Observemos agora um caso do mesmo tipo do precedente, mas com tintas mais fortes, isto é, com uma carga de forças mais potentes Também aqui os elementos constituintes do fenômeno são dois, dados por dois tipos de personalidade opostos, um construtivo, que não produz senão o bem a seu redor e outro destrutivo, que não produz senão o mal Eles são marido e mulher e vivem na mesma casa sob as mesmas condições. A sua natureza é, porém, diferente e cada um a segue com uma conduta diversa, alcançando resultados finais opostos. Eles são, para a mulher, uma vida familiar tranqüila; para ele, a morte. Observemos como se desenvolve este caso que tivemos sob os olhos, para ver sempre melhor como funciona o mecanismo da Lei.

O desenvolvimento do fato faz-nos pensar que para cada um dos dois tipos fosse assinalado na partida um destino com caracteres de fatalidade ao qual era impossível fugir. Mas temos visto que estes caracteres de fatalidade dependem da estrutura da própria personalidade, que não sabe e não se pode manifestar senão de acordo com sua natureza, impondo a conduta que depois leva àquelas dadas conseqüências. A premissa à qual cada um dos dois estava inexoravelmente ligado era a sua natureza, era a trajetória de sua vida, já lançada em uma determinada direção, portanto com tendência fatal a continuar avançando naquele sentido. O que estabelece a fatalidade de um destino no desenvolvimento de uma vida é o fato de que o indivíduo, qualquer que seja o problema que deva enfrentar não sabe ver senão com os olhos  que tem não sabe obedecer senão aos impulsos que possui, não sabe comportar-se senão seguindo a sua forma mental. Isso é o que acontece até quando a direção errada, porque contra a Lei, não leva o indivíduo a bater de encontro à sua resistência, que não admite ser violada.

É este ponto que desejamos pôr em foco. A Lei quer que se aja a seu modo. Assim, quando o homem sai da estrada, obriga-o a retornar a ela. Se ele erra, porque não tem consciência da presença da Lei, esta, à força de provações, obriga-o a adquirir aquela consciência. As provações que se devem superar no processo evolutivo têm exatamente esta finalidade. A técnica do fenômeno é automática. Efetua a violação, chega a correção. Fugir a este fato significaria paralisar a evolução, o que seria a falência da vida diante de seu fim maior. A Lei sustenta quem com ela concorda, mas resiste a quem pretende seguir uma vontade contrária a dela. É inútil procurar impor-se. A quantas leis tiveram que obedecer os astronautas que foram à lua! E se uma delas não tivesse sido obedecida, isto podia significar a morte. É por esta razão mesma que, querendo fazer o mal, o indivíduo que vai contra a Lei, expõe-se a toda espécie de dificuldades, não tendo outra saída senão suportá-las.

É esta inexorabilidade e potência da lei, ao impor sua férrea disciplina, o que mais impressiona quem chega a compreender. Ele, porém, conforta-se, constatando que se trata de um poder segundo a justiça, de modo que, para o homem justo, ela não somente não representa uma ameaça, como ainda é o conforto de uma proteção. Em suma, a Lei é uma máquina cheia de engrenagens. Se nós nos colocamos no lugar devido, elas nos levam avante, para nossa vantagem, mas se nos colocamos em posição contrária a seu movimento, elas nos destruirão.

Isto é o que aconteceu no caso agora tomado para exame. O que nos dá garantia de segurança é que, se pusermos os precedentes no sentido do mal, esse será por nós, recolhido; e, se pusermos aqueles precedentes no sentido do bem, as conseqüências para nós não podem ser senão boas.  Compreendido o funcionamento da Lei, podemos levá-la a dar-nos aquilo que quisermos, porque nos pertence por o termos merecido. Ter conseguido provar experimentalmente a verdade deste fato e entendê-lo racionalmente, é suficiente para dar à conduta humana algumas diretrizes novas com resultados favoráveis sem precedentes.

Mas voltemos ao caso aqui em exame. Se este difere do precedente pelas dimensões do fato, permanece porém imutável o princípio pelo qual tudo corresponde ao mérito, isto é, as conseqüências são proporcionais às causas postas em movimento pelo indivíduo. Ele, o marido, não era nada de bom. Tinha uma loja que dava para viver, mas à custa de negligência e erros, teve que abandoná-la. Então meteu-se a ser barbeiro e ela, empregada doméstica. Mas era dado ao álcool, esperdiçava o pouco que ganhava, enquanto ela trabalhava rijo e economizava. Assim, com suas economias, ela conseguiu comprar um terreno e construir uma casinha. E tinha a seu cargo duas filhas para criar, mais um filho doente para manter. O marido não dava nenhuma ajuda. Aparecia em casa, à noite, bêbado, para gritar e maltratar a mulher.

Chegaram assim à separação legal. Ele foi para seu lado, levar a vida a seu modo; mas sendo o marido, pretendia o valor da metade da casa. Isto significava vendê-la, para que ele pudesse desperdiçar metade do que fosse obtido em farras e a família fosse lançada à rua.

Observemos a linha diferente de conduta das duas partes, constituindo o precedente que justifica, segundo a lei de justiça e do mérito, as conseqüências a que depois se chegou. A mulher lutou, resistiu, salvou a casa. Nesta fase preparatória e determinante da conclusão que veremos, cada um dos dois andava acumulando os impulsos que, chegados a um certo ponto de saturação, foram decisivos e explodiram, resolvendo o caso. Ele percorria impetuosamente o caminho do mal, que era o de sua perdição; ela, subindo com fadiga, percorria o caminho do bem, que seria o seu bem.

