Observamos agora um caso do qual se pode depreender que o mal recai sobre quem o faz. Trata-se de um episódio comum da vida, tão simples que pode parecer banal. Mas é exatamente por esta sua simplicidade que escolhemos e, despojado de acessórios que complicam e distraem, permite-nos ver com maior evidência a sua estrutura e significado, como também o funcionamento da Lei.

A lei funciona em todos os lugares, nas grandes como nas pequenas coisas, no campo moral como naquele físico e dinâmico. É exatamente esta sua potência de penetração até nas mínimas coisas que demonstra a sua universalidade. A Lei não nos aparece como um Deus sentado sobre o trono com cetro e coroa, segundo a representação que se fazia do poder na Idade Média. Também esta imagem hoje democratizou-se, despiu-se de seu grandioso aparato, mas em compensação mostra-nos um Deus intensamente vivo, presente e funcionante, também nos mais humildes e mínimos detalhes de nossa vida. Não abandonamos portanto os pequenos casos, crendo que neles não se possa revelar a Lei, como se eles fossem separados do funcionamento do todo, buscamos neles exemplos de sua atuação. 

Eis o fato. Uma pessoa costumava passar algumas semanas de férias hospedada numa casinha de um seu amigo. Pagava o favor, executando alguns trabalhos. Para ele, obrigado a viver sempre recluso na cidade, eram muito agradáveis estes períodos de repouso na paz dos campos. Quando seu amigo se ausentava, este o deixava como dono da casa e com meios para viver, não obstante encontrar-se em um momento de grandes preocupações financeiras.

Em uma destas ausências, verificou-se um defeito na instalação hidro-elétrica, coisa facilmente sanável, especialmente para um mecânico como era aquela pessoa. Paremos um momento para observar a posição dos vários elementos que constituíam aquele caso. Havia surgido um problema. Aquele indivíduo devia resolvê-lo. Mas apresentavam-se-lhe duas estradas. Ele podia se propor a atingir um resultado próximo e com um fim egoístico, preocupando-se somente com sua vantagem imediata; ou, por outro lado, podia resolver o caso, visando o seu resultado longínquo, não para sua exclusiva vantagem, mas também para aquela do amigo que o hospedava. Em outras palavras, ele podia ir embora deixando o defeito intacto, ao Deus dará, de modo que o amigo quando chegasse, cansado do trabalho, encontrasse a bela surpresa de dever submeter-se à fadiga de consertar tudo; ou, por outro lado, aquela pessoa, em vez de não se importar com a sorte do amigo, podia fazer ele mesmo este trabalho, que o dever de piedade e, também, de gratidão lhe impunha, porque estava descansado e com tempo à disposição, portanto, pouco penoso.

Esta escolha devia acontecer no momento em que, com o defeito, surgia o problema de consertá-lo. Porém tal decisão dependia de um fato precedente a ela, e seus efeitos levavam a desenvolvê-la em suas conseqüências. O fato precedente era a forma mental que aquela pessoa possuía, tal qual ela se tinha construído em seu passado, isto é, seu tipo de personalidade e qualidades relativas. Os efeitos eram conseqüência de seu comportamento dado por esta forma mental.

Os dois caminhos andavam em duas direções levando a dois pontos diversos, que assinalavam o ponto de chegada em direção ao qual movia-se aquele desenvolvimento de forças. Nesta concatenação de fases no desenvolvimento do fenômeno, as primeiras causas ligavam-se aos últimos resultados.

Que aconteceu então? Aquela pessoa, segundo a sua natureza egoísta, pensou somente em si mesma e em sua própria vantagem imediata: não ter aborrecimentos, desinteressando-se das conseqüências. Assim a trajetória daquele indivíduo, naquele momento decisivo em que podia sofrer uma correção em vantagem própria, recebeu, pelo contrário, um novo impulso negativo, na trajetória em que se encontrava, e foi lançada avante. Desde então as conseqüências ao longo desta linha desenvolveram-se fatalmente.

