Vamos retomar agora, na análise dos casos que passamos a examinar, o raciocínio que fizemos como ponto de partida deste livro. Trata-se de uma ideia segundo a qual, se existem leis que regulam o funcionamento dos fenômenos no plano físico e dinâmico, devem existir paralelamente leis que regulam o funcionamento dos fenômenos no plano ético e espiritual. Pelo fato de todos os fenômenos se encontrarem no mesmo organismo do todo, é lógico que, no funcionamento deste organismo, devem tomar parte também os fenômenos do plano ético e espiritual, em paralelo e engrenados com aqueles outros, cujo comportamento a ciência nos demonstra.
 

Dessa forma queremos observar o comportamento dos fenômenos do plano ético e espiritual. Quanto mais nos avizinhamos na compreensão de seu funcionamento, mais vemos sua utilidade prática. Faz parte dos princípios diretivos da vida obter o maior rendimento com o mínimo de meios. Àqueles princípios, então, aderimos quando somos utilitários. Não é pecado buscar sua própria vantagem, quando esta é sabiamente entendida. Com isso, seguimos a vida que deseja o nosso bem. Ela é benéfica também quando nos golpeia com a dor, porque ela nos quer advertir do erro, a fim de não mais o cometermos. A vida é sempre positiva, construtiva, saneadora. Somos nós que tomamos o caminho negativo. Ela vem a nosso encontro para salvar-nos, empurrando-nos do caminho errado para o certo.

Se observarmos as obras executadas pela vida, não podemos deixar de admitir que ela é muito inteligente. Busquemos então compreender o seu pensamento. O nosso raciocínio é simples: se o mal e a dor não são obra da vida mas fruto de nosso fracasso, aprendendo a não errar, vamos eliminar o erro — causa da dor — e os seus tristes efeitos. O caminho justo é assinalado pelas leis da vida. Basta segui-lo. Por isto procuramos conhecer essas leis para depois segui-las, e assim livrarmo-nos do mal que nos aflige. Basta que funcionem disciplinadamente na ordem estabelecida, em vez de procurarmos violá-las. Neste caso verificam-se estas posições: ordem, violação, desordem, erro, dor. A liberdade é benéfica quando é compreendida como disciplina naquela ordem, não como revolta contra ela.

A dor é filha de um erro. Saímos da pista e vamos bater contra um muro. Mas a pista sobre a qual corre a vida é bem feita. Somos nós que não sabemos guiar. E não sabemos guiar porque não conhecemos as leis. Estamos precisando então de aulas de direção. Acreditar que as coisas acontecem por acaso, eis o grande erro. Basta desembaraçar e penetrar a confusão das aparências para convencermo-nos do oposto. Sem nem mesmo suspeitá-lo, vivemos, pelo contrário, dentro de uma ordem maravilhosa. Cremos no acaso porque semeamos desordem e portanto perdemo-nos no caos que é sua conseqüência.

Tudo isso explica-se pelo fato de que o homem neste campo não atingiu ainda o conhecimento, encontrando-se, portanto, na fase de aprendizagem, a fase do aluno que não pode deixar de cometer erros, mas que errando aprende. Mas a fase seguinte que o espera não poderá ser senão a de quem aprendeu e daí não erra mais. O resultado de nossa desordem atual não pode ser mais do que um mundo de dificuldades, aquele no qual vivemos. Mas também isso é lógico e está em seu lugar justo, porque esta é uma fase necessária para aprender, ainda que sofrendo, e assim elevar-se em direção ao melhor.

Grandes são as vantagens do conhecimento que aqui buscamos alcançar, sobreposto como diretriz de um nosso comportamento sábio. Quando se conhece a técnica funcional do fenômeno, pode-se prever quais serão as conseqüências de nossas ações. Lançando a trajetória de desenvolvimento corretamente segundo a ordem das leis da vida, podemos garantir-nos o bom êxito do acontecimento iniciado. Se errarmos o movimento do lançamento, podemos depois corrigi-lo para levá-lo a um bom fim. Não se trata somente de um trabalho de previsão (futurologia), mas também de nossa intervenção a fim de cuidarmos do desenvolvimento e acontecimento conosco, se queremos o melhor para o nosso bem. Está em nossas mãos o provocar a solução mais vantajosa para nós. Então, sabendo quais premissas devemos colocar para obter um determinado resultado, porque conhecemos e provocamos aquele movimento, podendo dominá-lo, dirigindo-o até à conclusão desejada.

A cada momento e lugar verificam-se acontecimentos de todas as grandezas, mas sem qualquer controle nosso, isto é, sem previsão do desenvolvimento e sem provimento para guiá-lo. Nesta confusão não somos na verdade donos da situação. Aqui nos comportamos empiricamente, seguindo cada um suas próprias miragens, em vez de prever racionalmente a escolha e muito menos as conseqüências da própria conduta. Existe somente uma vaga intuição da presença de uma lei  diretriz, já que se crê em uma divina providência. Admite-se de fato que ela  funcione para os bons, o que corresponde ao lançamento em órbita de forças do tipo positivo, e não funcione para os maus, o que corresponde ao lançamento em órbita de forças do tipo negativo. Mas estamos longe de um exame analítico do fenômeno e de; um acontecimento de seu funcionamento.
 

