Utilizamos, nos dois capítulos precedentes, um caso pessoal vivido, para dar maior evidência às teorias destes livros, apoiando-as em fatos, mostrando como se aplicam na prática e que no estamos apresentando teorias fora da realidade da vida. Aos que possam censurar que estamos com a cabeça no céu, é necessário mostrar que estamos também com os pés na Terra, em equilíbrio entre a teoria e a prática, ficando em contato tanto com uma como com a outra - as teorias para explicar os fatos, e os fatos para provar as teorias. Teoria e prática ao mesmo tempo, apoiando-se uma na outra. Explicar as teorias é relativamente fácil; mais vivê-las, levando-as até ao nosso mundo, é outra coisa. Estamos convencidos de que a pregação sem a aplicação é mentira, e que não é lícito sustentar um princípio sem a condição de estar, ao mesmo tempo, vivendo-o. Este problema não é só de honestidade moral, mas também de seriedade de pesquisador, porque como pode afirmar a verdade de uma teoria, quem não a experimentou no laboratório da vida?
A grande afirmação, fundamental, destes livros, resolve-se no terreno prático em sustentar a verdade do Evangelho. A maior experiência da minha vida foi a de vivê-lo. Haviam-me dito que o Evangelho, se tomado a sério e praticado, mata. Quis ver se isto era verdade e, se fosse necessário ser morto, só o seria pela palavra de Cristo e não por ter acreditado nas tolices humanas. Achei que esta era a experiência mais importante e que poderia dar um conteúdo sério e interessante à minha vida, que eu não podia esbanjar correndo atrás das ilusões habituais. Agora, na velhice, estou chegando ao fim desta experiência e aproximando-me cada dia mais da sua conclusão. Quais são os resultados desta tentativa, julgada pelo mundo coisa louca e desesperada? Vale a pena fazer tanto esforço, para acabar assim na pobreza, desprezado como simplório, sobrecarregado de deveres e de trabalho? Explorado pelos maus e condenado pelos práticos, que sabem fazer seus negócios? Quão melhores resultados concretos poderia ter atingido e agora gozar deles, se tivesse usado a inteligência para triunfar no mundo? Esta poderia ser a primeira conclusão, mais atingível: que este caminho foi errado e não é aconselhável segui-lo.
Tal resposta estaria certa se a vida se esgotasse toda e somente neste mundo. Há duas maneiras de enfrentar a vida, dando-lhe um ou outro destes dois objetivos diferentes: ou o imediato, no presente, encerrado dentro deste mundo, ou outro mais vasto, longínquo, acima dele. O primeiro pode-se logo alcançar em forma tangível, como a riqueza, o poder, as honras, os gozos materiais etc. Este método tem, porém, o defeito do fruto de tanto trabalho se abismar todo no vazio com a morte. Depois dos grandes funerais, nada permanece, tudo acaba no vácuo. A realização do segundo objetivo nos escapa nas nuvens dos ideais, enquanto na Terra a realidade é pobreza, servidão, humilhação, sofrimento etc. Este segundo método oferece, porém, a vantagem de que se pode colher um fruto permanente de tanto trabalho. Depois de pobres funerais abrem-se as portas de um mundo superior, onde se continua vivendo uma vida maior.
Sinceramente devo confessar: agora que a minha vida está acabando, estou muito mais satisfeito de ter seguido este segundo método, satisfeito de ter sofrido mais do que gozado. É satisfação ter tomado a vida a sério, a qual se pode tornar uma coisa imensa se lhe dermos, também, um imenso conteúdo. E satisfação na velhice não ficar chorando com saudade para um passado que acabou, mas, pelo contrário, alegrando-se com um desejo para um futuro melhor que se aproxima. Perante a morte que se avizinha sinto claro que quem tinha razão e venceu foi o método do Evangelho e quem falhou foi o do mundo. Se tivesse seguido este, agora ficaria olhando para o abismo que se estaria abrindo aos meus pés, voltaria triste, apegando-me ao passado morto, desesperadamente e em vão tentando ressuscitá-lo. Mas, pelo contrário, nada me pode dar tanta alegria como a sensação da vida nova que se aproxima e o pensamento de que o tempo fatalmente me leva para ela, porque a morte não é o fim, mas apenas a libertação de uma forma de vida inferior, que abre as portas para uma outra superior.
A morte, ponto final, conclusão da vida. Este é assunto que quero focalizar neste último capítulo e com isso encerrar este livro: a morte do homem material, astuto, egoísta, apreciado pelo mundo porque sabe vencer, e a morte do homem espiritualizado, evangélico, altruísta, desprezado pelo mundo; a morte que, para o involuído situado do lado do AS, é queda, e que para o evoluído, que com o seu esforço subiu aproximando-se do S, é salvação. A morte para o primeiro é falência, porque ele nada pode levar consigo, deixando neste mundo todas as coisas; enquanto é triunfo para o segundo que, havendo-se apegado aos valores eternos, nada pode perder do fruto do seu trabalho. E não se pode dizer que este assunto seja teórico, que não interessa porque está fora da realidade, dado que não há quem não tenha que chegar a este ponto final.
Procuremos então antes de tudo entender o que é a morte. Todos, inclusive quem não conhece ou nega a teoria do S e AS, estamos mergulhados neste dualismo universal, e com a vida e a morte vamos oscilando de um pólo ao outro. A própria ciência já admite a existência de um anti-cosmo em que tudo o que é positivo encontrar a sua contrapartida negativa, de modo que cada molécula teria a antimolécula, cada estrela a sua antiestrela, cada galáxia a sua antigaláxia etc. Existiria assim um anti-universo constituído de antiátomos e antimatéria. Eis que a nova ciência se está encaminhando para o conceito de S e AS.
Eis por que somos feitos de corpo e de espírito, que representam os dois pólos opostos e complementares do mesmo dualismo A morte é só do corpo, que pertence ao AS, enquanto a Vida é qualidade do espírito, que pertence ao S. O princípio da geração pertence à positividade do S. O princípio da morte é a sua posição emborcada, que pertence à negatividade do AS. Em nossa própria existência vemos funcionar S e AS, em luta um contra o outro: o princípio positivo do S sempre gerando, e o princípio negativo do AS sempre matando. O primeiro é maior e por isso sempre vence, porque é obra de Deus, enquanto o segundo é menor e não consegue prevalecer contra o outro, porque é obra da criatura rebelde. E assim que quem está do lado do S está do lado da vida, quem está do lado do AS está do lado da morte. Mas o que em nós pertence ao S é o espírito, e o que pertence ao AS é o corpo. O que em nós é espírito não morre, e o que é corpo morre. Então a morte é só do corpo e não do espírito. Disto decorre que, quanto mais pertencemos à vida no plano material e o nosso eu é constituído pelo corpo, e por isso estamos próximos do AS, tanto mais temos de ficar sujeitos à morte; e que, quanto mais pertencemos a vida no plano espiritual e o nosso eu é constituído pela alma, e por isso estamos próximos do S, tanto menos temos de ficar sujeitos à morte, porque possuímos a vida. A morte está só no corpo, na matéria, que é produto emborcado pela queda no AS, não está no espírito, que é obra de Deus, de modo que, quanto mais o ser, evoluindo, se espiritualizou, tanto menos ele está sujeito à morte.
Logo surge a diferença que existe entre o utopista evangélico e o homem vencedor em nosso mundo. Se a morte mata só o corpo e não o espírito, eis que ela mata o homem da matéria, mas nada pode contra o do espírito. Eis a grande diversidade. Eis como na morte se revela o que é um homem, tornando-se assim a pedra de toque do seu valor, marcando o resultado final do que ele escolheu praticar. Assim, quanto mais o ser é atrasado, tanto melhor se encontra no ambiente humano, aí realizando os seus baixos instintos e gozando a vida, mais para ele a morte é morte. E ao contrário, quanto mais o ser é adiantado, tanto pior se encontra no ambiente humano, aí lutando para realizar os seus elevados instintos e por isso sofrendo, menos para ele a morte é morte. Enquanto esta representará para o primeiro o fim do próprio eu, significará para o segundo só a libertação da sua casca material. E lógico que, com a evolução que saneia a doença da negatividade, o ser se liberta da morte que é o fruto da revolta, de modo que por ela o ser tanto mais terá de sofrer quanto mais ele é involuído, e tanto menos quanto mais ele é evoluído.
Compreende-se assim como é natural que o ser atrasado tenha medo da morte, conseqüência lógica da sua posição de involuído próximo do AS e por isso mergulhado na ilusão de que está feita toda a sua vida, aonde ele julga que chega o fim de tudo, pelo contrário, o ser adiantado não tem medo, porque sabe que se trata somente de continuar a vida numa forma melhor. As religiões ensinam essa verdade, mas por meio da fé, o único expediente que se pode usar com seres não evoluídos, que por isso não podem entender: fé que não é certeza e deixa os crentes duvidosos, como vemos pelo fato de que eles têm medo da morte, como os descrentes. Mas também tudo isto é providencial, porque é necessário que o ser atrasado fique amarrado ao terreno das duras experiências terrenas, que, apesar de dolorosas, a ele são indispensáveis para evoluir, que representa o único meio de salvação. Mas é lógico também que essa ilusão, necessária para os inferiores, desapareça com a evolução, que abre a inteligência para entender.
Eis então como é, e porque é, que a vida do involuído está cheia de contínuo medo da morte. Ele está desesperadamente apegado a esta forma de existência que não é senão uma forma inferior, porque é a única forma que ele conhece, e para ele representa toda a vida. Aqui é necessário esclarecer um fato. A vida quer dizer existir e por isso é coisa tão fundamental, que não ha‘ ser, por mais involuído que seja, possa renunciar a ela. Tudo o que existe deriva de Deus, cuja primeira qualidade é a do "eu sou", isto é, o existir. Se o ser, com a revolta, erguendo-se como Anti-Deus para estabelecer uma contra-lei, caiu numa forma torcida de existência, nem por isso ele a pode perder e tem de a aceitar nesta sua forma torcida. A revolta pôde, momentaneamente, na superfície que pertence ao AS, emborcar no negativo (morte-interrupção de vida), mas não aniquilar, o princípio fundamental do "eu sou", que está em Deus, isto é, na profundeza que pertence ao S. E por isso que tal princípio deve permanecer indestrutível em todas as individuações que constituem as criaturas, que não podem deixar de existir, inextinguíveis pelo que são centelhas de Deus. A existência pode mudar de forma e tomar outra, invertida, em vez de continuar inalterável; é despedaçada a cada passo pela morte, mas não se pode aniquilar. O ser não possui o poder de se destruir, tornando-se definitivamente um não-ser, num estado de absoluta não-existência. Com a revolta o ser pode emborcar, mas não eliminar a Lei Por isso a morte aparece no AS como um parêntese transitório que a queda colocou no tempo, dentro da vida, não como elemento de destruição definitiva, mas somente como princípio negativo e termo oposto e antecedente ao positivo da ressurreição, que representa a vida que ninguém pode anular. O aniquilamento dos espíritos, que quiserem para sempre insistir na sua revolta, já vimos no Cap. II que é só caso excepcional e uma possibilidade teórica. A própria presença do AS, com o seu processo involutivo-evolutivo, já dissemos que representa apenas um parêntese temporário dentro da vida eterna do S.
Ora, se a vida é insuprimível necessidade para todos, os que desceram e se encontram nos níveis inferiores, e por isso não possuem nem conhecem outro tipo de vida, senão a inferior daqueles níveis, têm então que ficar apegados a esta sua única forma de existência, qualquer que sejam os sofrimentos que ela contém, e lutando a cada passo para a defender da morte. No S a vida, num ambiente saturado de positividade, é, sem esforço, naturalmente boa e eterna, como é o movimento às grandes velocidades nos espaços siderais aos corpos que saem do campo gravitacional da Terra. No AS a vida não pode ser mantida senão ao preço de uma luta contínua contra a negatividade que quer destruí-la, como qualquer movimento na superfície da Terra para os corpos presos no seu campo gravitacional, movimento que sabemos do esforço exigido para ser realizado. Como o homem no seu ambiente tem de extrair de si com esforço a energia muscular, enquanto dela há em quantidade ilimitada no universo, assim o ser do AS tem de ganhar a sua vida, com o esforço duma luta contínua, enquanto há vida sem limites para quem está no S.
Eis porque a existência terrestre, para resistir, tem de se sustentar com um combate sem descansos contra infinitos perigos e obstáculos, expressando a negatividade do AS que a ameaça a cada passo. Isto tanto mais, quanto mais o ser é involuído, abismado no AS, que é o reino da destruição e da morte. Para o desgraçado que está mergulhado em tal atmosfera de negatividade, a vida, é antes uma desesperada procura de vida, para acabar por arrancar alguns fugitivos momentos seus, sem nunca ser possível atingi-la na sua plenitude E por isso que a vida do homem está ameaçada a cada passo pela morte, atormentada pelo sofrimento, e tem de ser conquistada a toda a hora contra todos - Ao primeiro momento de fraqueza, qualquer cidadão de nosso mundo pode ser vencido e destruído por outro mais forte. Essa é a lei do ambiente terrestre.
A ciência afirmou a presença dessa lei da luta pela vida, mas não explicou a razão da sua existência, não entendeu a causa que a gerou. Tal lei representa a condenação do decaído, que tem de subir de novo, evoluindo com o seu esforço, reconstruindo e ganhando duramente o que agora lhe faz falta, e que antes da queda o ser possuía de graça na maior abundância. E por isso que o homem primitivo, se quer sobreviver, tem de lutar contra as feras, os elementos desencadeados, inúmeros perigos e inimigos, cego pela sua ignorância, perdido no caos, enquanto com a evolução, tudo isso se vai arrumando e melhorando, até que, com o desenvolvimento da inteligência, o homem consegue construir um ambiente mais favorável, seja dominando-o e domesticando as forças da natureza, seja transformando-se em ser civilizado que sabe conviver com os seus semelhantes, não mais seus inimigos, mas seus colaboradores.
Essa a razão da tão miserável vida do cidadão do AS. Com a queda não ficou nas suas mãos senão um farrapo de vida, ao qual ele fica desesperadamente agarrado para não o perder. Não há conquista que não seja ameaçada pelo medo de a perder, não há poder que não seja cheio de perigos, riqueza que não seja roída pela inveja dos rivais, glória que não seja enganada pela mentira da adulação etc. Neste nível cada vantagem está fatalmente inumada pela correspondente desvantagem, devida à negatividade do AS, de modo que aumentar a vantagem implica aumentar a respectiva desvantagem. Acontece assim, que conquistar sempre mais poderes, riqueza, glória etc., não leva, como o ser desejaria, só para conquista de positividade, mas também de qualidades negativas, devidas à negatividade do ambiente do AS, e necessariamente leva consigo um aumento de todos os males e embaraços que àquelas vantagens estão inseparavelmente ligados.
Mas é lógico que, quando o ser, situado no AS, procura nesta sua posição involuída, as doçuras do S, no fundo delas encontre o veneno e as amarguras do AS. É lógico que num mundo emborcado no negativo, também quando se buscam produtos positivos, não se possam encontrar senão produtos prontos a toda a hora a emborcar-se no negativo. É lógico que, quanto mais em nosso mundo quisermos possuir produtos positivos, para saciar a nossa fome de positividade, tanto mais seremos embaraçados e sufocados pelos produtos da negatividade. Na sua ignorância, o homem cegamente pretende realizar o absurdo de atingir as satisfações do S, movimentando-se em descida em direção emborcada, aprofundando-se sempre mais no AS, enquanto o seu anseio não pode ser satisfeito senão pelo caminho oposto, isto é, como a renúncia a tudo o que é AS e com o esforço para reconstruir tudo o que é S. Acontece assim que, para aumentar os seus poderes, o ser não ganha, mas perde Trata-se de uma nutrição às avessas, que não tira mas aumenta a fome, que não sustenta, mas envenena Tudo é lógico, nem poderia ser diferente. Temos assim também uma explicação racional dos ditames sustentados pela ética e pelas religiões, e da inconciliabilidade entre Cristo e o mundo.
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Observamos o que é a morte e a vida para o biótipo atrasado, cidadão do AS, forte e hábil vencedor em nosso mundo. Observemos agora o que acontece do lado oposto, isto é, o que é a morte e a vida para o biótipo evoluído, que vai se aproximando do S, o homem evangélico, que o nosso mundo despreza como fraco e utopista.
A maior punição para o involuído, que está do lado do AS, é automática e está no fato de que, na sua ignorância, ele julga ser a sua vida a única e verdadeira, e por isso toma a sério uma vida que é somente uma existência inferior de condenado. A maior vantagem para o ser adiantado que está do lado do S, repousa no fato de que ele não aceita tal ilusão, porque entendeu que a verdadeira vida é outra, a imorredoura e não a temporária e perecível na matéria. Eis que existe para ele uma vida maior, em que se justificam e compensam os sofrimentos humanos, uma existência melhor, onde não há morte a ser destruída. Ressuscitando e continuando, a vida vence a morte, finalmente um apoio firme em alguma coisa estável que não pode ser destruída, coisa certa que não se resolve numa ilusão. Então este homem, que o mundo julga um sonhador, vive fora da realidade, é o único que baseia a sua vida num ponto positivo, e não acaba num engano, como acontece com as coisas do mundo. Tudo depende da forma mental que possuímos e com a qual julgamos É lógico que o ser vivendo emborcado no AS julgue verdade o que é ilusão, porque pela sua própria posição ele não pode deixar de ver tudo às avessas. E é lógico, também, que o ser próximo do S julgue ilusão, a própria ilusão, porque pela sua posição ele não pode deixar de ver tudo de maneira correta. E esta diversa visualização que desloca os conceitos e os valores dos dois biótipos. Se quisermos então conhecer como vê e julga o mundo o ser mais adiantado, próximo do S, basta inverter o julgamento que o mundo faz dele e de si próprio.
Para o evoluído a vida terrestre representa um inferno adaptado para feras, que para os atrasados pode parecer até civilizada. A moral comum aconselha a superação da animalidade com o desapego das coisas do mundo. Mas o evoluído não sente apego, mas sim enjôo delas. Este é o estado de quem não somente despreza o que a maioria mais procura e gosta, mas sente por tudo isto instintiva repulsa, que representa a fase final da superação, da libertação e a fuga definitiva para fora do ambiente terrestre. Neste caso o ser tanto experimentou os enganos do mundo e entendeu o jogo das ilusões, que para ele não se trata mais de, por esforço de virtude, não desejar riquezas, honras, poder, gozos materiais; mas se trata pelo contrário do fato de que ele não pode deixar de rejeitar com um sentido de repugnância tal tipo de satisfações, recusando-as com náusea, apesar de que elas sejam tanto procuradas pela imbecilidade humana; revoltado contra elas, sobretudo porque são causas de tantas maldades e crimes, cometidos por quem, devido ao seu egoísmo e semeando tantos sofrimentos, delas faz o maior objetivo da vida. Mas os atrasados não se apercebem que monstruosidade repelente e horrível representa, para os mais adiantados, a falta de sentido moral.
Esta é a posição de quem vive a última das suas encarnações terrestres. A esse ponto, abrindo os olhos depois de tantas experiências dolorosas, todos terão de chegar. Tal é a psicologia de despedida do inferno terrestre, no qual os vencedores do mundo, que atormentam os bons, julgando-os ineptos, terão de ficar até que com o seu esforço, tenham percorrido todo o caminho que leva para a libertação. Quem está apegado a um mundo inferior, pelo seu próprio apego tem de voltar a ele. A condenação é automática, devida à própria natureza do ser. Até que tenha aprendido toda a lição através de mil dores e desilusões, esse tipo de homem ficará encadeado a essa forma de existência e a todos os males a ela relativos. A vitória do homem do mundo é a sua maior condenação, é o que sempre mais o prende à sua prisão. Ele agride os bons que julga fracos, os explora e esmaga, com isso acreditando vencer e ganhar. Eles o utilizam para serem expelidos para fora do inferno dentro do qual, com isso, os seus agressores se vão cada vez mais radicando. Os bons e perseguidos sofrem, mas sobem e subindo ganham; os maus e os perseguidores vencem, mas descem e descendo perdem a partida maior. Mas isto, pela sua ignorância, eles não entendem, nem adianta explicar-lhes. Mas o entende quem subiu com o seu esforço e, subindo, amadureceu conquistando o conhecimento.
Vemos aqui como funciona o jogo das ilusões do mundo. O homem está cercado de enganos. Ele acredita ser um vencedor, enquanto é um vencido; quando pratica o mal acredita ficar impune, escapando às conseqüências das suas ações e à justiça de Deus, e não sabe que às reações da Lei ninguém pode fugir. Engana-o a sua miopia, por força da qual ele julga, baseando-se na curta vida atual, que essa vida é tudo, e observando que os seus semelhantes com suas maldades não sofrem conseqüências imediatas. O homem não entende que esse processo é lento e complexo, que o pagamento das dívidas se faz em outras vidas sucessivas, pelas seguintes razões: 1) a eternidade não tem pressa; 2) a justiça de Deus não está fechada dentro da pequena medida de nosso tempo; 3) antes de se resgatar com o pagamento, o ser, entre uma vida e outra, tem de refletir para compreender e poder fazer melhor, porque está fora da ilusão dos sentidos; 4) enfim, pelo fato de que uma existência de pagamento e expiação tem de ser organizada de outro modo, ela é baseada sobre condições de vida diferentes das que constituem a atual, em que o mal foi cometido.
É lógico que o panorama da vida apareça completamente diferente, quando o olharmos de cima para baixo, ou de baixo para cima. É lógico, também, que quem evoluiu acima do comum nível de vida humana, a julgue, e conceba de maneira diferente. É natural que, quem conquistou outras qualidades e tem de realizar outro trabalho, não possa deixar de se sentir desterrado e estrangeiro em nosso mundo, no qual tem de tropeçar a cada passo com coisas que não correspondem à sua natureza, com as quais ele não pode construir a sua vida.
Assim o fenômeno da morte se torna uma coisa diferente, conforme a natureza do indivíduo que tem de a enfrentar Esquecê-la não é possível, porque a toda hora a vemos aparecer entre nós, conduzindo um ou outro, sempre pronta para todos. O homem do mundo procura não vê-la, atordoando-se com a corrida atrás das coisas materiais que lhe dão a ilusão da realidade, enchendo de barulho os sentidos, ou procurando esquecê-la adormecido na inconsciência. Mas um secreto terror se aninha na sua alma, quando ele pensa neste fim que lhe arranca tudo o que mais ama e defende. Pelo contrário, o homem espiritual, perseguido pelo mundo, pensa com tranqüilidade na morte, porque ela não tem o poder de lhe tirar nada, porque o seu tesouro está nas coisas espirituais que leva consigo. Quem vive, não em função do mundo, mas duma existência superior, nada perde deixando a Terra, mas, pelo contrário, sabe que então sairá do inferno e se regozija pela sua libertação.
Sendo os dois tipos biologicamente situados nos antípodas, é lógico que as suas concepções sejam uma o reverso da outra. Para o homem do mundo a morte é o término da vida; para o homem espiritual ela é o início de uma vida mais alta. Para o primeiro a morte é uma condenação que destrói a felicidade que está no corpo; para o segundo a morte é uma libertação que abre as portas à felicidade que está no espírito. Para o primeiro a morte é morte, para o segundo é ressurreição; para um ela é motivo de tristeza porque tira a vida, para o outro é motivo de alegria porque traz um aumento de vida. É natural que a evolução leve a um aumento de positividade, isto é, de vida, e que nos níveis mais involuídos dos prevaleça a negatividade, isto é, a morte.
A morte é tanto mais destruidora, quanto mais o ser se encontra situado perto do AS, quanto mais a vida dele está no corpo ao invés de estar no espírito, quanto mais está na superfície ou forma em vez de estar na profundeza ou substância. Até que o ser acorde na vida do espírito, tornando-se vivo e consciente nesse nível, não pode gozar da sua imortalidade. Enquanto o ser se identificar com o corpo, julgará morrer, quando o corpo morre Não poderá sobreviver acordado, mas só adormecido, quem não aprendeu a estar vivo e consciente no espírito. É lógico que, para quem está convencido de que a vida está apenas no corpo, quando ele perde o corpo, tenha a sensação de ficar sem vida. Assim ele continua vivendo como num estado de asfixia, sozinho nas trevas, desesperado no vazio, perdido no vácuo de si mesmo.