Se aquela pessoa tivesse sido de um outro tipo, ela teria consertado o defeito e o amigo não teria se assustado com tal hóspede. E tinha razão, porque este, vendo as coisas erradas, sem preocupar-se com elas, abandonou a casa e retornou, tranqüilamente, à cidade, pensando somente em si mesmo. Alguns dias depois o amigo volta ao campo, encontra a casa vazia e com os utensílios de uso doméstico mais urgente não funcionando. Ele chegou com a família à tardinha, já anoitecendo, cansado do trabalho de toda a semana. Operários para consertar o defeito não havia àquela hora, com facilidade, era preciso procurá-los. Em vez de cear e repousar, era necessário meter-se a trabalhar, sozinho e naquelas condições. Pesa mais uma fadiga quando já se está cansado de uma outra tarefa. Havia ainda o temor de que houvesse despesas a serem feitas, atingindo assim novas preocupações naquele momento de dificuldades financeiras.

Aquele era o presente que, por fazer da casa do amigo sua própria comodidade, a pessoa generosamente hospedada lhe havia deixado, sem nem ao menos pensar, depois de haver provocado aquele defeito, em fazer pelo menos uma tentativa de consertá-lo. Formou-se assim fatalmente no ânimo do amigo benfeitor, em relação a esta pessoa, a imagem de um indivíduo perigoso e, com isto, um impulso de legítima defesa, uma necessidade urgente de libertar-se dele. A ação não podia produzir senão uma reação do mesmo tipo. Os efeitos foram da mesma natureza das causas que os puseram em movimento. Isto significa que, se ela tivesse se comportado de maneira oposta, opostos teriam sido também os resultados. Assim ela foi rapidamente liquidada e perdeu a amizade e os descansos campestres, caindo sobre seus ombros todas as desvantagens. Se este homem tivesse sido diferente e tivesse escolhido a outra estrada, teria acontecido o contrário, tudo em sua vantagem A contração egocêntrica não se teria produzido na mente do benfeitor, se o beneficiado não tivesse provocado com uma correspondente contração egocêntrica em sua própria mente. Em vez de pensar somente em si mesmo, ele tivesse pensado também no seu amigo, este teria de igual modo pensado nele, e não seria induzido a tornar-se egoísta. O impulso retornou assim intacto ao emitente. Isto é o que acontece tanto no bem como no mal. Assim cada um responde de modo próprio a um mesmo estímulo, e colhe as conseqüências de seu tipo de resposta.

Se se atenta somente no fato, vê-se que não há proporções entre aquele incidente tão pouco importante e o efeito com o seu desfecho. Mas o que vale neste caso não é o fato em si mesmo, mas o mecanismo da Lei que ele nos faz ver funcionar e como ela realiza também, nas coisas pequenas, os seus princípios, mostrando-nos assim a sua presença universal O que levou ao rompimento entre os dois não foi o defeito, caso banal, comuníssimo na vida, mas foi o tipo de conduta com a qual aquela pessoa resolveu o problema que a vida lhe propunha. Ora, esse tipo de atitude, tão prejudicial para quem assim procede, foi justa naquele momento, porque era uma conseqüência do que aquele indivíduo fez no passado, construindo o seu próprio futuro. É necessário ter presente que a vida é uma escola na qual quem ignora a Lei deve aprender, à sua custa, o seu funcionamento. Então a inocência do ignorante não é uma virtude, mas é um vazio a ser preenchido com a experiência, até chegar ao conhecimento do que aprendeu e finalmente sabe.

Ora, aquela pessoa era inocente e havia cometido aquele erro porque ignorava os efeitos que daí viriam, porque jamais os havia experimentado contra si mesmo. Portanto não era culpado, como não o é a criança que ainda não sabe. Mas o não saber não significa que não deva aprender, o que se faz exatamente experimentando à custa própria. A aprendizagem, mesmo que seja forçosa e penosa, não é uma punição contra o aluno porque ele é ignorante, mas é uma fadiga necessária para sair de sua própria ignorância. Por isso a vida não nos poupa esta fadiga para ensinar-nos e faz-nos repetir quando tardamos a compreendê-la. É assim que a inocência é defeito do qual devemos nos corrigir, porque ela significa a ignorância do inexperiente, fato que implica em tantos erros e outras tantas dores corretoras e instrutivas. A ignorância tem seu lugar como qualidade do primitivo, enquanto que a evolução, quanto mais avança, tanto mais, por sua vez, exige conhecimento.

