Observamos nos dois capítulos precedentes o fenômeno da personalidade humana nas suas qualidades e comportamento, conforme ela pertença ao 1.º, 2.º ou 3.º dos três níveis evolutivos: subconsciente, consciente, superconsciente. Observamo-la depois na sua evolução do 1.º ao 2.º e ao 3º destes três níveis. Vimos como, pelo fato de se deslocar de um plano de existência ao outro, muda a natureza do ser, como também o seu tipo de vida e de trabalho, à medida que ele vai evoluindo. Assistimos assim ao processo de reconstrução do eu que sobe ao longo do caminho da evolução, que o leva ao AS para o S.

Vimos também que o que estabelece o tipo de destino do ser é a sua posição ao longo desse caminho, a altura evolutiva em que o ser está situado conforme pertença a um ou outro destes três níveis Vimos assim que a cada um dos três tipos biológicos corresponde um proporcionado destino, ou seja, que os três níveis evolutivos e correlativos tipos biológicos correspondem três tipos fundamentais de destino, que mudam com a evolução do ser. Muda com isso a tábua dos valores, a ética e correlativa conduta, muda o diferente grau de conhecimento e com isso a responsabilidade, porque, pelo fato de que a posição do ser na escala evolutiva é diferente segundo o tipo, é diferente também o caminho a percorrer, o tipo de experiências úteis para evoluir, o trabalho construtor a realizar, e a lei que o dirige.

Temos desta forma apresentado até aqui o problema do destino nos seus termos gerais, estabelecendo as suas bases em relação ao tipo biológico. Dentro dessas grandes linhas que dirigem o fenômeno no seu conjunto, enfrentaremos agora o problema do destino no caso particular do indivíduo, para atingir o conhecimento do seu conteúdo, também nos pormenores do caso singular, contido dentro do caso geral. Não há dúvida de que o fato do indivíduo estar situado num dado nível de evolução e correlativo plano de existência, e representar um dado tipo biológico, estabelece, a priori, quais devem ser o modelo e as características fundamentais do seu destino. Estes elementos estão ligados entre si e assinalam o tipo de caminho que o ser terá de seguir na sua vida. Mas estas são apenas as grandes margens da corrente da existência do indivíduo. Dentro dessa corrente cada um segue um caminho próprio, que representa o seu destino particular. É neste fenômeno que agora queremos focalizar a nossa observação.

Para o entender é necessário antes de tudo estabelecer qual é o nível evolutivo e o correlativo tipo biológico, porque é dentro desse quadro geral que fica situado o do destino individual do ser. É lógico que o caminho que terá de percorrer um tipo inferior não poderá ser igual àquele de um tipo médio, ou de um superior. porque os impulsos que os movimentam, as reações ao ambiente, as suas exigências evolutivas são de tipo diferente. Depois de ter estabelecido tais limites do quadro geral, que encerra o caso particular do indivíduo, para conhecer o seu destino pessoal, teremos de pesquisar qual é o conteúdo da sua personalidade na sua posição atual, seja como conseqüência e continuação do caminho percorrido no passado, seja como preparação e antecipação do caminho a palmilhar no futuro.

Assim voltamos ao estudo da personalidade humana, para aprofundar o nosso conhecimento das leis que regem o processo da sua construção e, com isso, o desenvolvimento do seu destino individual. Ser-nos-á possível, assim, chegar a conhecer uma coisa de importância vital, isto é, qual é a técnica da construção de nós mesmos, o que quer dizer conhecer o método com o qual cada um pode construir, com suas mãos o seu destino.

Para realizar a construção da personalidade, que representa o trabalho da evolução em nossa fase atual, a inteligência da vida usa o método da transmissão ao subconsciente, pelo qual experiências e soluções, pelo fato de terem sido longamente repetidas por se terem demonstrado úteis à sobrevivência, tendem automaticamente a continuar-se repetindo, pela velocidade adquirida, impulsionando o ser a prosseguir na mesma direção. Assim, o que foi vivido no passado se torna automatismo, fruto assimilado, fixado no subconsciente, na forma de novas qualidades adquiridas, que são o que chamamos instintos. Com esse método o homem, como também os animais e qualquer forma de vida, vai, com a sua experimentação, aprendendo sempre e com isso adquirindo novas características inatas, impulsos instintivos, que dirigem cada nova existência terrestre.

Não repare o leitor se às vezes temos de repetir coisas já ditas. Isto pode ser necessário para enquadrar e iluminar novos problemas, em relação aos quais elas são lembradas, mas com sentido e finalidade diferente.

Então, cada indivíduo, com o nascimento, traz consigo um impulso que o impele para uma direção já assinalada, conseqüência fatal das experiências realizadas, do tipo e velocidade das forças lançadas nas vidas precedentes. Este patrimônio de conhecimento adquirido no passado constitui a verdade axiomática oferecida pelo instinto. Ela está acima da razão e vale mais que esta, porque representa o produto de uma experimentação prática, realizada em contato com a realidade dos fatos. A razão faz pesquisas, explorando por tentativas o novo desconhecido. O instinto permanece num terreno mais limitado, porém mais controlado pela experiência e, por isso, seguro. Em substância, a ciência, quando descobriu o método experimental ao qual deve os seus mais brilhantes resultados, não fez senão imitar o método que a vida já praticava para chegar à conquista do conhecimento, que lhe é indispensável para continuar existindo. Ou melhor, poderíamos dizer que o método experimental da ciência representa, num nível mais elevado, a continuação do método experimental que a vida já usava para construir a sabedoria, da qual o ser precisa para resolver o problema da sobrevivência.

Tal impulso, a continuar na mesma direção, apesar de dificultado pelas resistências do ambiente e corrigido pela reação da Lei. o que estabelece a base do destino de uma vida, destino que assim propenderá a se realizar na direção seguida no passado. É por isso que há acontecimentos que parecem realizar-se por vontade própria. O que constitui essa vontade é a velocidade adquirida que continua impulsionando na mesma direção. Os velhos hábitos  constituem uma força com tendência a uma contínua atuação segundo a lei de causa-efeito, pela qual o ser é automaticamente constrangido a colher o fruto do que semeou. O passado, qual quisemos vivê-lo, ressurge indestrutível no presente  Poderemos corrigi-lo com novos impulsos da nossa vontade, mas não aniquilá-lo, porque um impulso, uma vez lançado, não pode ser detido nos seus efeitos, até que estes se esgotem.

desse modo,  conhecemos  o caminho ao longo do qual se desenvolve o destino de cada um. Claro que tudo isto presume a reencarnação, da qual já falamos no capítulo IV. Assim, o que acontece na vida depende do indivíduo e de como ele viveu o seu passado. O tipo de existência que nos deram os nossos pais e o seu ambiente é a conseqüência  da escolha feita pelo indivíduo ao nascer, porque por lei de afinidade ele foi levado a se aproximar dos indivíduos que possuíam qualidades afins àquelas por ele adquiridas nas suas vidas precedentes.