Para cumprir este trabalho não implantamos aqui discussões com as velhas filosofias destinadas a resolver o problema ético, mas simplesmente constatamos a existência dos fatos sobre os quais se baseiam as nossas afirmações. Esta fase do conhecimento é a nova fase evolutiva na qual o homem prepara-se para entrar. No nível animal funcionam deterministicamente as leis da vida, pelas quais os seres obedecem cegamente ao instinto, exprimindo o comando daquelas leis. No nível humano o ser tem a liberdade de obedecer ou desobedecer mas, ignorando a técnica de desenvolvimento do fenômeno, deve aprendê-la à sua custa ao sofrer as conseqüências de seus erros. Na fase evolutiva subsequente que nos espera, o ser, não mais ignorante daquela técnica e daquelas conseqüências, saberá prever e prover racionalmente de modo a dominar o fenômeno, dirigindo-o em direção à devida conclusão.

Esta última será uma posição de grande vantagem sobre a precedente, porque poderá nos permitir avançar, não mais ao acaso, mas dirigindo-se inteligentemente em direção ao que nos é verdadeiramente útil, em vez de, por inconsciência, ferirmo-nos continuamente com as dolorosas conseqüências dos nossos fracassos. Trata-se de uma ciência nova sobre a qual se poderá estabelecer, para nossa vantagem, um novo código de vida.

*   *   *

Depois destas premissas orientadoras, iniciamos a casuística. Observemos o primeiro caso. Dois jovens, um rapaz e uma moça enamoram-se enquanto freqüentam o ginásio. Ele é pobre e não tem meios para freqüentar uma universidade. Ela tem posses e oferece-lhe esta oportunidade, levando-o à sua família que provê os recursos necessários até completar o curso superior. Nesse período ela se forma. Casam-se pouco depois de formar-se. Nasce uma menina, sempre em casa da esposa. A família dela reside em cidadezinha de poucos recursos de trabalho para os dois jovens. Seu desejo é então transferir-se para a capital vizinha.

Aqui começa a nossa história em suas linhas externas. Observemos agora quais eram as forças que se moviam atrás deste esquema. Quem, em substância, era ele e quem era ela? De qual tipo eram as forças que constituíam a personalidade de cada um, aquelas que, segundo sua natureza, acabavam de ser lançadas em órbita por eles para constituírem depois a trajetória de seu destino? A direção assumida pelo seu desenvolvimento estabelecida pelas qualidades individuais da personalidade.

Observemos primeiramente a personalidade dele. Dinâmico, mas no sentido de agitação irrequieta, não de laboriosidade produtiva, a sua atividade era em grande parte um desperdício de meios e energia, ainda que à custa de quantos lhe eram vizinhos. De engenho pronto, mas extremamente desordenado, ele representava um alto custo de manutenção. Este peso foi suportado pela família dela, até que ele se formou e mudou-se para a capital vizinha para trabalhar. Neste momento ele começou a colher os frutos daquilo que semeava, devendo viver à sua própria custa, e pagar por si o desperdício da própria desordem. A partir desse momento ele encontrou-se só, na dependência de suas qualidades.

 Mas que qualidades eram estas? O seu instinto fundamental era o de lutador que quer subir a qualquer custo, pisando os outros. Assim ele tinha agido até então. Escolhida a moça, o seu movimento constante foi do tipo egoísta, invasor, devorador. Ele tinha como justificativa o fato de estar esfaimado, mas isso não o autorizava a tornar-se um perigo social. Em primeiro lugar alojou-se em casa dela, assim obtendo alimentação e moradia. A grande pressa de casar-se e ter um filho, o fez consolidar sempre mais sua tomada de posse em casa da mulher, e numa posição sempre mais cômoda. E agora que era chegado o momento de assumir a devida responsabilidade de marido, provendo a manutenção da própria família (trajetória de forças positivas) segundo as leis da vida, ei-lo que busca evadir-se de seus próprios deveres, gastando seus ganhos em amores extraconjugais (trajetória de forças negativas) contra as leis da vida. Este homem egoísta continuava a ativar suas qualidades de egoísmo predador, coroando seu trabalho com a conquista da liberdade conjugal e eximindo-se dos deveres familiares.

Fez-se assim sempre mais decisivo e evidente o movimento seguido, desde o princípio, pelo jovem segundo suas qualidade, isto é, um movimento baseado sobre o desfrute dos outros, jogando sobre os ombros da esposa seus próprios deveres. Formou-se uma corrente negativa pronta a voltar-se contra ele. Foi assim que os impulsos neste sentido se acumularam até alcançar o momento crítico da explosão. Vejamos como isso aconteceu.

