Cristo

Os novos conceitos. Deus uno e trino. Os três momentos da trindade. A Criação do Sistema. O Filho – 3ª pessoa da trindade. O nosso universo. A queda e o Anti-Sistema. O ciclo involutivo-evolutivo. O dualismo. Sistema e Anti-Sistema. A imanência de Deus. A Lei.

Propomo-nos em primeiro lugar, a compreender o significado do fenômeno da presença de Cristo na Terra. Façamos isto do mesmo modo pelo qual colocamos o problema no prefácio, isto é, em termos de lógica e com métodos de indagação racional, em substituição do mistério e da fé, tradicionalmente adotados, mas sempre que possível acompanhando-os lado a lado, e complementando-os. Não usamos estes últimos porque não são mais adaptados a forma mental moderna que, para aceitar uma verdade, exige, antes de tudo, compreender, enquanto no passado bastava crer somente.

Desse modo, aplicamos essa nova linguagem não ortodoxa porque nos dirigimos sobretudo aos ateus, as mentes positivas, habituadas a controlar a aceitabilidade de cada afirmação, nos dirigimos aos que não acreditam, pois nos parecem que mais necessitam de ser convencidos. Mas para chegar a tanto, é necessário usar sua própria linguagem e saber compreender as justas exigências de sua forma mental.

Saiamos da vida tradicional também porque os novos tempos são diferentes e um novo modo de pensar se esta generalizando. Não vivemos mais na época em que uma coisa era verdadeira porque assim tinha falado quem possuía autoridade. Usar tais métodos hoje, para quem deseja ser ouvido, é contraproducente. Falar claro, com sinceridade e convicção, é a melhor maneira para convencer.

Por isso tivemos de apresentar a figura do Cristo vista sob outros aspectos que lhe dizem respeito, não tradicionais, porém mais racionais, em relação à evolução da vida, de modo que aquela figura possa sobreviver e cumprir a sua função em nosso novo mundo, tão diverso do passado. Por isso levamos em conta até as objeções dos descrentes materialistas, desde que razoáveis e sinceras. Veremos, portanto, como esse modo de pensar aflore em vários pontos deste volume. E permitimos sua livre entrada a fim de que o leitor pudesse, imparcialmente, encarar todos os aspectos da questão, inclusive os que foram tradicionalmente silênciados.

Nascerão, então, dúvidas e contrastes, porque esta exposição não segue apenas um único ponto de vista nem colima para uma só conclusão preconcebida. Poderá, assim, verificar-se um choque entre diferentes perspectivas de visão. Com efeito, este é um livro de batalha, nascido numa época de lutas, feito para pensar, e não para descansar. Sendo assim, o esforço de responder as questões, visando solucionar os problemas, é muitas vezes deixado ao leitor, para que a verdade alcançada não seja apenas uma dádiva gratuita, mas sim consequência de uma sua laboriosa e, portanto, merecida conquista e não apenas uma dádiva gratuita.

Num clima de revolução como o atual, que invade todos os campos, o conformismo resolve-se em contestação e o não-conformismo na disciplina e na obediência. Para alcançar a mais completa visão possível do Cristo, era mais que oportuno ouvir também as vozes discordantes. E assim que neste escrito não apresentamos a figura do Cristo na sua forma clássica convencional de preferência, mas a do discutido Cristo da contestação. Prossigamos por ordem e comecemos por nos orientar.

Para o leitor possa admitir muitas das afirmações sobre as quais nos baseamos, é necessário lembrar que as mesmas foram demonstradas nos 23 volumes da Obra que antecedem este aqui. Neste só podemos nos limitar e resumir num quadro sinótico a teoria geral da Obra que dessas afirmações constitui a base. O nosso trabalho de índole intuitiva foi conduzido com método dedutivo, partindo de princípios gerais para descer aos particulares. Uma vez neste nível, para compensar a unilateralidade daquele método, operou-se um controle racional analítico capaz de confirmar a verdade das conclusões alcançadas. Reportemo-nos, pois, aos princípios gerais.