Focalizemos as condições do indivíduo no momento do seu nascimento. Ele traz consigo uma personalidade já feita, construída por ele mesmo, que o acompanhará por toda a vida, dirigindo-o com a forma mental adquirida, levando-o a resultados bons ou maus, mas sempre merecidos. A este dado tipo de personalidade poderão ser feitos alguns retoques, mas ninguém o poderá mudar completamente. Tal personalidade representa uma trajetória que quer continuar percorrendo o seu caminho na direção em que ele foi iniciado, vencendo as resistências que encontra. Isto é verdade a respeito do nosso passado que revive em nosso presente, como a respeito do nosso presente que reviverá em nosso futuro.

No início de cada vida tudo o que foi vivido no passado está escondido, gravado  no  subconsciente. É sobre esta base que cada nova vida continua construindo o edifício da personalidade. Como na ontogênese ou desenvolvimento do embrião, o ser resume a filogênese, ou seja percorre de novo rapidamente as fases do desenvolvimento da espécie, assim na meninice e mocidade, antes de chegar ao uso da razão, o homem se dirige com as qualidades adquiridas nas vidas precedentes, isto é, com o que foi gravado no subconsciente, percorrendo assim de novo rapidamente as fases de seu desenvolvimento, até que na maioridade, com o despertar da consciência inicia-se o trabalho da nova construção. Assim, como na sua vida embrionária, o ser vai repetindo em resumo o seu passado fisiológico, da mesma forma depois, na sua vida extra-uterina ele repete o seu passado psicológico. Dois desenvolvimentos consecutivos, que fazem parte do mesmo processo evolutivo que vai da matéria ao espírito, das mais simples construções biológicas, às nervosas, cerebrais, psíquicas, espirituais.

Observamos que essa repetição do passado se realiza de forma tanto mais rápida, quanto mais velha é a lição aprendida, o que quer dizer mais repetida e por isso melhor fixada. E ao contrário, quanto mais a lição é recente, tanto menos ela foi repetida e aprendida, e por isso precisa ser mais profundamente assimilada com uma nova repetição. Isto até ao ponto em que uma lição completamente nova na vida atual deve ser vivida momento a momento, na lenta sucessão dos acontecimentos concretos.

Explica-se assim como é que na juventude há quem se desenvolve rapidamente, revelando inteligência e qualidades superiores, porque já as possuía por tê-las conquistado no passado; e há quem se apresenta subdesenvolvido, apesar da maturidade física, porque ainda é atrasado e se encontra no baixo nível evolutivo dos primitivos. Explica-se, assim, o fenômeno dos gênios precoces, antecipadamente superdesenvolvidos. Tais indivíduos já trabalharam nas vidas precedentes para conquistar essas qualidades, que agora aparecem porque eles as possuem gravadas no seu subconsciente na forma instintiva de conhecimento adquirido, como os outros possuem na mesma forma instintiva as qualidades inferiores próprias da animalidade. Acontece, assim, que os indivíduos superdotados possuem no estado instintivo espontâneo, porque já assimilado no seu subconsciente, o que para os outros, atrasados, representa o superconsciente, isto é, uma posição adiantada que os espera no futuro e que em todas as suas formas a civilização lhes ensina, mas que eles ainda não entendem nem aceitam, e por isso têm que aprender à força. Nasce assim o poeta, o artista, o cientista, o gênio, o herói, o santo, isto é, o super-homem superdesenvolvido, no meio dos subdesenvolvidos que não o compreendem, o desprezam e condenam. É lógico que os mais adiantados, ao aparecerem na terra, encontrem no seu subconsciente, em forma instintiva, espontâneo, o que por eles já foi vivido e aí gravado; e que era os outros, que não evoluíram até àquele ponto, tudo isto represente um super-concebível a ser conquistado no futuro. Tudo depende do caminho percorrido na subida evolutiva.

É no período da juventude o homem vai acordando e revelando a sua verdadeira personalidade, latente, escondida no subconsciente. O ambiente terrestre oferece resistências, dificuldades e problemas para todos, mas cada um os vence e os resolve de maneira diferente, mostrando, com o seu tipo de reação, qual é a sua verdadeira natureza. Não há somente o terreno já feito sobre o qual se anda, mas há também o indivíduo que sobre ele anda como quer. Sobre o mesmo terreno nem todos andam da mesma forma, mas cada um de maneira diferente, conforme sua diferente natureza. Tudo depende do patrimônio pessoal que cada um transporta do seu passado, depende dos seus recursos e qualidades. Cada indivíduo não nasce nu, mas traz consigo para enfrentar cada nova vida, armazenado no subconsciente, o fruto de toda a sua experiência passada. Na sua viagem no tempo, o ser traz como que uma mala, que se vai enchendo sempre mais de nova sabedoria e capacidades. Na juventude ele a vai abrindo e tirando dela as ferramentas que ali encontra, para realizar o seu atual trabalho terrestre. No fim da sua vida, ele coloca de novo tudo na mala, modificado ou não, aumentando ou diminuindo, melhorado ou piorado, conforme ele viveu, para, com essa nova bagagem, enfrentar a vida sucessiva. E assim por diante. Cada vida é sempre uma continuação, uma conseqüência, e não se pode construir senão em cima do que foi construído no passado.

E o conteúdo dessa mala que representa a parte determinística do destino, porque estabelece a base, o ponto de partida do seu desenvolvimento, o que já foi escrito no livro da vida, e que agora continuará a ser escrito, estabelecendo quais foram os impulsos já movimentados, que agora querem chegar à sua realização. Eis como é que, chegando ao conhecimento de nós mesmos, por ter analisado as qualidades que possuímos, não somente poderemos reconstruir a história do nosso passado no qual as gravamos em nosso subconsciente, mas pelo mesmo princípio poderemos prever no futuro as conseqüências do presente, em que continuamos gravando no mesmo subconsciente outras qualidades. É possível, deste modo, predizer qual será o desenvolvimento de nosso destino, porque conhecemos os elementos que o compõem, as causas que semeamos e com isso os efeitos que delas não poderão deixar de sair. A lei de causa-efeito liga de maneira incindível: passado, presente e futuro, num único fenômeno em continuação. No passado encontramos o material já adquirido, que utilizamos para construir no presente, mas no presente podemos juntar ao velho material outro novo para construir o futuro, sempre melhor se quisermos. Eis que o homem que for bastante inteligente para chegar a entender tais princípios, poderá tornar-se dono do seu destino, construindo-o à sua vontade e dirigindo-o para onde quiser.

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Esta análise do fenômeno nos permite atingir três resultados:

1) Observando as qualidades que hoje possuímos como elementos constitutivos de nossa personalidade, sobretudo as mais expontâneas e instintivas que emergem do subconsciente, podemos reconstruir o nosso trabalho que em nós as gravou, conhecendo desta forma, o tipo de experiências vividas em nosso passado, que como resultado nos levaram à atual estrutura de nossa personalidade; podemos, por fim, conhecer o conteúdo de nossas vidas anteriores.

2) Quando sabemos o que fizemos em nosso passado, como continuação e lógica conseqüência desse velho trabalho, podemos entender qual deverá ser o novo trabalho a realizar em nossa vida atual. O conhecimento de nosso passado revelará qual a direção que tomou o caminho de nossa vida e o desenvolvimento de nosso destino, assim se-nos à possível prever em que forma ele terá propensão para continuar realizando-se no presente, como lógica conseqüência, realiza-se no futuro. 