A terrível autopunição do involuído é a sua ignorância, que lhe deixa acreditar: apegando-se às coisas do mundo possa ganhar a Vida, enquanto ocorre o contrário, porque desse modo ele desce e se enraíza cada vez mais no AS, o reino da morte, de maneira que ele não ganha, mas perde a verdadeira vida. Essa é a lógica conseqüência da posição emborcada em que se colocou o ser com a revolta, pela qual ele não pode deixar de conceber tudo às avessas. Está escrito nas próprias leis da existência, e ninguém pode impedir: quem escolhe o caminho da descida vai para a morte, e quem segue o caminho da subida vai para a vida.
Paralelamente, o oposto ocorre ao evoluído. Enquanto o ser atrasado luta desesperadamente para conservar a sua efêmera vida inferior, seu único tesouro, o adiantado não consegue suportá-la senão transformando-a num meio para realizar alguma coisa superior, que concorde com os seus instintos e pertença ao seu plano de vida. A orientação e os objetivos da vida do evoluído estão nos antípodas aos do involuído. O primeiro é idealista, o segundo materialista. Este realiza toda a sua vida aqui na Terra; aquele a realizará na sua plenitude somente amanhã, porque para ele a verdadeira vida se inicia quando para o outro tudo parece acabar com a morte. Convencido de se encontrar numa posição mais vantajosa, o mais adiantado gostaria de ensinar o segredo da sua vida superior ao involuído, para o seu bem, e essa transmissão de conhecimentos se torna a finalidade da sua existência terrena. Mas o atrasado se encontra proporcionado às suas trevas e não quer ser incomodado pela luz, que o impulsione a fazer o esforço de realizar em si essa reforma revolucionária. Então ele repele a ajuda e responde com a revolta e a agressão, que é a lei do seu plano, escrita nos seus instintos, perfeitamente convencido que tudo isso corresponde à verdade.
A conclusão é que tudo vai bem para quem na Terra se encontra no seu nível evolutivo, que representa o ambiente a ele proporcionado. Aqui ele pode realizar a sua vida conforme a sua natureza. Mas tudo vai bem, enquanto o jogo de uma vida que depende da efêmera existência de um corpo físico não acabe. Pelo contrário, tudo vai mal para quem na Terra não se encontra no seu nível evolutivo, ou ambiente a ele proporcionado. Aqui ele não pode realizar a sua vida conforme a sua natureza, mas tem de a suportá-la, com muito sofrimento. Se, porém, tudo vai mal até à morte, a efêmera existência de um corpo físico que aprisiona o espírito não pode durar para sempre, e depois do cativeiro tudo termina na libertação; a vida não acaba na morte, mas numa vida maior Eis então que os primitivos, sedentos de vida, irresistivelmente se reproduzem, para depois se matarem uns aos outros nas guerras. Eles têm de ficar apegados a um mundo onde cada berço é um esquife, onde a geração serve para alimentar a morte, onde uma vida de lutas atrai mil enganos tem de acabar na destruição do que mais foi almejado. O que não faz parte dessa condenação para eles é utopia rejeitada, de maneira a que eles fiquem na sua posição, como merecem.
O mais adiantado, que entendeu a mecânica desse jogo, chora sobre tanta ignorância e miséria. Ele quer fazer alguma coisa para salvar os seus irmãos menores, mas estes se apressam a crucificá-lo. Assim, tal ajuda é repelida e fica em pé a miséria e a vergonha do mundo. Eles não entendem e não adianta explicar-lhes. Quando, movidos pelo originário instinto de positividade do S, eles procuram levantar na Terra afanosamente as suas construções, não entendem que, por pertencerem a um mundo feito de negatividade, qual é o AS, aquelas construções não podem durar e deixar de cair, tudo terminando num engano. Para que censurar, se cada um, pela sua própria natureza, traz em si mesmo o seu prêmio ou a sua condenação? Nada se pode acrescentar ou tirar à perfeição da justiça de Deus, pela qual automaticamente cada um recebe o que merece.
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Já vimos que na Terra são conhecidos três níveis de evolução: o da fera, que usa o método da força; o do homem que, quando não é fera, usa o da astúcia; o do super-homem, que usa o método da honestidade e justiça. Estes níveis estão um em cima do outro. Cristo ensinou o método do nível mais adiantado, no qual transformando-se por evolução, terão que chegar os outros. Assim Cristo antecipou e aprontou as novas realizações do futuro: um mundo em que basta cada um cumpra o seu dever a respeito dos outros, para que os outros o cumpram a respeito dele; um mundo às avessas do atual, em que se fareja de longo o tipo honesto para o explorar e se acredita que a inteligência consiste em não fazer o seu dever, aproveitando os que o fazem O jogo é bonito e gostoso. Há, porém, os irrefreáveis impulsos da evolução que não podem deixar de acabar limpando o mundo de tal imundície Então tais seres inteligentes às avessas serão pela própria vida eliminados do nível humano e impelidos para planos inferiores, porque o progresso pode cada vez menos tolerar os seres não civilizados
Com o exemplo, Cristo nos mostrou a superioridade do seu método, porque se Ele se deixou crucificar, depois as leis da vida constrangeram o mundo, por milênios, a ajoelhar-se perante a Sua imagem de crucificado. Perante a figura de Cristo o homem tudo pode fazer, menos ficar indiferente. Apesar de negando e rebelando-se, ele não pôde deixar de ter que engolir a doutrina de Cristo, porque ela está escrita na lei de evolução da vida, e tanto assim é que quando os melhores não são escutados, os piores são chamados pela história, a impor aquela doutrina (justiça social) com métodos dos inferiores. As religiões cristãs, não importa se não acreditando nem praticando, tiveram que proclamar e sustentar o método de vida de Cristo - o da honestidade e justiça. Bilhões de indivíduos durante milênios tiveram de conhecer essa doutrina e exemplo, ouvir aquelas palavras, palavras que o mundo não pode silenciar. Os maduros encontraram em Cristo um refúgio e a justificação para a sua conduta, que o mundo julga loucura. Assim eles não estão mais sozinhos, porque há alguém que endossa o seu comportamento. Por isso eles se agarram a Cristo, único sustentáculo seu no desterro terrestre. E se juntam à pequena turma dos Seus seguidores, onde apenas podem encontrar os seus companheiros de luta e de martírio, para realizar, seguindo as pegadas de Cristo, a grande tarefa de civilizar o mundo.
Mostrando qual é a posição do involuído e a do evoluído nos seus respectivos planos de existência, indicamos também qual é o caminho que o primeiro tem de percorrer para atingir o nível do segundo. Este é o trecho humano do grande caminho ascensional do ser, que vai do AS ao S; é o caminho da salvação, que destrói todas as tristes qualidades da negatividade e leva para a conquista de todas as felizes qualidades da positividade. Chamamos a esse caminho de subida, porque vai para o aperfeiçoamento, mas o poderíamos chamar também de descida porque vai da superfície, onde está o AS, para a profundidade, onde se encontra o S. Trata-se de diferentes imagens para nos tornar inteligível a mesma realidade.
É nesta profundeza que está a verdade. É de lá que fala a voz da vida, se origina e procede a sua ação, abisma as suas raízes até Deus. Ele está no centro do todo, daí se manifestando em todas as formas, regendo todos os fenômenos, segundo os princípios por Ele estabelecidos na Lei. É nesta profundeza que se encontra a sabedoria, a orientação, a energia, a saúde, a ajuda moral e também material, que se resolve os problemas do conhecimento. Aí está a bondade, o poder, a justiça. Tudo desce daquela primeira fonte que é Deus.
Quanto mais o ser é involuído, tanto mais ele está situado na periferia do todo, representada pelo AS, com todas as suas qualidades. Quanto mais o ser é evoluído, tanto mais ele está situado perto do centro do todo, representado pelo S, com todas as suas qualidades Dentro da casa exterior representada pelo nosso universo material, reino dos rebeldes - expulsos do S - vivendo na ignorância e no sofrimento, há um caroço de natureza oposta, representado pelo universo espiritual do S, reino de Deus, onde domina sabedoria e felicidade.
Mas os dois remos não são separados, mas contíguos, de modo que podem se comunicar. O S que está no centro. irradia continuamente as suas qualidades de positividade e de vida para o AS, que está na periferia. Este, pela sua natureza invertida, está feito somente de negatividade e de morte e, se fosse deixado sozinho, a si mesmo, estas suas qualidades o destruiriam Há, porém esta contínua irradiação de positividade e de vida, que nasce do S e penetra, alimenta e assim salva o AS da destruição, compensando e corrigindo suas qualidades de negatividade e morte.
Por outras palavras, o Deus transcendente, que está além do nosso universo atual, no S, do centro onde Ele está situado, estende e faz chegar a sua ação até à zona periférica, de superfície, isto é, no AS, aí ficando presente na forma de Deus imanente, representando o princípio da vida, que sustenta todas as formas, e a inteligência que com a Lei dirige o funcionamento de todos os fenômenos. As fontes da vida estão no S que, com as radiações da sua positividade subindo da profundeza, de contínuo reconstrói o que a negatividade do AS na superfície de contínuo destrói. E assim que Deus, as fontes da vida, o S, estão dentro de tudo o que existe e dentro de nós, e aí os poderemos encontrar descendo na profundidade de nosso ser.
Explica-se desse modo como, na luta entre a vida e a morte, Se AS, em nosso mundo, a vida vence a morte. Isto porque o S é obra de Deus, é mais forte do que o AS, obra da criatura. De fato vemos que as construções humanas para resistir à destruição necessitam de uma manutenção contínua, que se pratica pelo trabalho do homem de fora para dentro, enquanto as construções da vida automaticamente se reconstroem de contínuo, intimamente alimentadas de dentro para fora (reconstrução dos tecidos celulares etc.). E assim que. por exemplo deixamos abandonada uma cidade aí voltarmos depois de um século, encontraríamos apenas ruínas. Se, pelo contrário, deixarmos abandonado um campo plantado de árvores, depois de um século, aí encontraríamos um espesso bosque. A diferença está no fato de que os edifícios de uma cidade, como toda obra humana, são um produto tipo AS, só obra do homem, e por isso não estão ligadas pelas suas raízes às fontes da vida, que estão em Deus. Ele cria operando de dentro para fora, provando que o S está no interior do AS. O ser destrói de fora para dentro, matando o corpo, dessa forma, provocando que o AS é exterior ao S. Cada um trabalha conforme a sua posição no Todo.
Em nosso mundo encontramos os dois elementos: o construtivo do S e o destrutivo do AS, a vida e a morte, em luta entre si. Quando um ser nasce em nosso mundo, deve-se o fato ao impulso da vida que, derivando do S, vai até ao AS, onde se manifesta na forma. Mas logo que isto acontece, a negatividade do AS começa e vai roendo e consumindo o poder daquele impulso, até prevalecer sobre ele, e então chega a morte. No primeiro momento é o S que vence, no segundo é o AS. Temos assim um universo dualista, devido à revolta que o despedaçou em dois momentos opostos: na profundeza, a vida; na superfície, a morte. A tarefa do S é sempre a de gerar a vida; a função do AS é a de destruí-la. Se dentro do AS não existisse o S, isto é, se o nosso universo não fosse animado e sustentado pela presença de Deus imanente, tudo teria fracassado há muito tempo, destruído pela negatividade do AS. Se esta não existisse, como acontece no S, então não existiria morte e a vida seria eterna.
É assim que, quanto mais o ser no AS está longe do S, tanto mais ele é matéria inerte, em que a consciência do espírito está adormecida; e quanto mais o ser do AS, evoluindo, se aproxima do S, tanto mais ele adquire vida e se potencializa como vida, tendo acordado a consciência do espírito. E pelo fato de que a evolução significa aproximação do S, que ela representa uma conquista de vida. E por isso que, com a evolução, se fortalece cada vez mais o poder da vida e se enfraquece o da morte, até que, ao concluir-se o processo evolutivo com o regresso ao S, juntamente com o AS desaparece a morte, e a vida volta a ser eterna, acima da dimensão tempo. Produto da queda, agora reabsorvido pela evolução.
Mostramos neste volume os duros efeitos da queda, mas também os caminhos da salvação. Temos agora a diagnose do mal e os remédios para o tratamento. A conclusão é que, com a evolução, temos nas mãos a chave de nossa salvação, o meio para a conquista da felicidade e da vida eterna. Se com a revolta o ser involuiu no AS, com a evolução ele pode voltar ao S. Esta nossa conclusão não é novidade, porque é uma ética que coincide com a do Evangelho e com a que repetem as religiões num consentimento quase universal, que nos confirma como prova de verdade das nossas teorias. A novidade está na forma, mais convincente, na qual apresentamos tal verdade. As religiões apoiam-se na fé cega, porque falavam e ainda falam a seres incapazes de ser convencidos e entenderem o valor das provas racionais, incapazes de ficar impressionados pela sua lógica. Nem a filosofia abstrata, nem a ciência, limitada ao que aparece objetivo, podiam tornar atual e introduzir na vida essa ética.
Para chegarmos às nossas conclusões era necessário possuir uma visão clara da estrutura do universo, mostrada em nossos livros precedentes. Para que tais conclusões fossem aceitáveis, era preciso apoiá-las no único argumento que todos entendem e que a todos convence, prático, concreto - o da utilidade própria. É sobretudo neste que nos baseamos. Aqui, neste volume, não se trata de vôos místicos ou arremessos fideísticos, o que já algures foi feito, mas do cálculo das vantagens que compensam o esforço evolutivo. Não basta dizer que na evolução está a salvação. A evolução representa um trabalho duro, e dele quase todos querem fugir. Então, para que fazê-lo? Para ser ouvido é necessário provar que este trabalho é pago com uma utilidade nossa, e como, quando e por que é pago. A fé sozinha nos deixa sempre um pouco duvidosos, tanto que para a sustentar foi necessário apoiar-se no inferno, já que o paraíso prometido pelas religiões parece não convencer muito os crentes, que, com o risco de merecerem o inferno, muitas vezes preferem o paraíso bem pobre, mas menos nebuloso e mais inteligível e concreto, o das coisas terrenas. Não esqueçamos que a vida, e por isso o ser, são utilitários. Cada um faz os seus cálculos e, antes de se movimentar, estuda se convém fazer o esforço necessário, se ele é compensado, sem o que não o faz. Na prática, a pregação de sacrifícios para teóricos ideais de virtude não convence ninguém. Essa é a realidade, lógica e natural conseqüência do que o homem é de fato.
Eis por que neste livro procuramos dar provas do dano que recebemos cometendo erros, como da utilidade que atingimos, se cumprirmos o esforço de evoluir, seguindo os ditames de Cristo. Este nos pareceu o melhor comentário possível para demonstrar a verdade do Evangelho. Assim ele se torna atual e prático, necessário a toda a hora no meio de nossa vida, também fora do ambiente fechado das religiões particulares. Por isso demonstramos que estar do lado de Cristo significa não ser fracos e vencidos, como o mundo julga, mas fortes e vencedores, não ignorantes, mas sabedores, porque melhoramos as condições de nossa existência, enquanto o contrário acontece para os vencedores no mundo, vítimas das suas ilusões, em virtude das quais, acreditando ganhar, eles perdem.
Contra a mural dominante nos fatos, que parece verdadeira, assim demonstramos a verdade do que parece um absurdo, que é a moral oposta, a do Sermão da Montanha, a do Evangelho das bem-aventuranças. Trata-se somente de nos tornarmos mais inteligentes para compreender o truque dos enganos do mundo para não cair mais neles, e que outro é o caminho para obter a nossa verdadeira vantagem. Aos homens práticos e positivos quisemos provar que vale a pena, é bom negócio, o melhor possível, tomar o Evangelho a sério e vivê-lo.
Trata-se do problema fundamental, que é o de nosso sofrimento ou de nossa felicidade. Explicar racionalmente qual é o método melhor para alcançá-la, é a minha grande vingança contra os meus semelhantes pelas espoliações e esmagamentos que, para cumprir o dever, tenho recebido na minha vida, num mundo em que, infelizmente, parece que o maior crime, que poucos perdoam, o mais desprezado e punido, é o ser honesto. Que se pode fazer de mais útil para o bem dos outros, que é mais urgente em nosso mundo? Não será procurar civilizar os primitivos, explicando-lhes onde está a sua verdadeira vantagem, para que eles não sofram mais, continuando sempre a cometer erros?
S. Vicente - Páscoa de 1961
Observemos agora sob outros aspectos o fenômeno da luta entre o bem e o mal, para entender cada vez melhor a íntima técnica do seu funcionamento. Que acontece, então, na profundeza quando as forças do mal agridem?
A negatividade é o que mais existe em nosso mundo próximo do AS. Aqui o ser vive mergulhado num oceano de forças desse tipo, e na sua liberdade, ele pode escolher e dirigi-las contra quem quiser. O ser, para dominar no seu plano, procura apoderar-se delas, e elas se apoderam dele, gerando uma fusão pela qual se personificam naquele indivíduo, que as quis canalizar contra os seus objetivos. Mas, pelo fato de que não há no universo fenômeno que não seja regido por uma lei à qual ele tem de obedecer, o ser pela sua escolha, fica preso dentro da engrenagem dos princípios que regulam esse fenômeno, isto é, o funcionamento das forças do mal, constrangendo-se a aceitar todas as conseqüências. Uma vez que o ser escolheu o tipo dos seus movimentos, fica amarrado à lei deles. O ser agride, porque a posição natural do cidadão do AS é o ataque, enquanto a do cidadão do S é o amor. Quem ataca é o ser que está insatisfeito, fora da ordem, o rebelde cujo reino é o da luta, não aquele a quem no S nada falta e que nada procura.
Qual é, então, do outro lado a técnica do funcionamento das forças do bem, a estratégia da sua defesa? O princípio da agressividade só se encontra no AS. Ele é filho da luta, que é filha da cisão, a qual por sua vez é filha da revolta. No S nada disto existe. Seria absurdo ver dois anjos lutar um contra o outro, como ver dois diabos amarem-se. Tantos perguntam sem saber responder: por que em nosso mundo há guerras? Há, porque ele ainda pertence ao AS. No S não há guerras. As forças do bem não agridem, não aceitam a luta do mundo, com as suas armas. Como, então, as forças do mal não conseguem vencê-las? Qual é o segredo, onde está a força escondida dessa estranha estratégia, que o mundo prega, com o Evangelho, mas na qual não acredita? Para quem toma a sério a palavra de Cristo é fundamental conhecer o mistério desse fenômeno, porque ele tem de vive-lo e no uso desse conhecimento se baseia a sua sobrevivência.
A diferente posição que as forças de um tipo tomam quando se chocam com as do outro, depende da particular natureza de cada um desses tipos. As forças do mal estão situadas na incerteza do movimento que representa a tentativa do ignorante. Elas são levadas a agitar-se para encher o vazio da sua negatividade, para reencontrar o equilíbrio perdido com a revolta. O movimento sem paz é a condenação dos rebeldes. Pelo contrário, as forças do bem ficam naturalmente imóveis na plenitude representada pela sua positividade. Elas estão situadas na posição de certeza de quem sabe, que é o estado determinístico da perfeição. Ora, imobilidade não quer dizer falta de movimento, o que seria morte, mas um tipo de movimento diferente, isto é, não um movimento cindido contra si mesmo porque dividido em duas partes contrárias (AS), mas um movimento unitário, fundido na ordem do estado orgânico (S). E o rebelde do AS que corre atrás do S, que contém tudo o que no AS perdeu e que agora o rebelde vai desesperadamente procurando recuperar. E então por esta sua diversa natureza que as forças do mal se movimentam e o fazem com os seus métodos de revolta, conforme a sua natureza, agredindo as forças do bem. Mas estas também, seguindo os seus métodos, conforme a natureza, não reagem lutando em sentido oposto, porque a estratégia da luta se encontra somente no AS. O choque entre duas estratégias iguais se encontra só entre dois inimigos que existem no mesmo nível de vida e possuem a mesma forma mental. Mas neste caso, quando um homem comum agride um homem do Evangelho, eles têm natureza, psicologia e usam estratégias diferentes, um existe num plano de vida que esta acima do plano de vida do outro, um do lado do S, e outro do lado do AS.
Eis então como funciona a estratégia do bem. Quando as forças do mal se movimentam agredindo as do bem, estas não se movimentam em sentido contrário, respondendo com um contra-ataque, mas usam o método oposto, isto é, simplesmente ficam fortes na sua imobilidade, e isto basta para tornar vão o ataque. Mas como é isto possível? Se as forças do bem são fortes na sua imobilidade, é que, como há pouco explicamos, essa imobilidade é feita de um movimento unitário, representando um sistema de forças orgânico e compacto, fechado em si mesmo, no qual não é possível penetrar. Assim as forças do bem permanecem como tais, resistindo como rocha dura, impenetrável como uma parede lisa de pedra. Isto pode fazer só quem é forte por sua natureza, porque está do lado do S, isto é, da positividade, mas não pode ser feito por quem é fraco por sua natureza, porque está do lado do AS, isto é, da negatividade.
Aqui é necessário esclarecer com uma observação. Se a Lei não responde com um contra-ataque, mas fica resistindo na sua imobilidade, como falamos e sempre se fala de reação da Lei? E como se resolve o caso sem a reação Dela? Quando usamos tais palavras, para ser melhor entendidos, tomamos como empréstimo de nosso mundo baseado no AS, uma imagem toda humana, filha do princípio da luta, ataque e contra-ataque, conceito que, porém, é um absurdo no seio da Lei, que funciona com o método oposto, o do S. Mas foi necessário usar a forma mental do ser rebelde, com a qual o homem funciona e sem a qual ele não entende. Então o que acontece da fato é outra coisa, isto é, a Lei não reage, mas só resiste, não contra-ataca, mas pela sua resistência deixa que automaticamente o ataque por si próprio se devolva ao agressor. Veremos agora como isto se verifica. Então tudo o que faz a Lei contra a agressividade das forcas do mal, é ficar firme no seu castelo, invulnerável pela forca da sua positividade. Quando parece que a Lei reaja, é que contra a sua justiça, é a própria ação do agressor que ricocheteia contra ele mesmo. Neste ponto entramos no domínio inviolável da Lei, que leva vantagem sobre a liberdade do ser. Ele é livre de movimentar as suas forças e de iniciar o desenvolvimento do fenômeno. Mas logo o ser fica preso, sem saída, dentro dos princípios que regem esse fenômeno, o que significa acabar atingindo outros resultados.
Como então as forças do mal ricocheteiam para cima do agressor? Temos um lançamento de forças negativas contra o castelo invulnerável das forças da positividade. Mesmo que não houvesse a resistência das duras paredes desta, as forças do mal contêm, na sua própria natureza de impulsos torcidos ao negativo, a tendência a voltar para trás, continuando na sua posição de emborcamento. Esta é a parte determinística do fenômeno, da qual ninguém pode fugir.
Observemos mais pormenorizadamente como se realiza esse processo de ricochete. Veremos também quando ele se verifica, isto é, as condições necessárias para que ele se possa verificar. Quando o assalto das forças da negatividade se lança contra as paredes do castelo das forças da positividade, procuram o ponto fraco feito de negatividade, porque esse é o único ponto pelo qual o inimigo pode entrar. Mas, por que a negatividade constitui o ponto fraco onde o inimigo pode entrar? Assim acontece pelo fato de que, como já explicamos, enquanto o movimento das forças positivas é unitário, é um sistema de forças orgânico e compacto, fechado em si mesmo, no qual por isso não é possível penetrar, pelo contrário o movimento das forças negativas é cindido contra si mesmo, é um amontoado de forças anárquicas e discordantes aberto de todos os lados, no qual por isso é fácil penetrar. Eis o que constitui a fraqueza da negatividade. Os seres do AS são fracos porque gastam a sua energia lutando uns contra os outros.