O jovem avançava triunfante, crendo vencer e vencer facilmente, enquanto pelo contrário, engolfava-se sempre mais em negatividade, aumentando a velocidade de descida. A vida é utilitária, não ama o desperdício, assim faz de tudo para salvar o que há de bom em um indivíduo. Ajuda-o, favorece-o, ao menos na medida em que há um mérito a compensar, um real valor a pôr em funcionamento. Mas quando o indivíduo está nos antípodas desta posição e pretende usurpar com sua negatividade aquilo que não mereceu, a vida então toma uma das seguintes atitudes: se o caso é perdido, favorece o indivíduo na via descendente, de modo que ele a percorra mais rapidamente para resolver com a quebra final; ou de outro modo, se há qualquer coisa a salvar, submete o indivíduo a uma prova em seu campo, de modo que, pelo menos dentro daqueles limites, ele aprenda, corrija-se e salve-se. No primeiro caso a vida favorece, no segundo ela o pára. Mas trata-se de favores para acelerar o desmoronamento e de obstáculos com o fito de experiência, isto é, de provas destinadas a salvar. Assim a vida resolve os dois casos.

Observemos o fenômeno. Temos dois campos de forças: um é do predador, posição negativa contra a justiça, mas justificada pela pobreza dele e pelo seu legítimo desejo de crescer, que representa, ao mesmo tempo, uma certa positividade, porque é efeito de sua inteligência, prova de valor e mérito individual. O outro campo de forças é o da família da esposa que ajuda um jovem a conseguir uma posição e faz isto por um impulso benéfico. Com isso, a família dela faz-se instrumento de vida ao oferecer a um indivíduo nascido pobre uma oportunidade de melhorar, como é seu direito, suas condições de vida.

O problema surge quando se trata de ver que uso ele faz desta oferta. A vida lhe oferece isso, porque aquele jovem possui algumas qualidades para subir. Mas ele não compreende o significado. Não se trata de gozar a vida por ter saído de um destino de pobreza, sem se importar com os meios, nem é um prêmio de astúcia em prejuízo de outros. Ele não entende que, ao contrário, se trata de um exame para medir sua maturidade e, sabendo-o fazer, para passar a um nível evolutivo superior. Neste exame ele teria que ter dado prova de ordem e autodisciplina com o não abusar de uma oportunidade favorável, procurando, em vez disso, conquistar aquelas qualidades que são indispensáveis para poder gozar definitivamente das vantagens que oferece uma posição mais avançada.

O que fez, em vez disso, aquele jovem? Adquirida a velocidade na via de ascensão gratuita que se lhe abria em frente, a facilidade de percorrê-la oferecida a ele como um convite a aproveitar-se ilimitadamente, levou-o, por insuficiência de autocontrole, a uma explosão do instinto de crescimento, enquanto que o exame consistia, na verdade, em teste de autocontrole. E assim que este jovem, no momento do maior triunfo, quando acreditava ter alcançado o ápice, constatou ter falhado na prova; na qualidade de aluno reprovado, obrigado a recomeçar, desde o início, com um nove exame.

Que acontece então nesta fase de sua vida? Vemos que esta lhe retira todos os favores e deixa-o à mercê de seus próprios instintos. Por que isto? Porque ela não executa o trabalho de corrigir as nossas trajetórias erradas, mas somente aquele de oferecer-nos os meios para corrigi-las. Isto cabe a nós. Ora, aquele jovem havia recebido estes meios e, em vez de dar-se ao trabalho de bem utilizá-los, desperdiçou-os. Esta era a sua culpa. Todavia ele tinha algumas qualidades, isto é, possuía a matéria prima para chegar a um melhoramento. Então não se podia desprezar aqueles valores somente porque este jovem, na primeira vez, não passou no exame. Bastava mandá-lo de volta à escola para que se preparasse de novo e, repetindo a experiência, aprendesse a lição não compreendida.

Foi assim que terminou a fase de benefícios e a vida preparou-se para fornecer um curso diferente de ensinamentos, desta vez com outros meios mais persuasivos, porque se tratava de um aluno "difícil de aprender". Assim se explica como a vida não usou o método da oferta, mas o do constrangimento.  Ela devia fazer experimentar em primeiro lugar os efeitos dos erros cometidos, de modo a fazer passar a vontade de repeti-los. Eis por que vemos agora aquele jovem ser atingido por uma série de golpes adversos que o param na estrada dos triunfos fáceis, e o obrigam a refletir e a aprender a lição. Chega-se assim a uma nova fase do desenvolvimento do fenômeno. Trata-se de um trabalho de outro tipo, isto é, não mais livre mas coator, não mais oferecido mas imposto pela vida, a fim de que o sujeito não fuja mais ao dever de corrigir-se. Depois de uma vitória não merecida, chega a penitência e com ela a compreensão e redenção.

A história dele já chegou a este ponto, bastante significativo. Enquanto escrevemos, estamos observando seu desenvolvimento. No outro campo de forças, o da família dela, que sem ser seu dever tem querido ser útil, não há desapontamento porque seus cuidados para com ele não foram desperdiçados, ainda que o resultado fosse negativo. Isto aconteceu por culpa dele, que dai sofria o dano, e não por culpa da família que havia querido somente fazer o bem e daí recebia o benefício correspondente. Não importa que a positividade do auxílio fosse neutralizado pela negatividade das qualidades do indivíduo que o recebeu. As contas com as leis da vida são individuais.