3) Quando tivermos atingido tal visão muito mais ampla da vida, que, além dos estreitos limites de nosso presente imediato, se abre sobre o passado e o futuro, agora que conhecemos o processo evolutivo da construção da personalidade, nos será possível introduzir nele os nossos impulsos, novos e necessários, para corrigi-lo e endireitá-lo onde existirem erros, e isto inteligente e espontaneamente, antes de sermos constrangidos à força pela reação da Lei a pagar duramente com a nossa dor. Chegamos assim a poder moldar o nosso próprio destino, tornando-nos donos dele através do conhecimento, donos iluminados e não cegos arrastados pelas forças da vida. Que imensa vantagem poder atravessar o oceano da existência em evolução, sabendo dirigir o próprio navio, ao invés de ter que ficar ao sabor dos ventos e das ondas, nas trevas da ignorância, só para bater a cada passo nos rochedos do erro e naufragar, tendo: assim, de aprender qual é o caminho certo através de contínuos sofrimentos! Analisamos esse duro método corretivo da Lei em nosso livro: Queda e Salvação. Assim, para conhecer o nosso passado, seria necessário conhecer este princípio da Lei: "Onde hoje há uma dor, aí esteve no passado o nosso correspondente pecado contra a Lei"; e para conhecer o nosso futuro, seria necessário conhecer também o mesmo princípio da Lei: "Onde hoje se comete um pecado contra a Lei, aí estará no futuro a nossa correspondente dor, penitência encarregada de corrigi-lo". Dada a estrutura do organismo do todo, ninguém pode cindir a complementaridade que liga os dois elementos, culpa e sofrimento.

Aprofundemos estes conceitos. Como é possível descobrir: 1) qual é o conteúdo de nossas vidas passadas? 2) qual será o desenvolvimento de nosso futuro destino? Com qual lógica e com que técnica isto se pode realizar?

1) Exprimir: a =  causa; b =  efeito; x = conteúdo das nossas vidas passadas; c =  as nossas qualidades atuais, poderemos estabelecer a seguinte proporção:

a: b = x: c,

que poderemos ler neste sentido: como a natureza do efeito — b, nos expressa a natureza da causa — a; assim as nossas qualidades atuais — c, nos revelam x, isto é, o trabalho que nas vidas passadas fizemos para as adquirir. Assim nos será possível, avaliando os elementos que constituem a nossa personalidade atual, conhecer o valor da incógnita x, isto é, o conteúdo das nossas vidas anteriores.

2) por outro lado, se: a  = a causa; b =  efeito; c = as nossas qualidades, condições e destino atual; x = o nosso destino futuro, poderemos estabelecer a seguinte proporção:

a: b = c: x,

 que pode ser lida  neste sentido: como a natureza da causa — a, nos mostra a natureza do efeito — b; assim as nossas condições e destino atual, e as qualidades que agora adquirimos com o trabalho que estamos realizando na vida presente — c, nos revelam — x. isto é, qual será por necessária conseqüência, o nosso destino nas vidas futuras. Assim nos será possível conhecer o valor também desta outra incógnita, isto é, o conteúdo de nossas vidas futuras avaliando os elementos que encontramos em nossa personalidade, como nas condições de nossa vida é possível conhecer nosso futuro.

A chave para chegar ao conhecimento de nosso passado, como de nosso futuro, está no elemento "c", que é o único que podemos controlar com a nossa observação. Trata-se, então, de estudar a nossa personalidade em seus dois aspectos: seja nas suas qualidades atuais, com as quais ele se construiu no passado; seja nas suas presentes condições de vida e no trabalho que ela está agora realizando para adquirir as novas qualidades do futuro.

Este estudo de nossa personalidade significa um profundo ato de introspeção,  que se realiza através de um severo e sincero exame de consciência. O psicanalista poderá praticar este exame, dirigindo as pesquisas e ajudando o inexperiente na sua confissão. O homem inteligente o  poderá  praticar sozinho  observando-se a si mesmo, os impulsos que o movimentam, os resultados atingidos, o tipo de acontecimentos que prevalecem na sua vida, a direção para a qual esta tende a desenvolver-se etc. O que interessa conhecer é o valor do elemento "c", levando em conta que ele está situado ao longo de uma trajetória, da qual lhe pedimos que ele nos revele o seu antecedente e o seu conseqüente, ou seja, o nosso passado e o nosso futuro, no decorrer de nossa senda evolutiva.

 Assim o próprio sujeito poderá realizar um processo interior de autopsicanálise, pesquisando no seu subconsciente para ler o que ele mesmo aí escreveu no passado. O valor dos resultados depende da exatidão e da profundidade desse exame. O método da pesquisa para chegar ao conhecimento da incógnita x, nos seus dois sentidos, isto é, conteúdo de nossas vidas passadas, como de nosso futuro destino, se baseia na observação do único elemento que temos nas mãos e que podemos observar, o elemento c, do qual, porém, se pode deduzir todo o restante. Isto quer dizer que o exame deve ser completo, nos mostrando qual é o conteúdo de nossa vida atual, pesquisando em duas direções: 1) observar introspectivamente as qualidades da personalidade e os respectivos impulsos instintivos que emergem do subconsciente; 2) observar exteriormente as condições de nossa vida atual, o nosso comportamento e realizações, os acontecimentos com os quais se manifesta o nosso destino atual. Por outras palavras, observando o que hoje somos por nos termos assim construído em nosso passado, e observando qual é o trabalho que hoje realizamos, com o qual estamos construindo a nossa personalidade futura, poderemos prever qual é o nosso destino que para o amanhã estamos preparando. Assim, se concebermos a vida em termos tanto mais vastos, que vão além dos estreitos limites do seu atual trecho terrestre, poderemos ver um nosso maior destino, que vai amadurecendo pouco a pouco, à medida que a personalidade se vai deslocando e subindo ao longo do caminho da evolução, desde o seu ponto de partida no AS, até ao seu ponto de chegada no S.

Essas pesquisas no passado e no futuro, essas descobertas que parecem incríveis se tornam possíveis quando a nossa observação abrange horizontes que estão além dos horizontes habituais, limitados à nossa vida atual, concebidos como um momento de uma imensa vida maior, representada por uma trajetória que, como tal está sujeita a uma lei própria de desenvolvimento, a um seu percurso lógico. E o fato de conceber a vida e o destino como um fenômeno em evolução, em que passado, presente e futuro estão ligados pela lei e a lógica do amadurecimento do mesmo processo, é este fato que nos permite descobrir também as partes que escapam a nossa observação direta, como se pode fazer todas as vezes que há uma trajetória da qual conhecemos só alguns elementos, mas sabemos qual é a lei do seu desenvolvimento. E assim que é possível calcular o valor também das zonas desconhecidas do fenômeno.

