleção do mais forte. E os dependentes não obedecem a autoridade como colaboradores no sentido do bem comum, mas obedecem-lhe por ser ele a expressão da vitória do mais forte, merecedor de respeito por haver dado prova de saber vencer. Outros resultados não são conseguiveis num sistema alicerçado sobre o princípio do egoísmo e da exploração recíproca.


Esta é a estrutura interior da nossa humanidade. O restante permanece a superfície, proclamado altamente para esconder a dura e triste verdade que constitui escândalo rebelar, como o fez Maquiavel. Disto decorre uma encenação social fictícia, externamente bela, interiormente desapiedada e feroz, revestida formalmente de nobres mantos, mas substancialmente apoiada nas leis primitivas da animalidade. Existem desse modo, duas leis: a do passado e a do futuro; há duas morais: a que todos aceitam e devem ser proclamada e a que todos sabem ser praticada na realidade. Há, assim, o que se diz e o que se faz; há no exterior um mundo aparente em que podem acreditar os simples, mas é interiormente minado por uma realidade bem diferente. Assim é o grande edifício construído pela humanidade, quase sempre com um conteúdo bem diferente daquele aparente e que se deseja fazer acreditar. E como é triste o reverso da medalha! Mas, dada a forma mental do involuído, como poderiam existir na terra os princípios do mundo do evolvido, senão na forma de mentira?


Enquanto se proclamam em altas vozes os nobres ideais, subterraneamente ferve a luta feroz para a vida. A realidade está em que o engano, continuamente praticado com dano para o próximo, constitui uma escola permanente para acordar, seja mesmo nos graus mais inferiores, a inteligência, tanto mais que quem não aprende é eliminado. O saber defender-se é a primeira coisa que todos devém saber fazer, sob pena de vida. Estamos ainda bem pouco mais no alto da esperteza do animal, inteligência primária a serviço da vida material, distanciada mil milhas da inteligência especulativa dirigida ao conhecimento das causas primárias, e da formação da espiritualidade. Esses produtos rarefeitos não são ainda percebidos e não têm serventia no plano do involuído, em que a ciência mais importante é a do ataque e da defesa. Nesse plano até não haver aprendido a ser fortes para mandar, é preciso servir. De certo que isto serve para desenvolver a inteligência, mas que qualidade de inteligência? Quanto caminho há ainda a ser feito, antes de chegar a inteligência consciente do funcionamento do universo! Todavia, no plano do involuído é necessário começar pela inteligência elementar, eis que a outra não pode ser compreendida. Naquele plano, antes de olhar para o céu, é preciso lutar na terra. Que condenação dura o ser involuído!

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A que serve nesse ambiente o pertencer a este ou àquele grupo humano, quando os homens que os constituem são mais ou menos iguais? Quando são os mesmos os instintos e as paixões que movimentam o mundo? A que serve, então mudar de partido, de religião, de ideais? No fundo, a realidade verdadeira, escondida sob as aparências, é sempre uma outra. Exteriormente tudo aparece perfeito, mas subterraneamente ferve a hipocrisia, a rivalidade, a luta pelo domínio. O que é natural no plano do involuído aparece como algo de monstruoso no plano do evolvido. O ser inferior é protegido pela sua insensibilidade e ignorância que não o deixam perceber a sua inferioridade. O animal não sabe que é animal. A fera não sabe que é feroz e continua sendo inocentemente. Sem contraste não há possibilidade de percepção, e o contraste torna-se possível somente quando se pode fazer a confrontação, isto é quando se está num plano diverso.


Também o conceito de justiça é diverso conforme seja visto de um plano ou do outro. No plano animal é justiça, é legítimo direito do mais forte, estraçalhar o mais débil, que pela mesma justiça deve ser esmagado. O próprio Cristo, descido na terra para lançar um mais elevado ideal de vida, teve que submeter-se a esta lei e foi sacrificado depois de julgado por diversos tribunais constituídos legitimamente. E quando foi pregado na cruz, os seus crucificadores pediram-lhe com desprezo, desse prova de sua força salvando-se a st mesmo. E isto porque o valor de um homem esta em dar prova de força e não de bondade, para salvar a si mesmo e não aos outros.


