I – A Técnica das revoluções no processo evolutivo.

Quando os ideais descem à Terra, são transplantados para um plano biológico mais baixo. Observemos então que reações têm de suportar, a que transformações e adaptações devem ser submetidos, para poder sobreviver no nível evolutivo inferior do mundo; que uso em tais condições faz deles a vida para poder utilizá-los aos seus fins. Certamente é inevitável: o ideal representa um modelo de vida mais avançado e deve suportar um retrocesso, para poder subsistir naquele nível inferior, onde desce e se faz necessário para que possa avançar. Pelo fato de o impulso do progresso, em direção ao alto, procurar impor a ascensão, não significa que a realidade biológica, ou seja, a vida na Terra, esteja pronta para transformar-se. Esta realidade tem as suas leis férreas, verdadeiras neste plano, onde dirigem a vida e, de modo algum, estão dispostas a deixar-se destronar.

Por um lado, o ideal impõe justiça, honestidade, sinceridade, altruísmo, bondade etc.; por outro, a vida se baseia sobre um princípio bem diverso, a luta para o triunfo do mais forte, aí vale quem vence com qualquer processo, mesmo contra o ideal, ainda que seja injusto, desonesto, falso, egoísta, malvado etc. Se esta é a lei do animal humano que predomina na Terra, a descida do ideal, vista de baixo, pode parecer um assalto à integridade da vida, pelo menos na forma em que ela é entendida e quer realizar-se neste plano biológico. Como se conduz, em sua própria defesa, para permanecer no seu nível? A princípio resiste, reage à mudança, rebela-se; depois acaba por adaptar-se, por fim, assimilando o novo, transforma-se. Então o ideal naquele determinado nível evolutivo acabou sua função e pode descer outro mais avançado, para retomar, com o mesmo método, o mesmo trabalho, mas num nível um pouco mais alto.

Enfrentam-se, assim, em nosso mundo, o ideal e a realidade biológica, em posição de luta, cada um para dirigir a vida à sua maneira e impor-se como regra absoluta. Qualquer dos dois possui a sua moral, coloca-se como lei de vida, sobre a qual o seu próprio plano baseia a sua existência. Não é fácil, portanto, sair disto. A ética do ideal é a superação da realidade biológica, isto é, do tipo de vida vigente do animal humano, com este fim impõe o esforço para realizar a ascensão evolutiva, renegando o mundo. A moral do plano terrestre, é, pelo contrário, a da sobrevivência a qualquer custo, lutando só para isto e evitando desperdiçar energias, ao buscar aventuras evolucionistas, duvidosas superações, preferindo ficar no nível atual, conservando as velhas posições, antes confirmando e assegurando-se melhor a vida no mundo.

Estes princípios opostos não aparecem na Terra somente como teorias abstratas, mas concretizados na pessoa de tipos biológicos opostos que são o do evoluído, este representa e vive o ideal; o do involuído representa e vive a realidade biológica do ambiente terreno. O primeiro é uma antecipação do futuro, o segundo é um resíduo do passado, chocam-se no presente, é um período de transição do segundo para o primeiro. O evoluído, porque é mais avançado, cumpre, no equilíbrio biológico, a função de guia, de exemplo, de impulso dinamizante, estimulando a subir. O involuído, por ser atrasado, representa a resistência, o obstáculo ao progresso, a revolta, o impulso oposto, ou seja, o da negação.

A luta reside entre dois biótipos que personificam os dois princípios opostos. O evoluído encontra-se deslocado na Terra, que não é o seu ambiente, mas cumpre ali a sua grande função evolutiva. O involuído encontra-se à sua vontade na Terra, seu ambiente e a ele proporcionado; por este motivo, sente-se incomodado pelo ideal que pretende deslocar as bases da sua vida, defende-se como pode, bem armado para resistir-lhe. No momento atual, por ser maioria, tem razão de ser na Terra. Mas, a humanidade já entrou numa fase de transição evolutiva, pela qual, com a gradual adaptação ao novo, a sua resistência começa a ceder e se inicia a assimilação e a transformação. Só depois de compreendermos isto, podemos entender o porquê da contradição entre bom e mau, entre verdade e mentira, de que está impregnada a vida do homem atual. Nele coexistem luz e trevas; a tentativa da primeira realização do ideal aparece num mundo saturado de animalidade, tenazmente radicada no passado, revoltada e resistente.

O ideal, apesar de descer do Alto, quando chega à Terra para realizar-se, encontra-se subordinado às leis desta, ligado aos acontecimentos do desenvolvimento histórico, submetido à incerteza da tentativa que impera nas coisas humanas, ainda que no fundo do fenômeno fique o superior impulso do ideal, a sua potência e decisiva vontade de realizar-se. Assistimos, assim, a um choque de elementos opostos, o humano e o divino, com o humano obstaculizando e procurando deter-se pelo elemento humano. A força do ideal é interior, vem-lhe de dentro, porque lhe vem de Deus. A luta é desta força interior, quer alcançar o seu florescimento exterior, a sua manifestação na forma. O fato de o Alto tolerar as resistências do mais baixo não significa que o ideal seja o mais débil e, por fim, não seja vitorioso sobre tudo mais. Se estas resistências subsistem, porque formam parte da estrutura do processo evolutivo, o qual justifica ter essa forma e não outra.

A descida do ideal é um presente do Alto, é uma irradiação que provém de Deus, assim se faz imanente até aos mais baixos planos involutivos para salvar o ser, atraindo-o a si, impulsionando-o a evoluir em direção ao alto. Este impulso por si só não basta se não for secundado pela boa vontade e esforço do ser, cuja liberdade é respeitada, pode aderir ou não, de maneira a que livremente se resolva a evoluir. O esforço para subir deve ser da criatura, a justiça quer e nada se ganhe sem ter sido merecido. Por fim, as dificuldades para vencer são necessárias não só para que o esforço se realize e assim se haja ganho o mérito, mas também para que a experiência vivida ensine e por meio dela o indivíduo aprenda e construa as novas qualidades que constituem a sua evolução. Os obstáculos superados representam a resistência, na qual se enrijece o lutador, o valor do soldado no campo de batalha, a prova da capacidade adquirida, o seu diploma de honra que o qualifica para ser admitido num plano evolutivo mais alto.

Não há, pois, motivo para desencorajar-se, se por momentos o mundo vence o ideal. Este, no final sabe igualmente triunfar mesmo se no seu percurso terreno seja manchado, maltratado, mutilado, emborcado. É lógico que não possa ser diferente disso, o seu trajeto terreno vai desde a sua aparição até à sua afirmação. Para poder transformar os demônios em anjos, os anjos devem misturar-se com eles sem deixar, por isso, de serem anjos. Para iluminar melhor a terra, a estrela tem de descer até o lodo, mas não deixando de ser estrela, pelo contrário, tratando de iluminá-lo para lhe vencer a opacidade, até que o lodo se transforme em estrela. As condenações, as perseguições, as quedas ao longo do caminho, são parte necessárias do processo da descida dos ideais e da sua afirmação. Se se observa bem, descobre-se que estes impulsos negativos terminam por emborcar-se, funcionando positivamente, não contra, mas a favor; estas dificuldades têm uma potência criadora porque excitam uma reação a favor do perseguido, adquire uma auréola de martírio e, automaticamente, excita a admiração do mundo. Como isto é verdade, para os grupos humanos, de qualquer tipo, o mártir, que se sacrificou pela ideia sobre a qual se baseiam a sua existência, é mercadoria muito procurada, porque sabem muito bem que potência psicológica de proselitismo existe em favor do grupo e, portanto, da sua potência, representada por seu exemplo. A derrota de um momento, no qual o involuído é o vencedor, torna-se, por meio dele, a semente do futuro desenvolvimento do ideal, um instrumento de vitória. O homem moderno, mais astuto, enquanto vai em busca de perseguidos pelo ideal do próprio grupo, para venerá-los a seu próprio favor e para desacreditar os grupos inimigos, acusando-os de perseguidores, deveria evitar perseguições abertas, porque compreenderia a potência que existe em favor dos perseguidos e do seu grupo. Concluindo, pela sabedoria com que é arquitetado este fenômeno, é a própria derrota do evoluído e a vitória do involuído, que leva o ideal ao triunfo.

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Vamos desenvolver estes conceitos observando alguns casos nos quais se torna mais evidente a contradição entre os dois opostos, o ideal e a realidade biológica. Esta contradição se manifesta porque está escondida debaixo do ideal, no entanto, aquela realidade acaba por aparecer. Frequentemente, o ideal é usado, sobretudo, para mascarar esta outra verdade bem diversa. Assim se explica como seguindo o mesmo princípio e programa que deveria levar à união entre os seguidores, na prática, leva à sua rivalidade e divisão; então em vez de somar-se eles se destroem, o fraternizar conduz ao sectarismo e aos antagonismos religiosos. São dois impulsos opostos em luta: o do evoluído para levar à unificação na ordem (Sistema) e o do involuído que tende ao separatismo, culminante no caos (Anti-Sistema). O ideal é, neste caso, utilizado, como dissemos, para cobertura de formosa aparência, camuflar a realidade dos interesses que se escondem por baixo. Trata-se de um fenômeno que se encontra em todos os campos: religioso, político, social, nos terrenos mais diversos, mesmo de natureza oposta. Porque em todos os casos a substância do fenômeno é a mesma, isto é, não é dada pelo ideal professado, utilizado para escondê-la, mas dada pelo grupo humano que o representa; pelos seus interesses, pela luta que tem de conduzir à sua sobrevivência. Na realidade, a vida está feita de tal maneira que o mais urgente a salvar-se, em primeiro lugar, são os interesses e não o ideal. O que assegura a continuação necessária da vida não é a moral da superação, mas a moral da sobrevivência.                                                                        

Hoje, assistimos ao mesmo fenômeno, em dois campos muito diversos: por um lado vemos os seguidores do mesmo Cristo divididos em religiões diferentes e rivais, o fato das religiões adorarem o mesmo Deus não as une mas as divide; por outro lado, vemos os comunistas de todo o mundo, seguidores do mesmo Marx e Lenine, lutarem entre Rússia e China em nome do mesmo ideal. Na realidade, debaixo da bandeira dos mesmos princípios, formaram-se grupos com interesses diversos e são estes que prevalecem. Assim, o ideal se adapta e se transforma a serviço de fins mais próximos e concretos, que não têm nada em comum com ele e terminam por substituí-lo.