É preciso entender que o processo da construção da personalidade é único, canalizado dentro do universal processo evolutivo, sujeito as regras estabelecidas; entender que é orientado dentro de um plano pré-ordenado e necessariamente orientado para um telefinalismo. Tudo isto faz parte da técnica da reconstrução do universo, da qual em outros livros temos falado bastante. A ignorância não deixa ver senão um nosso pequeno destino momentâneo, separado daquele imenso processo, isolado no vazio, enquanto tudo é lógica conseqüência e férrea continuação, como acontece no caminho de um projétil lançado no espaço. Como neste, também no destino, a posição de cada momento está ligada àquelas posições de todos os momentos precedentes e sucessivos, o presente estava contido no passado e no presente está contido o futuro, E, uma vez iniciado um movimento numa dada direção, tudo tende a continuar movimentando-se na mesma direção. Não há dúvida de que, apesar de nossa liberdade de introduzir na trajetória de nosso destino impulsos novos que o possam modificar, esta lei que estabelece o percurso de uma trajetória, uma vez que ela foi iniciada num dado sentido, representa no fenômeno um impulso de tipo determinístico ao qual todo o processo fica inexoravelmente sujeito. Com a sua livre escolha, o ser se lança no caminho da vida numa direção ou outra, da qual ele depois não poderá sair senão por meio de impulsos seus, diferentes, lançados em diferente direção. Mas até que ele realize com o seu esforço esta mudança, tudo continuará avançando na direção precedente. E mudar não é fácil. Não é fácil modificar os instintos. Eles representam u‘a massa lançada, uma velocidade adquirida, e por inércia. uma autônoma vontade de continuar, que não é fácil corrigir.

Como um projétil tem a sua trajetória no espaço, calculável segundo as suas características, assim a personalidade, no seu desenvolvimento, tem a sua trajetória no tempo, calculável segundo as suas características. Essa trajetória no tempo é o que se chama destino. Seja no espaço como no tempo, logo que aparece um movimento, tudo é consecutivo, aparece uma ligação entre antecedente e conseqüente, à qual o desenvolvimento do fenômeno fica amarrado sem saída. É por isso que o futuro, antes de se tornar presente, já está comboiado ao longo de uma linha marcada, que o prende antes do seu nascimento. O efeito está envolvido, enredado no seio da sua causa, como o feto no seio materno como a planta na sua semente. Tudo chega à existência por esse método de filiação, que é o que permite a conservação dos valores adquiridos, a continuidade no desenvolvimento, uma orientação constante no caminho evolutivo, um estado de ordem e organicidade neste imenso movimento de todo o universo. Assim nada morre e tudo ressurge nesta contínua repetição do passado. São estes liames que mantêm em unidade a imensa multiplicidade do todo. Não há existência que não esteja em movimento, em perene transformação, mas sempre dentro da disciplina estabelecida por tais princípios. Assim nascemos aprisionados pelo nosso passado, seja como indivíduos, seja como sociedade, constrangidos a andar de novo nos trilhos já percorridos, que no terreno da vida de contínuo escavamos com os nossos pés.

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Agora que conhecemos a técnica do desenvolvimento de nosso destino, nos perguntamos: que adianta, para que é útil saber tudo isto? A vantagem está no fato de que quem sabe não é mais um boneco cego, como a maioria, condenado a aprender duramente através dos seus sofrimentos, mas, pelo contrário, possui o conhecimento para escolher o caminho, para ele melhor, e com isso um meio para dirigir o seu destino inteligentemente, assim evitando erros e as correlativas dores, que cumprem a função de o endireitar. Podemos deste modo evitar tais choques com a Lei e as suas tristes conseqüências. Queremos a felicidade. Mas para chegar a ela, é necessário conhecer e seguir as leis que a ela conduzem, das quais ela depende Assim possuiremos, como já dissemos, a arte de moldar o nosso destino, o que significa possuir a técnica da construção da nossa personalidade: sabedoria fundamental, de libertação e salvação, porque ela nos permite subir para níveis de vida cada vez mais adiantados, e por isso mais felizes.

O  destino se poderia definir: o caminho que o indivíduo percorre na construção da sua personalidade. Os resultados dependem da escolha que ele faz deste caminho, conforme ou contra a Lei, aproximando-se ou se afastando dela. Agora sabemos que no destino há uma parte determinística representada pelo retorno e continuação do passado, a qual temos de aceitar à força; mas que há também uma parte livre, na qual podemos tomar novas iniciativas. Então, se o passado foi errado e hoje nos esmaga, é possível libertar-nos dele, neutralizando-o, seja deixando que ele esgote o seu mau impulso e suportando com paciência os sofrimentos decorrentes, seja substituindo aos velhos hábitos contra a Lei por outros novos, de acordo com ela. Eis o que fazem os inteligentes, os sábios. Demonstramos suficientemente que o segredo da felicidade está em nos libertar de nosso passado inferior, da animalidade, para avançar no caminho da evolução, está em nos afastarmos sempre mais do inferno do AS, para nos aproximarmos do paraíso do S. O segredo da felicidade está em saber mudar o nosso destino de involuídos no de evoluídos.

Nisto consiste o processo evolutivo  para o homem, trabalho que cada um tem que realizar com seu esforço, para si, sozinho, perante a justiça da Lei, carregando todo o peso do seu passado, mas com a possibilidade de se libertar dele, construindo agora a sua personalidade em sentido diferente. Eis qual deve ser o conteúdo da ética, a sua maior finalidade. O peso das qualidades gravadas no passado, no subconsciente humano, individual e socialmente, é incrível, é ele que dirige a maior parte de nossa vida. Qual é o nosso recente passado e o que se pode exigir de uma humanidade que ainda há pouco tempo estava mergulhada nas trevas e ferocidades da Idade Média? Tudo isto está pronto a ressurgir do subconsciente na primeira oportunidade. Vimos o que aconteceu na última guerra mundial, e todos os dias vemos como as pessoas têm gosto para contos e crônicas de crimes.

Um dos maiores perigos para a vida social é o espírito de luta, ao qual o instinto está fortemente apegado, porque a ele o ser deve a sua sobrevivência, o que é difícil de pagar. Pelo princípio há pouco mencionado, do retorno e continuação do passado, este impulso guerreiro que representa a parte determinística do destino. continua funcionando também quando ele não representa mais uma defesa da vida, mas um meio de destruição universal. Com a evolução mudam as leis que regem a vida e o que era útil pode-se tornar um perigo, o que era vantagem, tornar-se dano. Eis que no trabalho da evolução chegou a hora de mudar de caminho, substituindo, como já dissemos, aos velhos hábitos outros novos, instintos diferentes. A humanidade terá de atravessar novas experiências que lhe ensinem uma conduta diferente do passado, outra lição mais adiantada, porque com a evolução estão mudando os valores e os pontos de referência de nossa ética. No próximo futuro o herói da guerra será simplesmente um criminoso, como hoje é quem mata outro cidadão. A vida fica apegada aos velhos caminhos já bem experimentados e por isso mais seguros. Mas ao mesmo tempo a evolução impulsiona para a subida, e tal impulso representa um elemento de renovação, pelo qual a destruição do velho e a criação do novo se torna inevitável.