Então o resultado final é esse: se o mal encontra este ponto fraco vulnerável, ele pode entrar; mas se não o encontra, porque do lado oposto não existe, então o mal não pode penetrar. É como nas doenças. Ninguém pode viver num mundo esterilizado sem micróbios patógenos, como ninguém pode ficar isento dos assaltos das forças do mal. A defesa está no indivíduo e não no ambiente. Assim as doenças não pegam quando encontram um organismo bem defendido, porque sadio e forte, como o ataque do mal não pode penetrar no indivíduo, quando neste não há pontos fracos de negatividade, isto é, a personalidade dele está sadia pelas forças da positividade. Começa então a vislumbrar quais são as condições necessárias para chegar à vitória quem usa a estratégia evangélica do perdão. O que constitui a força do agressor é o ponto fraco do agredido, onde este é vulnerável. Se este ponto fraco não existe, o mal nada pode, porque ele se encontra perante um ser invencível. Este é o caso em que se verifica o fenômeno do ricochete. Veremos depois o caso em que, pelo fato de que o agredido está enfraquecido por qualidades de negatividade, por esse caminho o mal o pode atingir.
Estabelecidos esses princípios, observemos agora como, no caso do homem verdadeiramente de bem, que com isso se colocou na posição de invulnerabilidade, se inicia e realiza o caminho de volta, para trás, contra as próprias forças do mal. Se, pelo que foi acima explicado, a vitória do bem é garantida, isto do lado oposto implica também o seu contrário, o que quer dizer que está garantida também a derrota do mal. Consequentemente, é perigoso agredir o homem que pertence ao bem. Mas quem agride não sabe nada desse sutil jogo de forças e, na sua ignorância, se arrisca cegamente nesse perigo. Acaba assim derrotado. Mas, como isso pode acontecer?
Quando o mal se lança contra um castelo íntegro. todo positividade, os impulsos destruidores da negatividade, não encontrando um ponto fraco, não podem entrar. Chocam-se então contra a parede da positividade, sem atingir o seu objetivo e com isso o seu desafogo, que absorva e esgote a sua negatividade. As forças do mal não estão aniquiladas, mas vivas e têm de continuar indo à procura de um alvo que as receba. Uma vez que foram movimentadas, elas não podem parar, mas têm de continuar o seu caminho, até esgotarem em qualquer parte o seu impulso. Unia causa não pode deixar de atingir o seu efeito. E, se o caminho para a frente está fechado pela impenetrabilidade da positividade, os caminhos colaterais não atraem porque levam para objetivos desconhecidos, e se o caminho para trás está aberto, como um convite, pela fraqueza e penetrabilidade da negatividade, então que podem fazer as forças do mal senão dirigirem-se para a fonte que as gerou, voltando ao seu ponto de partida, isto é, por um caminho as avessas, lançando a sua agressividade contra o próprio agressor?
Mas as forças do mal são por sua natureza destruidoras, de modo que acontece neste caso que, quem as lançou contra quem não mereceu tal ataque, as receberá de volta, isto é, será agredido por sua vez pela sua própria agressão. Eis como funciona automaticamente o fenômeno do ricochete e onde está o perigo para quem, estando situado do lado do mal, agride quem está do lado do bem. Então o agressor, antes de iniciar a sua aventura, deveria entender duas coisas fundamentais: 1) que as forças do bem, e quem está do lado delas, são invulneráveis e não podem ser vencidas pelas forças do mal; 2) que quem agride um inocente, que evangelicamente perdoa, automaticamente recebe de volta o impulso destruidor que ele lançou contra o inocente Eis como o método do Evangelho não é um absurdo, como a maioria acredita.
Assim o resultado final para o agressor é que outra onda de negatividade destruidora cai em cima da sua negatividade, reforçando os impulsos destrutivos no seu campo de forças, mas desta vez contra o próprio agressor. Isto porque no ataque de regresso é fácil entrar naquele castelo. Ora, tudo isto é obra providencial da sábia estrutura da Lei, porque deste modo o mal cumpre a sua verdadeira função, que é antes de tudo a de destruir o mal, se auto-perseguindo e se auto-eliminando, em favor do bem, o que deve vencer. Isto, para a forma mental humana, parece uma armadilha traidora. Armadilha, porém, não devida a engano da Lei, mas à ignorância do homem. Armadilha justa e saudável, porque leva o ser para a vitória final do bem e à destruição do mal, o que representa o maior objetivo da evolução, que é o de remir o ser, levando-o para a sua salvação. Tudo isto não é senão o resultado de um processo lógico da Lei, da sua justiça e bondade. E lógico e útil que os produtos doentios de negatividade acabem sendo torcidos contra si próprios para se destruírem. Tudo o que é positivo é poderoso, porque deriva do "Eu sou" de Deus, enquanto tudo o que é negativo, pela sua posição emborcada, não representa senão um eu não sou . Eis como se realiza esse ricochetear de impulsos destruidores contra quem os lançou. É o mal que age contra si próprio, conforme a justiça, punindo-se como ele merece. Nisto está a sabedoria da Lei.
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Para melhor o explicar, observamos até agora o fenômeno na sua posição mais evidente, que poderíamos chamar perfeita, isto é, no seu caso limite, em que o agressor se encontra totalmente culpado, do lado da injustiça, num terreno de absoluta negatividade e por isso de vulnerabilidade, e o agredido está completamente inocente, do lado da justiça, num terreno de absoluta positividade e por isso de invulnerabilidade. Mas este é caso raro na Terra, onde não é fácil encontrar anjos. Por isso a maioria não o leva em conta, porque a prática lhe ensina que muitas vezes acontece que o fenômeno do ricochete não se verifica e o mal atinge o seu objetivo. Mas isto é como se um ser, acostumado a viver nas trevas, quisesse por essa razão negar a existência da luz. Como é então que o ricochete não funciona e o agredido fica vencido? Vimos quais são as condições da sua vitória. É lógico, que, se estas não se verificarem, ele não possa vencer; todavia, a vitória somente poderá acontecer com os recursos necessários.
Agora que conhecemos os princípios que regem o fenômeno, é possível calcular a priori, para o agredido, a probabilidade da sua vitória ou derrota, o grau de sua vulnerabilidade em função do grau de negatividade do seu campo de forças, ou o grau da sua invulnerabilidade em função da sua positividade. Pode-se assim estabelecer a percentagem da fraqueza do indivíduo em relação à percentagem de negatividade que ele possui, e a percentagem da sua força de resistência aos assaltos do mal, em relação à percentagem de positividade que se encontra no seu campo de forcas Sabemos o que na prática significa negatividade e positividade. A primeira quer dizer: injustiça, engano, desonestidade, e tudo o que pertence ao mal; a segunda quer dizer: justiça, verdade, honestidade, e todo o que pertence ao bem. Estas são as armas desta nova estratégia, que aqui estamos estudando, baseada sobre princípios completamente diferentes da estratégia usada pelo mundo. Coisa estranha para o mundo: a defesa depende de um exame de consciência! Depende das qualidades que possuímos e não das armas que dominamos. É este fato que permite que sejam destruídos os mais poderosos indivíduos, exércitos e nações.
Então podemos dizer que quem possui 100% de positividade, é totalmente invulnerável; quem possui 90% é invulnerável 90%, e vulnerável só na medida de 10%; quem possui 50% é metade invulnerável e metade vulnerável, porque as suas forças são 50% positivas e 50% negativas; quem possui só 1 % de positividade, é 99% vulnerável, e quem não possui nem ao menos 1%, encontra-se todo em poder dos assaltos do mal, abandonado pela Lei, sem defesa alguma. Em nosso mundo encontram-se esses casos, cada um com uma percentagem diferente, o que marca, desde o início, o resultado final. No inevitável choque entre o bem e o mal, o problema fundamental é o de se possuir as qualidades da positividade, que representam forças, e não as da negatividade, que representam a fraqueza. Mas o fato de mudar a percentagem de umas em relação às outras, depende de nós. E com a evolução que podemos conquistar as qualidades da positividade, eliminando as da negatividade, isto é, nos afastando cada vez mais do AS, reino do mal, e nos aproximando do S, reino do bem. É lógico que o mal seja tanto mais poderoso e facilmente vitorioso, quanto mais nos aproximamos do AS, e seja tanto mais fraco e dificilmente vitorioso, quanto mais nos aproximamos do S. Assim, em última análise, a invulnerabilidade do agredido depende do grau da sua evolução. Quanto mais ele for evoluído, tanto mais será inatingível aos ataques do mal. Isto até ao caso limite, em que o mal é absolutamente impotente contra os cidadãos do S. É com a evolução que o homem pode transformar as condições de sua vida e com isso ser regido por outras leis. Se quisesse viver o Evangelho, tudo mudaria para ele. O fato de que o Evangelho não é tomado a sério e vivido, mas julgado utopia, é devido a que ele, na Terra, não encontra as condições necessárias para o seu funcionamento, isto é, a presença do homem de bem cem por cento. Não sendo bons os resultados julga-se que é o método que não tem valor. Para fazer o esforço de subir uma escada, o homem exigiria ver primeiro o que se enxerga de lá de cima, quereria atingir o resultado do seu esforço antes de realizá-lo, sem o que não o faz. Assim o homem não faz nada para praticar o Evangelho, o que o afasta sempre mais dos seus positivos resultados.
A conclusão é que o poder de defesa está na pureza da estrutura interior do sujeito. A sua fraqueza começa logo que aparece no seu castelo de positividade uma percentagem de negatividade, o que enfraquece aquele poder. Na prática isto se realiza quando e na medida em que pactuamos com o mundo, usando a sua psicologia e métodos, praticando as suas sagacidades. Então abrimos as portas e deixamos entrar a negatividade destruidora e com ela a nossa fraqueza e vulnerabilidade. O princípio é que as forças do mal podem entrar na medida estabelecida pela percentagem de negatividade, o que enfraquece aquele poder, isto é, estabelece qual é a abertura das portas que deixam livres a entrada. Contra um castelo de energias puras, todas positivas, sem vestígios de negatividade, qualquer assalto do mal pára e volta atrás. Quando o mal vence, a culpa está não somente no agressor, mas também no agredido, porque a sua derrota é devida à dose de negatividade com a qual está corrompido o que ele possui de positividade. Neste caso ele inicia o seu contra-ataque, aumentando assim ainda mais a sua negatividade; agarra as armas, desce ao terreno traidor do AS, enfraquecendo-se cada vez mais numa luta na qual ninguém vence, destruidora para todos. Quando ela se realiza no mesmo terreno humano, com a mesma forma mental, no mesmo nível de vida, com os mesmos métodos entre involuídos, então se atingem sempre os mesmos resultados: os dois lutadores, sejam indivíduos ou nações, acabam-se transmitindo um ao outro só o que eles possuem, numa troca recíproca de negatividade, de destruição, de sofrimento.
O pedido de justiça, para ser ouvido, exige que quem pede seja inocente, esteja do lado do bem e não do mal. Para que a Lei funcione, também em nosso plano, é necessário que sejam usados os seus métodos, que substituem à estratégia da força a da justiça. A força pode ser a mais poderosa, mas, se ela é injusta, se torna fraca, porque neste caso a Lei logo se coloca contra o agressor. O próprio fato da vítima ser inocente, a coloca na posição de credora perante a justiça da Lei. E por isso que os astutos da Terra procuram na luta disfarçar-se de vítimas. Mas com isso podem enganar as leis humanas, mas não a de Deus. Perante esta o agressor é devedor, por isso tem de pagar, o que constitui a sua fraqueza; e o agredido é credor, por isso tem de receber, o que constitui a sua força.
Apesar de serem tão imperfeitas as leis humanas, nelas lá existe tal conceito de justiça, que em nosso mundo, regido por outros princípios, se realiza quando é possível. Infelizmente este é um mundo de aparências, de modo que o que tem mais importância mais do que o fato de ser justo é o de demonstrar com provas visíveis que se é justo. É lógico que tão imperfeita justiça tenha de ser a cada passo revista e corrigida pela justiça de Deus. E neste ponto que começa a funcionar esta outra Lei, que está acima de todas as humanas, e que é constituída por outros princípios. Chega-se assim a esta estranha conseqüência: quem move uma ação na Terra, seguindo os métodos das leis e dos juizes da Terra, obtendo o julgamento ou sentença, apesar de ele acreditar ter com isso resolvido definitivamente o caso conforme a verdade, tal indivíduo não tem percorrido senão um breve trecho do seu caminho, que continua e se completa perante outro tribunal, cujos métodos, vimos, quanto sejam diferentes. Pode assim acontecer que um processo completamente vencedor na Terra, seja depois completamente perdido no céu, de modo que quem na Terra recebeu a satisfação de todos os direitos que a lei humana confere ao vencedor, se isto não foi conforme a justiça, esse homem terá, à custa dos seus sofrimentos, que pagar tudo ao tribunal do céu, se o julgamento deste for diferente.
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Não adianta o nosso mundo não entender e negar estas coisas. Ele fica igualmente preso na rede dessas forças sutis. O mundo nega-as, porque elas escapam aos seus sentidos. Mas quem amadureceu devido a profundos sofrimentos, atingiu um grau de sensibilização que lhe permite perceber o que acontece neste mundo subterrâneo, no interior das aparências, antes que, saindo deste seu estado sutil, se materialize nos seus efeitos concretos, que representam só a última fase do fenômeno, aquela que o mundo percebe. É assim possível, para um sensibilizado, observar os acontecimentos desde o seu início, lá onde ninguém se apercebe da existência deles, e assim conhecendo-os, prever o seu desenvolvimento e o que eles serão quando atingirem a sua última fase sensória, aquela que es outros percebem. É assim que alguns podem ver os acontecimentos antes que eles se revelem por fora o que é julgado previsão ou profecia. Mas não se trata de trabalho de adivinhador, mas só da leitura do que já existe, mas que os outros ainda não vêem. Trata-se de uma observação positiva do acontecimento na sua fase preparatória, a que escapa à observação dos outros. Então se diz que isto é previsão do futuro. Mas o futuro não nasce de nada e já existe como germe no presente. Nós dizemos que um fato existe quando o acontecimento atingiu a fase final do processo da sua formação e desenvolvimento. Mas tudo isto existe também antes de atingir esse seu ponto final, e é pelo fato de que tudo existe antes deste momento, é que alguns podem observar e assim prever o seu desenvolvimento futuro.
Então é possível examinar o fenômeno da luta entre o bem e o mal, e prever qual será o resultado do assalto do agressor contra a vítima inocente, não somente pelos caminhos da lógica, porque conhecemos os princípios que regem o fenômeno, mas também por este outro caminho da visão interior do fenômeno, assim antecipando o conhecimento da sua solução. Mas como é que isto pode acontecer, incluindo o aviso aos outros do perigo que se prepara, antes de chegar à fase final em que o caso se materializa na forma concreta de desgraça, doença, sofrimento? Traduzida em termos sensíveis, uma concentração de forças do mal pode ser percebida como uma nuvem preta que se vai aos poucos condensando no ar, enquanto uma concentração de forças do bem pode ser percebida como uma nuvem branca. O preto expressa a negatividade, o branco a positividade, porque o ponto de referência é a luz do S. O branco corresponde à plenitude da luz. O preto corresponde à falta de luz, as trevas do AS. Quando nem uma nem outra dessas duas posições prevalece de modo absoluto, teremos uma mistura de branco e preto, que há de expressar se o que prevalece no campo de forças é positividade ou negatividade. Na maioria dos casos, culpa e mérito, mal e bem, estão de ambos os lados, em medidas diferentes. Ora, se prevalece o bem, e o que domina no campo de forças é positividade, então teremos uma nuvem branca, na qual aparecem manchas pretas maiores ou menores, conforme a negatividade possuída que elas expressam. Se prevalece o mal, e o que domina no campo de forças é a negatividade, então teremos uma nuvem preta, na qual aparecem zonas brancas maiores ou menores, conforme a positividade possuída que elas expressam.
Observamos, então, deste novo ponto de vista, o que acontece nos vários casos. Conhecendo a percentagem de positividade ou negatividade que contém o campo de forças de cada um dos dois antagonistas, se pode prever qual será o resultado do choque entre eles. No caso limite que já vimos, da vítima completamente inocente e do agressor possuído só pelas forças do mal, será possível perceber as vibrações deste que se vão condensando no ar, vão-se concentrando até atingir a forma de uma nuvem preta, acima da nuvem branca da vítima inocente, para se lançar contra ela para a destruir. Que acontece então? A nuvem branca é toda branca, não possui manchas pretas, não oferece por isso porta aberta alguma, que constitui um convite para entrar, um ponto pelo qual as forças da nuvem preta se possam descarregar. Esta, perante tal impenetrabilidade, repete os seus ataques, mas cada vez mais inutilmente. Pelo contrário, quanto mais bate contra a parede dura, tanto mais é levada a ricochetear para trás. Isto até que, impulsionada pela necessidade de se descarregar em qualquer parte, a nuvem preta não tem outra escolha a não ser a de percorrer às avessas o seu caminho de ida, descarregando todo o seu impulso de agressão contra o campo da personalidade que lançou o assalto, a qual acaba assim sendo atormentada pelos tormentos que ela havia procurado lançar contra o inocente.
Diferente é o caso em que a vítima não é inocente. Então a nuvem da vítima não é toda branca, mas possui manchas pretas oferece por isso portas abertas, que convidam a entrar e por onde as forças do mal se podem descarregar. Então elas aproveitam tal penetrabilidade e penetram, atingindo o seu objetivo. Assim, a vítima recebe o choque, como um organismo fraco tem de aceitar a doença, porque ele não foi suficientemente forte para se defender. Neste caso a culpa é do agressor, mas ela está também na vítima, o que paralisa a Lei impedindo-a de intervir com a sua justiça para a defender. Eis por que em tantos casos humanos a Lei não pode funcionar: porque a vítima não é inocente e mereceu ser atingida pelas torças do mal. O princípio geral é o seguinte: que todas as vezes que o mal nos atinge, não tem sentido, como se costuma fazer, lançar a culpa nos outros, pelo fato de que nada podemos receber que antes não haja sido por nós próprios merecido. O grau dessa penetração das forças do mal no terreno do agredido, com todas as suas conseqüências de desgraças e sofrimentos, se pode prever observando a amplitude das manchas na nuvem do agredido, que estabelece o grau da sua vulnerabilidade. O caso de uma nuvem branca que agride não existe, porque as forças do bem nunca agridem. Se o mal, pela sua negatividade, não sabe trazer senão destruição e morte, o bem, pela sua positividade, não pode trazer senão reconstrução e vida.
A moral de tudo isto é que, verdadeiramente forte é quem está do lado da Lei; e que a força do mundo, por si só, é uma forma de fraqueza. A astúcia também é inútil, porque desenvolve a arte de descobrir mentiras, que paralisa a própria astúcia, e acaba eliminando-a. Pelo princípio de equilíbrio cada ação gera a sua paralelo antagonista, armado para combatê-lo. Na realidade não existe somente a força para chegar à vitória, mas há luta para realizar a evolução. A psicologia do super-homem, herói da força, é somente produto do mundo emborcado do AS, um crescimento às avessas, canceroso e destruidor. Este porém foi até agora um dos maiores ideais humanos.
Esta é a conclusão de tudo o que temos até aqui explicado: poderoso é o homem inerme do Evangelho; fraco é o armadíssimo homem do mundo. Fique dentro da Lei, e nada terá que temer. Quem quer usar os métodos do mundo, tem de ficar com as suas desvantagens. Todo o mal depende de nossa posição emborcada no AS contra Deus. Quem a escolheu, mesmo que seja o dono do mundo, está perdido. O homem de bem possui a força que a Lei com a sua defesa lhe confere e que é superior a todas as outras forças.
A vida do Evangelho é dura, mas leva o homem para o S. A vida do mundo é mais fácil, mas deixa o homem no AS. O homem do Evangelho vai ao encontro dos seus semelhantes para colaborar, sem interesse nem egoísmo, para o bem de todos; mas eles respondem agredindo em virtude do seu interesse e egoísmo, só para a sua vantagem pessoal. Trata-se de duas psicologias opostas, a do S e a do AS. No S os seres são complementares, as suas diferenças são compensadas e fundidas numa união orgânica, na qual cada ser se encontra feliz cumprindo a função para a qual foi criado. Eles estão unidos por liame de amor, numa contínua troca ou permuta em que cada um dá e recebe vantagens de graça. No AS os seres não compensam com tal troca as suas diferenças, mas as usam para se agredir e destruir uns aos outros, num estado de caos em que cada ser não ama, mas repele aos seus semelhantes, sozinho contra todos, cumprindo apenas uma função de agressão e destruição. No AS os seres estão separados pela rivalidade numa contínua luta, em que cada um dá e recebe sofrimentos.
Tudo depende do grau de evolução e natureza do indivíduo. Dela deriva o estado de paraíso ou inferno. Basta que haja dois seres do AS, isto é, dois diabos, para que logo eles construam ao redor de si um primeiro núcleo de inferno. Da mesma forma, basta que haja dois seres do S, isto é, dois anjos, para que logo eles construam ao redor de si um primeiro núcleo de paraíso. Isso é o resultado da sua conduta. Os primeiros, para um vencer o outro, logo entram em luta, que termina apenas gerando sofrimento para todos. Os segundos, um amando o outro, logo entram em colaboração, que termina gerando paz e bem estar para todos. Os primeiros destroem, criando necessidade; os segundos constróem, criando abundância. Eis a posição de nosso mundo atual, em comparação do que deverá surgir quando se realizar na Terra o anunciado Reino de Deus.
Escrevi este capítulo e o precedente em cerca de quinze dias, com febre quase contínua, julgo que devido ao choque recebido pela agressão de que falei nas páginas precedentes. Não quis parar por isso, mas aproveitei do descanso aconselhado pelo médico, para desenvolver estes capítulos. Assim o leitor poderá ver qual foi o meu tipo de reação. Encerraremos este livro, com o capítulo que segue. Haveria muita coisa ainda para dizer, porque o assunto parece inesgotável. Ficará para o próximo volume e que iniciarei em seguida.
É noite profunda. É carnaval, e o mundo louco está dançando sob a ameaça de um destino tremendo e merecido, que se está aproximando.
Observemos agora o nosso diagrama em outros dos seus aspectos, para ver o que nos diz mais. Na sua expressão gráfica ele nos mostra o conteúdo e o funcionamento da Lei O homem não está sozinho, abandonado no caos, entregue a si próprio, como pode parecer ao involuído situado no AS. Mesmo nessa posição de desordem, o ser não escapa à Lei, que continua vigorando sempre na profundeza, tudo dirigindo no sentido da ordem. Também neste estado que parece de ilimitado arbítrio, porque não há consciência alguma de uma regra, o ser está indissoluvelmente amarrado á fatalidade das reações da Lei, que aparecem logo que ele se movimenta contra ela, cometendo um erro. Como já dissemos, a Lei de Deus não pode ser destruída, porque seria destruição de Deus, o que é absurdo que à criatura seja permitido. Com a revolta o ser pôde emborcar apenas a sua posição dentro da Lei, de modo que o AS não significa uma criação nova, mas apenas a posição emborcada do rebelde no seio do S.
O ser pode negar a existência e presença da Lei. está livre de acreditar que ele é o dono absoluto de tudo, mas isto não impede que fique preso no torno de ferro da Lei, que o aperta de todos os lados. Insistimos no estudo dessa Lei porque o conhecimento é fundamental para construir o nosso destino e, com a evolução, libertar-nos da dor e atingir a felicidade, o que representa a solução do maior problema da existência. Por isso neste volume quisemos estudar: 1) em que forma e medida a Lei, com a dor, reage contra o erro para o corrigir; 2) como, com a evolução, o ser realiza a conquista dos campos de forças positivas do S, e a destruição dos campos de forças negativas do AS.
No processo evolutivo, que por um longo caminho de transformação leva o ser, da sua posição de AS, à de S, os dois impulsos fundamentais, o destruidor da parte do rebelde e o salvador da parte de Deus, se encontram em todo o momento, contrapostos em luta, enquanto a evolução opera o processo de transformação da negatividade em positividade, que retifica o precedente processo involutivo, de transformação da positividade em negatividade. Nos diferentes níveis de existência, conforme a posição do ser ao longo do caminho da evolução, prevalece um ou outro destes dois sinais, em que se manifesta sempre presente o universal dualismo. devido à cisão da revolta, até que a evolução o tenha saneado, reabsorvendo-o na unidade de origem.