Falando de Cristo não se pode deixar de falar também de Deus. Comecemos, pois, pelas origens: "No princípio era o Verbo" (....). Embora definido como mistério, aquele Deus Uno e Trino deve conter, dentro da sua veste mitológica, um fundo racional inteligível. Desse tipo deverá ser a nova teologia se quisermos que na mesma possa a substância da velha sobreviver. Não negamos, portanto, a trindade, mas procuramos explicá-la. Não sei se o mistério é obrigatório e se o querer compreendê-lo seja heresia. Mas é certo que Deus não pode desejar a ignorância de suas criaturas e culpá-las por terem procurado a luz. O não compreender pode ter sido virtude do passado, porém, não mais no presente.

A Divindade se distingue em três momentos que constituem a sua trindade.

No primeiro momento, Deus é uma inteligência que pensa numa ideação abstrata, isto é, efetua a concepção da Lei ou formulação do Plano e Princípios que regularão o funcionamento do existir do Todo. Neste momento estamos ainda na fase de concepção mental.

No segundo momento, Deus é uma vontade realizadora daquela ideação abstrata. Passa-se, assim, da concepção da Lei ao seu funcionamento, e da formulação do Plano a sua atuação. Este momento representa a fase da ação.

No terceiro momento Deus é a sua Obra realizada, na qual a ideação abstrata, atuada por uma vontade realizadora, alcançou sua expressão final e definitiva em um organismo funcionante, segundo a ordem pensada e desejada pelo próprio Criador.

Assim nos três momentos, da ideia, por meio da ação, se atinge a sua realização. Eis então que na Trindade do Tudo-Uno-Deus temos três momentos:

I    - o Pensamento

II    - a Ação

III    - a Realização

correspondentes a três aspectos deste Todo:

I – Inteligência  que concebe

II    - Vontade que executa

III    - Obra realizada

pelo que temos três modos de existir do mesmo Tudo-Uno-Deus, isto é, como:

              I- Espírito (concepção)

              II – Pai (verbo ou ação)

              III    - Filho (o ser criado).

Nestes três momentos ou aspectos ou modos de ser, o Tudo-Uno-Deus permanece sempre idêntico a si mesmo. Eis como pode ser o íntimo significado do mistério da Trindade, escondido durante séculos sob o véu do mito. Quem quiser aprofundar este tema o encontrara desenvolvido nos livros: Deus e Universo e O Sistema.

A expressão final da Obra de Deus, ideada num primeiro momento é a Criação na qual aquela Obra é realizada. É evidente que em cada um dos três momentos nos encontramos diante do mesmo Deus, que não muda intimamente na sua substancia. Resulta, portanto, lógica e compreensível a equivalência destes três modos de ser do mesmo Tudo-Uno-Deus, em perfeita harmonia com a tradicional imagem das três pessoas da Trindade. Elas, com efeito, são iguais e distintas, porque são a mesma pessoa em três aspectos e momentos diversos. Tendo que se expressar em termos antropomórficos de pessoa para ser compreensível pela forma mental comum, a tradição não podia manifestar-se diversamente.

É deste processo que nasceu a Criação, que foi chamada o Filho, gerado pelo Pai e permanecendo sempre idêntico a Deus. Nem podia ser de outra forma, porque Deus é necessariamente Tudo. Se ele não fosse tal, se algo pudesse existir fora e além dele, Deus não seria mais Deus. Não podia, portanto, acontecer senão uma criação no seio de Deus, interior, tirada dele próprio, que é o Tudo, dado que nada pode existir que não seja Deus.

Depois da criação, o Tudo-Uno-Deus continuou a existir, mas de uma maneira diferente, isto é, não mais como antes, qual um todo homogêneo, indiferenciado, mas como um sistema orgânico feito de elementos ou criaturas, disciplinado pela Lei e funcionando ordenadamente. Neste Sistema permaneceu Deus como inteligência central diretora (1º momento) e vontade realizadora (2º momento), expressa pela Lei, que é o código que rege e regula o funcionamento do organismo da criação (3º momento). Assim a Lei sintetiza Trindade, contendo seus três momentos.