Debaixo da revolta religiosa de Lutero, havia um desejo de emancipação do império da Roma latina, um contraste de raças, percebido pelas massas, sem isso a emancipação não teria acontecido. Esta é a substância, mesmo que se queira justificá-la com o escândalo da venda das indulgências por parte de Roma, do qual o próprio Lutero não tinha o direito de queixar-se, pois cuidava, igualmente, dos seus próprios interesses. Por séculos, sob o mesmo Cristo, as duas partes continuaram acusando-se de erro. Em verdade, na Alemanha, a revolta foi devida à intolerância de um domínio estrangeiro, ainda que o tenha sido só no terreno espiritual, revolta compartilhada também por sua própria inimiga, Inglaterra, mas unidas ambas contra o inimigo latino comum. Para Roma, a idéia da universalidade espiritual do Cristianismo se havia transformado, praticamente, no interesse do poderio mundial do papado. Coisas que nada têm a ver com Cristo, mas, na realidade, estavam substituindo-O.

A mesma coisa, por razões similares, está sucedendo hoje em política, porque o mesmo tipo biológico, situado no mesmo nível evolutivo atual, não pode deixar de conduzir-se da mesma forma em todos os campos. Teoricamente, a ideologia comunista é a mesma na Rússia como na China, mas é percebida de formas opostas, porque debaixo dela se agitam interesses opostos. Assim, a ideia que teria de unificar, no entanto divide, porque, em realidade, funciona não a ideia mas o interesse que se esconde debaixo dela. Quando o interesse do grupo comunista coincidir com o do grupo capitalista, haverá sempre acordo entre os dois grupos inimigos, apesar da inimizade entre velhos companheiros de ideal. Eis um exemplo em que vemos a realidade biológica substituir-se ao ideal, amanhã poderá mudar. Mas hoje em 1964, é o que de fato está sucedendo.

O  triunfo, neste caso, é da realidade biológica e não do ideal. A realidade biológica está em todas as revoluções, independentemente da ideia que professam, têm o seu ciclo preestabelecido. Depois de um primeiro período de desencadeamento, estacam-se e se esgotam na fase de aburguesamento, que logo sobrevém: nela os revolucionários querem descansar e gozar o fruto de seus trabalhos e conquistas, assim aconteceu, no fim, com os seguidores de Napoleão. Esta segunda fase é, por lei da natureza, a continuação da primeira. Observaremos melhor, mais adiante, os períodos deste desenvolvimento. Vemos, hoje, a revolução russa aspira ao bem-estar do nível norte-americano, porque o bem-estar material e não ideal é a finalidade maior para o homem com de todo o seu esforço. É inútil criar ideologias que façam imposições à vida, quando esta, com suas leis invioláveis, quer seguir outro caminho. Perante a vida, a mais forte é a ideologia que cede e se adapta, transformando-se. Agora, aparece a ameaça de uma guerra atômica de destruição mundial; em vez da propaganda da evolução violenta, fala-se de conquista pacífica do poder comunista mundial, através da via eleitoral parlamentar burguesa mais cômoda. Que ficou da ideologia senão aquilo que a natureza quer para todos? Ficou a vontade de descanso e bem-estar, ao qual todo homem ou grupo aspira depois de um trabalho pesado; existe o medo da bomba atômica e da consequente destruição; existe o espírito de conservação e o desejo de paz, este, naturalmente segue à tempestade da explosão revolucionária. Então, a ideologia adormece e a vida continua a caminhar pelas suas vias.

A China afasta-se da revolução mãe, porque a sua posição e realidade são diversas. Então, a mesma ideologia é utilizada em função de outros interesses. A revolução soviética é velha, já tem 50 anos; a chinesa é uma filha sua, de 35 anos somente. A China encontra-se na fase inicial de revolução, a da revolta faminta contra a opressão da velha ordem, não na fase do ajuste e consolidação de posições no bem-estar, na qual se encontra a Rússia. Assim, às alianças de base ideológicas se vão substituindo outras de base interessada, isto é, as dos países pobres contra a dos países ricos. Sobre os princípios, faz-se um acordo entre comunismo soviético e capitalismo norte-americano, para formar uma aliança dita dos “ventre cheios” contra os dos famintos. Eis a realidade. A ideologia é coisa demasiado teórica e longínqua, criada por um pensador noutros tempos e condições de vida, para poder continuar a impor-se como foi concebida. Então nasce a discórdia e quem cede não é a realidade de que depende a vida, não é a prática, mas a teoria. E quando não cede, se desgarra.

Os ideais da China são concretos, utilitários, nacionalistas. Na meta das revoluções, hoje, está a conquista do bem-estar econômico de tipo norte-americano; em alcançá-lo reside a medida do seu sucesso e os meios são, igualmente para todos, o trabalho, a organização, a produção, a industrialização. O importante é alcançar a meta, seja pela via do comunismo ou do capitalismo, pode tornar-se um fato secundário, um problema de método. Eis como se reduz a ideologia: a uma equivalência de meios diversos, perante o mesmo fim, como a vida quer. Os princípios teóricos passam a segundo plano. Além do bem-estar econômico, da elevação do nível de vida, a China quer o que a ela lhe serve em primeiro lugar, mesmo que à Rússia não lhe sirva de nenhuma forma, isto é, quer a reivindicação de alguns territórios na Sibéria, hoje em mãos dos russos, quer a bomba atômica para poder impor-se com a força, quer a guerra mundial porque é interesse seu que os Estados Unidos e a Rússia se destruam mutuamente, para sobreviver, como senhora do mundo. Onde foi terminar a ideologia comunista? Este é o velho imperialismo de todos os tempos, é o atávico espírito de conquista de todos os povos. Assim vai terminar onde os teóricos de origem nunca haviam pensado: em lugar da união, a separação; em lugar da amizade, a inimizade entre companheiros e a amizade entre inimigos; em lugar da vitória da ideia, a coligação de todo o mundo contra a nação que busca a guerra para destruí-lo.

Esquecidas da ideologia, as leis da vida continuam funcionando por sua conta, acatadas de igual maneira por todos. A China não se dá conta que, levantando-se como uma ameaça mundial de uma guerra atômica que as suas duas potências inimigas não querem, ela constitui a força decisiva para criar e manter a amizade entre a Rússia e os Estados Unidos contra ela, hoje seu inimigo comum. As amizades mais fortes não são tanto as determinadas pelo amor, mas as devidas à necessidade de defender-se de um inimigo comum. A este mesmo fato, num campo mais diverso, é devido o atual Concílio Ecumênico, a fraternidade entre católicos e protestantes, atitude nova, surgida agora, entre velhos inimigos em religião (como a Rússia e a China, inimigos por interesses opostos sob o mesmo ideal), mas os interesses coincidem, unem-se porque sobrevive a necessidade de defenderem-se de um inimigo comum, o Comunismo. Como no caso da China, a inimizade comum contra ela dos Estados Unidos e Rússia tem a força de fazer aliar Capitalismo e Comunismo russo, também é uma inimizade comum, neste caso contra o Comunismo, que tem a força e o mérito de fazer conciliar duas religiões até ontem inimigas implacáveis. Não podemos fazer outra coisa senão admirar a leviandade do homem e a sabedoria das leis da vida.

O princípio fundamental é sempre o mesmo: unificação de elementos individuais, formação de um grupo, sua expansão imperialista. Isto é verdade para a Rússia, China, Estados Unidos, como para as religiões cristãs divididas. É verdade para todos, o princípio de que a aliança entre inimigos se produz em seguida por defesa própria, logo que aparece um inimigo comum. O que prevalece sobre todas as ideologias é esta realidade da vida; encontra-se escondida, trabalhando atrás delas. Na medida do possível, adapta-se a si mesmo, transforma-as, inverte-as e, se não pode, repudia-as e se liberta delas. Esta é a história da descida dos ideais à Terra. A vida quer, antes de mais nada, continuar e, portanto aceita os ideais quando lhe servem para os seus fins, utiliza-os, onde e até que sejam utilizáveis por ela; se não lhe servem, lança-os fora como um inútil estorvo. Aceita-os quando lhes convém para evoluir, um dos seus grandes fins; logo que esta evolução se torne demasiado arriscada para a sua existência, a vida está pronta a retroceder-se às suas posições mais atrasadas, porém mais seguras bioligicamente.