Dualismo quer dizer, não somente que há dois sinais diferentes, + e -, mas que cada um deles pode assumir um valor diferente conforme o ponto de referência em função do qual ele é observado e avaliado. Em outros termos, o que é + a respeito do S, é - a respeito do AS e ao contrário. Isto pelo fato de que o movimento do processo evolutivo se realiza por oscilações entre dois pólos opostos, como resultados de uma luta entre dois impulsos contrários, cada um dos quais é o inverso do outro, até ao ponto que, para se substituir a ele, quereria anulá-lo. O que é construção do S não pode ser senão destruição do AS, e ao contrário. O mesmo acontece com o trabalho de se reconstruir no S: para quem está situado no AS, de sinal -, ele representa uma perda e um peso para o involuído, de sinal -, que vê nisso uma conquista e uma vantagem, para quem quer se salvar, voltando ao S. Então o mesmo processo evolutivo pode ser encarado de dois pontos de vista opostos: o do involuído, cuja vontade e triunfo, sendo de filho da revolta, está na descida e que por isso se rebela à evolução; e o do evoluído, cuja vontade e triunfo, porque ele quer endireitar-se obedecendo, está na subida e que por isso favorece a evolução.
Se esta representa um processo de transformação de negatividade em positividade, para o ser ela significa uma mudança da posição de sofrimento na de felicidade. Mas essa transformação da posição de desvantagem do ser no AS, na de vantagem no S, não pode ser realizada senão com o esforço e o sofrimento do ser, isto é, com a sua desvantagem - Assim é que a vitória do S. é derrota para o AS; que a felicidade do involuído, porque ele se colocou não na posição de obediência, mas na de desobediência, está emborcada, isto é, não está na subida, mas na descida, e é uma felicidade só aparente e de fato traidora. que acaba no sofrimento. A realidade é esta: para que o cidadão do AS possa chegar à sua verdadeira felicidade, tem de endireitar o seu conceito errado, que para ele consiste na revolta. Cabe à dor a tarefa de lhe ensinar que o conceito certo de felicidade é outro, oposto, e consiste na obediência. É lógico, na estrutura da obra da criação de Deus, que o mais almejado objetivo que o ser quer atingir seja a felicidade. Mas há o fato de que, rebelando-se, ele se coloca em posição emborcada, de modo que a revolta o levou para uma forma de felicidade ás avessas, que parece alegria, mas é sofrimento. Cabe agora ao ser, com o seu esforço, endireitar essa posição emborcada, cabe ao ser absorver e assim neutralizar o sofrimento, para que a falsa alegria se torne verdadeira.
Só com tais conceitos se pode explicar o conteúdo e a técnica do fenômeno da redenção e como tudo neste mundo obedece a uma lógica perfeita, enquanto na superfície aparece uma contradição, quando à felicidade não se possa chegar senão através da dor. Por que para atingir a felicidade o ser deve atravessar o sofrimento? Por que essa dura condição, essa barreira contra a realização do maior impulso instintivo do ser, impulso que o quer levar para o seu bem? Sem aqueles conceitos não se pode chegar a compreender o absurdo desse caminho às avessas, isto é para realizar uma obra de sinal positivo, seja necessário percorrer um caminho e executar um trabalho de sinal negativo. Sem esta chave, que aqui estamos oferecendo para resolver o mistério, o fenômeno da redenção pela dor permanece um absurdo inexplicável, uma contradição que nada justifica.
Eis então como o ser se pode remir, isto é, ressuscitar reconstruindo-se na positividade: só indo contra si mesmo, renegando-se como cidadão do AS e destruindo-se como tal, isto é, destruindo a sua negatividade. Eis como se explica o fato de que uma dor funcionando se autodestrói, e realizando o seu objetivo, desapareça. É assim que ela se pode tomar um meio de redenção e de conquista de felicidade. É assim que um caminho percorrido negativamente pode desembocar num resultado positivo, e que do -, enquanto ele exerce uma função de endireitamento, pode nascer o +. É lógico então que a destruição da dor para atingir a felicidade não se possa realizar, senão pela própria dor. Cai assim o absurdo e vemos que tudo corresponde a um perfeito equilíbrio e justiça.
Vemos então, como o ser não pode chegar á sua satisfação, senão pelo caminho da sua insatisfação. A existência de tal contradição se justifica pelo fato de que ela não é senão a conseqüência da primeira contradição que o ser estabeleceu com a sua revolta. No S não existe oposição de contrários, a cisão do dualismo, o contraste entre dois sinais que lutam para se eliminar um ou outro. No S tudo é positivo e só positivo A felicidade não está condicionada, dependente do seu contrário: a dor. Não existem os caminhos torcidos, fruto do emborcamento da revolta. Pelo contrário, para o rebelde decaído não pode existir senão a felicidade enganadora do AS, ou a dor e o esforço da evolução para reconquistar a perdida felicidade verdadeira do S. Não podia acontecer de um modo diferente num mundo emborcado pela revolta.
É lógico que nessa sua posição emborcada a felicidade ficasse amarrada aos pés do seu oposto, a dor. No AS não há saída: ou a felicidade enganadora do mal. que leva para o sofrimento, ou o sofrimento para se remir, porque, na sua posição emborcada, a felicidade não pode ser senão sofrimento. O mundo na sua ignorância não sabe enfrentar o problema para resolvê-lo, procura escapar-lhe no gozo, mas só para aí encontrar ilusões e insatisfação, seguindo o caminho da descida, que é o mais fácil e assim desmoronando sempre mais para baixo, o que quer dizer aumentar e não diminuir o fardo da dor. O ser está preso dentro de uma lei de Ferro, da qual não pode fugir. Essa é a técnica do fenômeno e ninguém tem o poder de modificar o seu funcionamento.
É lógico que, para o ser do AS, a conquista de unia felicidade verdadeira e estável, a do S não possa ser senão o fruto do sofrimento que retifica a sua posição emborcada. No AS o natural direito à felicidade se tornou uma dívida, um dever de pagamento; ao invés de uma plenitude de satisfação, se tornou um vazio e uma fome insaciável. Da felicidade ficou só a sua carência e a desesperada procura dela. De tanta riqueza ficou só a pobreza, de tanta alegria só o choro do condenado. E agora, no fundo da sua pobreza a criatura tem de pagar com o seu próprio sangue a riqueza que tentou furtar. É lógico que quem desceu tenha depois de fazer o esforço para subir, que quem destruiu a sua casa tenha de a construir de novo, se não quiser ficar sem ela. É lógico e justo que quem, com a revolta, gerou as forças da resistência contra o S, par-a voltar a ele tenha de vencê-las. Lembremo-nos de que a dor. com a qual o ser tem de se remir, não foi obra de Deus, porque ela não existe no S, mas foi obra da cri atura rebelde. É lógico e justo que o ser somente possa libertar-se dela reabsorvendo-a toda. já que, sem essa reabsorção não é possível a salvação, voltando ao S.
Este princípio de reabsorção é universal e funciona todas as vezes que o ser se afasta da Lei, cometendo um erro.. O ser deve então equilibrá-lo como numa balança, deve neutralizá-lo com a dor correspondente, em quantidade e qualidade. O princípio da dor, que antes não existia, foi introduzido na obra de Deus pela criatura rebelde, sendo a reação da Lei ao maior erro do ser, que foi a revolta. É lógico, então, que a dor seja tanto maior quanto mais o ser é involuído e se encontra perto do AS, e tanto menor quanto mais o ser é evoluído e se aproximou do S. O mesmo princípio se aplica a qualquer tipo de erro, do menor ao maior, porque qualquer erro representa uma revolta à ordem estabelecida pela Lei. Então. se nos níveis inferiores o ser se encontra como perseguido pela dor, de fato ele está perseguido apenas pela sua própria revolta. O ser obediente à Lei no S, porque procurou obedecer-lhe ao longo do caminho da evolução, subiu, não ficando sujeito a essa perseguição. A dor que bate no ser não é senão o conjunto das forças positivas da felicidade, que no S favoreciam a criatura, e que por ela agora emborcadas ao negativo a mordem por isso mesmo. Assim, as forças que ela pretendia lançar contra Deus em seu proveito, acabaram sendo lançadas contra a própria criatura, para seu próprio dano. É lógico assim que, quem mais sofre e progride, mais se liberte do sofrimento e quem mais goza e menos progride menos se liberte e afunde no sofrimento Por outras palavras, quanto mais o ser, sofrendo, renega a si próprio como cidadão do AS, tanto mais ele se aproxima da felicidade do S, e ao contrário.
Mas há outro fato: o transformismo. Ele é o estado de quem não pode existir senão percorrendo de contínuo o caminho do relativo, em busca da perdida perfeição. Foi nessa posição que. pela revolta, se emborcou a oposta posição representada pelo absoluto, imóvel na sua perfeição. Ora, para o ser decaído no relativo, o transformismo representa a sua necessária forma de existência, da qual ele não pode sair. Da necessidade de tal transformismo derivam algumas conseqüências. Ele, pela irresistível vontade da Lei, é dirigido para o S. Então pela necessidade de atingir tal objetivo superior. esse transformismo representa uma vontade de ascensão, uma força que impulsiona fatalmente para a evolução. Tudo isto coloca o ser, quer queira quer não, dentro de unia corrente na qual ele não pode existir senão numa posição de esforço para subir, de sofrimento e luta, sem o que a evolução não se pode realizar. Eis que necessidade de evoluir significa necessidade de trabalhar e sofrer, impossibilidade de ficar parado destino fatal de ter de realizar o esforço da ascensão Assim vemos o destino do mundo que não consegue encontrar paz seja porque, perseguido pela dor, corre fugindo dela, seja porque atraído pelas suas miragens, corre atrás delas em busca de uma felicidade que termina num engano. Destino duro, mas justo, cuja lógica vemos agora, porque foi o ser que. com a revolta a ele se condenou semeando as suas causas com as suas próprias mãos.
O que dissemos corresponde mais à forma mental comum; porque a do evoluído, um deslocado na Terra, aqui se encontra como desterrado, ele pertence a outros níveis de existência Há, porem, na Terra quem concebe e julga tudo isto com outra forma mental, pela qual o valor está na revolta egocêntrica. Assim é a psicologia de quem está mais próximo do AS do que do S. Para esse biótipo a concepção acima representa um absurdo inaceitável, como absurdo inaceitável são es conceitos e os julgamentos que saem da forma mental do biótipo involuído. Isso é lógico, porque as posições e os pontos de referência desses dois seres são opostos.
Essa oscilação da liberdade individual, porém, não pode impedir que cada um permaneça bem preso no próprio destino, conforme seja a sua posição dentro da Lei. Não há ser que não esteja preso dentro dela e da sua vontade de se realizar. Inexorável, o tempo bate o ritmo dessa realização. Não há fenômeno que possa ficar parado. sem ter de chegar à sua madureza. O AS faz esforços desesperados para resistir a evolução, mas acaba sendo vencido, porque o impulso do Sistema, que é o mais poderoso, acaba arrastando tudo. Quem se quer poupar à fadiga da evolução, fica como um destroço abandonado que pode só apodrecer, é perseguido pelo enjôo dos ricos ociosos, enjôo que os desentoca dos seus esconderijos. Esse é o fruto podre do seu vazio interior, que os envenena. O processo do transformismo não pode parar Com a revolta o ser se condenou a uma corrida contínua, que não terá paz enquanto não tenha voltado ao S, encontrando novamente Deus. Assim caminha a fatal evolução. Como todo fenômeno, ela tem o seu tempo, que mede o seu amadurecimento, tempo que como um pêndulo inexorável, medindo por dentro o transformismo de todos os fenômenos, marca o passo do desenvolvimento da evolução até à sua solução.
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Continuemos observando outros aspectos do fenômeno evolutivo. Amadurecidos pelo caminho percorrido até aqui, é possível esclarecer novas dúvidas, focalizando com mais exatidão alguns problemas e aperfeiçoando alguns conceitos que já mencionamos. Procuremos então responder mais exaustivamente a estas duas perguntas:
1) A evolução no seu conjunto é finita ou infinita?
2) Cada elemento individual pode progredir sem fim, ou existe um ponto final em que a sua evolução se completa e chega a um estado em que tem de parar?
Eis, então, o que procuramos saber:
1) Se há ou não um limite ao processo evolutivo universal.
2) Se há ou não um limite ao processo evolutivo no caso particular do indivíduo.
Comecemos com o 1º caso. Logo surge a idéia de que. se o ponto final da evolução é Deus, que é um infinito inatingível, então a evolução deveria ser infinita, porque o seu ponto final é um infinito ou, melhor, porque no infinito não se pode encontrar ponto final. Em nosso diagrama, porém, vemos que o caminho da evolução é limitado e que ele tem o seu ponto de chegada marcado pela linha WXW1. Como se resolve, então, essa contradição?
Observemos o fenômeno mais de perto. Perguntamos: é possível um caminho que nunca atinja o seu ponto final, uma obra de construção que nunca termine, um processo de transformação que nunca chega a uma conclusão? Então, a evolução não e mais um caminho, uma construção, um processo de transformação Ela se torna um fenômeno sem objetivo e solução (ponto de chegada) o que implica que do lado oposto ele seja sem origem e sem causa (ponto de partida).- Permanecendo assim para sempre em suspenso, a evolução perderia todo o sentido. Não é concebível um movimento sem pontos de referência, fora de um mundo relativo e finito. Um movimento a qualquer velocidade se torna igual à imobilidade, se ele se verifica no vazio ilimitado onde não existe ponto algum de referência, em função do qual seja possível avaliá-lo. O transformismo evolutivo presume uma resposta à pergunta: de onde e para onde? Não conseguimos conceber um fenômeno de tal envergadura, sem uma causa determinante uma corrida sem uma realização final que a conclua e a justifique. A idéia de caminho implica a de direção, que implica a de finalidade a atingir, na qual o fenômeno tem de se resolver.
Poder-se-ia responder que tal impossibilidade de conceber uma evolução sem limite dependa do fato de que ela existe no relativo. Mas é exatamente pelo fato de que ela existe no relativo que a evolução tem de ficar sujeita às leis deste, o que implica um início, um desenvolvimento e um ponto final. É exatamente pelo fato de que o relativo é relativo que ela tem de possuir um termo.
Mas, por que a evolução tem de existir no relativo? Antes da revolta só existia o absoluto e foi deste que saiu o relativo, que tomou essa forma oposta, porque foi o fruto de um revolta. A criatura nada podia criar de novo, não podia gerar um outro S, mas só podia nele produzir deslocamentos. É lógico que, tratando-se de um movimento de revolta, desta não pudesse nascer senão o contrário do que já existia, que era o absoluto, contrário ao relativo. Era na própria natureza do absoluto que estava implícito a única forma que o seu contrário podia assumir, o relativo, exatamente pelo fato de que se trata de emborcamento, o resultado lógico da revolta. Por outras palavras: existia o absoluto. Chegou a revolta. O emborcamento representa a sua inevitável conseqüência. Ele significa atingir aposição oposta. Ora, a forma oposta do absoluto é o relativo. Eis por que razão o ciclo involutivo-evolutivo da queda-salvação, não podia existir senão no relativo. Eis porque a evolução existe no relativo.
Ora, relativo quer dizer limite, o que significa fim do processo. E pelo fato de que a evolução se realiza no relativo, ela não pode ficar sem solução. O relativo é o terreno natural da evolução, no qual ela ficou fechada, como resultado da revolta, que outra forma não podia gerar. E relativo implica todas as suas conseqüências, entre as quais está a de ficar sujeito a um termo final. E se de fato vemos que a evolução existe em função de um telefinalismo seu, isto é, o processo terá de se resolver quando atingir o seu objetivo, para o qual existe Pela posição da própria evolução dentro do terreno do relativo, que lhe pertence, porque ela faz parte da queda que o gerou, o processo evolutivo tem de ficar sujeito a todas as qualidades do relativo. E pelo fato de que tal fenômeno se realiza no relativo, que é possível medir os seus movimentos e avaliar os seus produtos, o que não seria possível se não houvesse outros termos com os quais compará-los.
Então é pela própria natureza do fenômeno evolutivo, que nele está implícito o conceito de limite. Quando, pela revolta e queda, o imóvel decaiu no movimento, foi a própria natureza do fenômeno da queda que marcou o seu ponto inicial, o que implica que no lado oposto exista o correspondente ponto final. Foi o próprio fenômeno da queda que gerou o conceito de início e fim, de tempo, movimento, mudança, vir-a-ser ou transformismo involutivo-evolutivo. Foi a queda que, só pelo fato de constituir uma descida do ser, o lançava neste mundo relativo, nos antípodas daquele no qual existia no S. Tudo isto foi obra do ser rebelde e pôde durar no transformismo, que é a dimensão desse fenômeno, até que o parêntese do AS dentro da vida infinita do S, pela própria natureza do fenômeno e da Lei que o dirige, tenha automaticamente de se fechar.
E por tudo isto que não é possível conceber uma evolução sem fim. Ela faz parte de uma ordem de idéias lógica na qual não há lugar para o infinito. E isto é coerente, porque cada um dos dois universos tem a sua própria dimensão, inversa à do outro: o S tem o infinito, dimensão de Deus; o AS tem o finito, dimensão do ser rebelde, oposta à de Deus, como a revolta exige, a única dimensão no qual pode existir esta posição. Esta significa também dualismo, bipolaridade, contraste, mas equilíbrio entre opostos pelo qual equilíbrio no conceito de início está implícito o de fim e ao contrário. O que há de um lado tem de existir do outro, em paralela posição emborcada, como seu oposto. Por isso o limite não pode ser unilateral, mas só bilateral, sem o que o circuito não se poderia fechar, o que é exatamente o que neste caso se realiza, de modo que tudo volta á origem (S) e o ponto de chegada coincide com o de partida. Acontece assim que, se o conceito de limite existe no período involutivo-evolutivo, para marcar o início e o fim deste período, o conceito desaparece a respeito do absoluto, porque neste os dois limites, ponto de partida e de chegada, constituem um só e mesmo ponto, em que os dois opostos limites se fundem e reciprocamente se anulam, eliminando o conceito de limite. Assim na lógica do plano universal, o fenômeno involutivo-evolutivo acaba não sendo concebível senão como uma aventura que se realiza na particular dimensão do vir-a-ser, num ciclo fechado sobre si mesmo, como um episódio que não podia deixar de ficar preso dentro dos seus próprios limites, um incidente transitório realizado dentro da dimensão do absoluto, na oposta posição de relativo.
Para melhor responder à primeira pergunta, ainda não esgotada, temos de esclarecer um outro ponto. Se estamos no relativo, que é o reino dos limites e das medidas, temos o direito de saber onde está situado esse limite.
O reino que está acima de tudo o que foi gerado pela revolta e existe fora do tempo que desta nasceu, independente antes e depois da queda, é o absoluto. Ora, se a queda foi uma descida involutiva do absoluto no relativo, isto é, foi constituída por um emborcamento na posição contrária, é lógico que a evolução, isto é, a segunda parte inversa do mesmo ciclo, não possa ser constituída senão por um endireitamento daquele emborcamento, para voltar ao seu posto, que é o ponto de partida. Isto quer dizer que a evolução não pode consistir senão num caminho de volta que leva o relativo ao absoluto. Eis então que, se o termo final da evolução é o absoluto, ela o encontra, isto é, o limite dela está no ponto em que ela o atinge. E neste ponto que a evolução chega ao seu termo, aqui está o seu limite. Podemos assim responder à nossa pergunta: o limite do processo evolutivo está situado no ponto em que o relativo desemboca no absoluto.
Mas, por que o relativo acaba desembocando no absoluto? Isto não é devido somente à necessidade de cumprir a segunda metade do ciclo, em posição inversa, para voltar ao ponto de onde o processo involutivo-evolutivo saiu; não é devido somente à própria estrutura deste processo, mas também ao fato de que este representa o efeito de um impulso da criatura, que por isso não pode ser senão limitado nas suas conseqüências, e possuir na sua própria natureza implícito o princípio de limite. De tal impulso não podia nascer senão o relativo, que não pode deixar de se esgotar. O que existe de verdade é só o absoluto, o que é positivo. O relativo não é senão uma temporária negação dele, um seu aspecto emborcado, em substância, somente uma fictícia existência ao negativo, isto é, uma não-existência, só aparência do real, só forma transitória e inconsistente da única entidade que existe de verdade, o absoluto, isto é, Deus. Esta posição no relativo é contrária a realidade, é falsa e enganadora, e pode ficar existindo somente pelo fato de que é dependente da verdadeira, que representa a única força positiva que pode sustentá-la. É só em função do absoluto que o relativo pode subsistir e manter-se, mas só como um seu disfarce. Por isso não pode durar e tem de recair no absoluto.
Há então um ponto em que, por ter a evolução reconstituído com o seu transformismo o que a involução tinha destruído, por ter neutralizado com o caminho da volta o da ida ou afastamento, por ter tudo realizado, isto é, cumprida a realização em função da qual a evolução existia, há um ponto em que os impulsos que geraram o fenômeno se esgotam e ele desaparece, porque o emborcamento involutivo que o gerou é reabsorvido e neutralizado pelo endireitamento devido à evolução, pela qual tudo o que era negatividade do AS voltou a ser positividade do S. Nada se cria e nada se destrói. Mas tudo, através do processo evolutivo, foi devolvido ao estado de origem, de modo que a evolução chega ao seu termo, porque o AS, o relativo, como tudo o que deste se segue, neste ponto não existe mais. Estamos aqui nos referindo ao fenômeno da evolução como coisa passada, já que o estamos observando, colocando-nos no seu ponto final, para nós, hoje, bem longe. Dentro do relativo o que agora dissemos constitui limite, mas em face do relativo. Dentro do absoluto tudo isto não é limite, porque tudo acaba nele, ficando imóvel, acima do transformismo, fora do tempo, o que está antes da queda, como o que está depois. O que existe no tempo como produto transitório, tem de acabar existindo, quando não há mais tempo. Tudo o que é filho do relativo tem de terminar com ele. Neste ponto desaparece o transformismo, o tempo, o limite, a medida, tudo o que foi fruto da queda se extingue, porque foi transformado pela evolução numa existência de tipo diferente, que toma o lugar da precedente.
Eis onde está situado o limite. Ele se encontra onde se completa o amadurecimento do fenômeno evolutivo, no momento em que este chega a realizar o objetivo para atingir o qual existe, a destruir todas as conseqüências da revolta e queda e a reconstruir o que foi destruído. Tal fim no transformismo na imobilidade da perfeição, finalmente atingida depois de tão longa corrida e tão dura procura, para nós acostumados a conceber no relativo, poderá parecer cristalização e morte, como é de fato a estagnação inerte de quem pára no caminho evolutivo. Mas imobilidade no absoluto quer dizer superação da fase de transformismo, mas não fim do funcionamento ativo, que continua em cheio no organismo do S. Aqui o movimento é imóvel, no sentido que é de outro tipo, não é mais transformismo, um vir-a-ser em involução-evolução, mas é imóvel porque deterministicamente perfeito, conforme a Lei, e não uma tentativa contínua em busca da perfeição e uma corrida de amadurecimento evolutivo para a atingir. Movimento estabilizado na posição certa e definitiva da obra realizada e não movimento instável na posição incerta e variável da obra em construção e em evolução. Isto porque no S, com a completa obediência à Lei, foi atingida a perfeição.
Vemos o nosso diagrama limitado pelas linhas ZYZ1, WXW1. Esta segunda linha localiza o ponto e representa o momento em que a evolução acaba. Neste ponto e momento desaparece a série de todas as dimensões do relativo e o transformismo de uma na outra. No absoluto apaga-se e desvanece a idéia de limite, qualidade do relativo, fora do qual ela não existe. Respondemos assim à nossa pergunta: a evolução é finita, apesar do seu ponto final ser o infinito. É finita porque esta é a qualidade do relativo, que é a dimensão na qual a evolução existe. Por isso nela está implícita a idéia de limite. Mas esta idéia implica também a da superação daquele limite, no mundo sem limites, o do infinito. A idéia de relativo é finita. Ela implica a de limite, e de ultimo limite numa série limitada de limites relativos, além do qual não existe mais o conceito de limite. Neste ponto acaba o finito; ele, que teve o seu início, encontra o seu termo final, perdendo-se no infinito que, fora de todos os limites, o esperava invariável, sem início nem fim.
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Procuremos agora responder à outra pergunta, resolvendo o segundo caso acima mencionado: se a evolução é finita, se a própria natureza desse fenômeno o leva para um termo que o extingue, há limites também e quais são eles no caso da evolução individual? Colocamo-nos sempre perante novos problemas, porque estamos no terreno da pesquisa e temos de atingir o nosso objetivo. o mais possível, de conhecimento. Podemos fazer isto sem risco nem medo, porque estamos cumprindo um dever e sabemos, pela nossa experiência, que não há pergunta á qual a inspiração até agora não tenha respondido, não há problema que lhe propomos sem que ela nos deixe sem solução.