É verdade: até agora a guerra foi um meio de renovação, destruindo o velho para lhe substituir o novo. Um contínuo bem-estar na paz é anti-evolutivo. Ela pode ser sinônimo de inércia, a posição de um mundo estático. que envelhece e apodrece na rotina, na repetição. Mas aqui não falamos de destruir a luta e o correlativo esforço criador. mas de abandonar essa forma involuída de luta, que não sabe atingir a renovação senão por meio da destruição. O trabalho a realizar na atual fase de evolução biológica, é o de seguir os impulsos da luta criadora, mas tirando dela tudo o que a acompanhava no passado, isto é, tudo o que é violência, agressividade, destrucionismo. Trata-se de canalizar os velhos instintos, dirigindo-os para atividades criadoras, não destrutivas. Outro será o inimigo a combater, não o vizinho, mas os males que atormentam o mundo. Descobriremos, então, que a paz tem também um aspecto positivo, e não somente o negativo que vimos. É assim que poderemos ter uma paz maravilhosamente dinâmica e criadora, cujo produto não será a decadência na inércia, mas a construção do bem de todos. Este será o conteúdo das guerras do futuro.

É maravilhoso observar que o homem é constrangido a subir à força pelo impulso evolucionista. Com o desenvolver-se da inteligência e o progresso científico, a guerra a tal ponto transformou a sua técnica, que ela não será mais possível. Assim a mente humana, sem querer, porque movimentada em direção materialista, produziu condições de vida em que o pacifismo e colaboracionismo evangélicos, por milênios pregados em vão, terão agora de se realizar, se a humanidade quiser sobreviver. O instinto de conservação exigirá a realização do que até hoje foi utopia. E os atávicos produtos do subconsciente terão de se modificar gerando novas qualidades, porque experiências apocalípticas estão prontas para corrigir os velhos instintos. ensinando uma nova lição.

Todo o processo evolutivo se realiza com esse método, da substituição do velho pelo novo, por meio de novas experiências que fixam no subconsciente novos hábitos e qualidades no lugar das velhas. É assim que as leis religiosas e civis procuram fazer do homem um ser civilizado, educando-o na ordem da vida social. Aparece nesta altura a luta dos instintos do animal, impressos no subconsciente, contra essa nova lição que eles não querem aprender. Eles representam a sobrevivência do passado que volta, rebelando-se para não ser destruído. Vemos, assim, que a ética é uma luta entre a luz e as trevas, entre o futuro e o passado. O resultado é um esforço do indivíduo para se evadir de todas as leis, e do outro lado é a luta das autoridades para obter obediência, as civis por meio da polícia e cadeias, as religiosas por meio dos diabos e do inferno. É assim que as leis, ótimas em teoria, não podem chegar à sua realização prática senão em forma torcida, que as transforma e adapta às exigências do subconsciente das massas, que é o que mais se impõe na realidade da vida.

As religiões, cuja função é a de traduzir em realização prática princípios superiores que estão acima do nosso nível biológico, estão constrangidas a levar em conta esse fato da resistência do subconsciente e a ele se adaptar, respeitando as suas exigências fundamentais, porque esta é a primeira condição da obediência das massas, sem a qual as religiões ficariam teoria abstrata fora da vida. Assim, o que se encontra nos fatos é um produto híbrido em que se misturam céu e terra, o ideal com os resultados da animalidade. É, assim, que a prática é diferente da teoria, a pregação é uma coisa e a vida vivida é outra. É, assim, que os princípios superiores das religiões acabam sendo aplicados como exigem os instintos inferiores da animalidade. É, assim, que no seio das religiões aparecem fanatismo, sectarismo, intransigência, perseguição etc. Então, é o subconsciente das massas que vence e os princípios superiores que perdem. Isto porque as grandes verdades reveladas pertencem ao céu do qual descem à terra, enquanto na terra a animalidade está bem radicada no seu ambiente natural, e para que neste aquelas verdades se possam tornar realidade é necessário o consentimento das massas, que na terra, pela força do número, são bem poderosas. A involução da maioria se impõe a tudo em nosso mundo e  nada lhe escapa.

Com estas observações vamo-nos explicando muitos fatos, dos quais de outro modo não poderíamos entender, nem a gênese nem o sentido e finalidade A utilidade de tudo isto está no fato de que tal conhecimento nos permite dirigir-nos conscientemente no caminho de nossa evolução, por possuirmos a técnica da construção de nossa personalidade. A nossa vida adquire, então, uma significação superior, que a orienta para o ponto final, resolutivo do processo evolutivo. O conteúdo da vida é um processo de experimentação progressiva, que deixa uma marca perene no subconsciente, espécie de fita de gravação, e de armazenagem onde o patrimônio experimental adquirido se vai acumulando na forma de conhecimento e qualidades. Assim, o nosso eu, por essa contínua registração que vai descendo às suas camadas profundas representadas pelo subconsciente, se vai sempre mais enriquecendo, dilatando-se e aperfeiçoando-se, aproximando-se da sua meta, que é o S. Tudo o que nos acontece na vida não é mais um enigma, um mistério que está com Deus e que ninguém pode conhecer. O homem atual vai procurando explicações ao acaso, culpando isto ou aquilo, sem entender nada das verdadeiras causas de um dado desenvolvimento do seu destino.

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Continuemos a aprofundar este assunto, observando outros casos, para entender o seu significado. Com que sabedoria se dirige nas suas ações o homem antes de desenvolver as suas qualidades racionais? Como os animais, ele se dirige pelo instinto. Isto acontece com todos os subdesenvolvidos, sejam animais, sejam primitivos Tudo depende do nível de evolução atingido. Este período infantil pode ser superado, em indivíduos superdesenvolvidos, desde a primeira meninice, como pode suceder que não seja superado nem sequer na velhice, em seres atrasados. Ser dirigido pelo instinto, como já frisamos, quer dizer funcionar obedecendo cegamente aos automatismos adquiridos nas vidas precedentes, isto é, repetindo o que pela experiência passada foi gravado no subconsciente. Só depois de ter atravessado esse período de repetição automática instintiva que resume rapidamente o passado, o indivíduo inicia na fase consciente o trabalho de continuar construindo a sua personalidade. É no período da maturidade que o indivíduo, acordando de um estado como de sonho, no qual ele era dirigido pelo subconsciente, para um estado consciente, toma iniciativas novas, continuando o trabalho de construção da sua personalidade, realizado no passado e armazenado no subconsciente. É o período dinâmico das novas experiências, a fase ativa da exploração e assimilação. É uma viagem do eu que se lança fora, no mundo exterior, onde encontra choques, devora e assimila impressões.

Assim o gasto de energia da qual os jovens são ricos, acaba produzindo a sabedoria da velhice. A carga de dinamismo se transforma em psiquismo. Esta é a função da vida no seio do físio-dínamo-psiquismo que constitui a evolução. Poder-se-ia então definir o fenômeno biológico como um processo de transformação da energia em conhecimento, pensamento, inteligência. Então, o fenômeno biológico representa o trecho dinâmico-psíquico dentro do transformismo físico-dinâmico-psíquico, que é o percurso da evolução. A sabedoria da velhice é o equivalente psíquico dos valores dinâmicos da juventude. Nada se destrói, tudo se transforma. Quando o indivíduo tem esgotado as suas energias por ter experimentado bastante, está rico de novas qualidades, que valem o que ele perdeu com o energia. Na velhice o consciente adormece, se cristaliza de novo na inércia, mas o seu trabalho de toda a vida ficou filtrado no subconsciente do qual estará sempre pronto a ressurgir para dirigir o ser no futuro automaticamente,  quando o consciente não estiver acordado para realizar o trabalho de continuar, no futuro, a  construção realizada no passado.