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Dissemos, anteriormente, que as revoluções têm um ciclo preestabelecido. Como elas fazem parte do fenômeno da descida dos ideais à Terra, como estamos estudando, pode ser interessante observar a técnica de desenvolvimento deste ciclo. Poderemos agora compreender a estrutura, o significado e a função biológica das revoluções. Elas representam uma tentativa da vida de realizar um salto para diante no caminho da evolução, com o fim de superar a velha ordem, para estabelecer uma nova. A realidade biológica contra a qual o ideal se choca é a velha ordem, que resiste para sobreviver.

Uma revolução para poder vencer deve apoiar-se sobre um fundo biologicamente vantajoso que justifique e sustenha, deve ser um meio de superação e de conquista de novos valores; detrás do manto teórico da ideologia, deve possuir algo de substancialmente vital, de solidamente positivo para a existência; deve, enfim, realizar-se em função da evolução, lei fundamental da vida. De outra maneira, não se trata de uma revolução, é só um “complot” com finalidade de partido, que não interessa à evolução. Assim, o tipo de ideal ostentado com palavras tem importância relativa. A vida tem uma inteligência própria, sabedoria e vontade, a ela lhe interessa – por isso permite o triunfo – o que lhe serve para os seus fins. A mecânica das revoluções é mais ou menos a mesma para cada um dos seus tipos, sejam políticas, sociais, econômicas, religiosas etc. A lei que lhe regula o desenvolvimento parece seguir um mesmo modelo.

Antes de manifestar-se, as revoluções preparam-se num período de incubação subterrânea, como de maturação no subconsciente coletivo. O primeiro movimento é teórico, abstrato, nasce no cérebro de um pensador isolado. Se a sua ideia corresponde aos desejos e serve para às necessidades da maioria, terá seguidores, será traduzida em fatos e adquirirá valor prático. A este primeiro período de preparação sucede a fase de explosão, na qual a nova ideia se afirma, realizando-se concretamente. Isto acontece em dois momentos sucessivos: destruição da velha ordem e relativo poder, implantação e primeira estabilização do novo. Neste período, a ideia é arrancada das mãos do pensador que a fez descer à Terra e passa às dos homens de ação que se apoderam dela para transformá-la em realidade. São necessários instrumentos diferentes, utilizados cada um segundo as suas capacidades, quem sabe pensar não pode ser especializado na ação, quem sabe atuar não é especializado no pensamento. Assim, o desenvolvimento da revolução conduz a outra fase decisiva, a de expansão, pela qual a ideia original se irradia, é lançada para longe, é difundida no mundo. Assim sucedeu com o Cristianismo (apóstolos que o levaram até Roma), com a Revolução Francesa (guerras napoleônicas), com a Rússia que conquistou estados satélites e a China. Depois se chega à fase de acomodação, consolidam-se as posições conquistadas, legalizando-as com estrutura jurídica própria no seio de uma nova ordem. Esta é a idade madura, também a fase de filiação, de onde nascem as novas propagações, nem sempre fiéis à ideia-mãe, mas dela derivadas, mesmo que deslocadas as posições, afastando-se em forma de cismas (protestantismo, China). Período ainda vital, de expansão, mas sobretudo de aburguesamento, de engorda, tendente ao descanso. Depois se atinge a fase final da cristalização ou de mumificação, na qual o impulso original da ideia se esgotou e tudo se imobiliza e se petrifica nas formas. Então, o ideal, que pediu à matéria a vestimenta indispensável para poder tomar corpo no mundo, acaba por ser envolvido pela sua superestrutura. O ideal é vencido pela matéria, a substância pela forma que se substitui; quando esgotado a sua tarefa, extingue-se na Terra. Com isto se encerra aquele ciclo; para continuar progredindo, é necessário começar outro, ou seja, uma nova revolução, na política para uma nova ordem social-econômica, religiosa com bases mais profundas e uma doutrina mais avançada. Assim, o novo abre caminho, vai para a frente, e a evolução se realiza. Por impulsos sucessivos, os ideais se afirmam na Terra, vencendo a velha ordem das posições já conquistadas por ela e nelas entrincheiradas para resistir, em nome de Deus, dos princípios, da justiça, da honestidade, das leis feitas, antes de mais nada, para ela.

Todos estes acontecimentos, do princípio ao fim, representam para o ser um esforço realizado exatamente para ascender no sentido em que a vida quer para evoluir. Esta, vendo-se secundada na ascensão do seu impulso fundamental, não pode deixar de encorajar semelhante esforço premiando-o. Por isso, nas revoluções pode verificar-se um aburguesamento e uma cristalização final, mesmo que isto pareça uma traição e falha. O desenvolvimento do fenômeno segue a sua própria lógica, a da vida, utilitária, não no sentindo do injusto aproveitamento, mas de alcançar, evitando inúmeros desperdícios, o máximo resultado com um mínimo dispêndio de energias. A vida impõe esforços, mas sempre em vista de uma melhoria, isto é lógico e justo, porque ela, por meio da evolução, quer ascender do Anti-Sistema ao Sistema, quer salvar o ser do mal, da dor, da morte, ou seja, de toda a negatividade sufocante, tanto mais quanto mais é involuída. É instintivo, efetivamente, que os deserdados mais atrasados não arrisquem a vida numa revolução, nem que corram o risco dos seus perigos e esforço para nada, mas o façam para alcançar condições melhores de vida. De resto, a vida faz as revoluções, para evoluir, significando melhora, subindo em direção ao nível biológico mais elevado. As próprias religiões não puderam usar outro método para induzir os fiéis a praticar com sacrifício as virtudes, senão o de prometer uma recompensa paradisíaca no além, um melhoramento de vida. É biologicamente absurdo realizar um esforço para nada, a revolução pela revolução, a renúncia pela renúncia. Um risco e um esforço só podem ser aceitos como um meio para alcançar uma vantagem que compense a luta. Ao empenho do ser de melhorar, corresponde-lhe, como é justo, uma ascensão. Mas, isto implica em um prêmio merecido, conferido pela Lei ao ser, quando foi ganho com o próprio trabalho. Os movimentos da vida realizam-se acompanhados pela balança da justiça. Eis a razão do aburguesamento. Este representa a compensação imediata, o melhoramento com o qual a vida atraiu o ser, induzindo-o ao esforço, a recompensa a quem lutou para ascender. Com isto, alcançou a sua finalidade, a de substituir a velha ordem por outra evoluída. Isto nos explica, também, como é lógico, tendo subido um degrau, de momento a vida tende ao repouso, necessário a fim de se preparar a um novo impulso para a frente. A cristalização final representa o término desse processo evolutivo, antes de iniciar um outro. Na economia da vida, esta fase representa o plano realizado e o fruto produzido, isto é, a execução de um passo à frente. Só despertará quando tiver amadurecido a hora de realizar o passo seguinte.

Assim se desenvolve a técnica do fenômeno da descida dos ideais na Terra por meio das revoluções. Descida do alto significa de mais altos planos de evolução, este é um conceito positivo. Trata-se de uma descida do que está, evolutivamente, em posição mais avançada, aos planos mais atrasados, para dinamizá-los e elevá-los mais em direção ao alto. O espírito se encontra mais alto e desce para elevar a matéria. É como uma descida do divino no mundo, um avizinhar-se do Sistema ao Anti-Sistema, para que este seja salvo. É um processo de redenção. Assim, quem se encontra mais em baixo sobe pela vertente da montanha da ascese, guiado e ajudado pela mão de Deus que do alto lhe estende.

Tudo isto nos explica por que, na primeira fase da descida do ideal, a fase explosiva, a ideia motriz que ele representa nos chega com toda a sua potência. Nela está concentrado o dinamismo do espírito, por essa razão, neste seu primeiro período, o fenômeno se nos apresenta de forma explosiva, em expansão. Nesta fase, a sua função é a irradiação. Esta tende a esgotar o impulso de origem e com isto a deter-se, verifica-se depois de haverem sido realizadas as devidas deslocações biológicas, porque a vida as recebeu e as fixou em si para conservá-las assimiladas como novas qualidades suas. Chegada a este ponto, o lançamento da ideia alcançou a sua finalidade e de momento não existe razão para que exija esforços para realizar outros impulsos à frente. Então o processo genético acalma-se. O ser executou o seu devido passo e agora pode parar e repousar, para acumular as forças necessárias e realizar um novo impulso evolutivo, consolidando-se, ao mesmo tempo, nas posições conquistadas. Assim trabalha a natureza, previdente e econômica. Para não romper o equilíbrio do processo evolutivo e a fim de poder realizar-se de acordo com os meios disponíveis, a vida procede prudentemente, por graus e, antes de ascender a um nível superior, quer confirmar as conquistas no inferior. Não se pode edificar um plano sobre outro se, primeiramente, não nos asseguramos que o precedente foi solidamente alicerçado, para poder, com segurança continuar por cima dele a construção. Assim, há na história períodos de repouso, nos quais a vida momentaneamente suspende o seu esforço evolutivo e parece adormecer. Mas, o que amadurece interiormente nestes períodos se percebe depois, quando irrompe uma nova explosão pela descida à Terra de um mais alto ideal.

Podemos, assim, traçar a linha que, na sua ascensão, a evolução percorre. O dinamismo do ideal levanta uma grande onda que conduz o homem a um nível biológico superior, àquele no qual teve início o movimento. Alcançado o ápice da subida, devido ao poder explosivo do ideal, a trajetória volta a descer, mas só até um nível mais alto do que o precedente de partida. Depois das revoluções que representam por parte da Lei uma reação evolutiva, em subida, verifica-se do lado oposto, por parte do ser, uma contrareação involutiva, em descida, pela qual tende a regressar ao nível precedente, sem no entanto alcançá-lo (nisto consiste o progresso), detendo-se um pouco mais acima, num ponto mais avançado àquele onde se iniciou o movimento anterior, nele será iniciado um novo impulso para a frente. A descida do ideal produziu pela explosão um abalo que rompeu os equilíbrios, nos quais repousava a vida, deslocando-a e impedindo que reencontrasse os equilíbrios das posições anteriores.