A primeira coisa a fazer é sempre a de nos orientarmos a respeito do assunto que enfrentamos. Lembremo-nos que o S é um organismo de elementos, cada um deles cumprindo a sua função. no seu devido lugar e posição. Ao fim da evolução o ser volta a possuir de novo esta capacidade, com as qualidades para funcionar desse modo, em perfeita obediência à Lei, o que constitui a perfeição relativa do ser, reconquistada com a evolução. Ora, quando o ser atinge a perfeição relativa, ele se encontra reintegrado na posição de origem, perfeição relativamente à sua função a cumprir no S, posição da qual, com a revolta e queda, o ser se tinha afastado. Então, se todo o processo evolutivo pára, porque se encerra e se extingue ao atingir o S, perguntamos se a evolução pára, também no indivíduo. quando ele alcançar o estado originário de perfeição que ele possuía antes da queda. A relativa perfeição de origem é atingida quando a imperfeição devida à queda é corrigida, por ter sido percorrido o caminho da volta, que neutraliza o caminho do afastamento longe do S. Mas qual é esse estado de perfeição? Como podemos defini-lo e localizá-lo, para saber qual é o ponto onde termina a evolução de um dado ser?
Como já foi explicado, trata-se de perfeição relativa à posição do ser no sistema orgânico do Todo. Perfeição que é atingida quando o ser chega a ter aprendido, pela escola da sua existência, a cumprir a sua função específica no funcionamento do Todo de maneira perfeita; relativamente ao seu conhecimento, capacidade, estrutura e posição no organismo do Todo. Maneira perfeita quer dizer executando perfeitamente o comando da Lei, que expressa o pensamento perfeito de Deus. Quando o ser chega a executar o trabalho que lhe cabe e, por ter aprendido toda a lição, destrói com o seu esforço e experiência a parte negativa, transformando-a em positiva, então ele atinge o conhecimento total da Lei até ao nível de vida ao qual pertence e realiza a sua evolução. E neste ponto que ela tem de parar, porque o ser voltou ao ponto de partida e a viagem de volta (evolução) está completa, na qual o ser neutralizou a viagem de ida (involução), reintegrando no que lhe diz respeito o que ele havia destruído e tornando-se o que ele era antes. Já falamos no livro O Sistema dessa posição e perfeição relativa de cada elemento no seio do organismo do S.
Então, terminar o caminho da evolução, isto é, voltar a Deus no seio do S, não significa ter percorrido o mesmo percurso evolutivo, igual para todos os seres. Que faz então um elemento quando tiver atingido o estado de sua perfeição relativa? Ele não pode mais evoluir? Fica assim paralisado? Que impede a sua. ulterior evolução?
Para compreender, temos de levar em conta outro princípio: o das unidades coletivas (v. A Grande Síntese). Por esse princípio o indivíduo se agrega aos seus semelhantes, mas sem perder a sua individualidade, que permanece como elemento do novo conjunto coletivo. Ora, quando um determinado elemento atingiu o estado da sua perfeição relativa, cumpriu espontânea e conscientemente, em perfeita e convencida obediência, o que a Lei quer, então ele pára com a evolução individual porque para esse elemento que já voltou ao seu plano de vida, não há mais caminho a percorrer. Mas nem por isso ele fica paralisado na sua volta para Deus.
O ser continua evoluindo, mas de uma forma diferente: não como elemento singular separado, mas como elemento constituinte de uma unidade coletiva da qual agora faz parte. Aqui começa a funcionar o princípio das unidades coletivas. Lembremo-nos que o objetivo da evolução é a reconstrução do organismo do S, voltando do estado caótico ao estado orgânico de ordem, destituído pela revolta. Vimos também que o separatismo egocêntrico é qualidade do AS, enquanto a fusão num estado unitário é qualidade do S. É lógico então que a evolução leve o ser da primeira à segunda forma de vida. Então, chegado a esse ponto, o ser não trabalha mais só para a sua evolução como elemento separado, não progride só para si, como indivíduo, mas avança como elemento fundido com os seus semelhantes na unidade coletiva maior, da qual agora faz parte.
Essa nova forma de evolução é possível, devido também a outro fato: quando o funcionamento de um elemento, por ter realizado a sua evolução até à sua perfeição relativa, se torna completo, automático e determinístico (sem as tentativas e os erros da fase experimental construtora), se pode, com certeza absoluta, contar com o seu trabalho; e neste momento é possível iniciar a obra de uma construção superior, com esse elemento. Seria absurdo querer iniciar um trabalho evolutivo sem ter antes acabado o precedente, sobre o qual o novo se levanta, seria perigoso para construir usar elementos não estáveis que não constituem um apoio certo, um problema já resolvido, uma certeza de conduta com a qual a unidade superior possa contar. A construção da nova unidade-grupo pode ser iniciada somente quando as experiências, vividas pelos seus elementos já constituídos, foram definitivamente assimiladas em forma de instinto, de modo que não há mais a incerteza da livre escolha na conduta de cada indivíduo. A fase da incerteza e da tentativa pertencem a da construção e já houve. Somente é possível aceitá-la apenas para a unidade nova que se está construindo, mas não para os seus elementos constitutivos. Os tijolos devem ser bem feitos, quando são usados para levantar um edifício. Para que haja garantia de estabilidade é necessário que, enquanto esteja concluído o andar inferior, não se possa subir ao superior.
Então a evolução prossegue igualmente para cada elemento individual que continua progredindo, mas não mais isolado no separatismo de uma sua particular- evolução egocêntrica, que já está realizada, mas na única forma agora possível, como elemento da unidade maior, da qual faz parte. Não se trata mais de construir um indivíduo, mas uma sociedade de indivíduos, na qual cada um tem de aprender a arte nova, por ele desconhecida, de se fundir organicamente com todos os outros numa posição diferente do passado, na compreensão e concórdia necessárias para colaborar, e não mais na precedente de luta e atritos entre egocentrismos rivais. Então as leis biológicas do nosso atual plano de existência terão de desaparecer, e ser substituídas por outras, como é lógico num universo onde tudo é relativo e em evolução. E só por esse caminho que o ser, após haver realizado a sua máxima evolução possível, relativa como indivíduo, pode continuar aprendendo e evoluindo, e como ser isolado não poderia ser feito. Ele pode continuar evoluindo, também como indivíduo, porque fica reabsorvido na unidade coletiva da qual faz parte, e nela permanece com as suas qualidades individuais, que conquistou com a sua evolução passada e que agora utiliza para cumprir a sua função específica no seio do novo conjunto de unidades, do qual agora constitui um elemento.
Vai-se. desse modo, iniciando o trabalho da reconstrução da organicidade até ao S, onde ele se realizará. Na sua nova posição o ser, não mais isolado, mas ligado por muitas relações com os seus semelhantes, pode enfrentar e assimilar experiências antes desconhecidas, pode aprender coisas novas, vivendo uma forma de vida mais aperfeiçoada. Então o ser não evolui mais sozinho, limitado ao seu pequeno mundo particular, mas este se amplia. abrangendo horizontes sempre mais vastos, porque o ser agora progride como membro do seu grupo, numa posição diferente, em função de outros elementos e atividades, realizando um trabalho não mais isolado, muito embora desconhecido dele e que sozinho não poderia executar.
No nível humano o ser inicia esse novo trabalho como membro da família e como tal continua a sua evolução, até constituir uma unidade em forma estável, que se torna elemento constitutivo de outra maior: grupo, aldeia, cidade, etc.; quando essas unidades constituídas atingirem sua forma estável, elas se fundirão para construir outra ainda maior: nação, povo, raça etc. Assim continua o processo evolutivo, com a formação de novas unidades coletivas, até formarem uma só humanidade. Desse modo o indivíduo entra a fazer parte de entidades cada vez maiores, na posição de seu componente, o que significa uma maior amplitude das suas experiências e qualidades a adquirir, uma dilatação dos limites da sua vida, que se espalha, se multiplica e potencializa na dos outros. Assim, tornando-se elemento de agrupamentos sempre maiores, o ser pode subir até planos de vida mais adiantados, que não poderia alcançar sozinho.
Com este método, é interessante ver como o universo orgânico do S se vai reconstruindo. O homem se encontra ao longo desse caminho restaurador da organicidade. Olhando para baixo isto é, para seu passado, ele pode, decompondo-se nos seus elementos, analisar a sua estrutura. Olhando para o futuro ele pode antecipar a visão das sempre mais vastas sociedades humanas, unidades coletivas do porvir cada vez maiores, em que os seres se fundem numa organicidade sempre mais completa, até atingir o S.
Até ao homem esse trabalho já foi realizado. Acima desse nível para nós, tal obra está ainda para ser feita. O passado nos mostra como funciona nos graus inferiores esse princípio das unidades coletivas. No caos, nas origens da evolução os elétrons não tinham ainda disciplinado a sua corrida ao redor dos núcleos. O átomo das mais simples organizações de elementos constitutivos da matéria. Mas os átomos, com a sua fusão em unidades químicas, começaram a construir as moléculas. Depois, sociedades de moléculas construíram a célula, sociedades de células constituíram os tecidos orgânicos. Apareceram assim órgãos e organismos sempre mais complexos: antes os do mundo vegetal, depois os do animal inferior, superior, até ao homem. Neste ponto a organização celular atinge a sua perfeição relativa, isto é, a sabedoria necessária poro cumprir a sua função, e como tal não pode mais progredir. Então ela continuará o seu caminho em outra forma. Vai sempre se impondo o mesmo princípio das unidades coletivas, pelo qual os indivíduos se juntam em sociedade familiar, e assim por diante, como vimos. É nesta sua nova posição que o indivíduo, agora que a sua evolução celular orgânica está mais ou menos completa, pode progredir como elemento psíquico e espiritual, atingindo superiores planos de existência.
Esse é o caminho percorrido pela evolução para reconstruir o grande organismo do S. Trata-se de edifícios sempre maiores, cada um levantado em cima de outro, baseando-se nos resultados atingidos pelo precedente. Assim não há individuação que não seja uma unidade coletiva E logo que uma é construída, atingindo a sua perfeição relativa, porque a obra que nela se realizou está completa, eis que ela se aproxima das suas unidades semelhantes e com elas, atraindo-as ou repelindo-as, acaba-se fundindo para formar uma unidade coletiva maior, e assim por diante. E deste modo que o universo passa do seu estado de AS, ou separatismo egocêntrico e máxima pulverização da unidade no caos, ao seu es todo de S, ou unificação orgânica na ordem. Eis como a evolução, com o método das unidades coletivas5 de novo constrói a organicidade do S, destruída no AS. Os elementos que, seguindo o princípio egocêntrico, se rebelaram contra Deus e caíram na desorganização e confusão do caos, não podem voltar a Deus senão altruisticamente irmanados em obediência à Lei e reorganizados no estado de ordem. A vida no S não existe em forma de luta, como em nossos planos inferiores, mas de disciplina e harmonia. Como o trabalho da involução foi o de desorganizar no AS a organização do S, assim o trabalho da evolução é o de organizar de novo no S a desorganização do AS.
A obra de evolução que cabe ao ser em nosso nível humano é a fusão de todas as raças numa só humanidade. Como as células de nosso corpo continuaram o seu caminho evolutivo não como células isoladas, mas como elementos de nosso organismo, assim o sei- humano continuará o seu caminho evolutivo não como indivíduo isolado, mas como elemento constitutivo de nossa humanidade. E de fato o biótipo A4 é colaboracionista e orgânico, enquanto o biótipo A3, é o contrário. É assim que o processo da evolução constituído. sobretudo, por um trabalho de reorganização.
Ora, organicidade implica uma complexidade de estrutura e de funcionamento, que requer uma inteligência cada vez maior para ser dirigida; significa divisão de trabalho, especialização, colaboração dos especializados numa obra de conjunto, conhecimento necessário para realizar tudo isso. Eis que surgem experiências diferentes, e com elas se constróem qualidades novas. Abre-se um mundo inexplorado, em que se encontram planos de vida superiores, através dos quais o indivíduo continua se desenvolvendo. Tudo isto significa destruição das qualidades do AS e conquista das qualidades do S, isto é, conhecimento, inteligência, bondade, ordem etc., que representa desenvolvimento do espírito. Ele se revela cada vez mais com a evolução, em função do plano de existência que o seu atingiu.
Tal princípio espiritual já existe na sua forma mais simples, no átomo, dirigindo e regulando os movimentos dos seus elementos componentes. Desta sua forma mínima esse princípio se vai cada vez mais revelando e manifestando com a evolução, por um processo de substituição ao oposto princípio material, do qual toma o lugar. O espírito é o resultado dessa transformação e nisto consiste o processo evolutivo. Trata-se somente de um retorno ao que era antes, volta ao original estado de S, do qual o ser, pela queda tinha decaído no AS, isto é, na matéria.
É lógico que cada ser possua tanto mais as qualidades do espírito, produto dessa transformação, quanto mais ele se adiantou na evolução. Assim, a cada nível desta, corresponde um proporcionado grau de espiritualização. Mas a cada nível corresponde também um proporcionado grau de unificação na forma de entidade coletiva, como vimos. Eis então que essas duas diferentes maneiras de conquista evolutiva se movimentam paralelos de modo que, ao aumento de complexidade orgânica da unidade construída corresponde um aumento na inteligência e qualidades espirituais necessárias para atingir e manter essa complexidade.
Assim, na molécula há mais inteligência do que no átomo; nas células, mais do que na molécula; num tecido orgânico, mais do que numa célula; no organismo de uma planta, mais do que num simples tecido; num animal, mais do que numa planta; no homem, mais do que num animal. Todavia, para dirigir uma família ou grupo humano, é necessário mais inteligência do que para dirigir um só indivíduo. E assim por diante... Essas unidades coletivas maiores necessitam ser governadas por um centro e grau de espiritualidade cada vez mais adiantado, poderoso e completo. Vemos, dessa forma, quantos aspectos tem o processo evolutivo, e como ele é complexo. Em cada nível de vida as qualidades do AS e do S aparecem em doses diferentes, conforme a vastidão da unidade coletiva reconstruída e a medida da sua evolução e espiritualização. Os valores da ascensão são avaliáveis em termos de unificação e de espiritualidade, que constitui a substância da existência, enquanto a matéria representa apenas a sua aparência.
Estamos chegando ao fim deste novo volume. Já sinto aproximar-se ainda mais da prática, aproximando cada vez mais as teorias dos fatos, para controlar a sua verdade. Elas terão assim provas concretas e o edifício será sempre mais sólido.
Por isso queremos aqui colocar um pequeno intervalo, baseado em fatos vividos, que todos podem entender. Veremos como funcionam as nossas teorias na realidade da vida. Para bem entender um livro o leitor deveria conhecer também o reverso da medalha, isto é, as condições em que se encontrava o autor no período em que o escreveu. A vida é para todos urna viagem, e cada trajeto dela representa um trecho percorrido pelo homem no caminho da sua evolução. Se falamos agora em sentido específico, particular, é porque em cada caso vemos sempre vigorar as mesmas leis gerais que explicamos bastante, e cada caso somente pode ser entendido em função delas.
O leitor pode imaginar que quem aqui escreve esteja tranqüilamente mergulhado nos seus pensamentos, ou que em estado inspirativo os receba em transe no seu escritório, tudo caindo de graça do céu. Ele não sabe que muitas destas paginas foram escritas com lágrimas e sangue, no meio da luta infernal da vida. Já explicamos como é o mundo em que vivemos, o qual não poupa ninguém, nem menos quem pede só um pouco de paz para cumprir uma missão de bem e progresso, para a Terra se tornar um ambiente mais civilizado. O leitor pode acreditar que estes livros sejam fruto apenas de abstrações teóricas. Mas, pelo contrário, eles foram escritos em contato contínuo com a realidade de nossa vida, representada pela ininterrupta necessidade da legítima defesa, num mundo onde a mais urgente verdade é a guerra, não importa se muitas vezes disfarçada de aparências.
O impulso de agressividade das forças do mal que sobem do AS, personificadas em indivíduos que agem em forma concreta contra as do bem, é fenômeno que encontramos em ação contínua. Ele exige que o indivíduo fique em estado de constante defesa. Foi assim que o choque entre AS e S foi pelo autor vivido a toda a hora, de modo que as teorias nasceram da própria prática. Para conseguir sobreviver em tal mundo, o autor por seguir o Evangelho, não quis aceitar as armas do mundo, isto é, força e astúcia; então, teve de chamar e receber a ajuda do Alto, indispensável, por ser seu único meio de defesa. Assim este choque apocalíptico entre bem e mal, entre céu e Terra, foi aqui vivido na forma de um pequeno caso particular, não impedindo que nele se verifique a aplicação das leis gerais que aqui estamos estudando.
Este livro representa o trecho da minha vida e respectivo trabalho de evolução, que abrange o período dos meus 74 e 75 anos. Antes e depois há outros trechos, outro trabalho evolutivo, outros livros. Entro neste ano na última década da minha vida. Chamo-lhe de década da libertação, porque este é o último período em que finalmente se esgota o meu duro dever de viver no infernal ambiente terrestre. Poderia ter usado a inteligência para mergulhar e vencer na suja peleja humana, perseguindo as costumeiras ilusões. Mas há estômagos que não conseguem de maneira alguma engolir tal alimento, para eles venenoso.
Trata-se, agora, de conduzir a minha luta, e nas seguintes condições:
1) Idade de 75 anos, na qual todos descansam, e aumentando cada dia. que torna sempre mais urgente descansar. 2) Trabalho intelectual contínuo e intenso, como o prova a produção literária - cerca de 10.000 páginas. 3) Trabalho não retribuído, porque os escritores não têm ordenado, mas que absorve todos os suas energias, não as deixando à própria defesa e conquistas dos recursos materiais. 4) Nenhuma fonte de renda, e a incerteza de quem tem de se humilhar todos os dias pedindo esmola. 5) Preocupação contínua para providenciar as necessidades da família. (Resolver o caso de um homem sozinho, como se encontrava S. Francisco, é muito mais fácil). 6) Voto de pobreza pessoal, mas não dos outros, aos quais não se pode impor. (As ordens franciscanas resolveram o caso da mesma forma: pobreza individual, enquanto a Ordem poderia possuir). 7) Apesar de tudo, ter que dispor de uma casa e de um mínimo indispensável para sustentar a vida do corpo, sem o que nenhum trabalho é possível. (Alguns exigiam pobreza absoluta, o que significava destruir o indivíduo e com ele a missão e a Obra). 8) Ter a responsabilidade de toda a família nestas condições: a mulher idosa, há quase dois anos paralítica, precisando de médico e remédios caríssimos. e de assistência 24 horas por dia; a filha que faz o trabalho doméstico, cuida das roupas etc.; duas netinhas para criar. 9) Não há, na família, alguém que possa trabalhar remunerado; alguns amigos colaboram com a Obra gratuita. mente. 10) E isto num momento em que, pelo contínua desvalorização da moeda, tudo se torna mais caro.
Quem foi chamado a cumprir u‘a missão de. espiritualidade em nosso mundo, não pode possuir as qualidades necessárias para triunfar neste, porque tem de dar o exemplo, vivendo os seus ensinos, e possuir as qualidades opostas, não apropriadas para serem vividas no ambiente terrestre. Quem, por evolução, conquistou o instinto da honestidade, pensa que os outros sejam iguais a ele, isto é, honestos, e por isso é naturalmente levado à confiança, que ou invés de armar as garras para lutar, abre os braços para colaborar, o que é perigoso em nosso mundo, onde na rivalidade é mais necessário possuir o instinto do egoísmo e da desconfiança. E, de fato, tais qualidades parece não fazerem falta, e poucos são os que sofrem por ela. Como dizia Maquiavel: útil não é procurar ser honesto, mas aparecer por fora como sendo, de modo que, quando é possível ser desonesto sem que por fora apareça (isto por uma sabedoria especializada neste sentido), então são julgados ineptos os que não sabem aproveitar, fazendo os seus negócios.
Quem cumpre u’a missão tem que ser de verdade evangélica, o que quer dizer: não pode pactuar com o mundo e aceitar os seus métodos. Cristo falou claro a este respeito. Há guerra entre os dois, fundamental porque deriva da inimizade entre S e AS. Eis então que este homem tem de ser verdadeiro não só em teoria e por palavras como é comum, mas vivendo com a pobreza e sofrendo os seus sofrimentos. E necessário neste caso viver com métodos opostos aos do mundo, isto é, trabalhando de graça e vivendo de esmola, ou seja do que Deus envia com a Sua Providência, porque as teorias sustentadas têm de ser vividas para que a experimentação as confirme constituindo um exemplo e uma prova positiva do sua verdade para todos. O exemplo é demonstrativo, pois um homem desprovido de tudo, com os únicos meios fornecidos pela ajuda de Deus, não somente conseguiu sobreviver na Terra, mas nela escrever uma Obra. Esta deve ser realizada com métodos opostos aos do mundo, devida só a Deus, que a sustenta com um milagre contínuo, provando a Sua presença. Uma obra se revela, também, pelo seu método e se justifica pela sua lógica. Trata-se de um jogo em que estão envolvidos. Deus e a Sua Lei. Por isso quem tem u’a missão a cumprir deve ficar do lado Dele e não do lado do mundo, da riqueza, do ócio, do luxo. Quem está com Cristo tem de ser um dos bem-aventurados do Sermão da Montanha e não pode gozar a vida. Mas em nosso mundo é perfeitamente lícito: quem tem recursos de sobra, possa gastá-los loucamente sem se interessar por quem luta para finalidades superiores. A história está cheia desses casos que constituem uma glória às avessas (ou vergonha) de nossa assim chamada civilização. Mas, por outro lado tais obras não podem ser ajudadas senão por recursos que não sejam envenenados pelos cálculos do interesse, pela cobiça do mercador, pela voracidade do egoísmo, mas que sejam sadios, filhos da honestidade e usados com sinceridade e amor.
Por tudo isto o leitor pode julgar o que quer dizer cumprir u’a missão, e quão dura seja a posição humana de quem tem de cumpri-la. Se, porém, houvesse tudo isso, mas num ambiente social de paz e amor recíproco, haveria o mínimo de tranqüilidade que é indispensável para trabalhar. Mas estamos na Terra, onde o regime normal é o do luta de todos contra todos. Antes de tudo há as grandes guerras mundiais. Hoje, a Rússia comunista parece constrangida a aliar-se ao capitalismo para a defesa contra o maior perigo para todos, que é a China comunista que está surgindo. Hoje, chegou-se a construir a bomba atômica barata, de modo que ela acabará sendo acessível a todos, inclusive aos novos Estados selvagens. Por cima do mundo está suspensa, por um cabelo, uma terrível ameaça de destruição. Eis o que sabem fazer os grandes astutos do mundo. Nestas condições, que vale ser rico, e quem pode gozar das suas riquezas. senão num estado de contínuo temor? Se estes são os resultados, está provado que nos métodos do mundo tem de haver algum elemento fundamental que está errado. Ao lado destas grandes guerras, há as pequenas, particulares. Elas exigem um gasto continuo de energia na tensão do estado de defesa, na possibilidade do assalto de qualquer pessoa em qualquer momento. E se ela está bem organizada na luta e armada de recursos e astúcias, pude facilmente vencer e impor a sua vontade, contra quem aparece mais fraco, por não querer usar os armas do mundo e por estar tudo absorvido em outro trabalho.
Estudando o problema friamente, a conclusão é a seguinte: no estado atual de nossa civilização é bem difícil sobreviver um homem honesto que se entrega todo a um trabalho intelectual independente, não filiado a um grupo que o sustente pela sua servidão. Tal mundo, julgando esse homem um ser inútil, porque dele não se pode tirar proveito individual ou de grupo, seguindo os leis do seu plano de vida, procuro destruí-lo. Se ele não pode nem lutar nem vencer, porque está preso num outro trabalho mais importante, isto ninguém vê e a ninguém interessa. O trabalho mais importante é julgado pelo mundo de hoje, perante a realidade da vida, uma coisa sem sentido. Os leitores que admiram estão longe, e a sua admiração é teórica. Trata-se dos melhores, da elite, dos poucos que entendem. Muitos não lêem e, se lêem, não entendem. A glória é um peso, não uma ajuda, porque ela depende das exigências da maioria, que a tributa só quando quem a recebe satisfaça os gostos dominantes dos glorificadores.