A criação realizada é, portanto, constituída por um sistema orgânico de elementos hierarquicamente coordenados, dependentes da mente e vontade de Deus, permanecendo no centro do Sistema com funções diretivas. Este pensamento é também executivo, porque é constituído também pelas forças que levam a sua atuação. Assim o regulamento da existência permaneceu codificado por princípios estabelecidos pela Lei, que resulta constituída por aquele pensamento e por aqui sua vontade de realização.

Até aqui permanecemos numa fase de perfeição. A Obra de Deus, produzida por Ele é efeito daquela única causa determinante, não podia ser senão perfeita como era aquela causa. A originariamente indiferenciada unidade de Deus, conservando as suas qualidades, permaneceu íntegra no seu novo aspecto de unidade orgânica. Através desta elaboração interior, tudo continuou a ser Deus.

Esta criação, em seu estado de origem, nós chamamos de Sistema. Dado que esta palavra se repetirá frequentemente, nós a expressaremos com a letra maiúscula S. No S, os seres existiam em perfeita harmonia, no estado de puros espíritos, porque eram constituídos da mesma substância de Deus. Aqui, concebemos este estado em forma de S como derivado de um ato criador, o qual já vimos em que consiste. Tal concepção se adapta à tradicional, segundo a qual – pelo fato de, na sua forma mental, o homem estar habituado a observar que nada pode nascer senão de um ato semelhante.

A realidade da origem divina ficou impressa no ser, porque dela se originou. Assim, todos são filhos do Pai, e constituem o terceiro modo de existir do Tudo-Uno-Deus, isto é, o Filho.

Pode-se, agora, compreender porque afirmamos, aqui, que Cristo é realmente Filho de Deus. Ele como criatura do S derivara do Pai, era da mesma substância de Deus. É assim que podemos dizer que ele era a 2ª pessoa, pois era o 3º momento da Trindade É deste modo admissível que ele seja Deus, uno com o Pai, que é o Verbo criador, ao qual o Filho, como cada ser, deve a sua gênese. Compreendendo-se o fato de Cristo se referir constantemente ao Pai com um sentido de unidade e identidade, e falar de regresso ao seio deste. Isto porque os espíritos do S são sempre Deus, mesmo que no seu 3º modo de ser: o de Filho.

A Criação alcançada com o S é perfeita obra de Deus, por isso não se pode identificar com o nosso universo, pois este se apresenta com caracteres opostos. Este é material, enquanto o S é espiritual. Em nosso mundo encontramos a desordem, a ignorância, o erro, o mal, a dor, a revolta, a morte, todas qualidades negativas. Uma tal criação assim imperfeita não pode ter sido obra de Deus. Ela parece, de preferência, algo de corrupto, de enfermo, de invertido, levado aos antípodas do S e de sua perfeição. Deus representa o polo positivo do ser e o nosso mundo representa o polo negativo.

Nos dois volumes: O Sistema e Queda e Salvação, explicamos exaustivamente como este fato se deve a uma revolta de uma parte do S e do seu consequente desmoronamento. É assim que nasceu o ciclo involutivo-evolutivo, cuja primeira parte, a involução, representa a descida do espírito na forma matéria, e sua segunda parte, a evolução, representa o retorno ascensional da matéria ao espírito, isto e, o regresso ao S ou a Deus. Nós, neste nosso mundo, estamos percorrendo a segunda fase do ciclo: a reconstrutiva. Assim nasceu o relativo e o seu transformismo; assim a unidade de origem subdividiu-se no dualismo no qual estamos imersos. Mas aquela unidade será reconstituída pela evolução que leva de volta tudo ao S. Desse modo, o ser, em nosso universo, existe para redimir-se da queda, para resgatar-se do erro cometido perante a Lei, reintegrando-se na sua perfeição perdida. Assim o. mal será sanado e o Deus-Sistema permanecera imutável na sua perfeição, acima do parêntesis da queda-salvação.