Assim, por exemplo, Napoleão, filho da Revolução Francesa, resolveu regressar ao modelo monárquico, julgando possível fundar com a sua família uma nova dinastia, reproduzindo a estrutura social que a revolução havia destruído. Até esse nível não se podia mais retroceder. A Revolução Francesa tinha terminado com o sistema monárquico de origem feudal, que era uma forma mental já superada. A esse plano de organização social já não era, portanto, mais possível descer. O projeto de Napoleão ruiu como tinha de ser e esse sistema foi sendo abandonado pouco a pouco em todo o mundo. Assim, nestes períodos de descida tende-se a regressar ao passado (tentativas de reconstrução monárquica em França com Luís XVIII depois da queda de Napoleão), procurando repetir os erros, os abusos, as culpas da classe que a revolução condenou e eliminou. Tentativa inútil, porque depois do abalo que recebeu, o velho sistema já não tem consistência e, se for reconstruído, prontamente desmoronará. Ao ponto de partida da revolução precedente já não se pode voltar. Este é o seu fruto. Quando tiver lugar uma nova, o seu ponto de partida estará mais alto, de maneira a poder chegar, no ápice da nova onda, mais alto ainda.

Assim, a revolução comunista na Rússia, onde ela é mais antiga do que na China, tende a aproximar-se do capitalismo do tipo europeu e norte-americano, tornado modelo mundial de bem-estar. Voltará a descer, mas vão até ao nível do capitalismo czarista. A revolução espiritual do Cristianismo, jurídica e economicamente assentada numa casta com poder político, amalgamada com o mundo, seu inimigo, do qual adquiriu as qualidades, voltou a descer em direção ao nível do paganismo, mas sem alcançá-lo. Isto só temporariamente porque, por força do impulso em direção ao alto, teve lugar uma deslocação das posições anteriores. Assim, foi abolida a escravidão e na vida social foi introduzido um sentido de justiça mais profundo. O paganismo de Roma, em 2.000 anos, evoluiu tanto para o Cristianismo que já não é possível retroceder. Se tiver de surgir uma nova revolução religiosa, como é provável que aconteça por meio da ciência, não poderá mais partir do paganismo, mas sim do nível muito mais adiantado, o Cristianismo atual, podendo alcançar, no final da nova trajetória, um cume de onda evolutiva muito mais elevado do que o alcançado, agora, pelo Cristianismo, que partiu de bases muito mais atrasadas.

A revolução russa e a chinesa não estão de acordo porque se encontram em diferentes fases de desenvolvimento. A primeira é mais velha do que a segunda. Como anteriormente referimos, a chinesa encontra-se ainda em fase explosiva, a russa em fase de estabilização. Esta já conquistou os seus estados satélites e realizou a sua expansão imperialista a que tendem todas as revoluções, como parte normal do seu processo de desenvolvimento. A Rússia chegou até Berlim, como Napoleão invadiu a Europa. A China quer chegar até Calcutá, a África, a Austrália. A revolução chinesa é uma filiação cismática da russa. Trata-se de dois processos sucessivos que recordam a desintegração atômica em cadeia. A revolução russa, em sua fase explosiva, ateou fogo à chinesa, a qual depois se tornou centro de uma nova explosão e expansão, ateando fogo a outros países. Tratando-se de dois centros de expansão, é natural que se choquem mutuamente. O resultado da mesma ideologia e impulso foi que a Rússia fez a sua revolução para si mesma, para a sua expansão no mundo, da qual a revolução chinesa é agora um efeito, a China captou o impulso recebido e o fez seu; de fato, como causa independente, agora, também faz a revolução para si, para a sua expansão no mundo. O fogo se comunica, mas cada um o consome para si, ardendo à sua maneira. O mesmo poderá suceder em outras nações com respeito à China, se esta quiser e conseguir comunicar-lhes o seu impulso revolucionário. A passagem de uma ideia de um país para outro, de acordo com as diversas condições encontradas, acaba por surgir em forma de cisma. Os filhos são uma consequência, mas nunca uma exata continuação da vida dos pais. A ideia transmite-se, depois cada um a adapta ao seu ambiente e à sua posição histórica. Se o Comunismo se expandisse, teríamos dele tantos tipos diversos quantos seriam os povos que o adotassem. Não é instintivo nos filhos separar-se dos pais para seguir uma vida própria, independente?

Uma vez lançado um impulso, este continua autônomo. Assim o ideal ecoa na Terra, comunica-se de um país a outro, emigra, expande-se. As ideias da Revolução Francesa se transplantaram para a democracia norte-americana, assim como a ideia de Cristo arraigou-se em Roma. A semente é levada longe, em busca do terreno mais adequado para dar seu fruto. Essa semente foi depois levada para mais longe, além de Roma, nos países anglo-saxões gerou o protestantismo, outra raça utilizou para as suas necessidades, em forma diferente, a mesma ideia de origem. O processo da descida dos ideais realiza-se, não só na profundidade das almas, transformando-as evolutivamente, mas também em superfície, espacialmente, invadindo o mundo; realiza-se em períodos de esforço alternados com outros de descanso, para continuar mais adiante, com outra luta, a fim de chegar mais acima, descansar e depois recomeçar de novo. Tudo isto parece-se com a construção de um arranha-céus, isto é, um plano construído acima de outro, servindo a construção precedente de base à seguinte, sempre mais para cima. Virá o dia em que o Comunismo e o Cristianismo na sua forma atual serão velhas ideias superadas, como seria hoje um movimento tipo Revolução Francesa, feito para destruir o sistema social do feudalismo. Para continuar evoluindo, o mundo necessita de outras revoluções, que partam de um ponto mais avançado, para chegar a outro ainda mais adiantado. Assim poderá alcançar formas religiosas e econômico-sociais mais evoluídas.

Os encarregados de executar o trabalho de personificar e divulgar na Terra o ideal são os tipos biologicamente mais avançados. Eles são incumbidos do lançamento de novo impulso, chamados em missão como dinamizadores da vida. Representam a ideia que desce dos planos superiores do espírito, são o fulgor de pensamento que se descarrega na Terra, em nosso mundo. Este é a matéria, feminina, passiva, que espera o homem fecundador, este se aproxima dela, numa atmosfera de destruição, para refazer tudo desde o princípio, que aceita e absorve o poder para dar-lhe forma concreta na vida. No processo da descida dos ideais, os dois elementos se unem e ficam juntos para colaborar na gênese do novo. À ideia corresponde o dever de arrastar as massas, mesmo que isto signifique submergir-se no lodo. Às massas o dever de aceitar e absorver. Enquanto a ideia apresenta e lança o pioneiro da evolução, as massas fornecem a matéria para plasmar o rebanho dos seguidores. Forma-se assim um processo de colaboração. Mesmo que lutem um contra o outro, mais ainda, precisamente porque lutam, os dois termos se abraçam. Se eles são inimigos, chocam-se, mas para conhecer-se melhor. Com efeito, ao homem do ideal o mundo oferece o martírio, porém, logo depois de ter feito dele uma vítima, glorifica-o e o venera. Assim se explica a contradição humana pela qual a perseguição é o precedente natural e habitual da aceitação e exaltação. Isto não é contradição. Trata-se só do choque entre dois termos opostos, de dois momentos diversos e necessários do mesmo fenômeno. Este se desenvolve num encadeamento lógico de causas e efeitos; por fim, do incandescente impulso de origem não restam senão as consequências fixadas na forma de vida. Isto, precisamente, a vida quer, porque a finalidade da descida do ideal foi alcançada, a de realizar a evolução. Num mundo em que a existência consiste num continuo vir-a-ser, nenhuma posição definitivamente estática é possível e nenhum ser pode permanecer fixo em condições de imobilidade. A descida dos ideais realizada em ondas sucessivas marca o ritmo do universal processo evolutivo, anima-o e o sustém, para que eleve e arraste tudo até Deus.

II – O Evangelho e o mundo

Continuemos observando a luta entre os dois termos opostos: o ideal e a realidade da vida, cada um deles representado pelo seu biótipo – o evoluído e o involuído –, cada um com a sua moral: por um lado a da superação, apontando a planos superiores de evolução, por outro o da sobrevivência na Terra, consolidando-se e radicando-se. Trata-se de duas concepções opostas, ou se vive em função da Terra, isto é, da vida presente no mundo, aderindo-se a ele, ou se vive em função do céu, isto é, de outra vida futura, situada num mais alto nível biológico. Neste último caso, descuidam-se as realizações imediatas, com vista às mais longínquas, como faria o homem econômico que trabalha e leva uma vida modesta no presente para poder um dia gozar de um futuro folgado. A existência presente não é um fim em si mesma, mas serve somente como preparação para outra melhor. Esta foi a concepção da Idade Média cristã e das religiões. Só com as teorias da evolução e da reencarnação se tornam racionalmente aceitáveis semelhantes conceitos. Eles surgem, sobretudo, quando as condições de vida são tão duras, que se é induzido a buscar uma fuga do mundo, tornado feroz selva inabitável, a procurar uma evasão e compensatória para, pelo menos, sobreviver nalgum lugar. As coisas do mundo não são más, mas quando se faz delas um mau uso, ficam envenenadas por este uso, de maneira que a vida as repele. Neste sentido Cristo faz-se inimigo do mundo. Se hoje o instituto da propriedade é combatido, porque, de tão justo e natural, tanto que também os animais o conhecem e admitem, comete-se tanto abuso, que pode tornar-se um mal permitir-lhe a posse.