Então, se aquele homem não pode encontrar compreensão e ajuda em nosso mundo, para ele não há outra escolha, senão a de pedir apoio do céu. Se para o mundo esta pude parecer palavra vazia, ela não o é para quem vive no plano espiritual. Para ele, Deus está presente, a Lei está sempre viva e funcionando. Nestes casos como responde esse outro mundo3 no qual o nosso não acredita? Da vítima saem gritos que furam os céus e encontram ouvidos que os escutam. Qual é a razão pela qual Deus permite que os seus servos sejam atormentados? E para a vítima o problema é de vida ou de morte, não lhe faltando inteligência, com a qual, se aceitasse os métodos do mundo, poderia sair vencedora também na Terra. Mas, pela sua própria natureza, ela não pode aceitar e usar uma tão grande dádiva de Deus, para triunfar na feia luta do mundo. Mas nem por isso o ataque pára e deixa de exigir para a defesa todas as energias, assim como todo o tempo do indivíduo.
Qualquer inconsciente pode lançar um golpe a toda a hora e, se o sujeito que o recebe estiver desprevenido porque aprofundado no seu trabalho de pensamento, o recebe em cheio e fica como que paralisado. Então para satisfazer o engenho de um irresponsável e os instintos de um primitivo, o trabalho útil para o bem deve ser substituído pelo sofrimento, desperdício inútil de energia, e a Obra tem de ficar em suspenso para que o autor se possa recuperar. Mas o desabafo dos instintos inferiores parece ser a coisa que mais interessa em nosso mundo, de modo que uma profunda atividade intelectual tem de ficar ao dispor desses choques e só pode funcionar quando esta expressão de inferioridade o permita. E tais indivíduos, filhos do engano, para melhor disfarçar a sua verdadeira cara, se apresentam até pintados por fora de espiritualidade! Num mundo civilizado isto não deveria ser possível. Mas o nosso mundo é todo civilizado? Eis o reverso da medalha, isto é, as condições, que nestes livros não aparecem, nas quais às vezes eles têm de ser escritos.
Que pena! Esta S. Vicente que eu amo, que quando desembarquei da Europa me apareceu como uma terra de sonho5 este maravilhoso lugar que poderia ser um canto do paraíso! Aqui estou morando há oito anos e aqui espero encerrar a minha vida. Deus aqui espalhou em abundância a beleza do verde dos bosques e do azul do mar, das ilhas e das praias, num clima doce, que não conhece tempestades ou frio. Isto neste grande Brasil, que amo ainda mais, aonde cheguei de braços abertos, cheio de entusiasmo para cumprir a minha missão, deixando a minha terra, para onde talvez não voltarei mais! Nesta nova pátria me radiquei, para que dela seja todo o fruto do meu trabalho, a fim de que, para a sua grandeza, se realizem os desígnios de Deus. Aprendi a nova língua e nela agora escrevo os livros, trabalhando dia e noite. Que posso fazer mais?
Fui uma vez visitar uma cachoeira, dividida em muitas quedas de água menores. Observei os peixes que lutavam para subir, pulando de um nível para outro mais alto, com o objetivo de chegar à parte superior do rio e aí continuarem a sua viagem a fim de irem colocar os seus ovos mais perto da nascente. Alguns estavam sangrentos e mortos por terem batido na pedra. Mas, o que mais me impressionou foi a recepção aos peixes vencedores, depois de tanta luta, ao atingirem, esgotados, o espelho de água superior: um cardume de outros peixes, prontos para devorá-los, aproveitando o estado de esgotamento em que se encontravam os recém-chegados. Assim é o método dos tubarões que devoram os mais fracos. E há países cuja economia se baseia neste princípio. Este é o nosso mundo.
Parece que nele não seja possível, sem um contínuo milagre de Deus, realizar um trabalho intelectual e espiritual profundo, usando todas as energias, que, por outro lado, são exigidas na luta pela vida. Ora, às vezes são realizados trabalhos semelhantes, mas apenas aparentes, substancialmente dirigidos para outras finalidades, de vantagem prática imediata, representando o fruto que a forma mental humana entende bem. Assim o trabalho recebe logo a sua recompenso. Mas, como se pode exigir que todos entendam a utilidade de uma atividade tão fora do comum, quando há ainda quem atingiu apenas uma genética sensibilização nervosa, pela qual só sabe vibrar, e ainda não desenvolveu as células cerebrais do pensamento, que são indispensáveis para compreender?
Então, se para ajudar quem cumpre u’a missão não há senão o céu, que faz ele? Por que Deus permite tudo isto? Faz parte das normas da Lei? Ou desejar fazer alguma coisa para a salvação do mundo é um erro? Por que a humanidade merece ser destruída? E, na verdade, uma loucura querer fazer o bem ao próximo? O mundo ri desses problemas, mas eles são fundamentais para quem cumpre u‘a missão. Para quem, com todas as suas forças, enfrentando com risco e perigo todas as reações de um ambiente hostil, quis, custe o que custar, seguir a Lei, há momentos em que esta tem de intervir e de manifestar-se. Ela, pela sua própria lógica, está empenhada na defesa do seu instrumento e não pode deixar de ajudá-lo, se não quiser que a missão fracasse por sua culpa. Que um patrão, essencialmente justo, abandone o seu empregado, cumpridor do seu dever, é um absurdo inadmissível. Se o mundo não entende essa conversa, porque para ele a Lei não se pode manifestar senão como reação punitiva, que ele fique dentro dela, posição emborcada que escolheu. Mas para os decepcionados do mundo será de grande consolo ver que há justiça, ver onde ela está e como, para a realizar, a Lei de fato "funciona", como aqui estamos observando, e o resultado positivo de nossa experimentação. Estamos agora no terreno, não das teorias, mas dos fatos. Eles se realizam quando o homem trabalha com meios e métodos que estão acima do mundo.
Então, não há dúvida, a Lei funciona e o bem acaba vencendo. Mas, por que, como há pouco perguntamos, Deus permite que tudo isto se realize nesta forma? Isto é, por que permite que o mal agrida o bem, atormentando quem o represente e o cumpre? Por que Deus deixa ao mal o poder de embaraçá-Lo, constrangendo-O, no fim, a intervir com milagres para a defesa do bem? Por que, para atingir os seus objetivos, Deus escolheu um caminho tão longo, e torcido, que implica tal desperdício de forças do bem na luta contra as do mal?
A razão é que Deus não quer amarrar a liberdade do ser, que sem ela se tornaria um autônomo irresponsável, nem poderia experimentar para aprender e assim evolver e se salvar. Então os maus podem fazer o mal desejado, mas ajustarão um dia, contas com a Lei, pagando com a sua dor, que representa a saudável lição, para eles necessária, porque outra não entendem, como tratamento indispensável, porque outro não os curaria. De outro lado Deus ajuda os bons, defendendo-os, fortalecendo-os por meio da luta, recompensando o seu esforço, premiando por fim a sua virtude. E desse modo que. num regime de liberdade, pode ser efetivada a perfeita justiça. Eis por que Deus permite que tudo isto se realize desta forma. No fim, cada um, ficando livre, recebe e fica pago conforme o seu merecimento.
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Esta rápida digressão, compreensível porque ela nos levou ao terreno prático, será no meio de um volume de teorias um descanso para o leitor. Para quem escreve será um desabafo, um controle, um exame de consciência, uma confissão a Deus e uma tomada de contato com o Alto, numa hora dura, de maior sofrimento. Estamos no início do ano de 1961 e, após longa e oblíqua perseguição, um golpe maior chegou nestes dias, absorvendo toda a minha energia, procurando destruir o meu pensamento, trabalho e obra. O agressor, porque organizou a sua estratégia, pôde rir-se do justiça humana, não sabendo, porém, que a justiça de Deus está acima dele. Esta o pode triturar de um momento para outro, principalmente porque o agredido, com o seu perdão, saiu da peleja, que agora não é mais entre dois homens, mas entre um homem e a Lei, e o coloca na luta em posição de absoluta inferioridade, como aconteceria com uma formiga contra um gigante. O agressor não pode deixar de ficar vencido porque se colocou contra uma Lei todo-poderosa; e não do lado da justiça como fez o agredido inocente, que se colocou do lado oposto, dentro da Lei, e com ela se defende. Agora, como se desenvolve, na prática, a estratégia da Lei?
Nos momentos tranqüilos a voz interior e a figura do Cristo ficam quietas, como adormecidas. Quando chega o sucesso do mundo, elas se afastam; nas vitórias no plano humano elas desaparecem. Mas eis que logo se desencadeia um ataque, o espírito da vítima se lança desesperadamente em busca do Alto, único lugar de onde ele sabe que pode chegar a ajuda. O apelo é tanto mais poderoso, quanto mais feroz for o ataque recebido. No estado de tranqüilidade tais apelos não podem nascer. É um apelo de tal natureza, vivo e escaldante, que provoca a resposta. Isto quer dizer que o primeiro resultado da agressão da maldade humana é o de acordar a voz interior, o de aproximar a figura de Cristo e de tornar mais sensível a Sua presença. Quem está do lado de Cristo não pode deixar de seguir o exemplo que Ele nos deu no hora do Getsêmani.
Então, o que chama e movimenta o céu é o apelo da vítima, torturada, porque ela quer viver o Evangelho num mundo de lobos. E a resposta chega tanto mais poderosa quanto maior é o sofrimento do ser e a injustiça que ele sofre. Tal resposta não está feita de palavras vazias, mas significa luz e orientação, e contém o tratamento que cura as chagas e o remédio que gera novos forças Acontece assim que, no fim, é o próprio ataque não merecido, o que provoca a descida da ajuda. Movimentam-se, então, em defesa da vítima, forças sutis, que o mundo não vê, que atuam não como este na superfície, mas nos profundezas, de dentro para fora como faz a vida quando reconstrói os tecidos estragados Estas forças são de duas naturezas, conforme o que cada um dos dois indivíduos quis gerar para si com a sua conduta. Para o agressor elas são negativas e operam como um câncer que o quer destruir. Para a vítima elas são positivas e operam como fazem os impulsos sadios da vida que ajudam a recuperar. Eis a técnica do fenômeno. É por isso perigoso agredir os servidores de Deus, que praticam o Evangelho, principalmente quando eles são inocentes, não reagem e perdoam. Trata-se de uma técnica difícil de entender para o mundo, porque ele está nos antípodas, do lado oposto, o do AS, fora da Lei, enquanto a defesa do inocente se processa através de forcas não de origem periférica, mas central, não exteriores, mas interiores, as do S, de natureza oposta.
Assim a presença de Deus, para quem entende, se torna uma coisa real, tangível nos seus efeitos. O homem do mundo fica enganado, porque ele nada vê chegar de fora. Não corre ninguém, não há barulho, nem pressa, nem ânsia, nem a incerteza da tentativa O homem comum fica enganado por essa falta das qualidades que fazem parte do seu método de luta. Então, ele acredita que a vítima esteja abandonada, sem defesa em poder do agressor, e que seja fácil vencê-la, pelo fato de que tudo fica na mesma, quieto por fora. O movimento, porém é grande, mas todo íntimo, não perceptível para as sentidos comuns. Ele é visível somente à vista interior dos mais adiantados. Os efeitos não são imediatos, apressados, provisórios, mas amadurecidos a longo prazo, duradouros e em saída. A Lei funciona além do tempo, que em nosso mundo cansa, esgota, apaga tudo. As forças do mal têm pressa de realizar, porque elas estão fechadas no tempo, que em cada momento está correndo e consumindo os resultados daquelas forças. É lógico que as forças do bem trabalhem em harmonia e com métodos opostos.
Vi muitos vezes, com os meus olhos, os agressores abandonados por Deus á terrível reação da Lei. O perdão da vítima trabalha em favor desta e não do seu agressor. O perdão não pode alterar a Lei e parar a justiça de Deus. Ninguém pode. Ela tem de se executar fatalmente. E de fato vimos que, por um natural desenvolvimento de forças, a agressão da parte do homem injusto acaba automaticamente provocando a intervenção da Lei e, para o justo inocente a defesa por porte dela. Por ter eu entendido isto e o perigo que o agressor por motu próprio se havia lançado, que podia eu fazer, senão procurar avisá-lo para ele se salvar? Mas ele, com a sua forma mental de emborcado no AS, não podia compreender, pelo contrário interpretava essa ajuda como uma ameaça, uma reação de vingança, que ainda mais excitava a sua agressividade. É lógico que, julgando com a forma mental oposta, tudo pareça ser o contrário do que de fato é.
Procurei então orar a Deus que afaste dele a fatal reação da Sua justiça. Eis o que sempre foi a resposta: "Se tu, impulsionado pela voz interior, previste e falaste avisando, isso só foi uma previsão para que o perigo fosse evitado, e não uma maldição ou vingança. Deixa o agressor acreditar no que ele quiser. Ele não entende a Lei. Continua perdoando. A justiça pertence só a Deus. Quem reage, odeia e se vinga, passa com isso do lado da razão ao do erro, e sabes que cada erro tem de ser pago. Perdoa e esquece Afasta-te do agressor que está preparando para si mesmo a sua punição, não cometas o erro e não te exponhas ao perigo ligando-te a ele, com a tua reação. A luta dele agora não é mais contra ti, mas contra a Lei, que está encarregada da defesa dos que perdoam: uma defesa muito mais poderosa da que tu poderias realizar, que não falha, contra a qual a força e a astúcia dos homens nada podem".
Esta é a resposta. Então percebi um movimento subterrâneo, secreto e profundo, interior às coisas, como os que sobem das entranhas da terra para estourar depois na superfície em formas de cataclismos. E um fato que assusta pelo seu poder imenso e silencioso. Percebi-o outra vez a respeito de outro senhor, que aproveitou da minha bondade, desapiedado na sua voracidade. Um ano depois ele estava paralítico, e eu fui um dos poucos que o visitou, agora que se encontrava em sofrimento. Orei para ele ficar bom, mas não pude parar a mão de Deus. E terrível, quando a reação da Lei acorda. Mas ela não pode deixar de se levantar uma vez que foi excitada pelas forças negativas do mal, que então têm de receber sobre elas o choque das forças reativas da Lei. O mal acaba tornando-se o câncer que se desenvolve para sua própria destruição. Pude assim experimentalmente observar como se desenvolve a luta entre o bem e o mal, e as suas estratégias opostas. Tudo o que pertence ao bem é sustentado pela sua força interior. Tudo o que pertence ao mal é sustentado por uma enganadora força de superfície, que não basta para suprir a fraqueza interior. Pude averiguar nos fatos que a Lei existe, funciona e reage contra quem a ofende.
Fomos assim explicando paro o mundo como o absurdo evangélico do perdão é perfeitamente lógico. O Evangelho não pode ser entendido, senão penetrando-o em toda a sua profundeza. E vimos em termos de razão como se desenvolve a luta entre Cristo e o mundo. Estamos aqui demonstrando a coisa mais difícil a admitir pelo mundo, isto é, que o homem evangélico que perdoa, seja de fato o mais forte. Onde está e como se explica essa sua força? Quem está do lado do bem tem a vantagem de a sua natureza estar constituída pelas forças positivas do S. Quem está do lado do mal tem a desvantagem de a sua natureza estar constituída pelas forças negativas do AS. O fato de pertencer ao AS e à sua negatividade representa o ponto fraco da força do mundo. E esta sua fraqueza interior e fundamental que vence aquela força. Ninguém poderá mudar o ponto de referência em função do qual tudo existe: a Lei. Ora, o poder das forças do bem está no fato de que elas são alimentadas pela Lei, e a fraqueza das forças do mal está no fato de que elas são roídas pela Lei. Em termos práticos o ponto fraco da força é que ela pode ser injustiça; e o ponto fraco da astúcia é que ela pode ser mentira. A prova que o bem é o mais forte está no fato de que ele, reconstruindo sempre tudo, sabe vencer as forças destruidora do mal, sem o que tudo teria fracassado há muito tempo.
E assim que em substância o nosso mundo é um gigante com pés de barro. Ele sente a fraqueza da sua força e, para sustentá-la, procura acrescentar-lhe sempre nova força, sem entender que, somando negatividade a negatividade, não se pode atingir senão u’a maior, isto é, aumentar a própria fraqueza. É como querer aumentar a força bebendo álcool. Aumentar para cada país o poder e o número das bombas atômicas, não significa engrandecer a sua potência mas cada vez mais se aproximar da destruição geral, porque essas forças são produto da negatividade, separatismo, destrucionismo, que são qualidades de nosso mundo que pertence ao AS. Por isso as modernas descobertas científicas, apesar de maravilhoso fruto da inteligência, acabam realizando-se na prática e funcionando em posição emborcada, isto é, a do mal e não a do bem. Pelo baixo nível evolutivo do biótipo dominante, esta que poderia ser uma poderosa arma de defesa e segurança para a civilização, apesar de ter o aspecto de vantagem porque parece uma força de natureza positiva, representa na realidade, porque é dirigida pelos impulsos de negatividade do AS, o maior perigo para a vida de toda a humanidade.
Mas dado o princípio separatista do AS, vigorante em nosso mundo, tudo isto é lógico É por ele que, logo que em nosso mundo se manifesta uma força, ela gera a sua fraqueza, produzindo o seu natural elemento oposto, o seu antagonista, encarregado de neutralizar aquela força Assim a força não gera vitória definitiva, mas permanente luta e destruição. Outro resultado não pode produzir uma força que, logo ao nascer, produz a sua contra-força, paralela e oposta Da luta entre_ Alemanha e Inglaterra na última guerra não surgiu nenhuma solução definitiva, porque nasceu outra luta entre a Rússia e os Estados Unidos luta que para resolver o problema, ameaça a destruição do mundo. Então tal poderio não é senão uma pseudo-forca, um engano para chegar às habituais ilusões humanas. Esta e a lei do fenômeno e ninguém pode sair da sua lógica. Quanto mais aumenta o poder num mundo situado na negatividade, tanto mais ele se aproxima da sua destruição. Tanto aumentou hoje o seu poder, mas emborcado no negativo, e a fraqueza é tão grande, que a humanidade vive aterrorizada sob uma contínua ameaça de morte. Mas a negatividade dos mundos inferiores, próximos do AS, não pode produzir outros frutos.
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Continuamos observando sob outros aspectos como funciona e se desenvolve esse jogo complexo da luta entre o bem e o mal. Por isso quis reler o segundo livro de Moisés: Êxodo, da Bíblia. E quis estudar como Moisés viveu e como nas suas mãos funcionou esse fenômeno da luta entre as forças da matéria e o poder do espírito, e como ele a final venceu. A lei é uma só e tem de ser igual para todos esses casos, do maior ao menor. Podemos então descobrir quais são os princípios que os regem, também estudando a Bíblia. Neste caso vemos que Deus deixa atuar livremente as forcas do seu inimigo, o mal. Por que isso, se Deus é o todo-poderoso? Por que deixa Ele que o mal atrapalhe o trabalho de bem dos seus operários?
Na Terra as forcas do bem como as do mal tomam forma concreta e se manifestam personificadas em indivíduos particulares que pelas suas qualidades são aptos a incorporá-las e que assim as representam. No Êxodo vemos as forças do bem e as do mal em ação, personificadas em dois indivíduos, claramente colocados em posição contraposta, um em frente do outro: Moisés, de um lado, e o Faraó do outro. O primeiro possui a orientação que recebe da voz de Deus e o poder dos Seus Milagres. O segundo possui a arma das suas astúcias mentirosas e dos seus exércitos. Quem é o mais forte? Deus deixa o Faraó livre de fazer o que quiser com os recursos terrenos dos seus enganos e da sua força. Espantado pelos pragas de que fala a Bíblia, ele permite a fuga dos hebreus. Mas logo que a praga desaparece, ele se arrepende, revoga a sua autorização e os escraviza de novo. Mas, por que razão Deus deixa a Sua ação ser paralisada, ficando ao dispor desse jogo do Faraó? Parece que a Deus falte a força de vencer, porque outra vez Ele tem de iniciar de novo a Sua luta. Então quem manda é o Faraó, e Deus é o seu servidor, porque a cada passo tem de correr atrás dele remendando o Seu trabalho mal feito. Que valor tem os milagres feitos por Deus, se depois o Faraó tem o poder de destruir o seu fruto?
Eis as palavras da Bíblia: (Êxodo: 10, 2): (. . . .) "os Meus sinais tenho feito entre eles, para que saibais que Eu sou o Senhor". Êxodo (11, 9): "O Senhor dissera a "‘Moisés: o Faraó não vos escutará, para que os minhas maravilhas se multipliquem no terra do Egito". Então Deus usava tal método para melhor deixar entender, sobretudo ao seu povo, que Ele era o mais forte, era Quem, pelo Seu poder, mais convencia os Hebreus e estava acima de todos os outros deuses.
A estratégia de Deus é a seguinte: o bem deixa livre o mal, a Lei se deixa vencer, mas depois reage em proporção à culpa ou violação da Lei. Isto pelo fato de que ela não pode movimentar-se contra o ser, contra sua iniciativa, enquanto não houver ofensa; mas pode responder a esta, retribuindo, na mesma qualidade e medida, o choque que recebeu. Pelo princípio de justiça, a reação da Lei tem de ser merecida e por isso gerada somente pelo próprio ser. Quando o pecado já foi cometido, a pena só lhe será imposta conforme a justiça da Lei. Por isso tem de ser deixada ao Faraó a sua liberdade. Já vimos que aos filhos de Deus não pode ser tirada a sua qualidade de origem, mesmo quando se tornam criaturas do mal. É por isso que este em nosso mundo, está livre de se desencadear à vontade. Para ser justo, o constrangimento dos maus tem de chegar depois e não antes da violação, quando o ser ainda não semeou as causas. Deve haver uma proporção entre culpa e pena, erro e reação.
Vemos assim que há uma gradação nas pragas do Egito. A primeira é somente um aviso. Não o quis entender o Faraó? Eis então a segunda praga, outro aviso, mais duro. Ainda o Faraó não entendeu? Eis a terceira praga, outro aviso ainda mais duro, e assim por diante. O Faraó fica livre, mas não lhe faltam os avisos que estabelecem a sua responsabilidade e tornam justo a reação da Lei. Deus oferece a cada golpe a oportunidade para entender e parar, arrependendo-se e obedecendo. Isto porque é necessário que, para que Deus possa realizar tudo com bondade e justiça, a culpa tem de ficar toda do lado do ser rebelde. Mas se Deus parece estar sendo impedido pelos princípios da Sua própria Lei, nem por isso ele fica vencido. Pelo contrário, cada vez mais Deus reforça a Sua reação em proporção à teimosia e surdez do Faraó, até que este terá de se render a Ele. A rebeldia do Faraó fez chegar ao ponto de morrer o filho e destruir o exército, deixando-o despido de tudo; porque outra maneira não havia para o Faraó entender e obedecer a Deus.
O objetivo não é só o de vencer, mas também o de ensinar. E para ensinar, Deus tem de descer ao terreno humano da força, e com esse meio, o único que a forma mental dos primitivos pode compreender, Deus tinha de se mostrar vencedor, porque de outro modo nem os Hebreus, nem o Faraó, O teriam respeitado. Tal biótipo não se ajoelha senão perante o mais poderoso, e não lhe obedece se este não impõe a sua vontade, infligindo dano aos rebeldes. O fraco é desprezado e deve ser destruído. Assim é a lei desse selvagem plano de vida. Mas era exatamente a esse plano que havia de descer, pelo impulso evolutivo da Lei, um princípio de vida mais adiantado. Foi assim necessário que o superior se adaptasse ao inferior, mas permanecendo superior. Daí nasceu uma luta, ora observada e que termina com o triunfo de Deus. E assim que o direito de usar a força pertence somente a Deus e não ao indivíduo, ao qual pertence, porém, o direito de ser defendido pela Lei e forca de Deus. É assim que na Terra é deixado ao mal o poder de agredir, atormentar, dificultar o bem, mas não o de vencê-lo.