Como é possível pretender que num mundo desses seja possível atuar a justiça econômica? Infelizmente não poderá realizar-se senão quando os deserdados derem prova de força para saberem impor eles mesmos, em sua própria vantagem, essa justiça. Infelizmente não há outra via, eis que, depois de dois mil anos de pregação da justiça do Evangelho, ficou esta, em grande parte, qual letra morta. A imposição por parte dos deserdados seria desnecessária se o Evangelho houvesse sido praticado. Como é possível obter justiça em nosso mundo, senão com a força? Isto dizemos, não para justificar a violência, mas para darmo-nos conta de qual seja o mundo triste em que vivemos. É inútil distinguir entre grupos humanos para lançar a culpa acima dos outros. A culpa é de todos e, de fato, todos pagamos fraternalmente, dominantes e dominados, a culpa é de todos. Os oprimidos não são melhores que os opressores e os opressores não são melhores que os oprimidos, e todos juntos somos envolvidos, pela agressão recíproca, na mesma pena.


Como é possível esperar que esse mundo, assim construído, correspondam os fatos às palavras, a aparência à realidade, a forma à substância? Como impedir a hipocrisia e que tudo possa ser falsificado pela mentira? Como evitar a exploração dos ideais e que as coisas mais belas sirvam para bem outras finalidades? Como exigir nesse mundo que a tanto proclamada caridade não se faça também para si, antes que para os beneficiados, que toda religião, fé, ideal se não industrializem na terra onde devem operar? Como pretender que a propriedade seja entendida como função social antes que função egoística individual, não só para vantagem pessoal exclusivista, mas também para utilidade de todos? É justo que a lei garanta a propriedade. Mas podemos explicar como é porque surgem revoltas para a destruição desta instituição, quando pensarmos que, multas vezes, esta propriedade pode ser também o fruto de tudo quanto se conseguiu agarrar com qualquer meio. Como justificar esta instituição quando é utilizada também para legitimar um furto? E como impedir isto num mundo que se alicerça na luta? E os que, invocando justiça, em nome dela, quereriam destruir o instituto da propriedade, o fazem porque, sendo da mesma raça dos vencedores, quereriam fazer o mesmo, isto é, praticar o mesmo furto que os outros, mais afortunados, conseguiram levar a efeito em vantagem própria. Assim, em nome do direito e da justiça, com novas ideologias, continua-se em novas formas a velha batalha, para cada qual tomar o mais que puder. De ambos os lados, as causas são as mesmas, pois os indivíduos são do mesmo nível evolutivo. Nesse plano de vida o individualismo egoísta conduz ao princípio de a propriedade servir para vantagem pessoal exclusiva, sem preocupação para com os outros; Este é o instinto do involuído então há ideologia ou sistema moral que o possa modificar. A verdadeira reforma do mundo não pode advir de reformas exteriores, mas tão só do interior, modificando-se o homem para que seu comportamento se torne diverso. De outro modo, embora mudando vestimentas e atitudes, o homem continuará a praticar as mesmas coisas, movido pelos mesmos impulsos. Proclamar ideologias é fácil. O mundo apresentou muitas até hoje! Mas tudo tende a permanecer sempre o que era antes. De nada serve mudar de vestimenta, quando o comportamento permanece igual. O problema não está em pertencer a este ou aquele grupo humano, seja religião, partido, ideologia etc., mas sim em deixar de ser involuído, pois este não sabe viver senão com os princípios e instintos do seu plano. O mal é profundo, enraizado na própria natureza humana, e não pode ser curado com sistemas políticos ou reformas sociais, dentro das quais o homem permanece o que é. O problema é biológico, é muito mais amplo que o fenômeno social, porque interessa a toda a evolução da vida em nosso planeta, de que o fenômeno social é apenas uma particularidade.