Na Terra, podemos constatar a presença de duas morais opostas. Pode-se sacrificar a sobrevivência pela superação, isto é, a vida presente para ganhar a vida futura. Como se pode sacrificar a superação pela sobrevivência, isto é, a vida futura para gozar a vida presente. As duas vantagens, ao mesmo tempo, não se podem obter. Sobre estes conceitos se baseia a moral das religiões, sobretudo do Cristianismo, No entanto, falando elas somente de céu e de paraíso não dão uma explicação lógica e ponderada, deixando um problema tão vital no estado nebuloso de fé, enquanto ele aparece claro, com a teoria da evolução. Todo indivíduo escolhe um ou outro caminho, segundo o ponto de referência em direção ao qual a sua natureza o leva. O imaturo é atraído pelo mundo, nele encontra o que gosta e lhe serve para realizar-se. Quem está maduro para dar o salto à frente, em direção a um superior nível evolutivo, não é atraído pelo mundo, onde não encontra o que busca e lhe serve para realizar-se. Assim, vira-lhe as costas e acha noutra parte, onde possa melhor permanecer segundo a sua natureza.

O contraste das posições faz que onde um afirme e o outro negue, onde para um há vantagens, para o outro há perda. Cada juízo e apreciação depende da posição que se assumiu. Passando de uma a outra se inverte a tábua dos valores. É lógico que seja assim, porque o relativo é a nossa dimensão, na qual vivemos. As mesmas coisas podem ser vistas em função do céu ou da Terra, levando a conclusões opostas.

Que sucede, então, quando os ideais descem à Terra, onde naturalmente são vistos e entendidos em função desta, segundo o ponto de referência humana? Que faz o involuído com o material destinado aos maduros que querem afastar-se da Terra? A sua vida será uma negação contínua das coisas do espírito, enquanto a dos maduros será uma negação contínua das coisas do mundo. No mundo, a maioria é do tipo involuído e, de fato, não encontramos o ideal, sim, a tentativa de inversão do ideal; em lugar de uma elevação e santificação em direção ao alto, encontramos um seu abaixamento e corrupção em direção à animalidade. Observemos este fenômeno para dar-nos conta de que, por detrás das teorias e das palavras, vemos existir contradição nos fatos, de outro modo não saberíamos encontrar uma razão. Este é o ambiente, no qual o evoluído deve estar imerso, para a sua santificação, um mundo carregado de animalidade; este mascara tudo o que é espírito para sufocá-lo e dele libertar-se. Dada a diversa moral do mundo e as suas finalidades, aqui é natural que o ideal seja tomado em consideração somente para torcê-lo e adaptá-lo. Aqui, é um estranho, um intruso, que pretende impor a sua lei em casa alheia. Ele representará o futuro, mas no atual grau de evolução na Terra, representa uma deslocação anacrônica, algo fora de lugar, em contraste com a realidade da vida. Que pretendem fazer os anjos no reino da animalidade? Que diriam eles, se representantes desta pretendessem colocar-se no céu, até ao seu mais avançado nível de evolução, para impor ali as suas próprias leis atrasadas?

Tomemos o caso do Evangelho. Observemos como ele pode aparecer, visto com os olhos do normal tipo animal-humano, bem arraigado no seu nível biológico, com a sua correspondente forma mental, que o leva a julgar tudo em função da Terra, seu ponto de referência. Para este, fechado dentro desta realidade, o Evangelho parece um absurdo contra o qual a vida se rebela, são os instintos que lhe impõe esse rebelar-se. Este absurdo lhe é pregado, proposto como exemplo de coisa superior, imposto para seu bem, enquanto a realidade da vida lhe diz algo bem diferente, ou seja, tudo isto significa sacrifício, renúncia, sufocação, dor. A compensação que justifica tanta perda está longe, nebulosa, situada no além, somente objeto de fé, não controlável. Será, pois, verdade? A vida nos ensina que é melhor não confiar.

No entanto, também a Terra tem a sua lógica, a sua moral, as suas leis, estas costumam aplicar duras sanções a quem as viola. Se no céu há um castigo para quem faz o mal, na Terra há o castigo para quem, com o fim de fazer o bem, deixa-se esmagar. Aqui, importa não o bem ou o mal, mas a força e a astúcia para vencer, não a justiça. Aqui, comanda a lei da luta pela vida e quem não lhe obedece é severamente castigado. Cristo foi morto porque violou as leis da Terra e o fez na casa delas onde elas dominam, ali desceu, vindo da Sua, situada bem longe, nos céus. Desafiou o mundo e este lhe fez pagar caro, pela Sua revolta; respondeu-Lhe matando-O, demonstrando com isto ser o mais forte na própria casa e, como tal, ter direito à obediência. Se as leis do céu castigam o violador com o inferno, as da Terra o fazem com a morte. Se Cristo quis viver, teve de fazê-lo fora da Terra, indo embora e ressurgindo noutro tipo de vida, nos céus, enquanto aqui em baixo ficaram vivos e vencedores os seus inimigos. As leis do inferno, como as da Terra, não ultrapassam os seus limites, mas dentro destes, aí são donas absolutas. As compensações extraterrena não interessam ao mundo, onde estas vitórias sobre-humanas são uma fuga da vida, porque a vida terrestre representa a vida toda. Para os terrestres as contas saldam-se em seguida, na própria Terra, não lhes importando o céu e as suas superiores compensações futuras.

Trata-se de duas leis e morais opostas, que se negam reciprocamente, e cada uma em casa própria castiga quem segue a lei e a moral da outra parte. Aquilo que para uma é culpa e portanto castigado, para a outra é virtude, e portanto premiado. O prêmio no céu é então pago com o castigo na Terra, mas também o castigo no inferno é compensado com um precedente gozo na Terra. Assim se explica como tantos preferem tomar, antes de mais nada, as satisfações terrenas mais imediatas e tangíveis para não perder o certo pelo incerto, dado que não se pode usufruir simultaneamente de duas morais opostas.

O engenho humano não parou por este motivo. Na tentativa de usufruir de ambas, surgiu a escola das adaptações, especializada na função de conciliar os dois opostos, para extrair vantagem de ambas, diluindo em soluções suportáveis somente uma determinada percentagem do Evangelho, de modo a ir assim para o céu sem grande incômodo. A louvável tentativa não deu como resultado senão um produto híbrido, que não é nem céu nem Terra, mas sim um céu que se mentiu e se corrompeu na Terra; uma Terra que, em lugar de sanear-se, procura corromper o céu. Por isto pode verificar-se: quem gosta de fazer coisas com seriedade ao seguir a Cristo e ao Evangelho, encontra-se condenado não só pelo mundo, seu natural inimigo, mas também pelos acomodados bem-pensantes que em bandos se aninham dentro das religiões. Pode suceder que o verdadeiro cristão se encontre isolado, contra a corrente, repelido pelo mundo e olhado com suspeita de não ortodoxia pelas religiões adaptadas à forma mental terrena da maioria. Não foi Cristo crucificado precisamente por isto, por uma religião que havia acabado por representar os interesses terrenos? Ele era inimigo do mundo, não da religião. Se esta O condenou foi porque estava representando o mundo, inimigo de Cristo. Assim se explica a contradição pela qual pode acontecer que o santo seja condenado em nome de Deus, precisamente por aqueles que se declaram Seus ministros. Se Cristo tivesse sido somente um teórico idealista o Sinédrio não se teria incomodado tanto por Ele. Mas a reação foi grande porque a pregação de Cristo tocava interesses vitais de sobrevivência e ameaçava os alicerces materiais do clero de então.

Isto permanece verdadeiro para todos, grandes e pequenos, pois a lei do fenômeno é a mesma e repete-se em cada caso. A descida dos ideais não pode ter lugar senão através do sacrifício de quem procura realizá-la, porque tudo na Terra se coliga contra ele; martírio que lhe inflige o tipo dominante de involuído, inclusive em nome de Deus (Sinédrio) e da justiça (Pilatos), isto é, por aqueles que, professando-se defensores do ideal, o usam invertido, mostrando-nos o uso que se pode fazer dele, na Terra. O mundo rebela-se contra os ideais que o incomodam; quer a religião ajustada com um trabalho milenário às suas comodidades, uma religião feita de práticas exteriores que, depois de satisfeitas, não impedem fazer os negócios e interesses de cada um, sem se dar conta, demonstram não saber o que é religião, isto é, não entender de substância e sim de forma.

Pode suceder, deste modo, um fato estranho. Quando se trata de problemas religiosos, a reação e condenação contra qualquer erro é tanto mais provável e decidida quanto mais, com as teorias, são atacados os interesses humanos. Cada grupo humano, em geral, é induzido a conceber a ideia inicialmente em função da sua utilização terrena. Serviria de outro modo, na Terra? Não se saberia o que fazer com ela. A quem vê a ideia em si mesma, pela sua realização, e não em função da sua utilização terrena, é repelido porque vai contra a corrente, é condenado como inimigo do ideal, quando, na verdade, é o seu melhor amigo. O erro nasce do fato de o Cristianismo querer representar Cristo, na verdade, fez uma adaptação a si mesmo, como o mundo fez de Cristo seu inimigo. Então, é amigo da religião quem está do lado do mundo e não quem está do lado de Cristo e, na Terra, não pode ser senão assim. Por lei biológica de conservação, para qualquer grupo humano o que mais interessa não é tanto o conhecimento ou a verdade, mas a defesa da própria posição terrena. Defendem-se os altos princípios quando levam à posição do “eu comando” e, portanto, do “tu obedeces”. Isto é o que mais importa. O ideal é um meio mais do que um fim. Não se discute sobre a autoridade própria e a obediência alheia. Se tu obedeces, então és bom, de boa moral, louvável e premiado. Se tu te colocas na posição de “eu comando”, certamente desencadearás imediatamente a batalha entre rivais no poder, mesmo que hajas atuado para não ceder às acomodações e para salvar a integridade da ideia.