A derrota de Deus é apenas momentânea e aparente. A vitória chega só no fim, depois de ter deixado o mal desencadear-se à vontade. Nesse momento o bem triunfa, e as criaturas do mal têm de pagar à Lei o que devem. Mas como poderiam estas ter de pagar, se antes não o tivessem livremente merecido? E que vitória seria a do bem, que prova de valor e superioridade teria, se atingida sem esforço e merecimento? E por isso que Deus deixa ao instrumento humano todo o trabalho dessa luta. Esta lhe pertence também pelo foto de que, cumprindo u‘a missão o indivíduo deve também realizar a sua elevação pessoal para um plano mais adiantado de vida. A ajuda para o instrumento pode lhe chegar de Deus, somente quando esta é indispensável por ter o indivíduo realizado com o seu esforço tudo o que estava ao seu alcance realizar. Mas quando tudo isto houver sido feito, então aparece a ajuda prodigiosa do Alto, que salva. Deus fica olhando e vigiando tudo, vela sempre sobre a sua criatura e nunca a abandona. Quem está sozinho de verdade é o homem que trabalha sem Deus, e que por isso não pode vencer senão de momento, no terreno falso das areias movediças do mundo, recolhendo ilusões e dívidas a pagar perante a Lei.
Tudo isto é conseqüência lógica da estrutura do Todo, dividido em S e AS. Estamos em fase de superação. O mal, enquanto o processo evolutivo não terminar, fará parte do organismo universal. O fato é que o mal existe e ele não poderá desaparecer senão depois de ter sido reabsorvido e neutralizado por evolução. Hoje estamos no dualismo, e há de haver luta entre o bem e o mal, para que o mal seja transformado em bem. O princípio da luta é universal, porque é um direito derivado da cisão em S e AS. Por isso em nosso universo cada termo não pode existir senão em função de seu termo oposto. Se não houvesse o mal, Deus seria vencedor de que? A idéia de vitória implica sempre a de um inimigo a vencer. Luta significa também experimentação, escola, aprendizagem, sofrimento, redenção. Aqueles que com as astúcias humanas conseguem fugir dessa engrenagem, estão parados na evolução, que é o caminho da sua salvação.
Eis como o caso do Êxodo de Moisés confirma o nosso ponto de vista. No fim o bem triunfa, demonstrando que ele é o mais forte. Depois da passagem do Mar Vermelho, Deus vence definitivamente: (. . . .) "a tua destra, ó Senhor, tem despedaçado o inimigo" (Êxodo: 15, 6).
Continuemos observando, na prática, o conteúdo e o significado de nosso diagrama; a realidade que lhe corresponde os fatos, nos trechos mais interessantes, porque mais próximos do homem, que são os níveis evolutivos A2, A3, A4. Depois das teorias gerais, procuramos com exemplos, descer à realidade da vida. onde é possível realizar um controle da verdade teórica, levando-a em contato com os fatos para sua confirmação. Esse é o nosso método.
Observemos, então a conduta do ser conforme a sua diferente forma mental, relativa ao seu plano de vida A2, A3, A4. Como vimos, cada um tem o seu tipo de ética, do qual depende a sua particular maneira de conceber as coisas. Estudamos esse fenômeno a respeito do conceito de justiça. Examinemo-lo agora no que respeita á maneira de conceber dois fatos fundamentais de nossa vida: o problema econômico e o problema religioso. É lógico que. com a evolução de um nível biológico a outro superior, mude a ética a eles relativa, a forma mental, e, com isso, a visão das coisas e o seu comportamento. Só assim nos será possível compreender a razão pela qual este na prática toma a forma que observamos, e ver o que está atrás das aparências feitas mais para enganar do que para iluminar. Veremos os conceitos de S e AS, que parecem tão longínquos de nosso mundo, nele reaparecer a cada passo como realidade de fundo, que sustenta e explica a de superfície que se encontra perante nós. Procuramos assim possibilitar a teologia, a filosofia e a ética a tornarem-se ciências positivas, de observação e experimentação, e não somente de abstração teórica.
Vejamos o problema econômico. Assim como, em cada um dos níveis A2, A3, A4, se encontra uma ética diferente, também existe uma correspondente maneira de encarar o problema econômico dos recursos necessários à vida e do esforço necessário para procurá-los. Todos os seres necessitam do que lhes é indispensável e têm por isso de lutar para o procurar. Eis que também nos planos biológicos mais baixos existem em estado de germe os primeiros elementos do mundo econômico.
No plano A2 há a procura e o trabalho, mas só em forma individualista e caótica. Ainda não existe nenhuma disciplina e organização, nem leis econômicas, oferta, troca, capital. previdência etc. A evolução avança da desordem para a ordem. A economia do animal é da máxima simplicidade. A fera obedece ao estimulo da fome quando ela surge, momento por momento e. assim impulsionado, automaticamente se movimenta para agredir outros animais e procurar o alimento. A fera não conhece outro trabalho Saciado o estômago, ela não faz mais nada e fica no ócio Ela esbanja tudo o que não serve no momento, não economiza. não prevê o amanhã. Além do esforço necessário para agarrar a presa, a fera não faz nada mais. No seu estado primitivo de fera na floresta, tudo depende do impulso fundamental, o da vida que quer continuar e, por isso, impele o ser a movimentar-se para procurar o que lhe é necessário para esse objetivo. De todo o restante o ser nem sequer torna conhecimento, porque está fora do alcance da sua forma mental.
No plano A3, que e o do homem atual. vigora uma ética e estrutura econômica em evolução, em fase de transformação do nível A3 ao A4, o que explica o fato de que nela se encontram elementos em contraste. Nos degraus inferiores inicia-se a técnica da oferta e da procura e aparece o método da troca, limitada ao momento, sem se ter atingido os conceitos de previdência, capital e propriedade. Esta encontra-se na sua fase elementar, em que é meu o que agarrei com a minha força ou astúcia, isto é, a propriedade se identifica com a sua mais baixa fase de origem, que é a posse. Aqui o ser está ainda no nível do roubo. É a ética dos indivíduos e povos primitivos. A sua economia é escravagista. A idéia de deveres e direitos, de colaboração social com uma justa distribuição do esforço e proporcionada compensação, está ainda longínqua em estado de germe que ainda tem de nascer. E, quando a idéia aparece escrita nas leis, apesar destas, muitas vezes continua vigorando na forma mental dominante a ética econômica da fase de origem que diz: "porque eu sou o mais forte ou astuto, e por isso o vencedor, meu é todo o direito de mandar assim como o de possuir á vontade. Quem deve trabalhar não sou eu, o Senhor, mas o fraco que tem de ser meu escravo, porque foi vencido e por isso tenho o direito de explorar à vontade. O trabalho é coisa desprezível que pertence só aos servos. Quem vale é somente o senhor e todos os direitos são dele. Os outros não valem nada, não tem direitos, apenas têm o dever de servir".
Observemos quais são os resultados de tal tipo de ética.
1) Nos países deste nível, onde vigora essa forma mental, todo movimento econômico, político, financeiro, revindicatório de salário público e particular - praticado com a psicologia de senhor e escravo - não é um esforço dirigido para produzir, mas para vencer na luta desapiedada. Então o atrito absorve todo o esforço e os resultados úteis deste são mínimos. Não há atividade improdutiva que o regime de guerra, que é regime de destruição.
2) O método de aquisição não é o trabalho, mas o roubo. Por isso todas as energias se concentram na arte do roubar e não na de trabalhar. Somente o trabalho enriquece porque produz, enquanto o roubo empobrece porque representa apenas uma espoliação e transferência de um para o outro, e nada produz. Do roubo deriva um grande gasto de energias, que se desperdiçam apenas para que alguns poucos possam explorar os outros. Não há geração de valores, mas deslocamento, em favor dos que menos merecem possui-los porque o fazem apenas para sua egoística vantagem, como um câncer que vive à custa do trabalho das células sadias. Os países que praticam esse método, trabalham em perda, a sua atividade é contraproducente e por isso são destinados à falência.
3) Nessa economia o trabalho é explorado no máximo, o trabalhador espremido e esmagado. Capital e trabalho não são amigos para colaborar, em beneficio de ambos, mas inimigos em luta, com prejuízo próprio. Aquilo de que mais cuidará o operário será o de combater o patrão, essa será a sua atividade mais urgente em que ele concentrará o seu esforço em vez de o concentrar no serviço. Neste regime é impossível organizar um trabalho sério, produzir unia obra bem feita. Que fruto pode dar uma má vontade recíproca, uma ação realizada à força, pela fome, pela necessidade de arrancar dinheiro? É lógico que do lado do operário corresponda a má qualidade do produto, na qual se descarrega a sua angústia; e que por seu lado o patrão queira pagar sempre menos um trabalho que dá um rendimento sempre menor. Assim tudo vai piorando para todos. O resultado é a desvalorização da produção, uma indústria desacreditada, cujo fruto cai em pedaços e termina num engano, porque vive somente de aparência. O trabalho baseado em salários de fome produz artigos construídos para ficarem de pé, até o momento da entrega ao comprador.
4) O princípio egoísta da exploração de tudo para a vantagem pessoal acaba roendo por dentro qualquer tentativa de organização. A economia tem assim que permanecer na sua fase primordial de caos onde tudo fica subjugado à força e ao interesse de alguns exploradores, a cujos pés todos os outros têm de estar amarrados e inutilizados, porque paralisados na posição de servos.
5) Tudo vai assim desmoronando, por lhe ter faltado na sua construção a fundamental força coesiva da honestidade e boa vontade. O resultado não pode ser senão um geral abaixamento do nível de vida, até a miséria geral ao redor do jardim de poucos privilegiados, que não podem deixar de acabar, eles também, arruinados na ruína geral. Num tal regime tudo tem de cair, não semente porque foi mal feito, mas também porque, quem pratica e método do egoísmo, não toma cuidado senão daquilo que faz parte do seu egoísmo. Todo o restante fica abandonado, quando não existe um interesse para destruí-lo, o que às vezes é só desabafo do instinto de destruição, comum nos primitivos, cuja passada experiência animal lhes ensinou: tudo o que não constitui o próprio eu é inimigo, é perigoso, e por isso é bom que seja destruído. Para quem possui tal forma mental as coisas dos outros interessam apenas enquanto podem ser furtadas ou desfrutadas para si. Neste nível, como na floresta, não existe manutenção, espírito de conservação cuidado das coisas. Assim tudo se estraga rapidamente e tem de ser feito de novo, com novo trabalho, que por sua vez produz outro fruto mal feito, que será de novo abandonado, até que o último resultado estável de tanto esforço será a instabilidade dos resultados do um trabalho contínuo e inútil.
Há, porém, um trabalho útil que o ser faz neste plano, mas não é o de receber o fruto do esforço, atingindo como resultado a elevação do nível de vida, o que aquele biótipo não merece. O trabalho útil que o ser executa é outro, é o trabalho do progresso, que a sabedoria da vida exige para todos em todos os níveis. E de fato o ser vai assim aprendendo à sua custa, e com muitos sofrimentos, a superar tal método e sair da inconsciência do primitivo, até aprender a lição que lhe ensina a conduzir-se com mais inteligência e, por conseguinte, com melhores resultados. E quando tais povos não quiserem aprender, a vida deixa que eles caiam dominados por outros que lá entenderam, para que estes, dominando-os, lhes ensinem a lição não aprendida sozinhos.
Este caso, que agora observamos, representa o pólo inferior do nível humano A3. Na história, na política, na indústria não faltam exemplos de organizações de trabalho baseadas numa ética econômica mais inteligente e adiantada. Ela é tanto mais evoluída, e por isso vantajosa, quanto mais foi eliminado o atrito da luta e o respectivo desperdício de energias, passando da fase do caos á da ordem e colaboração. Isto é o que a vida quer atingir e nesta direção que avança a evolução. Esta impulsiona sempre todos os seres a alcançar, relativamente ao seu nível, um resultado útil. E assim que o ser do plano A3, vai-se encaminhando para o plano A4.
O processo é automático. Ninguém gosta de desvantagens e sofrimentos, e está pronto a evitá-los logo que chegue a compreender onde está e defeito a ser evitado, do qual deriva o dano. Muitos hoje não o percebem, porque está longínquo e escondido atrás da vantagem imediata. Já vimos que a função da dor é a de acordar a inteligência destruindo a ignorância que é a causa do erro. que por sua vez é causa da dor. Assim na sabedoria da Lei, a função da dor é a de destruir a dor. O trabalho útil que pertence ao homem de nível A3 é exatamente o de aprender pelo seu próprio sofrimento a conduzir-se melhor para evitá-lo. Como já referimos, o homem atual encontra-se numa fase de transição, na qual tem de ser feito o trabalho de transformação do biótipo selvagem A2 no superior A4. É assim que o estado orgânico completo de uma ordem mundial ainda não existe, mas só algumas tentativas parciais e instáveis, acima das grandes massas imaturas. Existe, porém, o conceito dessa ordem a atingir, mas, como todas as coisas ainda a serem realizadas no futuro, existe em forma de princípio ideal, que a realidade da vida nos fatos hoje repele, e continuará repelindo até que o homem esteja maduro. Cabe ao seu esforço e sofrimento a tarefa de construir a nova ordem, na qual a vida poderá finalmente ser aceitável por um ser civilizado.
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No plano A4 a selvagem economia de luta do plano A3 desaparece completamente. Neste nível será eliminado o desperdício de energia motivado pelo atrito entre os elementos componentes o que significa muito esforço e rendimento mínimo. O homem terá finalmente compreendido a imensa vantagem da colaboração pacífica numa organização de especializados. Isto não é contra as leis da vida, porque satisfaz o seu princípio de utilitarismo e representa um estado que, de fato, já existe e foi alcançado por alguns insetos, como as abelhas e as formigas, que atingiram esse estágio mais adiantado de evolução, em que o trabalho é pacificamente distribuído entre os indivíduos em formas diferentes, constituindo assim um conjunto orgânico de atividades com rendimento máximo. Nenhum desses pequenos seres pensa em explorar o outro, como faria o homem. Se a natureza neste caso chegou a eliminar a perda pelo atrito, e se depois na sua sábia economia continuou praticando esse método até fixá-lo como instinto numa raça, isto sem dúvida quer dizer que tal comportamento representa uma vantagem e um progresso, porque de outro modo a vida teria abandonado esse caminho e eliminado os seus resultados. Se a humanidade se atrasa em atingir o seu estado orgânico, porque neste caso se trata de ama organicidade muito mais complexa, que requer muito mais inteligência e uma luta proporcionada para construí-las é porque se torna mais difícil atingi-la. Mas não há dúvida de que a evolução avança para o estado orgânico, que representa a ordem do S, que é o ponto final da grande caminhada, para o qual todos os seres se estão cada vez mais aproximando. Tudo isto de acordo com um dos princípios fundamentais da Lei, o das unidades coletivas, como foi explicado em A Grande Síntese.
Na ética do plano A4 a luta e a exploração se tornarão um absurdo inadmissível, que pela ignorância e inconsciência do ser pode existir somente no nível A3. Patrão e dependentes, pelo contato tão prolongado e por sofrerem os duros efeitos do atrito recíproco, aprenderão a eliminá-lo, de inimigos tornando-se colaboradores. Neste nível o primeiro paga o que deve e o segundo recebo o que merece. Assim, quem dá um salário honesto recebe um trabalho bem feito, e quem oferece um trabalho bem feito recebe um salário honesto. Neste regime, explorar o próximo não é prova de inteligência com direito à respectiva recompensa, mas é crime, e os desonestos são banidos da sociedade, que não suporta mais o câncer do roubo que paralisa tudo. Então a moeda tem valor porque é um meio que tem o poder de adquirir alguma coisa que verdadeiramente vale e fica, e não é para receber em troca só enganos. As construções realizadas com o método destrutivo do plano A3, são produto de um esforço ao negativo, que não pode acabar senão desmoronando para todos, inclusive em cima da cabeça dos que acreditam ser vencedores. Só as construções realizadas com o método do plano A4 podem ficar em pé, porque são produto de um esforço ao positivo e não roídas por dentro pela negatividade do método do plano A3. Este não é problema de moral e virtude, mas é o resultado de um cálculo, pelas leis da vida implícito e automático, no rendimento do esforço. Quem errar esse cálculo tem de pagar as conseqüências.
É lógico que no fundo, nas camadas mais baixas do subconsciente, subsista o instinto atávico do rapinante e egoísta. Mas é lógico também que ele tenha de ficar abandonado, com o poder de defesa dos seus recursos pessoais, sem possuir o poder de defesa maior, que só uma sociedade bem organizada pode oferecer aos seus componentes. Com isto queremos dizer organizada em substância, como tantas rodas que ordenadamente trabalham juntas num relógio, e não organizada só na forma, em aparência, numa complexidade que é perigosa complicação, porque não sustentada por dentro pela honestidade, de modo que tudo termina por gerar confusão, que é exatamente o que os pescadores de águas turvas mais procuram para prosperar. Se tal método pode representar a vantagem momentânea de alguns indivíduos, os piores, ele é aquele que mais cedo ou mais tarde leva todos para a ruína geral.
Vimos os resultados do método de vida do plano A3. Correspondentemente, eis os resultados bem diferentes do método do plano A4 e do seu tipo de ética.
1) O esforço não se desperdiça na luta. O rendimento dele, que no plano A3 é mínimo, neste plano A4 é máximo. Isto corresponde ao que já dissemos, isto é, que o caminho da evolução se torna sempre mais fácil quanto mais o ser subiu, o que quer dizer lutou para isso.
2) Se o método que vigora neste plano A4 é o do trabalho ( + ) e não o de roubo ( - ), os resultados desta vez serão opostos aos precedentes, isto é, positivos e estáveis. A economia geral, enquanto baseada numa atividade sadia e produtora, não é destinada a falências, mas à prosperidade. Tudo isto está escrito na própria natureza das leis econômicas, das quais, apesar dos economistas não o levarem em conta, faz parte também este fundamental princípio de honestidade. Para tal método automaticamente já se encaminharam os povos mais civilizados e têm de se encaminhar os que se queiram civilizar.
3) Abandonado o método da luta, torna-se possível passar ao outro muito mais vantajoso da colaboração e à fase mais evoluída, a orgânica, o que significa chegar a produzir e construir a sério, porque se pratica um trabalho sério.
4) A economia pode passar do nível primordial de caos, onde há lugar apenas para o lucro de poucos indivíduos exploradores, a uma economia adiantada, de ordem, onde há lugar para o lucro de todos.
5) Sustentado pela força fundamental da honestidade e boa vontade na ordem, o resultado final não pode ser senão uma geral elevação do nível de vida, para todos, e não só em favor de alguns isolados, perseguidos pela inveja e ódio dos desamparados constrangidos a uma luta contínua para defender a sua fortuna. Na ilusão de resistirem para sempre, eles legitimam a sua posição com leis, a escoram com a força armada, com alianças, e com todas as sagacidades humanas. Não pode. porém, deixar de chegar o dia em que o peso de tal negatividade biológica, antivital para a maioria, que é a que a natureza exige que sobreviva, é grande demais, é o castelo, como aconteceu na revolução francesa, desmorona e fica destruído, pelas próprias leis da vida, que são justas e dinâmicas, inimigas de toda passividade antievolucionista.
No nível A4 tudo não somente é bem feito, e por isso resiste e dura, assim como cada um é um natural conservador do que foi feito, e não um destruidor dele. Isto evita o estrago e a perda do que custou muito trabalho, o que significa desperdício de energia e aumento do esforço necessário para se manter no mesmo nível de vida. Pode significar, porém, pelo fato de que poucos gostam de trabalhar mais, um abaixamento daquele nível para todos, menos para alguns vencedores, reduzidos a viver isolados nos seus ricos castelos, porque fora há só o deserto da fome e a vergonha da miséria.
No nível A4 desaparece também o método da recíproca desconfiança, produto do regime de luta, método que pesa sobre todos, porque implica um sistema custoso de controles contínuos de todos contra todos, um nunca acabar O que tal sociedade produz custa um trabalho enorme, feito à força, que é necessário manter em pé com outro trabalho, para cada movimento. Não é determinado positivamente por um espontâneo impulso e vontade de realização, mas às avessas, negativamente, só pelo medo de um dano de que se procura fugir, o que implica a cada passo tudo sei. escorado por uma pesada organização de controles.
O problema atual é o de evoluir do nível A3 ao A4. Mas para compreender o novo método é necessário desenvolver a inteligência, o que já sabemos que não pode ser realizado senão pela dor. E, providencialmente, porque o santo objetivo da vida é o de tudo melhorar evoluindo, o método vigente produz bastantes sofrimentos. Para entender é necessário que todos sofram os duros efeitos, sobretudo os que acreditam ter vencido. É indispensável um amadurecimento de inteligência geral, seja dos ricos para entender as necessidades dos polares, seja dos pobres, prontos a imitá-los, repetindo, de modo pior, as culpas dos ricos. E de fato o que vemos funcionar a toda a hora é a dor, que com a sua pressão constante vai ensinando sem parar, interrompida só para os que se chamam afortunados, por alguns ilusórios momentos.
Mas é necessária toda a ignorância do primitivo para nau chegar a compreender que a riqueza conquistada com os métodos do nível A3, não pode representar senão um fruto envenenado, que pelas leis da vida tem de acabar envenenando quem o possui, pela lei do retorno à fonte, a tal indivíduo devolvendo, como é justo, os seus próprios enganos, e deste modo reduzindo-se a uma traição. Está na lógica da vida que satisfações não merecidas, ganhas às avessas, não possam gerar senão ilusões e dores. Este também como já mencionamos, não é problema de moral e virtude mas é o resultado automático da própria estrutura das leis da vida que os atrasados não compreendem. Praticar o método do nível A3 de explorar o próximo não é prova de inteligência, mas de ignorância, representa para quem o pratica não o caminho da vitória, mas da ruína. E quando tal método é usado pela classe dirigente, muitos são levados a imitá-lo e ele pode trazer à ruína uma nação inteira. Mas, que pode fazer a sabedoria da vida se o homem tem de permanecer livre, e na sua forma mental não existe outra maneira senão a do seu próprio dano, a única forma possível de o ensinar, quando se trata de povos primitivos? Há de um lado a necessidade absoluta que a evolução se efetive, porque ela é o único meio de salvação. Mas do outro lado há o ser que, na sua inconsciência, se rebela a essa sua salvação, que assim, para que ele não se perca, tem de ser realizada à forca. Então não há outro meio para atingir essa finalidade, senão a dor. Como é lógico, é o que a vida de fato está praticando. Seria loucura pensarmos poder intervir no amadurecimento de fenômenos de tanta envergadura, contra resistências tão poderosas. Então a última palavra resolutiva pertence ao azorrague da dor, pois ela representa o mais enérgico e abençoado propulsor do fenômeno da evolução.
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Observemos agora qual é, conforme as diferentes éticas dos planos A2 A3 A4, a correspondente maneira de encarar o problema religioso. Ele também corresponde a uma necessidade fundamental do ser que é a de ele se dirigir na sua conduta, orientando-se de qualquer maneira no oceano do desconhecido e procurando ver no mistério que o cerca de todos os lados. É lógico que o ser em cada plano de vida faça isto de uma maneira diferente, proporcionadamente ao nível de evolução atingida.
No plano A2 a fera não conhece religião nem regra moral. Nesse nível tais problemas ainda não existem. Vigora a ética da força, a conduta é dirigida pelos instintos, sabedoria elementar, fruto das lutas passadas, pelas quais sobreviveu só quem aprendeu a vencer. Nesse nível tudo é lícito, numa liberdade sem limites, que permite a cada um fazer seja o que for contra o outro, que por sua vez pode fazer seja o que for contra terceiro, numa luta contínua de todos contra todos.
No plano A3 o problema complica-se, porque aparecem novos elementos. Pelo fato de que o nível A3, como já vimos, representa uma fase de transição entre o nível A2 e o nível A4, nele se encontram ainda vigorando, no fundo, os princípios do plano A2 em luta com os do plano A4, que flutuam na superfície e quereriam destruir os outros para se lhes substituírem .A luta do nível A2 se juntou outra luta, em forma diferente, entre a luz e as trevas. A luz que desce dos planos superiores com a revelação, ditando normas de conduta, no terreno ético representa o bem, impulso positivo que deriva do S. As trevas que sobem dos planos inferiores com os instintos da fera, que ditam outras normas de conduta, no terreno ético representam o mal, impulso negativo que deriva do AS. O ser é ainda ignorante, mas acordou um desejo de saber, antes desconhecido, o que quer dizer desejo de ser iluminado. Começam assim a aparecer no caos da liberdade absoluta os primeiros elementos de uma norma diretriz. Eis as leis religiosas e civis. desponta, assim, no mundo o conceito, antes desconhecido, de lei, qual regra de vida, em que se manifesta a primeira concretização do princípio da ordem que pertence ao plano A4, e que assim começa a descer à Terra. É neste sentido que os homens puderam afirmar que essas leis superiores tinham origem divina, enquanto desciam do alto, ou seja de planos de vida mais próximos do S Mas donde descem elas? No mundo da fera, plano inferior ao seu, elas são recebidas, na prática, como um absurdo.