É este período ativo, no qual o eu está acordado no consciente, o período em que se pode realizar o esforço da subida e progredir no caminho evolutivo. Os outros períodos têm funções diferentes, de descanso ou compreensão, reorganização, assimilação profunda. É o período de consciência acordada na vida, o que é o mais independente do determinismo do subconsciente, período não mais de repetição automática, mas de livre iniciativa do novo. É neste período que o livre arbítrio pode melhor funcionar, sobrepondo-se ao instinto, para corrigi-lo.

Neste período se descarrega a energia vital da juventude, que existe para essa finalidade, a da nova construção. Trata-se de uma reconstrução imensa que vai do AS ao S. Nisto consiste o processo da evolução. Cada vida representa um passo para a frente. O desenvolvimento deste processo poderia ser expresso por uma linha em forma de onda, na qual temos um período de descida, no período da velhice até à morte, e um período de subida, depois da juventude, na plenitude da maioridade, subida superior à descida precedente, de modo que o resultado final de todo o movimento ondulatório é uma ascensão contínua. Então, o período verdadeiramente ativo neste processo da reconstrução da personalidade, como de ascensão evolutiva, é o período consciente da vida, no qual é possível a livre escolha, acima dos instintos, ou retorno automático do passado. Depois desse período tudo cai nas engrenagens da Lei, que se apodera dos resultados do trabalho executado naquele período consciente, e fatalmente os dirige para as suas conseqüências, até que o contínuo transformismo não amadureça outro período de vida, ativo e consciente, baseando-se naquelas consequencias, para continuar o seu trabalho ascensional.

O desenvolvimento desse processo evolutivo poderia ser expresso também pela abertura de uma espiral, como a encontramos em A Grande Síntese, na figura que representa o "desenvolvimento da trajetória típica dos motos fenomênicos" . O período dinâmico consciente do trabalho construtivo da idade madura, em que se realiza a subida evolutiva, é representado pelo período de abertura da espiral, que expressa o caminho expansionista ascensional da evolução. O oposto período de contração involutiva da espiral, que volta um pouco para trás, fechando-se sobre si mesma, representa o período de involução e inércia da velhice, e o que foi vivido desce ao subconsciente, no qual o indivíduo o encontra gravado, como lembrança do passado, que ressurgirá amanhã. O fato de que no inicio da nova vida até a maioridade, o indivíduo será dirigido por este seu subconsciente, isto é, pelo que nele foi gravado, é representado pelo abrir-se novamente da espiral, que percorre em subida, na juventude, o trecho que na precedente velhice foi percorrido em descida, mas ele acrescentando um trecho novo em subida, que constitui o trecho que cada vida conquista no caminho progressivo da evolução. E assim por diante, até que por esse jogo alternativo de expansão e contração, mas a primeira maior do que a segunda, se pode realizar o processo evolutivo que vai do AS ao S.

Poderíamos agora perguntar-nos: por que está sempre repetida a fase de contração e retrocesso? Por outras palavras: por que existe a velhice? O que produz tais resultados é o impulso do AS, impulso negativo, destrutivo, antievolucionista, que funciona como freio do progresso em subida, porque quereria paralisá-lo. Este impulso do AS triunfa com a morte do ser, mas temporariamente, porque há também o impulso oposto do S, que logo volta e por sua vez prevalece, desenvolvendo-se em cheio com uma nova vida. A revolta gerou o dualismo, que divide o universo em duas partes: S e AS em luta entre si. Por isso a evolução é trabalhosa, porque para se realizar, ela precisa do esforço do indivíduo para vencer a resistência do AS, que quer o reino do anti-Deus, e não o reino de Deus. Tais problemas da personalidade humana não podem ser resolvidos isoladamente, como queria a ciência, mas só em função da solução, já atingida, dos maiores problemas do conhecimento.

O subconsciente representa o passado da evolução, o lado inconsciência, as trevas do AS. O consciente representa o futuro da evolução, o trabalho de construção da inteligência, a conquista da luz do S. Podemos agora entender porque a nossa existência se alterna com duas formas opostas, em luta uma contra a outra, a vida e a morte. Este conceito, que quer dizer reencarnação, se baseia na própria estrutura dualista do nosso universo e na íntima natureza do fenômeno evolutivo. Eis por que o nosso eu oscila, ora acordado no consciente, ora adormecido no inconsciente, entre um estado de luz e outro de trevas, ora na posição de vida, ora na posição de morte. Isto porque ora vence e prevalece o S, ora o AS, fontes de dois impulsos opostos.

Podemos, assim, entender o que em substância é a evolução. Ela vai do inconsciente ao consciente, cumpre o trabalho da destruição do primeiro e da construção do segundo, consistindo na conquista da consciência, ou melhor na reconquista da consciência originária. Por isso vivemos experimentando, para despertar do sono da inconsciência, fruto da queda. Por isso a vida vai do subconsciente ao consciente e ao superconsciente, do mistério ao conhecimento. prestando-se para o desenvolvimento da inteligência. O livre arbítrio que cada ser possui depende do nível da evolução por ele atingido, porque depende da medida na qual ele possui consciência, inteligência e conhecimento. Da evolução depende o grau de liberdade, isto é, de libertação do determinismo da Lei, com que esta dirige os cegos involuídos, liberdade só possível quando surgiu a consciência necessária para se autodirigir.

De tudo isto se segue que quanto mais o ser evolui, tanto mais vastos e longos são para ele os períodos de consciência, isto é, de existência em estado acordado, e tanto mais fracos e curtos se tornam para ele os períodos de inconsciência, como a velhice, a meninice, a fase de sono na morte. De fato, vemos as almas superiores ficarem com a mente acordada até à velhice e, quando se encarnam, desde a primeira meninice acordarem mais cedo do que é comum, constituindo os gênios precoces. Com a evolução aumenta a zona da consciência e diminui a da inconsciência. É a extensão dessa zona, num sentido ou outro, que nos revela o nível de evolução atingido pelo indivíduo. Na velhice há para todos um regresso involutivo, como um enrolar-se da personalidade que se fecha em si mesma, encerrando em si os  resultados do trabalho da sua vida atual. Depois chega a morte, silêncio, vida introspectiva, em compensação da sua parte inversa e complementar — extrovertida, que chamamos também de vida. Quanto mais o indivíduo é primitivo, tanto mais poderosa e real é a segunda forma de vida, e fraca, misteriosa e irreal é a primeira. Quanto mais o ser é adiantado, tanto mais ilusória é a vida terrena, e mais poderosa, real e viva é a vida extra-corpórea depois da morte. Por isso o primitivo julga a perda da vida física uma grande perda e desesperadamente luta para a conservar, enquanto o evoluído possui a sensação de que a morte não o atinge, porque não apaga o seu estado de consciência acordada, no qual ele fica vivo, apesar da morte.