A história daquele jovem passou de uma fase que parecia afortunada a uma de infortúnio  Isso é o que aconteceu  de fato e aqui demos a explicação. Assim compreende-se o significado e o escopo da onda inicialmente favorável, como daquela posteriormente desfavorável. A vida torna ao ataque quando o indivíduo possui qualidades positivas que ela não quer deixar inutilizadas e que o tornam educável. A potência usada na ação corretiva por parte da vida é proporcional à quantidade de negatividade que ela deve vencer para realizar a correção da trajetória errada, de modo a poder sempre triunfar endireitando-a. Eis que o reinicio salvador constituído de novas provas autoriza-nos a pensar que, no caso agora tomado para exame, como em todos os casos nos quais aquele reinicio ocorre, o defeito é sanável, e pode-se daí, depois de novo período de ensino e correspondente exame, prever o bom resultado de todo este trabalho. Mas estas previsões somente são possíveis quando se conhece a técnica funcional do fenômeno.

*   *   *

Depois de termos visto o caso  dele, observamos agora quem era ela e  qual seu comportamento.  Inteligente, trabalhadora, correta, auto-suficiente, concebia o matrimônio como uma união com direitos e deveres iguais para ambas as partes. O velho sistema ditatorial, o machão, e o da mulher sujeita a ele por direito, pela própria inferioridade de mulher, era para ela inconcebível. Neste ponto, sendo ele, para sua própria comodidade, seguidor dos velhos métodos de vida nasceu o dissídio. Ele entendia o matrimônio de outro modo. Transferindo-se para a capital, começou a gozar a vida, gastando para si seus ganhos e deixando a mulher com a família dela, e reservando para ela as sobras de seu tempo. Porém ele não havia entendido que a capacidade de resignação de uma mulher que trabalha e ganha, não é a mesma à da mulher submissa de outrora.

Mas ela teve paciência. Enquanto o marido usava, bem seguro de si, o velho método, decidido a praticá-lo definitivamente, ela observava e esperava.  Avisou-o, ameaçando-o de separação. Ele arrependeu-se, prometeu, e recomeçou tudo de novo. Ela queria evitar um rompimento. E não o aceitaria senão constrangida. Por isso evitava provocá-lo. Enquanto isso, projetava montar casa própria para viver em família. O marido fingia consentir sem depois fazer nada. A mulher começou a perceber que entrave representaria para a própria sistematização ter em mãos um indivíduo que se propunha a outros fins. Ele começava a tornar-se um impedimento do qual urgia livrar-se. Entretanto o tempo passava perdido nestas tergiversações, em prejuízo dela, que queria trabalhar e construir para si unia posição. O momento era crítico e impunha-se uma solução. Mas ela desejava ser honesta e não provocá-la. Como resolver o problema? O jovem estava decidido a continuar seu caminho, iludindo a mulher com promessas não mantidas. Ela, porém, não tinha o dever de sacrificar-se somente para prolongar um estado de fato que, se para um era cômodo, prejudicava o outro. Neste momento, a Lei, por seu princípio de ordem, foi obrigada a intervir, resolvendo o caso. Observemos como ela funcionou. Narremos primeiro o fato, depois explicaremos a técnica.

Por um senso de dever que a levava a não provocar uma separação, ela adiava, procurando evitar uma solução neste sentido. Mas as leis da vida sabiam que ela não merecia ser sacrificada. Quem havia falhado no exame e tinha necessidade de experimentar uma prova corretiva, não era ela, mas ele. Então era necessário isolar os dois destinos para que cada um, obtendo o tratamento merecido, andasse pelo seu caminho, neste momento diverso demais um do outro para poderem coincidir. A vida seria contraditória se houvesse favorecido a negatividade em prejuízo da positividade.

Vejamos o que aconteceu:

Numa tarde, ela, guiando seu automóvel, vai de sua pequena cidade à capital vizinha. Chega a um primeiro subúrbio. O automóvel pára. Deve haver um defeito. Isso acontece exatamente próximo de um posto onde ela costumava reabastecer-se. Empurrado, o carro é colocado num estacionamento. Mas agora como ir à cidade, deixada assim distante, na periferia? Era noite avançada. Ela pensa: Táxi é difícil. Onde encontrá-lo? Quando olha, vê a poucos passos um táxi vazio. O motorista está no bar vizinho. Chama-o. Está pronto e partem.

Assim ela chega à pensão do marido, onde de outro modo não teria ido, se seu carro não estivesse quebrado. Era este fato que a obrigava a pedir-lhe se  carro para voltar para casa. O marido chega pouco depois com a amante.  A separação é decidida. Mas ele deve acompanhar a mulher até à casa dela porque estava a pé. Chegam à garagem na periferia onde ela havia deixado o carro defeituoso. Ela simplesmente liga o motor e o carro funciona. Não há nenhum defeito. Ela volta  à sua casa com o carro que funciona perfeitamente; ele, com o dele, volta à pensão. Assim, silenciosamente, fatal como um destino, com meios mínimos mas bem coordenados em direção a um mesmo fim, para realizar-se a separação. Quem combinou com exatidão cronométrica todos os pequenos acontecimentos, para levá-los a este resultado?