Nosso mundo atual é dominado por esta realidade, que é o seu plano de vida, realidade que penetra e arrasta tudo e todos, instituições, religião, moral, ideais, porque tudo é entendido e vivido conforme este nível de vida. Qualquer ideal superior que desça de planos mais altos à Terra, vem a ser adaptado à natureza humana, transformado, retorcido, esmagado, até se reduzir às medidas que a Terra exige, porque, de outra forma, se não for assim limitado, a Terra não o pode conter. Qualquer teoria, para ser vivida, conquanto seja elevada e bela, tem que entrar na forma mental do ser que a deve viver. É ele quem a usa e se apropria dela, que nele se torna vida. Quando uma ideia superior desce à Terra, trava-se uma luta entre ela e o homem, cada qual querendo vencer, impondo-se um ao outro. É assim que, em dois mil anos, o Evangelho lutou para transformar o homem, e o homem lutou para transformar o Evangelho. Disto resultou uma adaptação a meio caminho, que, se deitou água no vinho, diluindo-o, permitiu, todavia, que uma certa porcentagem dele viesse a ser absorvida, sem o que a bebida teria sido rejeitada, por ser demasiado forte para ser aceita pelo estômago de um ser como o homem atual.

Quem escreve um livro não possui força bastante para influir; no desenvolvimento de fenômenos tão grandes. Nada mais podemos fazer do que observar como espectadores o que acontece. Podemos, porém, alcançar o resultado de fazer com que alguns possam orientar-se corretamente e, assim, mover-se melhor na vida, dando aos seus fatores um valor mais equilibrado, orientado por ter compreendido devidamente estas observações. Alcança-se, assim, menor motivo de escândalo e de condenação, porque, compreendidas as causas do que acontece, encontra- se a explicação de que, em última análise, tudo é conseqüência lógica dos elementos que se possuem e das forças postas em ação. Para quem observa e vê todos os fatores do problema, tudo reentra no âmbito de uma lógica perfeita.

Se toda doutrina que aparece na Terra não tomasse corpo numa casta dirigente e no grupo social que a representa, quem a sustentaria? Quem defenderia e conservaria aquele patrimônio, se a ele não se ligassem os interesses materiais daqueles que devem efetuar este trabalho? Estamos na Terra, onde não se pode esquecer, em momento algum, que estamos sujeitos às necessidades resultantes desta condição. Depreciam-se as rivalidades entre as religiões, no entanto, dada a natureza do homem atual, como não reconhecer sua utilidade quando, para um ser construído de luta e para quem a vitória sobre o próximo é o que mais interessa, a rivalidade é o impulso que mais o estimula a ocupar-se de problemas pelos quais, de outro modo, não teria nenhum interesse? Quando atrás da doutrina existem os próprios interesses materiais, quão mais calorosamente ela é defendida! Quando o descrédito em que ela possa cair significaria a ruína da própria posição social, como se aguça a inteligência para descobrir e sustentar o valor dos seus ideais!

É assim que o Evangelho se tornou a bandeira defensiva de uma casta que procurou viver à sua sombra. Mas, em nosso plano biológico, esse Evangelho tornou-se uma espécie de gaiola de ferro para o homem, à qual ele, assim fechado nela, teve que se adaptar, aprendendo a viver conforme a lei de um plano de vida mais elevado! Que forma de disciplina para todos, tanto ministros como fiéis, tornou-se aquele código! É assim que, constituindo castas, com posições terrenas bem delimitadas, as religiões fixam na Terra, através destas organizações, também uma disciplina de vida. O fato é biologicamente importante, porque a fixação de uma norma de conduta importa na sua longa repetição, incidindo na natureza humana, para transformá- la, porque é a repetição que estabelece os automatismos formadores dos novos instintos. É por esse caminho que o Evangelho se enxertará na carne e no sangue do ser humano, transformando-o de involuído em evoluído.