Ao início de uma nova vida, o eu que, na velhice, se enrolou sobre si mesmo, fechando-se no subconsciente, se desenrola na meninice e juventude da nova encarnação, assumindo como ponto de partida da nova vida o que foi o ponto de chegada no fim da precedente. A conclusão do processo é a conquista da imortalidade. Este é o resultado final da evolução. Imortalidade de fato não é senão um estado contínuo de consciência acordada, de conhecimento da própria existência e da dos outros, de mente que percebe e de inteligência que entende. Potencialmente tudo o que existe é eterno, indestrutível, imortal. Assim também os primitivos são imortais. Mas não sabem disso, porque com a morte perdem a consciência, que os faz vivos. Tudo depende do grau de sensibilidade atingido, da própria capacidade de perceber. Quem não sabe sobreviver à morte senão em estado de inconsciência, está morto, porque não sabe que ainda está vivo. Esta também é imortalidade, mas é a da matéria, a de tudo o que ruiu no AS, imortalidade ao negativo, isto é, vida imobilizada na inconsciência da morte. A verdadeira imortalidade é a que a evolução realiza levando o ser até o S, acima da matéria até ao espírito, do estado de inconsciência próprio do AS ao estado de consciência próprio do S.

Então, a sensação da sobrevivência como capacidade de introspeção no período de desencarnado depende do grau de desenvolvimento de consciência atingido pelo indivíduo. Por isso, com esta capacidade, não é igual para todos o poder de orientar a sua nova vida, de se autodirigir no caminho da evolução. Esta, porque é conquista de consciência, é também conquista de consciente autonomia de existência. É lógico que a capacidade de introspeção, que é ato de um ser consciente, não possa aparecer senão quando o indivíduo está bastante maduro  Para os outros, os primitivos, providencia o determinismo da Lei, que com seus impulsos se encarrega de despertar quem ainda se encontra em estado de inconsciência, como a Lei quer e é bom que aconteça.

Eis então o que acontece. No período da vida todas as experiências ficam registradas no subconsciente como numa fita. Na outra forma de vida que chamamos de morte, o ser transporta essa gravação para observá-la. Essa é a fase de decantação e filtragem, de digestão e assimilação, de interpretação e compreensão, fase oposta e complementar à precedente, trabalho que antes, no meio da luta, não podia ser feito. Essa nova operação será tanto mais profunda e perfeita, quanto mais o ser for evoluído. O que liga uma vida à outra, o fenômeno fundamental que permanece constante, é essa assimilação nas profundezas do eu em contínuo crescimento. Vemos, assim, que o nosso conceito de subconsciente é muito mais vasto e completo do que o da psicanálise atual. Assim como acontece no tronco de uma árvore, cada vida sobrepõe uma nova camada às precedentes, e elas nos contam a história toda daquela existência. Cada um leva consigo o livro onde tudo foi escrito, que não pode ser apagado e pode ser lido, como poderá fazer a psicanálise do futuro. Cada qualidade, impulso, movimento no presente, não é senão a conseqüência de tudo o que foi vivido no passado. Só poderemos compreender a nossa vida se a encararmos neste sentido imenso, que a abrange em todo o seu caminho evolutivo.

Estamos presos pelas conseqüências do nosso passado, somos o que somos porque assim nos construímos nas vidas precedentes, não podemos sair de nossa forma mental já feita e ela é o único instrumento que possuímos para entender e julgar.  A nossa sabedoria atual é filha da escola que no-la ensinou. Tal é a história da formação e presença dos instintos. Há na natureza humana verdades fundamentais que todos aceitam como axiomas que, pela sua evidência, não precisam de demonstração para ser entendidos e admitidos. Por que isso? Como é que todos espontaneamente concordam nestes pontos? Isto acontece porque tais verdades ficaram impressas no subconsciente como fruto das experiências passadas Muitas das idéias que dirigem o mundo não são fruto de lógica e raciocínio, mas de instintivos impulsos do subconsciente.  Assim muitas vezes é o irracional o que dirige nossa vida, mas um irracional, cuja origem agora conhecemos e que sabemos ter o seu profundo significado. É assim que há verdades  axiomáticas tão profundamente enraizadas na mente humana, que ninguém as pode abalar; elas são as mais antigas, as mais experimentadas como indispensáveis à sobrevivência, as básicas da existência. Estas grandes verdades elementares, construídas pela vida nos níveis biológicos inferiores, continuam vigorando também no plano humano, dentro da mente racional do homem, apesar de sua inteligência e conhecimento.

Para os involuídos que não possuem ainda uma consciência para se dirigir, quem os impulsiona por um caminho certo para o seu futuro é o pensamento e a vontade da Lei. Não é ao acaso que o ser tem de progredir, mas ao longo de um caminho já assinalado, porque a evolução vai de um universo tipo AS, para um universo tipo S. O caminho já está marcado, porque é o endireitamento em subida, do caminho que, em descida, foi percorrido na fase da involução. Eis que o crescimento do eu pode-se realizar automaticamente também nos níveis inferiores, da matéria, plantas e animais, onde ainda não existe uma consciência que possa se dirigir por si próprio. O caminho a percorrer foi já assinalado no período da descida involutiva. Agora se trata de percorrer o mesmo caminho, mas na direção oposta, em subida, em vez de ser em descida. Já está marcado o ponto de partida e o de chegada, e a linha da evolução que os liga e une no mesmo processo. Não é possível uma conquista do nada, um caminho sem uma direção e uma meta.  O tipo de desenvolvimento da existência do ser já está escrito na Lei, pela qual o percurso não pode ser senão um caminho de regresso, o trajeto do AS-S.

Seria absurdo pensar que o processo evolutivo tivesse de ficar ao dispor das capacidades de compreensão do ser. O conhecimento aparece quando o ser está bastante adiantado e o mereceu pelo seu esforço e caminho percorrido. O surgir da consciência é um efeito e não é a causa do amadurecimento. E de fato, em nossa própria vida, vemos que o destino não nos explica o porquê. Só age e atua. A explicação do porquê cabe ao indivíduo encontrá-la. E ele não a pode encontrar senão quando se tornar bastante evoluído, para entender o que a Lei exige dele. Ela nada explica, mas o fustiga sempre, até fazê-lo entender a sua vontade.

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Observemos ainda outros aspectos do problema da personalidade humana e do destino.

A diferença entre o evoluído e o involuído é que só o primeiro dirige, conscientemente, a sua vida. Esta é uma sabedoria que o ser tem de conquistar com o seu esforço, como faz o menino para aprender a andar, caindo, levantando-se e caindo de novo. Mas aonde o conhecimento do ser não chega, aí funciona automaticamente a Lei, que o leva na sua corrente. Se ele introduzir nesta os seus impulsos errados a procura de desvios, a Lei o corrige com a dor. Com tal método ele por fim acaba aprendendo a nadar dentro dessa corrente, seguindo-a, acompanhando-a com os seus impulsos, movimentando-se não contra ela, mas na mesma direção dos seus impulsos. O progresso se realiza, então, não se chocando com a reação da Lei que se rebela contra as tentativas erradas, mas em forma tanto mais fácil e rápida, porque a evolução não é mais travada pela luta entre dois impulsos opostos, mas sustentada e estimulada por dois impulsos concordantes que se somam, o da Lei e o do ser.