Uma primeira observação. A Lei funciona por pequenos movimentos, exatos e oportunos, sem nenhum desperdício de tempo e trabalho, com o máximo de rendimento para atingir o fim desejado. Por exemplo: para fazer andar um trem de Roma para o norte ou para o sul, a Lei na estação de partida determina um movimento de poucos centímetros na direção dos trilhos. Isso basta para definir a rota que o comboio depois seguirá. Aquele movimento mínimo é decisivo, e todavia, no momento em que ele acontece, ninguém se dá conta. Mas percebe-o o chefe da estação, tendo sob os olhos o mapa de todas as linhas ferroviárias e conhecendo os efeitos daquele movimento. Assim faz a Lei, que sabe o que faz e por que, para seus fins, segundo seus planos. Depois ela desenvolve-os com movimentos simples mas convergentes em direção ao ponto desejado, não divergentes, sem erros e sem desperdícios, movidos em sentido direcional único e decisivo. Estamos nos antípodas do sistema humano das tentativas, feito de incertezas, com enorme desperdício de meios, porque não se sabe usá-lo como se deve.

Continuemos a analisar o caso aqui em exame. Narramos os fatos como aconteceram. Resta agora compreender por que eles aconteceram. A primeira coisa que salta à vista é uma escolha de elementos de natureza variada, mas cada qual colocado em seu devido lugar, com referência ao fim a ser atingido; além disso é uma cooperação de movimentos que cumprem cada um a sua função no momento devido, sempre tendo em vista aquele fim. Para realizarem-se oportunamente, eles acontecem em dada ordem e velocidade, o que faz pensar ser o seu desenvolvimento dirigido por uma mente que quer executá-lo segundo um plano preestabelecido. O fenômeno manifesta-se decisivamente construído deste modo, o que não se explica, atribuindo-o ao acaso. O cálculo das probabilidades não permite senão uma possibilidade mínima de que todos aqueles elementos tão díspares se combinem ao mesmo tempo, convergindo para a mesma solução, ligando-se como componentes de um mesmo fenômeno. O fim a alcançar em função do qual o fenômeno se move, neste caso, é tipicamente positivo, isto é, corresponde aos princípios de lógica, de retidão e de bondade sobre os quais se baseia a lei da vida que atua em suas construções. A mente diretriz sabe o que faz e sabe fazê-lo: Isto não só prova a sua presença, mas também a sua superioridade, inteligência e capacidade de realização. Nada podemos fazer senão admitir tudo isto, se quisermos explicar os fatos que temos constatado. Deveremos reconhecer que tais fenômenos são dirigidos por uma inteligência que sabe, e sujeitos a uma vontade que deseja atingir os objetivos antepostos aos fatos e preparados segundo uma técnica funcional apropriada.

A sabedoria desta mente é demonstrada pelo rendimento de tal técnica que permite obter, com os mínimos meios, o máximo resultado, isto é, o produto máximo utilitário do esforço. Isso corresponde a um inteligente princípio de economia no qual é economizado o desperdício inútil de energias, evitando a sua dispersão fora da ordem, que as deseja, por outro lado, convergentes em direção ao fim devido.

Do exame destas constatações derivam importantes conseqüências práticas. Se cada acontecimento é orientado segundo um seu desenvolvimento lógico e planejado com antecedência, enquanto é dirigido em direção a um dado fim, eis que, conhecendo tal técnica, pode-se prever aquele desenvolvimento. O problema é compreender de que tipo são as forças em movimento e à qual conclusão, por conseguinte, a inteligência da vida desejava levá-las, dados os antecedentes que esta encontra à sua disposição como material de construção do acontecimento. Eis que possuímos os elementos para tentar uma futurologia racional e para entender a vida de outra maneira.

Outra conseqüência é que, podendo prever os efeitos das próprias ações, pode-se viver um tipo de vida não à aventura, mas planificado. Pode nascer assim um novo modelo de ética, baseado sobre outros princípios. O problema da luta pela sobrevivência pode ser enfrentado de três formas: a primeira, a mais antiga e involuída, representada pela ética da força, baseada no direito do vencedor através da violência (guerra, assalto — nível material); a segunda, menos antiga e mais evoluída, é representada pela ética da astúcia, baseada no direito do vencedor através do logro (força da mente no nível intelectual); a terceira, cujo uso ainda não é comum, como é mais evoluída pertence ao futuro e é representada pela ética da retidão, baseada no direito do melhor como valor social enquadrado na ordem coletiva (estado orgânico ao nível de vida segundo a Lei).