Quando o homem disser a respeito de Deus: “Eu sou o Senhor, teu Deus, e não terás outro Deus senão a mim”, expressou um pensamento próprio, antropomórfico, imaginando para si um Deus feito à sua imagem e semelhança. A base de cada posição consiste em assegurá-la, eliminando os rivais. Esta é a lei do grupo e o direito do seu chefe. É ortodoxo quem é praticante, mesmo que não creia, quem trabalha a favor do grupo ainda que não lhe interesse a ideia; pode parecer herege quem se apaixone por ela, pela pesquisa da verdade, pelo progresso espiritual, quem sente a febre das conquistas superiores, sobretudo se, por amor à verdade e honestidade, mostra lacunas para eliminar defeitos. Quem não nos apoia e não se coloca de nosso lado, julgamos inimigo da verdade, a nossa é aquela sobre a qual se baseiam os nossos interesses. Este conceito, na Terra, é a base dos juízos, da razão ou do erro, da aprovação ou da condenação. A idéia de verdade e de justiça está na Terra, ligada à do poder do soberano que as outorga. É verdadeiro e justo o que lhe agrada e serve ao seu interesse; tudo dele se obtém, em obediência. Se esta é a forma mental humana que se construiu na sua história, como impedir que esta representação antropomórfica sobreviva nas religiões? Assim esperamos obter algo de Deus não por princípio de justiça e de merecimento, como quer a Lei, mas exigindo de Deus, por um caprichoso favor, tentando torná-lo propício, subornando-O com sacrifícios e ofertas.

Há uma grande diferença entre aqueles que criticam a religião com espírito agressivo, de destruição, e os que notam a sua posição atrasada para que tudo progrida e melhore. No entanto, ambos os casos são confundidos e, frequentemente, recebem o mesmo tratamento. É o caso de Savonarola. Fala-se inclusive de reabitá-lo. Na Terra, quem não apoia e participa é julgado inimigo. Vê-se, assim um ataque onde não existe. Tal é o espírito de luta com o qual se rege a sobrevivência do grupo armado em defesa própria, que luta até quando é levado a reagir contra qualquer dissidência, mesmo se estiver a favor dos princípios sobre os quais se baseia o próprio grupo. Não há nada que irrite tanto os acomodados como denunciar as razões das suas acomodações. O interesse maior de quem utiliza o ideal para finalidades terrenas é precisamente o de esconder este fato e o de fazer ver que segue fins espirituais. Como se pode harmonizar quem quer fazer as coisas seriamente com quem se limita só às aparências? É verdade, o primeiro tipo aparece perante o segundo como um grande perturbador, que urge eliminar. Aquele incomoda mais do que os ateus materialistas, mais fácil combater, porque eles se colocam em posição de inimigos; ainda fala em defesa dos mesmos princípios, convidando a observá-los. Assim, o melhor amigo do ideal é tratado como o seu inimigo. Não foi este o caso de Cristo? Cuidado com o lamentar-se da falta de religiosidade das religiões. Por ser verdadeiramente religioso, torna-se condenado por irreligiosidade.

Por outro lado, que fazer se a forma mental humana não sabe conceber nada, mesmo quando se refere a Deus, senão em função da sua utilização terrena? Na prática, agrada mais ao grupo o espírito sectário que o defende e a intransigência contra os outros grupos. O resultado é este, quem não pode limitar-se dentro desta psicologia é obrigado, para permanecer religioso, a isolar-se, eliminando as formas exteriores que, encerrando o indivíduo num grupo ou noutro, exigem-lhe tudo isto. Assim, ele acaba por ficar só com Deus, seguindo uma religião não de palavras mas de fatos, não de forma mas de substância. Trata-se de casos excepcionais que não interessam às massas, estas não sabem funcionar senão como rebanho, formado de indivíduos aos quais não podem ser concedidas semelhantes liberdades, porque carecem de consciência, autocrítica e sentido de responsabilidade, de conhecimento e de qualidade do evoluído.

No entanto, a tais seres, expulsos das filas, é confiada a função evolutiva da realização dos ideais que descem à Terra. Por isto, Cristo se encarnou, para impulsionar à frente a humanidade, para que no mundo se começasse a aplicar a lei de um nível biológico superior. Ele foi um pioneiro da evolução, em posição de vanguarda, uma antecipação de nosso futuro, porque evoluir é uma tremenda necessidade da vida. Todos os seguidores de Cristo são os seus colaboradores neste imenso trabalho. Esta é a função biológica do ideal, o significado da sua descida na Terra.

Ora, o que faz o indivíduo, em particular, decidir na escolha de um ou de outro destes dois caminhos, isto é, o do ideal, por ele sacrificando a vida no mundo, ou o do mundo, desfrutando do ideal para a própria vida? Esta opção é oferecida a todos, mas as respostas são diferentes. Há quem se sacrifique pelo ideal e quem o prostitui e faz comércio com ele. O indivíduo pode escolher entre a verdadeira e a falsa religião, entre a de substância, muito cansativa, mas feita para ascender, e a da forma, cômoda, mas feita para perder tempo. O que decide é a natureza do indivíduo, ele se sente instintivamente atraído por um lado ou pelo outro, está mais a gosto num ambiente do que noutro. O involuído vai para um lado onde está todo o mundo pronto a recebê-lo. O evoluído vai para o outro onde Cristo espera estes solitários incompreendidos. Os dois tipos se separam. Um dos dois caminhos vai em direção à Terra, o outro vai em direção ao céu. Parece o primeiro dirigir-se ao céu, mas o importante não é a aparência e sim a substância. Há indivíduos que se encontram perfeitamente à vontade onde outros se sentem sufocar. Quem gosta de usar a sua inteligência para obter imediatas vantagens terrenas, mesmo que prostitua o ideal, obtém-nas e é compensado pelo seu trabalho e valor. Mas existe também quem não pode, não sabe fazer tão mau uso da sua inteligência e se sente inclinado a utilizá-la para fins mais elevados. Então, elege o ideal e alcança compensação, não na Terra, porque não é esta a sua sede, aqui que lhe pode ser pago semelhante trabalho e valor. Tais evoluídos são poucos, porque as religiões estão feitas para as massas e devem conformar-se em levar um pouco mais adiante a animalidade humana. Trata-se de um trabalho elementar e pesado, o de disciplinar e educar o animal para transformá-lo num homem. O evoluído não pode deixar de avançar sozinho, mesmo que se mostre obedientíssimo, independente em substância, como é o espírito, fiel ao ideal, mesmo que a sua religião para ser mais próxima de Deus possa parecer ao mundo irreligiosa e herética. Em qualquer sociedade, quem se encontra fora dela, porque está por cima ou por baixo da média normal, a que faz a lei, é sempre segregado e um condenado, seja porque está demasiadamente  adiantado (o super-homem), seja porque está demasiado atrasado (o delinquente).

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Voltemos ao caso do Evangelho. Que acontece quando se encontra perante o mundo, quando representa a lei de um plano evoluído superior e vem conviver aqui, entrando em choque com o mundo, plano evolutivo inferior? Que reações se desencadeiam? Trata-se de um choque entre elementos e impulsos diferentes, com determinadas reações estabelecidas por leis que regulam o fenômeno como nas combinações químicas. Ninguém nega a beleza do ideal. Mas, que sucede quando queremos aplicá-lo no ambiente terrestre? O ideal exige honestidade, bondade, altruísmo, desinteresse, justiça, isto é, sacrifício do indivíduo em benefício dos outros. A lei da Terra fala bem claramente: só ao mais forte, que sabe vencer com qualquer meio, pertence o direito de viver. Ao débil reserva-se somente ser escravizado, explorado, devorado e, por fim, eliminado. Ora, não importa por que princípios superiores, na Terra, o Evangelho quer colocar o indivíduo nesta posição de débil; desarma-o, impõe-lhe a não resistência, mesmo que seja forte e o assaltem, não pode agredir, até ser devorado e eliminado. Resumindo em poucas palavras, que o mundo entende, à força de virtuosas renúncias para si e generosas concessões ao egoísmo dos outros, o Evangelho quereria fazer do indivíduo este tipo paciente e golpeado que na Terra, para se aproveitarem dele, é o mais procurado, o cordeiro, com cujas carnes, banqueteando-se, os lobos podem engordar. O Evangelho diz: “Vai à floresta cheia de feras, mas sem armas, para abraçá-las e amá-las”. Mas as feras querem a sua carne para devorar, não o seu amor e apressar-se-ão em destruí-lo. Como respondeu o mundo ao convite evangélico? Conhecendo o seu ambiente, não perdeu a cabeça. Respondeu, usando o Evangelho como bela teoria, para pregá-lo, tanto mais que ele podia ser utilizado para transformar os lobos em cordeiros e assim engordar melhor, banqueteando-se com as suas carnes.