Temos falado bastante destes dois tipos biológicos, o evoluído e o involuído. Eles representam dois extremos, entre os quais há uma multidão de tipos intermédios de indivíduos e destinos. Acontece, assim, que cada um, apesar de ligado às leis da grande corrente que arrasta a todos, pode percorrer o caminho da vida de maneira diferente, a ele particular, continuando a seguir o caminho da sua vida precedente, conforme construiu no passado Na juventude ele abre a mala que contém os instrumentos que aí colocou no fim da vida precedente, e, como os encontra, os usa na sua nova vida. Eles são os seus instintos, impulsos, as suas qualidades de todo gênero.

Nesta altura poderia surgir uma dúvida, outro ponto a esclarecer. Como de tantos destinos, que progridem juntos dentro de uma mesma lei geral que os abrange, pode cada um se desenvolver livre e completo no seu devido caminho, sem ser torcido pela proximidade dos outros? Na realidade temos muitos destinos diferentes que se desenvolvem um perto do outro, mas cada um seguindo o seu caminho particular conforme a lei do seu desenvolvimento. Como nesta rede os fios condutores de tantos destinos não se misturam cada um recebendo o que mereceu segundo a justiça, e dela ninguém pode fugir, ainda que o destino seja por amor ou ódio, bondade ou maldade. Deus não pode permitir que seja violada a justiça da Lei, pela qual cada um pode semear e colher somente no seu terreno, o que quer dizer receber apenas conforme os seus méritos e culpas, sem que ninguém se possa meter no que não é seu. E como tantos destinos diferentes, ao invés do caos, em conjunto, acabam construindo como numa tapeçaria um desenho coletivo maior, no qual cabe e se cumpre o menor de cada indivíduo separadamente? Como se pode conciliar a rigidez da lei de causa e efeito, o seu férreo encadeamento, no qual se baseia o desenvolvimento de nosso destino, com a necessidade de convivência recíproca entre destinos assim entrelaçados? E isto sem que um destino cometa violência contra a liberdade dos outros, a ela impondo-se à força. Se, pelo princípio de justiça, pagar as conseqüências atende a uma necessidade absoluta, sem possibilidade de confusão, empréstimos ou escapatórias, cada um tem de assumir as suas responsabilidades com pleno respeito a seu próprio livre arbítrio, sem que qualquer outra pessoa possa ser responsável em seu lugar. Cada um tem de pagar pelas suas culpas e não pelas dos outros, tem de ser premiado pelas suas virtudes e não pelas dos outros. Pela justiça de Deus, tudo o que nos acontece na vida deve ter sido merecido por nós, a causa deve estar em nós mesmos. É em nosso passado que temos de procurá-la e não nos outros.

Observando como se processa a evolução, vemos que ela procede por tentativas. E é assim porque o seu caminho é percorrido por um ser ignorante que, exatamente através da sua experimentação, está conquistando o conhecimento. Essas tentativas, porém, se representam uma incerteza de oscilação nas experiências, a amplitude delas está contida dentro do trilho preestabelecido pela lei que dirige o plano geral de desenvolvimento do ser. Trata-se, então, de uma amplitude limitada, de uma pequena liberdade de cometer erros, mas fechada dentro de uma ordem maior, a da Lei que, se os admite, logo os corrige e endireita pela dor.

Em  cada ação do indivíduo, concorrem junto três impulsos ou elementos: 1) a ignorância dele, da qual deriva a incerteza das suas tentativas e os seus erros; 2) o rigor da lei causa-efeito, pela qual o indivíduo está sujeito às conseqüências do seu passado; 3) a liberdade de tomar novas iniciativas, sobrepondo novos impulsos aos velhos, que, porém, a limitam, até que eles se esgotem.

Assim, no cumprimento de um destino há uma tendência que, se é irresistível, ao mesmo tempo é suscetível de se adaptar ao ambiente, ao momento, à pressão dos impulsos dos outros destinos que se vão desenvolvendo juntos e que também se querem realizar. No cumprimento de um destino há uma necessidade absoluta de realização, mas ela não é rígida e mecânica, mas uma vontade contínua, uma  pressão constante implacável, impulsionando para se realizar, de modo que está pronta para isso, logo que o ambiente o permita. Ela funciona por tentativas, mas com a maior tenacidade, aproveitando todas as oportunidades. Eis, então, que na férrea atuação da lei de causa e efeito penetra uma elasticidade de adaptação às circunstâncias do momento. Se não encontrar logo as condições para se descarregar, a pressão dessa força continuará esperando a oportunidade, mas nessa espera ela se irá concentrando sempre mais porque cada vez mais comprimida pela falta de desabafo. Assim, aquela força continuará impelindo e sempre com mais urgência no mesmo sentido, estabelecido pela lei causa-efeito, até que estourará conseguindo transformar-se em realidade, no fato concreto. Uma vez que o indivíduo, com o seu livre arbítrio, lançou tais forças, elas automaticamente caem no domínio da Lei, que as canaliza, conforme seus princípios, em caminhos dos quais elas não podem sair e que têm de seguir até seu esgotamento. O indivíduo lhes fica amarrado pois elas fazem parte da sua personalidade, do jogo de forças que a constituem. É  assim que o passado está dentro de nós, amadurece conosco definindo o trajeto de nosso destino, e nos acompanha no presente e no futuro, nos ajudando ou nos perseguindo, como merecemos.

O princípio de justiça na realização de um destino fica respeitado, porque ele depende do que o indivíduo escolhe de tudo o que encontra no seu ambiente e do uso que de tudo isto ele faz, assim como as doenças dependem da predisposição clínica do ser, dependendo, também, do mesmo ambiente microbiano geral, a doença pegará ou não. A culpa está na fraqueza congênita, conseqüência do passado, que é a que estabelece uma predisposição para dados ataques uma atracão que representa um convite para dados tipos de agressões.  São as conseqüências do nosso passado, na forma de nossas qualidades, se não as corrigirmos, o que nos faz sair vencidos ou vencedores. Assim as forças que o indivíduo no passado movimentou com sua personalidade, agora o dirigem para preferências instintivas, as quais são o que orienta e governa sua vida. Das mesmas coisas, no mesmo ambiente, indivíduos de natureza diferente, podem fazer um uso diferente, com resultados diferentes. É assim que cada um paga pelas suas culpas e não pelas dos outros; e é premiado pelas suas virtudes e não pelas dos outros.

Logo, tantos destinos diferentes, enredados no mesmo ambiente, podem apesar disso se realizar juntos, uns ao lado dos outros, sem se misturar, cada um recebendo conforme seu merecimento. Isto é possível pelo fato de que o impulso do qual depende o nosso destino é provido de elasticidade e adaptação, e ao mesmo tempo de uma poderosa vontade de se realizar, o que significa uma tendência e pressão constante, que não pode deixar de atingir o seu objetivo.