É nesta terceira fase de seu desenvolvimento moral que a humanidade hoje se prepara para entrar, fatalmente, levada pela evolução. A violência é o desencadeamento estúpido e cego do ignorante primitivo. A astúcia já é um funcionamento da inteligência, mas, em sua fase elementar, impregnada ainda da negatividade do involuído. A retidão representa a compreensão das leis da vida, a fase do homem iluminado que, pelo fato de ter compreendido, colocou-se na ordem e, funcionando com ela, coloca-se em sua organicidade, que o torna mais protegido na luta pela sobrevivência. Eis que o conhecimento pode produzir conseqüências hoje incríveis porque, induzindo-nos a viver diferentemente, isto é, bem orientados no funcionamento do todo, com ele poderemos obter as vantagens a que isto leva. Tudo a vida nos dará quando o merecermos dando garantia de sabê-lo usar para o nosso bem e não para o nosso mal.

É necessário compreender que nesta nova ordem a força do indivíduo está na coordenação de seus movimentos com os de um grande organismo e não em seu individualismo em contraste com eles. O poder dos novos regimes será dado pela união que faz a força e por eles serão superados os antigos regimes, exaustos pelos atritos oriundos dos contrastes entre aqueles que não sabem coordenar-se para cooperar. Mover-nos-emos então de acordo com a Lei, por termos assim a vantagem de seu apoio em vez do dano de sua resistência.

No caso agora observado, a Lei é a favor da esposa e assim ajuda-a, e é contra o esposo, razão por que lhe coloca obstáculos. Aqui podemos assistir à vitória do método defensivo representado pela retidão sobre o da força e astúcia, que se mostram menos potentes porque de qualidade inferior, dada a sua involução. Assim se explica como foi que a jovem, movida pelos princípios da retidão, sem outra arma além desta, pode vencer em lugar do jovem que era explorador e provido de astúcia. A revolução hodierna, consiste nesta troca de tipo de luta pela sobrevivência, baseada num princípio mais evoluído, portanto vantajoso e vencedor,que fatalmente prevalecerá.

*   *   *

Fechemos o exame deste caso com algumas observações. Em nossa vida quotidiana estamos imersos nestas combinações de fatos sem analisá-los e levar em conta sua estrutura íntima e seu funcionamento. Paramos na superfície sem ver o pensamento que, escondido no interior, dirige estes fatos com uma técnica sutil. Cada elemento é cronometrado, pesado, engrenado com os outros elementos do fenômeno, com os quais coopera para alcançar o mesmo fim.

Trata-se de pequenos fatos sem aparato dramático e importância histórica. Porque são mais comuns e estão perto de nós e não se situam entre aqueles grandes e excepcionais, escolhemos os casos aqui examinados, casos quaisquer que, assim compreendidos, porém, adquirem o significado de momentos do desenvolvimento lógico de um destino. Vemos desse modo que as grandes leis da vida manifestam-se também nas coisas mínimas às quais não damos importância. O que decide o êxito não é o volume das forcas colocadas em movimento, mas a sua qualidade, segundo as quais forma-se a corrente positiva e favorável, ou por outro lado negativa e desfavorável. As leis da vida são universais e assim permanecem verdadeiras e funcionando em todas as dimensões.

Uma outra observação. Vimos que, quando sabemos de que tipo são as forças em ação, pode-se conhecer a direção que tomam e a que conclusão devem chegar. Mas isto não basta. Agora nos perguntamos: quando e como acontece chegar o impulso resolutivo do acontecimento? Qual é o fato que determina o movimento catalisador encarregado de cumprir a função de fechar o percurso da trajetória? Andando, nota-se uma tendência a constranger sempre mais a convergência dos movimentos das forças em ação, até sua exaustão em uma posição conclusiva, não mais de causa, mas de efeito. Este ponto de chegada representa o ponto de partida para o lançamento de uma nova trajetória, e assim por diante. O trajeto de cada acontecimento representa, pois, uma fase do fenômeno maior que se percorre por concatenação causa-efeito, isto é, o desenvolvimento de um destino ou a série de tantos deles, que forma a história do mundo.

No caso exposto, vimos os elementos em jogo predisporem-se na ordem necessária para concluir, cada um, segundo suas qualidades, isto é, de negatividade para o jovem e de positividade para a jovem. Mas, até que uma prevalência não se verifique, o tipo do caso não é passível de definição, nem se pode saber em que posição ele se resolverá. É certo que o fenômeno não pode permanecer para sempre num ponto intermediário, no qual a positividade e negatividade se equilibram em medidas iguais. Dever-se-á, assim, chegar a uma prevalência em um sentido ou noutro. Agora o movimento catalisador encontra-se no momento crítico de saturação resultante da prevalência dos elementos de um tipo ou de outro, como vimos no caso dos dois jovens. Isso significa que, quando se forma uma prevalência de elementos positivos e o fenômeno está saturado de positividade, então ele se resolve neste sentido com todas as conseqüências relativas. Quando acontece o contrário e o fenômeno está saturado de negatividade, ele se resolve neste outro sentido etc. Observamos aqui, porque se torna mais evidente, o caso de uma saturação no sentido negativo.