Se queremos compreender o que acontece na Terra, devemos referir-nos às leis biológicas até aqui imperantes e não às estruturas metafísicas a elas sobrepostas, situadas fora dessa realidade. Esta nos ensina que a vida, no ambiente terrestre, não se baseia na bondade e justiça, mas sobre a força e o engano. Qualquer vantagem que se queira obter é extraída com estes meios, porque de outra forma ninguém a concede. Sobre estas bases, de fato se apoiam as relações com o próximo, isto é: “devora a teu próximo, se não queres que o teu próximo te devore”. Cada um poderia replicar: “Se eu escuto o Evangelho e o sigo de verdade, quem defenderá, depois, a minha vida? Ele, em compensação, oferece-me o paraíso, mas na Terra me deixa morrer. Tratará da ascensão a um plano de vida superior, mas eu devo primeiro viver a minha vida no nível evolutivo atual”. A religião, com efeito, pede sacrifícios com vista a benefícios longínquos, mas nos oferece o mais urgente, a proteção na luta pela vida? Poderá santificar-nos depois da morte se isto serve aos seus fins e se há quem esteja interessado nesta santificação. Tudo isto de nenhum modo nos ajuda na vida, depois de morto nada pode acrescentar ou tirar ao que de fato se é perante Deus.

O Evangelho diz: “não sejas egoísta, pensa nos outros antes de pensar em ti mesmo”. Mas ele pode responder: “os outros pensam em si mesmo em vez de mim”. Então, tudo se resolve numa espoliação. O dano é imediato, tangível, e a recompensa longínqua, misteriosa. Como, pois, dadas as leis da vida que vimos anteriormente, o indivíduo não deve rebelar-se a isto que pode parecer um atentado à sua vida? Como pode o seu instinto utilitário, anteposto pela natureza para sua conservação, aceitar uma mudança tão incerta e arriscada? Primeiro viver, depois evoluir e não deixar-se morrer para evoluir. A vida em função dos seus fins é prudente e econômica, não admite, portanto, tais desperdícios de valores. O instinto de conservação foi-nos dado por Deus para continuar vivendo, será que nós, para conquista dos ideais, deveremos violá-lo, com o belo resultado de deixar-nos matar pelos piores, que ficam vencedores, estimulados ao mal por nós mesmos? Pode Deus pedir-nos que busquemos, voluntariamente, semelhante suicídio? É verdade que não nos matamos, mas isto, além de um convite a fazer-nos matar, procurando a morte ao colocar-nos em condições de ser liquidados, também, os demais ao homicídio? O Evangelho pode significar culpa de suicídio para nós e de homicídio por favorecer os outros a vivê-lo, com isto se chega à liquidação dos bons e a uma seleção de maus. Se os lobos o destroem, a culpa é também do cordeiro que se oferece como sua vítima. A luta na Terra é lei, a defesa, um dever, tanto que a vida castiga com a morte a quem não o cumpre.

O impulso da evolução, a atração para Deus, poderão prevalecer em indivíduos excepcionais, chegados ao limite onde explode a hora da superação, por haver atravessado todas as experiências humanas. Para as massas, submersas ainda na animalidade, pedir semelhante sacrifício representa destruição de vida, porque o involuído, além da sua vida terrestre, não sabe ainda conceber outra vida superior. Ora, esta é a luta entre Evangelho e o mundo, o primeiro por ser aplicado aos imaturos, não pode manifestar-se senão como força negativa, a da destruição da vida inferior, a do animal, sem podê-la substituir pela superior, a do homem e super-homem, porque para o primitivo a vida é vida e nada lhe fica se a tiramos. Assim, na Terra, realiza-se do Evangelho a parte que é negação da vida, do nível animal do homem atual, enquanto não atua a parte que é afirmação de vida num plano evolutivo mais alto. A vida não pode aceitar um Evangelho que na Terra se apresenta em forma antivital, em relação ao ambiente, como perda e não como benefício, como negação e não como afirmação. Se o ponto de referência não é mais a Terra, mas o céu, então a negação se torna afirmação e vice-versa. Também o involuído possui a sua afirmação,a favor do mundo, anti-evolutiva, e prefere permanecer atrasado no seu nível, sem arriscar-se em aventuras evolutivas para as quais só o indivíduo maduro é capaz de fazê-la. Ele não pode sair, repentinamente, do baixo nível da sua animalidade que constitui a sua natureza, a sua sabedoria e toda a equipagem de que dispõe para poder continuar vivendo. Não se podem transportar as feras para fora da floresta onde vivem como tais, com a sua aptidão e como exige a sua vida; transportá-la para um ambiente civilizado significa matá-las.

De tudo isto se poderia concluir: a proposta que o Evangelho faz ao mundo não é aplicável, coletivamente. Até que isto não suceda, ao pioneiro isolado não lhe resta senão o martírio, o ambiente a ele hostil e a fuga com a morte. O seu sacrifício o eleva, mas na Terra o mata. A economia da vida terrestre baseia-se em outros princípios. O Evangelho é realizável no mundo em forma estável somente num regime de reciprocidade, onde cada um, por lhe ser indispensável para sobreviver, recebe uma compensação do que faz com o seu sacrifício para o bem dos outros. Mas, se esta reciprocidade não existe, o Evangelho significa sacrifício somente para quem o aplica, aproveitando-se dele quem recebe e não lhe corresponde.

O resultado é este: o Evangelho, isoladamente vivido na Terra, leva à sufocação do indivíduo. Isto poderá constituir um supremo holocausto, uma sublime conquista evolutiva. Isto poderá interessar ao indivíduo maduro que está pronto a superar o atual nível biológico para dele evadir-se a outro mais avançado. Mas, estas coisas estão fora da realidade da vida, como para maioria no ambiente terreno, a qual nem sequer as examina. Tais problemas aqui tratados são, na prática, resolvidos facilmente, ignorando-os e nem sequer pensando neles. A vida não pode prosperar, alimentando-se do sacrifício próprio a favor dos outros e de abnegação para si. O que é vida para uns porque se aproveitam, é morte para quem vive em função dos outros, em vez de si. Onde há um que manda deve haver quem obedeça; onde há um que goza deve existir o que paga essa satisfação; o direito de um se baseia sobre o dever do outro. A generosidade e o altruísmo, como no caso do amor materno, têm na vida finalidades definidas, calculadas por ela e não se podem generalizar. Quem evangelicamente se carrega de deveres, oferece aos outros oportunidade de se investir de direitos. Quanto mais virtuoso e bem-educado é o indivíduo, mais espaço oferece aos viciosos e mal educados. Enquanto um se retrai, o outro avança. O altruísmo de um serve ao egoísmo de outro, dano ao primeiro e vantagem para o segundo.

O Evangelho poderá tornar-se uma norma de vida na Terra e não ser somente um método de fuga para os evoluídos maduros se emigrarem para mundos mais avançados, quando comando e obediência, direitos e deveres, o gozo de um e o esforço do outro, virtude e educação,forem de todos e não de poucos, porque enquanto não forem de todos, estes poucos pagarão por todos. Até que o Evangelho não se faça norma social da massa, fazendo progredir assim toda a coletividade até um nível biológico mais elevado, o referido Evangelho não poderá servir senão para ajudar os evoluídos a fugir do mundo, deixando aqui os piores.

Continuemos observando esta realidade na vida, que os fatos nos põem debaixo dos olhos. O evoluído vive em função de um futuro longínquo. Ele volta as costas ao mundo e segue o ideal. Mas isto não significa que para ele a lei da Terra não continue a funcionar. Ela não se detém por isto e o circunda e assalta a cada instante. A luta com o seu ataque não dá trégua. A presa é o homem do ideal que ama o seu próximo, que dá e perdoa, que ao egoísmo responde com o altruísmo, à voracidade alheia com a renúncia, à agressão com a não resistência. Ele é a vítima feita sob medida que, oferecendo-se, excita o apetite dos devoradores, prontos a aceitar o convite a tão guloso banquete, do qual podem gozar impunemente. Poderá haver algo melhor? Eis o verdadeiro, o grande ideal satisfeito.

Podemos então perguntar-nos: para que serve este deixar-se devorar gratuitamente? Que melhores qualidades isto estimula e desenvolve? O bem será totalmente para o evoluído que trata de ser eliminado do inferno terrestre. Mas para o que permanece ali, que resultados lhe produz realizar todo este mal? Para que serve este tomar-se evangelicamente cordeiros a fim de procurar ser uma boa comida aos lobos? A função do Evangelho seria então a de fazer uma criação de cordeiros para alimentar os lobos, estimulando a sua voracidade. E para estes, estando conforme à sua forma mental, devorá-los é justo, porque se trata de débeis tontos. Tal é a lei da Terra, que quer que eles sejam eliminados. O forte na guerra não é para distinguir se quem é bom, o é por bondade ou por debilidade. Para o forte este é simplesmente um débil que como tal é mais útil e fácil esmagar. Existe depois o fato de que, em geral, o bom é assim porque não tem força para ser mau. Quem a possui, na Terra, não renuncia a ela e a usa na luta para a ofensiva e defesa em benefício próprio. Se não a Lisa, significa que não a possui e então nada vale, portanto é legítimo, fazer dele o que se quer, porque se pode fazer isto impunemente. A impunidade, a ausência de uma sanção punitiva, confere na Terra qualquer direito. Eis então que quando um indivíduo se deixa desarmar pelos seus princípios ideais, fica sem defesa, exposto a todos os assaltos, que não se deterão até que não terminem com ele. Segundo a -lei biológica do plano evolutivo animal-humano, não há nenhuma razão para que não se deva aproveitar da bondade do homem evangélico até tirar-lhe inclusive a vida. Eis para que serve o Evangelho na Terra.