Compreende-se, pois, porque as religiões tiveram de se apoiar nos ricos e nos poderosos. É verdade que sua força deveria ser toda espiritual, desdenhando os expedientes humanos, mas isto constituiria uma igreja perfeita, formada por santos, o que não é possível na Terra. Sendo, entretanto, as religiões formadas pelo material humano comum, dado não haver na Terra outra coisa, é natural que, para se tornar possível sua existência na Terra, essas religiões devam apoiar-se também nos métodos humanos. Explica-se assim, como isto aconteceu na história e ainda se verifique. Explica-se, mas não se justifica Porém, embora não se justificando, isto não quer dizer que seja possível eliminar imediatamente o fato. A eliminação poderá dar-se gradualmente, de acordo com a possibilidade suportada pela natureza humana, conforme o nível evolutivo alcançado. Verifica-se desse modo um processo de progressiva purificação das religiões, em que a doutrina vai cada vez mais se enxertando na natureza humana, até que todas as escórias da involução venham a ser eliminadas e, finalmente, do involuído nasça o evoluído. O fato positivo é que, em torno do fulcro da própria doutrina, toda religião vai evoluindo, desmaterializando-se e espiritualizando-se cada vez mais, isto é, subindo sempre mais da animalidade à fase humana e super-humana.

Assim é que, se tudo em nosso mundo é dominado por uma realidade biológica de plano evolutivo inferior, tudo, no entanto, vai subindo lentamente para um plano de vida superior. Observemos a evolução do instinto da família, primeiro núcleo da sociedade humana. Retrocedendo para os estados mais primitivos, verificamos que é mais dura a luta e, com isto, mais feroz a vida. A mulher é a escrava que deve trabalhar, obedecer e servir. A evolução conduz a uma sempre maior proteção dos fracos, exatamente porque leva o ser fora do plano do involuído, onde vigora a lei do mais forte. Libertar-se, com a ascensão da vida, desta lei de prepotência, significa caminhar cada vez mais da fase de força à de justiça, onde há sempre mais lugar para os fracos, que eram antes inexoravelmente condenados. Paralelamente, torna-se cada vez mais importante o problema da defesa e educação dos filhos, problema antes inexistente. No estado mais primitivo, a natureza deixa gerar com toda prodigalidade, submetendo depois os filhos à seleção natural, de maneira que somente os mais fortes sobrevivem e os outros perecem. Mulher escrava e filhos largados às suas próprias forças, esta era a condição primitiva.

Uma das maiores obras da evolução humana é a redenção da mulher. Atualmente, o matrimônio garante a ela a proteção e a posição social do marido. Em outros tempos, porém, todos os direitos eram do macho, porque era o mais forte, conforme a lei que imperava nos planos de vida inferiores. Passando do reino da força ao da justiça, os pesos, como é justo, começam a ser transferidos dos ombros dos mais fracos aos dos mais fortes. Eis, então, que ao macho não compete mais somente o direito de ser servido, mas também o dever de proteger e trabalhar para prover o necessário. A mulher não é mais a escrava, e sim a companheira. Os filhos não são largados à seleção natural, mas devem ser criados, educados e acompanhados até que atinjam uma posição própria na sociedade. A família passa a tomar um aspecto ético superior, representa uma função social, torna-se uma missão a ser cumprida. Neste processo, tocamos com a mão a transformação a que o ser é submetido com a passagem, por evolução, do plano do involuído ao do evoluído. O estado de egoísmo separatista é reabsorvido, cada vez mais, num estado de amplexo fraterno; o caos torna-se ordem; a força, justiça; a revolta transforma-se em disciplina. Inicia-se, assim, começando do primeiro núcleo, que é a família, aquele processo de reconstrução que conduz do estado caótico do individualismo separatista ao estado orgânico, que, como já dissemos, é o estado das mais evoluídas sociedades futuras.

Com as observações que vamos fazendo, nos foi possível dar conta não só do plano evolutivo em que está situada a humanidade atual, mas também observar a transformação que nela se verifica com a subida do plano biológico do involuído ao do evoluído. Pudemos, assim, alcançar a explicação dos vários aspectos da realidade dos fatos, que confirmam, por sua vez, as teorias desenvolvidas.