Pode-se estabelecer mais exatamente quando chega este momento crítico, no qual o fenômeno se precipita à sua conclusão? Quando uma torre, por defeito de fabricação, pende além de um dado limite, ela, pela lei da gravidade, tomba. Assim um acontecimento, quando das forças que o compõem o resultado é uma impregnação de negatividade, além de uma dada medida, então ele por um princípio de ordem, resolve-se pelo negativo. O desequilíbrio é tolerado somente dentro dos limites estabelecidos por aquela ordem, mas leva à ruptura quando a negatividade, isto é, a posição contrária às leis do equilíbrio, toma a superioridade. Como se pode calcular antecipadamente em que momento a torre desmoronará, assim, conhecendo os elementos do fenômeno, pode-se estabelecer como e quando o caso se resolverá. Se ele não está impregnado de negatividade que o corrói, então, como a torre, não desmorona, assim o acontecimento não se precipita.

O acúmulo dos impulsos negativos contrários à estabilidade e causadores de desequilíbrio é lento. Forma-se com o abuso, o assalto, o desfrute, com cada forma de injustiça. No caso de nosso jovem, o movimento catalisador do fenômeno verificou-se quando ele com a sua conduta saturou-o de negatividade além dos limites suportáveis, até romper-se o equilíbrio estabelecido pelas leis da vida. Assim aquele jovem avançava triunfalmente à custa da família da esposa, e não compreendia que estava conquistando débito na justiça ou lei de equilíbrio e que, quanto mais aquela família por sua bondade o ajudava, tanto mais crescia o crédito dela perante aquela mesma justiça. Quanto mais se estica o elástico no sentido da injustiça, tanto mais este tende a voltar atrás no sentido da justiça. Isso porque quanto mais um se expande à custa dos outros, tanto mais estes são lesados em seu direito à vida.

Assim o desequilíbrio foi aumentado até impor uma tomada de contas e o retorno à posição de equilíbrio imposta pela justiça. A violação dele não podia deixar de chegar a um ponto de ruptura no qual a Lei restabelecia sua ordem, e a injustiça do violador era vencida pela justiça da Lei. Isso significa que o mal feito devia recair sobre os ombros de quem o havia feito e não sobre terceiros inocentes.  Isto prova que somos livres para praticar o mal, até que a Lei o permita, mas que não está em nós poder praticá-lo até subverter a sua ordem, que retoma a superioridade, tão logo sejam superados os seus limites de tolerância. Eis que, em cada acontecimento, é necessário sempre fazer as contas, não somente com a nossa vontade e ação, mas também com a Lei, outra força diretriz do fenômeno. A ela cabe a última palavra resolutiva, de modo que a vontade de desordem jamais pode vencer definitivamente e assim ameaçar o êxito da obra e o atingimento dos fins da vida. Então, necessariamente, deve chegar o momento no qual o violador deve pagar seu débito para com a justiça, e a vítima deve ter seu crédito pago. No caso agora examinado esta é a razão pela qual isto aconteceu. De fato, no momento resolutivo, acima narrado, a vida tornou-se para ele uma série de provas e dificuldades, enquanto que para ela aconteceu o contrário  Esta mudança de rumo não se explica senão pela intervenção por parte da Lei.

Tudo isso faz-nos ver quão importante é conhecer a Lei e  tê-la em conta na própria conduta, porque é a sua vontade e não somente a nossa que pesa na solução do acontecimento. O resultado depende de ambos os impulsos que estão ativamente empenhados.  Para melhor compreensão, explicamos o fenômeno com um exemplo. A vida para atingir seus fins, costuma seguir um desenho próprio assim como o faz um tapeceiro. Mas, para fazê-lo, ela não dispõe senão de alguns fios, algumas formas e cores que o indivíduo, seu operário, quer trançar a seu modo para formar o desenho. Cada um destes pois é constituído das qualidades do sujeito, com as quais ele construirá o acontecimento, como com os fios se constrói uma tapeçaria. Cada um deles, desenvolvendo-se, corresponde a uma força que, no feixe a que pertence, avança, combinando-se com todos os outros fios para construir o tecido da tapeçaria ou o desenho do acontecimento.

Escolhemos também agora, como acima, um caso feito de negatividade, em posição de conflito com a Lei, porque este contraste torna-o mais evidente é facilmente analisável, do que quando o indivíduo vive segundo as leis da vida e o seu desenho coincide com o daquela. Qual é então a técnica do fenômeno quando há oposição entre as duas vontades que querem executar dois desenhos diversos? A mente diretriz do tecelão (a Lei) deixa que o operário trabalhe negativamente, a seu modo, reservando-se o direito de destruir-lhe o trabalho, obrigando-o a refazê-lo, coercivamente, corretamente, tudo de novo. Isso para o bem do aluno que, por sua ignorância, foi levado a errar.

Por que este sistema? Porque aqui se trata de uma escola para aprender, neste caso a tecer tapeçarias bem feitas com um desenho correto. Deve-se daí deixar ao aluno a possibilidade de errar, mas para ensiná-lo a não errar; deve-se-lhe deixar a liberdade de lançar trajetórias erradas, mas para depois corrigi-las, endireitando-as, e assim aprender a corrigi-las e lançar corretamente as novas trajetórias. Se os fios de que este dispõe representam as qualidades de sua personalidade, se o desenho da tapeçaria, resultado de sua combinação, expressa a construção, até aquele momento realizada, da sua personalidade, eis que o trabalho atual de aprendizagem serve para a construção de novas e sempre melhores qualidades, com a técnica observada pela transmissão ao subconsciente ou assimilação das provas.