Explica-se assim a contínua contradição que de fato se encontra entre os ideais e a realidade da vida, entre os bonitos princípios teóricos e a péssima conduta humana, entre o que nas. religiões é pregado e o que nos fatos é praticado. Quando a luz tem de penetrar nas trevas, não pode deixar de ficar de qualquer maneira torcida. Como pode o princípio da justiça do plano A4, quando desce no plano A3, não se chocar com o princípio da força vigorante nesse nível? E como pode deixar de se adaptar aos instintos da fera, aceitando os seus métodos de força, sem a qual a fera não presta ouvidos, não toma conhecimento, porque a força é o único argumento que ela entende? Se o anjo não se torna fera. não pode sobreviver na Terra. Ele só pode sacrificar-se como mártir e com a morte libertar-se fugindo para o seu mundo.
Eis como vemos na Terra aparecer um produto que parece híbrido, enquanto é uma mistura de céu e inferno, de espírito e matéria. E por isso que temos leis que teoricamente sustentam princípios de justiça e bondade, de uma ordem superior que somente pode ser o resultado da compreensão e colaboração; temos leis que tudo isso sustentam e, ao mesmo tempo, estão armadas de sua sanção punitiva, seguindo o método da força que representa a negação da justiça e da bondade, o princípio da desordem. Se o esforço do Céu que desce à Terra é de endireitar o que aqui se encontra, o contínuo esforço do mundo (A3) é o de emborcar tudo o que desce do céu (A4), que assim, pregado de maneira correta, acaba sendo praticado às avessas, gerando na realidade um estado de luta e contradição, que só deste modo se explica.
De tudo isto vemos assim aparecer resultados estranhos porque a lógica do mundo tem de obedecer ao mesmo tempo a dois princípios opostos, o do nível A4, e do nível A2. E assim que vemos o direito do mais forte tornar-se justiça e esta ter valor porque apoiada na força. Todos sabem que a lei sem a força é vã, mas ninguém se pergunta por quê. Aparece, então, a lei armada de cadeias, e a bondade do Evangelho armada de inferno.
Isto se poderia justificar a reação da Lei, como já vimos. Mas a Lei só reage quando o ser comete erros, e tanto mais o ser os comete, o que sempre se verifica, quanto mais é ignorante e situado nos planos inferiores da vida. Então a reação punitiva é qualidade que pertence sobretudo a esses planos, e o porque das leis penais, civis e religiosas da Terra não podem dispensar o uso de tais métodos reativos, prova a inferioridade deste mundo. Nos níveis superiores, e tanto mais quanto eles são superiores e o ser se eleva até eles, a reação da Lei diminui, porque com o desenvolvimento da consciência e com o conhecimento diminuem os erros, que representam a causa da reação, até que no S acabem os erros e a respectiva reação da Lei, extinguindo-se a dor, elementos esses que no fim da grande caminhada da evolução têm de desaparecer ao atingir o S, porque eles foram fruto da queda e por isso se encontram só no AS, ou até que resíduos dele (revolta) fiquem no ser ainda não completamente purificado.
É deste modo que se explica como no terreno religioso se encontra a mais estranha associação entre nobres ideais e desabafo de instintos, de sublimes intuições de superconsciente com retornos de animalidade surgindo do subconsciente, da sabedoria com a ignorância, do amor com a vingança, da perfeita justiça e bondade, qualidades de Deus, com o constrangimento á força, qualidade da fera. Mas a natureza do homem se encontra nessa fase de transição, inevitável contraste entre os elementos opostos que nela se encontram. É natural que na parte superior do ser funcione a parte mais nobre, e que ao mesmo tempo na parte inferior continue funcionando a pior. Explica-se assim a presença da contínua ação subterrânea dos impulsos mais baixos, disfarçados na roupagem dos mais altos princípios. Que pode então tornar-se religião na terra? Ai de quem ousa desvelar a realidade que está atrás das aparências! É escândalo dizer que o homem faz o contrário do que prega, exigindo dos outros a crença em sua mensagem e que assim viva. Ente todos os mistérios, não se deveria revelar este que, pelo seu absurdo, parece um dos maiores mistérios das religiões.
Tomamos por exemplo os três votos franciscanos: pobreza, castidade e obediência, que poderiam representar uma síntese das virtudes cristãs. Ora, pelo fato de que na Terra funcionam o mesmo tempo leis de planos diferentes, A3 e A4, não há coisa que não possa ser emborcada. Com o plano de vida muda a forma mental e, com ela, a maneira de conceber as coisas. Então as sublimes virtudes com que o homem A4 procura o desapego de um mundo para ele inferior, em busca de uma vida superior, na forma mental do homem A3 se tornam uma negação inaceitável porque destruidora da vida no plano material, que para tal biótipo representa toda a vida, a única que ele conhece.
Assim acontece quando um involuído tem de aceitar tais virtudes, ele não as pode conceber senão na forma de fingimento e busca de escapatórias e, para os outros que ele julga simplórios, como ótima coisa a praticar, pelas razões seguintes: 1) Á pobreza nos outros significa mais espaço livre e menos rivais para a sua própria riqueza. Quanto mais os outros renunciam, tanto mais ele poderá enriquecer. 2) A castidade dos outros significa muitos competidores a menos na luta sexual. Quanto mais os outros são virtuosos, tanto melhor ele poderá satisfazer-se. 3) A obediência dos outros significa o próprio domínio sobre eles. Quanto mais os outros estão dominados, tanto melhor ele poderá mandar.
Esse raciocínio feito, sem querer, é o produto de um íntimo trabalho do subconsciente, é o resultado inevitável da regime de luta vigente. Assim a vida atinge uma conciliação e um acorde entre apostos, isto é, entre o homem A4 e o A3. Esse acordo é atingível pela fato de que a mesma coisa é vista de dois pontos de vista diferentes. Podemos, dessa forma compreender a contradição, de outro modo inexplicável. A vida resolveu o caso com a método do recíproco mal-entendido.
O que na realidade continua sempre vigorando no fundo da vida humana é a lei da luta pela vida. Então, logo que uma religião toma forma concreta na Terra, ela não pode deixar de cair sob essa lei, porque entrou na domínio da matéria e agora representa posições conquistadas de ataque e defesa nessa luta, posições que em tal mundo para o indivíduo é fundamental manter. Em cima das religiões se construíram imensas edifícios de interesses, que representam o que vale mais conforme a forma mental do homem Á3, que constitui a maioria, enquanto os princípios ideais, tão importantes para o homem A4, são coisa longínqua, que se deve pregar, mas que está fora da vida real, e que par isso não merece ser tomado a sério. A realidade é a matéria. O espírito é sonho. O homem espiritual é um utopista que se perde no imponderável. Essa é a forma mental do biótipo terrestre, com a qual ele vê e julga. Quem pode pensar com um cérebro diferente daquele que possui? Para realizar mudanças na natureza da personalidade são necessários centenas de séculos de experimentação e assimilação.
Então tudo o que pode fazer o homem é, coma acontece quando se domesticam os animais, permanecer na sua própria substância, repetindo mecanicamente a lição dos ideais aprendida de cor, até mesmo para a seu indispensável ganha-pão. Ensinaram-lhe que a sua forma mental está errada e tem de ser destruída. Mas se não pode, porque ela representa a sua própria natureza, e não possuí outra para substitui-la, que pode ele fazer senão permanecer como é? isso nos mostra que, ‘às vezes, na prática. a ideal termina em ilusão.
Tudo isto leva a uma triste conseqüência: o ideal é condenado por aqueles que tinham o dever de sustentá-lo, tomá-lo a sério, sendo lamentável que não o faça, buscando-o somente por curiosidade de quem quer saber, apenas por saber. Quem faz assim é julgado perigoso, porque rói as raízes das árvores e representa uma ameaça, exatamente das posições terrenas que mais interessam. Quem procura a verdade de verdade deve ser afastado, porque acaba descobrindo os pontos fracos, que ninguém deve conhecer, porque lançam o descrédito sobre a organização daqueles cuja vida material se baseia na pregação daquela verdade.
Entre as forcas do plano A4, e as do plano A3, há uma luta terrível. Trata-se de um momento da grande luta entre o S e o AS. Ela aqui aparece viva e toma a forma de conflito entre o anjo e a fera. Pelo dualismo dos dois termos opostos em que pela queda se despedaçou o universo, bem e mal se chocam, o primeiro no anseio de realizar a evolução para o S, o segundo no de paralisá-la para ficar no AS. Todo isto agora não é mais teoria, porque não podemos deixar de o ver funcionando em nosso mundo e de o viver, porque todos estamos mergulhados nesta luta e sofremos pelo atrito que deriva do choque entre estes dois termos apostos: o novo (S) que quer destruir o velho para substitui-lo, e o velho que resiste porque não quer morrer.
Eis as profundas raízes dessas lutas humanas, que vemos aparecer na superfície como um absurdo inexplicável, em contradirão consigo mesmo, mas cuja razão lógica está na profundeza e aparece quando o fenômeno é observado em função da primeira origem das coisas. Então é lógico que na Terra, que representa o nível A3, verdadeira pedra de toque da importância dos ideais sejam os interesses materiais que neles se alicerçam, assim se justificando. Por isso surgiu a Santa Inquisição, porque a heresia ameaçava uma organização terrena, conseqüência de princípios teóricos que por si só não interessariam senão a poucos pensadores. A forma mental do biótipo A3, não e sensível àqueles problemas superiores, enquanto o é muita aos outros inferiores do seu mundo terreno.
Assistimos assim a esse estranho abraço entre Céu e Terra. O primeiro, para realizar o seu programa, tem de descer tomando forma material na Terra. Tal forma deveria ser apenas uma veste do espírito e existir só em posição subordinada, a ele sujeita. Mas a matéria representa também uma força e uma vontade, que se quer realizar. Eis então que por sua vez a matéria tenta prevalecer sobre o espírito, impondo-lhe as suas exigências. É lógico que na luta o mais forte vença. Ora, podemos observar em cada momento da história quem é o mais forte. Se é o espírito, isto quer dizer que a humanidade está evoluindo; mas se é mais farte a matéria, os interesses prevalecem, então isto quer dizer falência do céu e triunfo da inferioridade animal, ou seja, que a humanidade está involuindo. Pode-se chegar assim até ao ponto dos interesses materiais constituírem o único objetivo das religiões. Neste caso se realizou, como já falamos, aquele emborcamento dos ideais, que representa a vitória do AS. Isto se explica com o fato de que o seu impulso não está apagado, mas continua vigorando, pronto a repetir a revolta contra o S e voltar a descer, retrocedendo para o AS, em vez de avançar para o S.
Perante tais fatos, o inexperiente que não consegue analisá-los para descobrir a sua razão profunda. fica desnorteado. Mas a maioria resolve de maneira mais fácil. Para se lhe dirigir bastam os seus instintos. Ela não se deixa envolver em tais problemas, não se preocupa com eles, vive levianamente na superfície sem pensar eles não existem na sua mente. Assim muitos vão mentindo, sem saber nem querer, solucionando o caso pelo caminho que dá menor trabalho, o da convivência contraditória entre os princípios A4 proclamados e os A3 praticados. Solução, porém, aceitável só para os que, pela sua inconsciência, conseguem não se aperceber da grande desonestidade que tais métodos representam. Quem pode entender se rebela e não aceita tal método. Como se pode, porém, culpar alguém, por não possuir no seu cérebro a inteligência necessária para entender?
O fato é que a maioria é constituída de ovelhas que podem para ser dirigidas, porque sozinhas não sabem andar. Havendo do procura de pastores, eles aparecem e ficam. Teoricamente eles deveriam sei. biótipos do nível A4, incumbidos de trazer à Terra as coisas dos planos superiores. Mas o nosso mundo pertence ao nível A3, e aqui os tipos A4 representam uma minoria insignificante. Acontece que os pastares acabam sendo da mesma raça das ovelhas, com elas concordando pelos mesmos instintos e forma mental. de modo que parece utópico tudo o que pertence a planos superiores, acima do A3. O acordo depende do fato de todos pertencerem ao mesmo nível de vida. O instinto deles é o do crescimento do plano material, não no espiritual. Assim, em vez de procurarem a evolução interior, em profundidade, procuram o triunfo exterior em superfície. Desta atitude nasce não um aperfeiçoamento do indivíduo para subir, mas em lugar deste, que deveria ser o conteúdo fundamental da religião, prevalece o proselitismo expansionista, concebido como a coisa mais importante a realizar. Assim também as religiões acabam caindo no nível inferior do biótipo A3, que é o da luta, porque naquele nível, pelo instinto de crescimento, cada homem ou grupo humano é imperialista, o que significa rivalidade para se sobrepujarem uns aos outros. Assim cada agregado se regozija quando uma ovelha se converteu, de outra religião para a sua, onde encontrou a verdade, e condena quando uma ovelha se converte da sua para outra religião, onde encontrou o erro.
Se tudo isto é absurdo pela forma mental da plano A4, é lógico na do plano A3. E explica-se por quê. Quanto mais o ser se encontra situado perto do AS, tanto mais a sua psicologia não pode deixar de revelar o princípio divisionista da revolta, que procurou estabelecer o princípio oposto ao da unidade de tudo em Deus, isto é, o do egoísmo separatista, que é o instinto que prevalece no nível inferior A3. Contrariamente, quanto mais o ser se encontra situado perto do S, tanto mais a sua psicologia não pode deixar de revelar o princípio unitário da obediência à ordem, isto é, do altruísmo unificador. E a posição do ser na escala evolutiva que estabelece qual é a sua forma mental, da qual ele não sabe sair.
Aconteceu também no terreno religioso, que deveria estar acima de nosso mundo, onde acabou vigorando a lei de todas as coisas humanas, a do plano A3. Como se pode exigir, nesse nível, que os fortes, neste caso os mais astutos, sustentem de graça e não aproveitem os mais fracos, neste caso os mais simplórios? Estamos na Terra e não no céu, e como podem os seres da Terra usar outra lei que não seja a escrita com os instintos na sua forma mental? A prova está no fato de que, se excepcionalmente aparecer na Terra o biótipo A4, ele acaba sendo liquidado. Aqui a maior parte do material de construção é de tipo A3, e não se pode construir senão com este material. E o tipo A3 mais próximo do AS, representa o rebelde que quer estabelecer na Terra um reino oposto àquele que o tipo A4 quereria, mais próximo do S. Por isso Cristo falou da irredutível inimizade entre Ele e o mundo. Por isso o inferior quer destruir o superior, porque sabe que é este que, para evoluir, procura aniquilá-lo, substituindo-lhe uma mais alta forma de vida. Pelo fato de que o ser superior é naturalmente um destruidor de valores inferiores. os que o inferior mais ama, este é um destruidor de valores superiores, os que no alto mais valem. Há rivalidade e luta para a sobrevivência entre os diferentes planos de existência, porque cada um quereria tomar o lugar do outro no mesmo campo da vida. As forcas do AS não querem morrer e lutam desesperadamente contra as do S, para que estas não vençam, o que significa a morte para as do AS.
É inevitável que qualquer coisa que se queira realizar na Terra tenha por isso que se abaixar até ao nível humano. Mas é evidente que a finalidade deste abaixamento é a elevação, acima daquele nível. O divino aceita tornar-se humano. para que o humano se torne divino. Mas infelizmente o resultado foi mais o de um abaixamento do espírito na matéria, do que um levantamento da matéria para o espírito. Maquiavel dizia que a religião e as virtudes são úteis somente quando usadas como encenação para mostrar aos outros mas que são perigosas se vividas de verdade. Assim, aparecer bom pode ser útil para tirar das mãos do próximo a sua arma de defesa que é a desconfiança, para que ele deste modo se entregue desarmado e seja mais fácil vencê-lo. Podem assim os lobos disfarçar-se de cordeiros, para se misturarem com eles, despercebidos.
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No plano A4 tudo é concebido e realizado de uma forma diferente. Começam a desaparecer as misérias do nível A3, próximo do AS, e a aparecer as harmonias do nível A4, próximo do S. Então, que faz o ser desse plano? Porque ele é verdadeiramente religioso, procura a substância e não a forma, a esta dando o valor que merece. Pelo seu instinto de honestidade, ele não pode aceitar viver de adaptações, que para a sua sensibilidade moral significam insuportável insinceridade, não admissível em absoluto nas religiões, perante Deus; adaptações nas quais na sua sensibilidade intelectual ele percebe a contradição e o absurdo. Pelo fato de que ele quer levar a religião a sério para vivê-la, o que pode significar um duro trabalho, precisa conhecer as razões que o justificam, os princípios dos quais a sua conduta tem de ser a conseqüência. Por isso ele não pode aceitar tudo só por fé cega, enquanto isto pode ser fácil quando não leva às mesmas conclusões, porque as mencionadas adaptações já providenciam as necessárias escapatórias.
O biótipo A4 não pode ficar cristalizado em forma alguma que, com a repetição consuetudinária oferece ao tipo A3, a vantagem de poupar todo o trabalho espiritual, adormecendo-lhe a alma numa estéril prática mecânica. O tipo A3 pode desejar e procurar trabalhar o menos possível para ganhar o céu, mas não o tipo A4. Lá onde o outro não percebe nada e se cansa, ele vibra e, faminto e insaciável, procura a verdade, sempre mais verdade. Ele faz pesquisas para conhecer o que as religiões não conhecem e não lhe sabem explicar: coisas que ele tem necessidade de compreender, porque são a base da vida, mas que as religiões não querem que sejam compreendidas, problemas fundamentais não resolvidos, mas eliminados com o método do mistério. O tipo A4 quer viver os princípios e, para vivê-los, é necessário tê-los compreendido. Ora, isso não interessa a quem não se preocupa em viver aqueles princípios, por ser outro o objetivo que ele pretende realizar. O método da fé cega está feito de medida para o homem A3, que fica satisfeito da sua ignorância, não possui inteligência para compreender, nem vontade para fazer esforços ascensionais.
Trata-se de duas formas mentais diferentes, das quais tudo depende. O homem A3 concebe em função do seu mundo terreno, este é o seu ponto de referência, para o qual ele vive. O homem A4 concebe em função do seu mundo super-terreno, este é o seu ponto de referência, para o qual ele vive. Para o primeiro, é coisa de muita importância quando ele assim escolher, a de se converter de uma religião em outra, isto é, de mudar de forma que para ele é a verdade, sem se preocupar com a substância, da qual se procura evadir. O fato de se converter não pode mudar o tipo de personalidade, continuando como anteriormente. Para o segundo pouco adianta mudar de forma, quando em qualquer forma igualmente falta a coisa mais importante que é a substância, que consiste em querer viver os princípios. Que pode então fazer o homem A4? Aceitar os métodos do mundo é para ele impossível, os métodos que o homem A3 construiu para si e que quereria fossem válidos para todos Então, expelido do mundo, o homem A4 não pode encontrar outra solução senão a de ficar sozinho com Deus que o pode entender. Eis então que, ao lado das religiões oficiais, feitas de práticas mecânicas, adaptadas ao gosto das multidões e esvaziadas de espiritualidade, ficam acesas só algumas fagulhas isoladas, refúgio do espírito.
Pelo fato de que essa chama espiritual representa uma atitude interior, que por fora não aparece, enquanto é a substância que anima todas as formas, o homem A3 não a percebe, porque ele enxerga só o que existe no seu plano, que é material. Só este para ele é real, enquanto o mundo espiritual para ele é irreal.
Ora, seria absurdo perseguir um ser inferior só porque ele não alcança compreender o que não está nas suas possibilidades. As condenações não educam, a perseguição desenvolve a inteligência da reação ou a sabedoria das escapatórias e da mentira. Para que condenar quem não sabe entender? Dessa forma pode proceder ilógica e inutilmente o homem A3, para desafogar o seu instinto de luta e agressividade. Mas o homem A4 não pode descer ao nível do A3, usando métodos que nada solucionam. Então que faz ele? Não impõe a solução à força, porque ao espirito não se pode chegar senão por íntima convicção e por amadurecimento. Não lhe resta senão entregar o caso a quem sabe melhor e pode muito mais do que ele. Assim respeita tudo: a ignorância ("Perdoa-lhes. porque não sabem o que fazem") da qual deriva o erro, do qual deriva o sofrimento, que representa o mestre, pela Lei encarregado da grande função do ensino. A escolha de Deus sabe funcionar por si mesma, automática e perfeita. Ela está feita sob medida, para ser entendida também pelos surdos. com a dor, sem entrar no método perigoso da luta, que só pode gerar ações e reações em cadeia, sem nunca acabar. Para que um homem sozinho, ou uma pequena minoria deles, deveria intervir contra a imensa maioria das massas humanas, quando isto não resolveria? Deus já providenciou e opera em todo o momento por intermédio da dor, que assim sabe ensinar, tudo resolvendo dessa maneira. Intervir seria atrapalhar a ação de um tratamento perfeito, que pertence só ao médico dar, porque ele é quem mais conhece, sendo o mais hábil e sabedor. O homem A4 só poderá explicar, se for solicitado, como automaticamente tudo isto funcione. É absurdo pensar que a Lei de Deus, para atingir os seus objetivos, tivesse de esperar a intervenção do homem e se colocasse ao seu dispor, sem possuir meios de realização próprios e independentes.
O homem A4 nunca agride ou polemiza. Ele deixa o método das condenações ao homem A3. Ninguém pode sair da lei do seu plano, que representa a sua natureza e da qual depende a sua forma mental. O que está embaixo está pronto a reagir contra qualquer intervenção do alto, o qual, por seu lado, com o método do Evangelho, sem fazer guerra, fica esperando que tudo amadureça, porque. pela presença ativa da Lei, não pode deixar fatalmente de amadurecer. As trevas do AS não querem ser incomodadas pela luz do S. A ignorância e a mentira do nível A3 resistem para não ser destruídas pela inteligência e sinceridade do nível A4. A culpa não é desta ou daquela religião, mas é do homem que permanece o mesmo e faz as mesmas coisas em todas as religiões. O homem A4 progride então por sua conta, protegido pela lei de evolução que o ajuda a subir. As religiões preferem a condição estática, de estabilidade das posições nas quais se baseiam, condição que requer menos esforço e representa menos perigos, que cumpre a função útil da conservação, mas que é antievolucionista, de modo que a lei do progresso de vez em quando é constrangida a sacudir aquelas posições estáticas, intervindo para que se realize a renovação da vida, que não pode ficar paralisada no seu caminho ascensional.
Neste caso as massas têm de se apoiar no homem da vanguarda A4, que com seu risco e perigo foi avançando sozinho no caminho do conhecimento e da espiritualidade. O homem A4 é dinâmico, criador, não pode ficar imóvel, apegado ao passado, para não arriscar mas trabalhar, arrastado pela paixão da espiritualidade, avançando pela ousadia da ascensão com a coragem do pioneiro. Enquanto o impulso da conservação é negativo e vai para a cristalização a velhice e a morte, o impulso da renovação é positivo e vai para o progresso, a juventude e a vida. Pela estrutura de todo o processo involutivo-evolutivo sabemos que as forças da Lei impulsionam neste segundo sentido, o que garante o sucesso dos que trabalham deste lado a falência dos que trabalham do lado oposto. Se na Terra domina o tipo A3, mais próximo do AS. o tipo A4 mais próximo do S, apesar de minoria, acaba prevalecendo, porque o favorecem as leis da vida, que querem a evolução do ser. Pela mesma lei que estabelece que o S tenha de acabar vencendo o AS, assim está estabelecido que o homem A4 tenha de acabar vencendo o homem A3. É pela própria lei de evolução que ao homem A4 pertence o futuro, porque ele está mais adiantado e avança na direção do S. As condenações do mundo não têm o poder de parar as forças da vida, que continua irremovível seguindo o seu caminho ascensional, marcado pela Lei.