Que moral extraem os involuídos vencedores de semelhante experiência evangélica? O resultado os confirma no mal porque os encoraja o feliz êxito da sua empresa. Assim os bons tornam-se melhores e os maus piores, a separação acentua-se, subirá ao céu ainda outro santo e a Terra se enche cada vez mais de demônios. Culpa do Evangelho? Mas como impedir que o homem que é livre não faça o que quer em bem ou em mal? Assim os melhores se vão e os piores são lançados de volta no seu inferno terrestre.

A lição que nascerá desta experiência evangélica será  diferente para cada um. Para o bom será o terror de uma vida reduzida a um calvário, da qual é felicidade libertar-se. Para o malvado que se aproveitou dele, o resultado será o de se ter aperfeiçoado na arte do aproveitamento do próximo, dado que a experiência vivida lhe confirmou a utilidade desta sabedoria, pelo prêmio que a vida lhe conferiu com as vantagens que, com semelhante método, lhe permitiu conquistar. Assim o mal é confirmado e estimulado pelo êxito enquanto deveria ter sido em seguida eliminado por meio da imediata dor, infligida ao agressor, e não infligindo-a, pelo contrário, à vítima. É assim que temos u'a moral emborcada pela qual é premiado quem pratica o mal e castigado quem faz o bem. De tal forma, as leis da vida, tal como se apresentam no plano humano, com semelhante experiência tendem a ensinar o bom a que não repita mais tal aventura, para fortificar-se pelo contrário na luta. Por outra parte as mesmas leis, premiando com o êxito, estimulam cada vez mais os prepotentes na caçada aos bons evangélicos (que as religiões formam), para explorá-los e eliminá-los. Quanto mais cordeiros encontra tanto mais engorda o lobo. É incrível que não exista mais do que o medo à prisão para deter o ladrão, e quão pouca consciência se tem dos direitos e deveres inerentes à propriedade. Mas que fazer quando ela mesma pode representar a legalização de uma posição alcançável com qualquer meio? E é precisamente este qualquer meio o que se procura para depois legalmente legitimar para si o produto.

Pode ainda acontecer que o homem honesto levante a voz para que o Evangelho seja aplicado não só por ele mas também pelos outros, pelo menos pelos que o pregam e professam. Surge então a turba dos bem pensantes acomodados, santos por fora e astutos por dentro, grandes defensores dos ideais para que os outros os pratiquem, prontos a erguer-se e a condenar logo que se fale em fazer as coisas a sério. Mas esta é outra espécie de evangélicos. Eles sabem viver bem na Terra porque, sob o Evangelho, escondem as armas para a luta, habilmente como é necessário no mundo, aparentando serem suaves, humildes de coração. Assim se pode ser evangélico sem alterar a substância da vida, feita de posições armadas e defendidas. O Evangelho pode comodamente permanecer na Terra, mas utilizado desse modo em posição invertida. Ele assim se enxerta no mundo sem o negar, mistura-se com a sua lei de luta, mas para realizar a função de não deixá-la aparecer, de modo que seja mais fácil dirigi-la à custa dos ingênuos, e desta maneira melhor enganados .

Tampouco se pode dizer que os astutos, por causa da forma mental própria do plano biológico humano, não usem este jogo em benefício próprio, com plena sinceridade, Assim esta moldada a sua consciência e assim ela lhes indica que ajam, encontrando confirmação nos bons resultados a que conduz tal método, experimentalmente provado. Por outra parte a lei da luta pela vida, significa regime de guerra, e na guerra tudo é lícito. Tal é a moral do animal-humano, como o agarrar para comer forma parte da moral da fera que por isto, não pode ser considerada malvada. Por que, nos planos evolutivos mais baixos, a vida não deveria usar a mentira, quando ela é útil para a finalidade maior que é a da sobrevivência? Tudo isto se torna imoral só num nível biológico mais avançado, mas no humano é percebido somente pelos poucos que estão emergindo dele. Quem não está ainda maduro para tal sensibilidade moral, mesmo que tenha aprendido a demonstrá-la com palavras, tais conceitos, por íntima convicção, lhe parecem perigosa utopia, ideal de quem vive fora da realidade.

 Eis como pode servir o Evangelho na Terra, e como ele pode ser utilizado para levar adiante, mesmo que seja fraternalmente, com armas escondidas, a própria luta, já que esta é a maior ocupação à qual é necessário dedicar-se para sobreviver. O jogo do engano, pelo fato de que no longuíssimo passado se demonstrou útil à vida, fixou-se como instinto no subconsciente e agora já funciona como automatismo, e apresenta-se assim como premissa axiomática da ação. Antes de extirpar tão inveterado costume se precisará de milênios de experiências em sentido contrário para chegar à construção de instintos opostos, de tipo evangélico, em substituição aos antigos, de tipo animal. Mas no nível evolutivo atual não se pode impedir que o involuído, por ser tal, não esteja convencido de que o Evangelho está otimamente utilizado deste modo, uma vez que A experiência lhe ensinou e continua ensinando que esse método produz indiscutíveis vantagens. Neste nível evolutivo a vida não castiga o astuto que engana, antes o recompensa porque com a sua astúcia deu prova de saber lutar. Ela, pelo contrário, castiga o ingênuo que se deixou enganar pelo astuto, para que por sua vez se torne ele também astuto e não se deixe mais enganar. Esta é a honesta moral biológica do nível humano anual de evolução.

Assim, o Evangelho permanece na Terra pregado, ensinado, repetido, mas sem entrar na realidade da vida. Quando não é emborcado ele fica de fora, utilizado para outros fins menos àquele para o qual foi feito. Ele é entendido como poesia, como ornamento da vida, uma evasão da sua dura realidade, uma realização do ideal feita com pouco esforço em forma de sonho e piedoso desejo, uma satisfação do sentimento, uma doce miragem de paz e bondade na qual tem trégua a guerra, uma terna carícia para distensão e repouso da luta, uma esperança de ajuda gratuita que nos cai do alto, um traço de céu que é belo contemplar, mesmo que se saiba que é ilusão. A vida gosta de construir estas superestruturas, embelezamentos seus, como as asas de borboletas de variadas cores e o canto dos pássaros, que no entanto a morte espera, logo que eles cometam erros na luta de cada instante para sobreviver. Assim o poeta canta e morre de fome o usurário engorda. Quem pensa no ideal em vez de pensar no lucro, acaba por ser liquidado. Sonhar na Terra pode custar caro. Assim funciona a vida, para isto está feito o cérebro humano, isto é o que o seu ambiente exige, estas são as aptidões que o homem teve de conquistar no seu passado. Se ele chegou até hoje, porque aprendeu tudo isto que o ideal combate, e se continua sobrevivendo é porque, para sua conservação, não está disposto a esquecer o que aprendeu. É a vida mesma que, na sua sabedoria, procura não o deixar esquecer. Todo o espaço vital à disposição do ser está ocupado por esta realidade. O que não está ocupado por ela e sobra é abandonado pela vida ao ideal. É certo que as coisas são bem diversas se, pelo contrário, se olha para o céu. Deste oposto ponto de vista, observá-las-emos mais adiante. Aqui quisemos sobretudo expor a forma de conceber própria do involuído. Observando a sua conduta, temos motivo de crer que ele, feito antes de mais nada para viver na Terra segundo as leis desta, pense deste modo, quando se encontra perante o ideal que desce do céu até aqui.

A vida, portanto, está construída de tal maneira que a vivemos em função ou do presente ou do futuro, da Terra ou do céu, involuído ou como evoluído. Se se ganha por uma parte não se pode evitar perder pela outra. Quem se interessa principalmente pelas coisas do mundo trabalha sobretudo para instalar-se bem na Terra, mas desinteressando-se da outra vida encontra-se no vazio no momento da morte. Quem, pelo contrário, se interessa primeiramente pela vida espiritual, trabalha para a superação e para situar-se bem num nível mais evoluído, encontra-se mal na vida por pesar sobre ele um trabalho duplo: a luta e a evolução, mas acha-se bem no momento da morte, quando se trata de entrar em novo mundo para o qual se preparou. O triunfo do involuído está na vida. O do evoluído na morte. São duas semeaduras e duas colheitas diferentes. Tudo está balanceado. Cada qual opera como crê e como melhor sabe fazer, segundo o que ele é. Tudo já está estabelecido nas leis da vida. Ao homem resta a liberdade de mover-se de uma à outra.

Isto é válido não só para o problema ético ou religioso, mas para todo problema biológico universal. Dentro dessa perspectiva sentimos e enquadramos o Evangelho, e não como base de uma determinada religião, porque só nesta forma ele vale para todos, e pode, de um modo positivo, ser tomado em consideração como lei biológica realizável pelo homem através da evolução, quando ele souber alcançar um plano de vida mais evoluído. Pode-se assim concluir que o Evangelho representa, na Terra, uma função biológica positiva, uma lei, porque ele existe para criar um tipo de vida superior adequado ao biótipo mais evoluído do futuro, não importando a religião ou a raça, mesmo que seja ateu ou materialista. O Evangelho significa assim um avanço, hoje em forma de ideal que ainda não se realizou na Terra; um programa que, por lei de evolução, deverá fatalmente concretizar-se amanhã, porque ele não é somente produto de uma religião qualquer, mas uma necessidade à vida.