Que faz então a Lei quando a iniciativa do operário prevalece, levando a uma construção errada, e necessita de correção? A Lei toma aquele feixe de forças indisciplinadas e as repõe em ordem Expressando-nos nos termos do exemplo aqui apresentado, a vida não deixa mais os fios livres para entrelaçarem-se a seu modo, mas faz passar e avançar cada um deles prisioneiro entre os dois dentes de um pente, de modo a dever seguir sem escapatória um percurso obrigatório, correspondente a um desenho correto. Assim o que em cada caso é finalmente conseguido, é o desejado pela Lei.

Uma primeira observação. Que realidade há atras desta imagem de fios espremidos entre os dentes de um pente? Surge o problema de saber como a mente diretriz da vida pode levar o indivíduo a agir a seu modo. Pode-se pensar em uma influência por parte da mente e vontade da Lei sobre a mente e vontade dele, de modo a induzi-lo a um dado comportamento, realizando dadas ações das quais deriva a construção de dados acontecimentos. Mas aqui podemos somente expor o problema, porque nossas indagações ainda não nos oferecem os elementos para resolvê-lo, de vez que se trata de um campo novo e imenso ainda por explorar.

Outra observação refere-se ao fato de que, para facilitar a compreensão do caso tomado para exame, imaginamos a Lei em forma antropomórfica, como um indivíduo pensante e ativo, consequentemente capaz de intervir no fenômeno, isso apenas numa concepção ideológica. É certo que a Lei afirma, mas só enquanto estabelece aquilo que o homem deve fazer, e este a nega, querendo agir a seu modo. Mas quem é ativo no iniciar e no fazer é só o homem, porque a Lei não se move, mas somente deixa-o ligado às conseqüências de suas ações. Trata-se, portanto, de duas posições contrárias e de uma colaboração entre opostos e complementares. O indivíduo lança uma trajetória, a Lei estabelece os resultados do percurso. Este move-se por tentativas, porque ignora e deve aprender. A Lei está parada, porque sabe e quer fixar as normas segundo as quais o homem deve mover-se.

Façamos uma comparação. A Lei é a estrada que estabelece o percurso, o homem é o automóvel que a percorre. Este pode lançar-se na direção que queira, mas a estrada traçou-lhe o percurso, e se ele não o segue, vai bater quem sabe onde. Ele não se move, não faz nada, somente define o caminho. Mas se o carro comete um erro, é a estrada que estabelece qual é o erro e, segundo a natureza deste, o carro  deve pagar.  Trata-se de duas vontades bem definidas, das quais uma se expressa de forma passiva e a outra de forma ativa. A primeira não faz nada, mas afirma:  "eu sou a estrada".  O homem move-se e nela encontra as normas que devem regular seus movimentos. Vemos o primeiro elemento representado pelos mandamentos de Moisés, o segundo pelo povo dos crentes.

Ora, quando o indivíduo se move de acordo com a estrada, seguindo-a, tudo vai bem; mas se ele faz o contrário, então sai fora dela e se arrebenta. Não é a estrada que o arrebenta, mas é ele que saiu fora dela. Não se trata de punição ou vingança por parte da lei, mas de uma conseqüência da própria má conduta. A Lei estabelece, não julga. Quem a viola fica automaticamente julgado pelos tristes efeitos de sua violação, como quem a segue fica julgado pelos bons efeitos de sua obediência.

 Movemo-nos em um mar de leis e, se não as observamos, o prejuízo é nosso. Ninguém pensa que, se caímos por ter perdido o equilíbrio, isso seja devido a uma punição. Mas somos levados a imaginar o fenômeno sob esta forma porque ela corresponde aos nossos hábitos mentais. Tende-se a atribuir à Lei qualidades humanas, como nossas paixões estados emotivos, enquanto ela, em substância, é abstrata e impessoal. Nas páginas precedentes, para facilitar a compreensão, usamos a forma humanizada. Mas agora, para evitar mal-entendidos, devemos pôr em foco aqueles conceitos com mais exatidão.

Agora podemos compreender melhor aquilo que aconteceu ao jovem no caso aqui tratado: ele saiu da estrada e o resultado é uma salutar lição para voltar a ela. O movimento catalisador do fenômeno foi uma mudança de direção forte demais. Desde aquele momento, ele não permaneceu mais livre e seus movimentos indisciplinados foram obrigados a se desenvolverem ordenadamente, porque engrenados na disciplina da Lei. A jovem, pelo contrário, não tendo saído da estrada, não foi obrigada a voltar a ela. Eis no que consiste a intervenção da Lei nos acontecimentos humanos. Foi assim que o rapaz usou e abusou da liberdade, subvertendo-se. Agindo contra a Lei, sua liberdade foi substituída pela força de coação, e ele redimiu-se, assumindo os encargos da família. Para a jovem, ao contrário, não tendo se desviado, não lhe foi exigido correção, e permaneceu livre, como era desde o início.