O fenômeno caminhou assim, sempre amadurecendo mais para cada um dos dois indivíduos em sua própria direção, até que a última gota fez transbordar o copo. Isso foi devido a um incidente banal, mas que funcionou exatamente como catalisador resolutivo do caso. Ele, por viver ainda mais a seu modo, tinha ido para uma vila vizinha perto dos pais. E continuava a beber, piorando sempre. Andava assim perdendo cada vez mais o controle de si mesmo. Uma noite, dominado pelo álcool, saiu de casa cometendo loucuras ofensivas à ordem pública. Chamaram a polícia. Os pais entregaram-no a uma ambulância do pronto socorro. Foi levado ao hospital. Depois de duas horas estava morto. Assim o caso foi resolvido de modo rápido e definitivo.

É certo que ele não queria ir de encontro à morte, mas aos seus prazeres. Para fazer isto, ele não tinha levado em conta o mal que fazia aos outros. Então, em um dado momento, entrou em função a Lei com sua justiça. A culpa deste homem era a de ignorar que, com seu egoísmo, ele arruinava uma família. Talvez ele não tivesse consciência de tanto mal. Porém, mesmo que ele tivesse sido inocente por ignorância, a Lei não podia deixar de funcionar por isso, e deixar de ensinar-lhe a lição necessária, para que, com esta experiência, ele eliminasse a sua ignorância e assim se tornasse consciente.  Exatamente porque ele ignorava as conseqüências de suas obras, é que ele devia aprender a conhecê-las. É exatamente porque a criança não sabe caminhar, que deve cair para aprender a andar. Nem se pode pretender que as leis de equilíbrio cessem de funcionar para impedir que a criança caia. A Lei é justa, respeita o fato provocado pelo indivíduo e as conseqüências que dele derivam. Se a ele adveio o mal, isto aconteceu porque ele se pusera em uma posição errada, na qual deve aprender a não mais se pôr. Quando ele tiver escolhido o bem em lugar do mal, não lhe poderá advir senão o bem.

Aqui podemos acrescentar que a Lei para obrigar a aprender não só submete à prova o inocente, que o é por ser ignorante, como também quer que o bom seja bom, não por ser fraco, mas porque se impõe fazer bom uso de sua força. Então a virtude não consiste em não possuir armas, mas em tê-las e saber operá-las, visando o bem. Freqüentemente se considera bom quem é somente inócuo, mas que assim o é por ser inepto. A Lei quer o homem forte que faz bom uso da sua força. Não vale a bondade dada pela impotência em ser mau, o pacifismo de quem não sabe lutar. Não é virtude não fazer o mal somente por falta de força necessária para fazê-lo.

O que é admirável no caso que agora examinamos é ver como, com um só movimento, a Lei desatou todos os nós do problema num átimo, definitivamente e segundo a justiça. A Lei sem coagir aquele indivíduo, deixou-o andar por si mesmo em direção à sua liquidação. Guiou assim os dois elementos opostos, o marido de um lado e a mulher e família de outro, em direção à solução que os esperava, segundo a justiça; isto é, eliminou a presença do indivíduo negativo e o dano que dele derivava, suprimindo este homem que não tinha direito à vida; e libertou daquele mal a parte boa que era a família, salvando quem tinha direito à vida. Assim foi tudo sistematizado e a mulher pode continuar em sua casa para criar a sua família. Foi assim que, atingido este seu escopo bom, a Lei resolveu o problema. Ela deu a cada um segundo seu mérito, como quer a justiça.

Estes exemplos mostram-nos um fato que é de fundamental importância, isto é, que a Lei funciona obedecendo a um princípio de justiça. É assim que, embora os casos que narramos sejam diferentes, encontramos este fator constante, seja na técnica resolutiva do fenômeno, seja como espinha dorsal ou fio condutor de seu desenvolvimento. Este fato explica-se porque faz parte da lógica da Lei, implícito como um seu momento no princípio de ordem que tudo rege. Sem aquele princípio, tudo seria caos, enquanto, exatamente por causa daquela ordem, se o indivíduo tem deveres perante a Lei, quando os tiver cumprido ele poderá alegar para com ela os seus próprios direitos, porque sabe que ela é justa e os respeita.

O homem já percebeu, ainda que vagamente, a necessidade de uma justiça verdadeira e completa que supra as deficiências e relativamente da justiça humana, representando a fase última e resolutiva de cada vicissitude. A mente sente, por instinto, que, se devesse triunfar definitivamente a injustiça, a vida seria um fruto do mal e por isso invoca a mão de Deus Assim imagina outros códigos, outras injustiças, outros tribunais espirituais, e apoia-se na concepção apocalíptica de um juízo final. Mas ficamos no incerto terreno da fé das religiões. Teve-se assim a intuição da presença de uma outra justiça super-humana, mas não se soube analisá-la positivamente e não se possui a chave para fazê-la funcionar. A maior revolução de nosso século é que a moral sai do campo religioso e do incerto que a caracteriza, para tornar-se uma técnica racional da ética, na qual o mal é diagnosticado e previsto, a sua formação estudada, as suas conseqüências evitadas, desde que as causas sejam também afastadas. Descobrir-se-á então que, em nosso mundo, existe igualmente uma justiça verdadeira e completa, e que a ela se deve a presença da Lei de Deus. Mas, para chegar a isto, é necessário ter compreendido seu funcionamento, colocando cada coisa no seu lugar.