A vida quer que construamos uma consciência. Quem não a possui avança por tentativas, experimentando nas zonas inexploradas os efeitos de seus erros, depois pagando por estes, e assim aprendendo a não mais cometê-los. Esta consciência adquire-se depois de termos recebido o golpe, que representa a lição que nos ensina a não mais repetir o erro. Neste campo moral, verifica-se aquilo que acontece pelas leis da matéria e da energia. Elas simplesmente funcionam para todos. A sua ignorância não altera o seu funcionamento. Se o indivíduo, porque não as conhece, erra, elas continuam a funcionar independentemente do que lhe acontece. Ele paga o erro e assim aprende a mover-se a favor, e não contra aquelas leis. Se ele não sabe caminhar, elas não se modificam por isso, mas o deixarão cair muitas vezes, até que ele o aprenda sozinho. Neste caso inocência significa somente ignorância e suas conseqüências.

Assim se explica por que a nossa vida é uma série de provas. Isto é, porque ela é uma série de coisas a aprender. É exatamente o fato de não saber que nos leva à necessidade de aprender para chegar a conhecer. E, se não sabemos, tantas vezes deveremos pagar por nosso erro, até que não erremos mais. Assim, se faço o mal, é porque não compreendo que com isso estou simplesmente atirando sobre mim o mal que depois me atingirá. Se compreendesse, não o faria A sua eliminação, então, não se pode conseguir senão através do conhecimento, o qual, assim conquistado, constitui trabalho fundamental da vida.

Concluímos, recapitulando a série das fases interiores do fenômeno em seu desenvolvimento. Aquela pessoa era constituída por um tipo próprio de personalidade que, dadas as suas qualidades, não podia funcionar senão como de fato funcionou. Aparece um problema e esta pessoa resolve-o pela única maneira que lhe é possível, isto é, segundo a própria natureza. Representando esta uma construção não aderente aos princípios da Lei, em vez de um bem, alcançam-se efeitos maus, a cargo do autor daquele mal. A corrente de forças negativas de uma pessoa é canalizada dentro de seus limites e não muda a corrente de forças positivas da outra. Esta não fica prejudicada, se não semeou o mal. Enquanto o defeito é rapidamente sanado para ela, à outra cabe, por sua vez, urna reparação definitiva. Assim encerra-se o incidente de duas maneiras opostas, mas recebendo cada um igualmente aquilo que mereceu. Eis que o mesmo fato pode produzir efeitos diferentes, segundo o comportamento de cada um diante dele.

Esta concatenação de passado, presente e futuro, estabelece e mostra-nos qual é a linha de desenvolvimento de um destino, entendido como um futuro preestabelecido. As qualidades do indivíduo estabelecem o seu modo de resolver os problemas e daí, pois, de receber as conseqüências disso. Eis que, como no passa do estão as causas determinantes do presente, assim no presente podemos ler qual é o futuro que ele nos prepara. É assim que se pode prever o desenvolvimento de um destino, porque ele não é senão o desenvolvimento da semente que carregamos conosco. Nada nasce do nada. Qualquer fortuna ou infortúnio nos vem do exterior; de cada coisa não saberemos fazer outro uso senão o estabelecido pela nossa natureza. Assim, um destruidor, seja qual for a fortuna  que tenha, ele fatalmente a destruirá; e um construtor, seja qual for o infortúnio que tenha, e e saberá supera-lo.  Vimos como também em um caso comuníssimo da vida funciona a Lei e qual foi a técnica do fenômeno em relação a ela.