A que o homem chamou de Criação, diz respeito à forma-matéria, que é para ele a própria realidade. Tal criação é o resultado do processo involutivo espírito- matéria, que representa o desmoronamento de uma parte do universo espiritual (S) criado por Deus, originando assim o universo físico (estrelas, planetas, luz, energia etc.). O comparecimento dos seres viventes aconteceu depois, por evolução, ao longo do caminho da ascensão. Explica-se assim a formação e a razão de ser de nosso universo, o significado e o escopo da sua existência. Então a criação atribuída a Deus pelo homem não é a verdadeira criação, que é a do S, mas sim o desmoronamento involutivo de uma parte dela, ao qual justamente se deve a gênese de um antiuniverso, cujas qualidades se revelam opostas às da criação efetuada por Deus. É por isso que chamamos Anti-Sistema a este antiuniverso. Assim como fizemos com a palavra Sistema, também aqui abreviamos esta outra, Anti-Sistema, com as duas letras maiúsculas AS.

Estamos, pois, num universo material excluído do S e sujeito, portanto — para reingressar nele — ao trabalho do transformismo evolutivo, presente em tudo o que existe. Encontramo-nos, pois, num relativo em movimento, porém guiado por uma Lei, volvido para uma meta e orientada por um ponto de referência, em relação ao qual tudo se move.

Eis que o Todo é constituído por dois sistemas — dualismo no qual, com a revolta e a queda, cindiu-se o S. Temos, assim, o S que permaneceu perfeito, e o AS decaído e corrompido. Este é um sistema emborcado, com qualidades opostas as do S, ou seja, do positivo levado ao negativo. O centro do S continuou sendo Deus, o centro do AS tenta — em vão — se constituir em outro centro (mas não passa de um pseudo-centro): o Anti-Deus, também chamado Satanás. A este é impedida qualquer afirmação pelo fato dele ser qual filho da revolta, uma inversão ao negativo. Quem, pois, verdadeiramente comanda, também no AS é Deus, que se exprime pela Sua Lei, que assegura o funcionamento de nosso universo Vemos sempre esta Lei em ação entre nós, o que nos mostra a presença de Deus. Ele permaneceu, sendo o centro do Todo, tanto da parte sadia (S), como da parte doente (AS). A criatura com a sua revolta só conseguiu emborcar a si própria, não o S. E é bom a presença de Deus no AS porque lhe dirige a evolução, assim como constitui sua redenção, isto e, o caminho de sua salvação. Esta fica, assim, garantida, o que é indispensável, porque sem a redenção a Obra de Deus estaria perdida. Isso é impensável, pois seria como admitir que um Anti-Deus pudesse afirmar-se definitivamente contrapondo o seu poder a Deus, que há de ser absoluto e universal, não podendo ser dividido com ninguém.

Tivemos de explicar tudo isto, resumindo-o de outros volumes anteriores. A descida de Cristo à Terra, sua pregação e sua doutrina ficariam incompreensíveis, se não estivessem ligados a este jogo de contrastes entre S e AS. Para entender Cristo, é necessário sentir a imanência de Deus neste mundo, que a Ele ficou sujeito como emborcamento ao negativo, e compreender que, apesar de contrastada pelas forças do AS, a Lei continua dominando também no AS, como o próprio Cristo nos testemunha com as suas constantes referências e apelos ao Pai. É pela presença de Deus e de Sua lei no AS que Cristo – a eles ligado e neles se apoiando – pôde afirmar-se no inferno terrestre, situado no polo oposto do ser. Isso, portanto, somente se deu porque, ao Seu lado e dentro Dele mesmo, ha- via Deus e a sua lei para sustentá-Lo. É por isso que Cristo pôde desafiar o mundo e vencê-lo, sendo força positiva mais potente do que qualquer força negativa.

Tudo isso de que falamos não é uma ordem de fenômenos experimentalmente reproduzíveis e controláveis. É necessário, todavia levar isso em consideração, se quisermos saber algo sobre as primeiras origens de Tudo o que existe. No entanto, se tais fenômenos não são experimentalmente controláveis, não deixam, porém, de sê-lo racionalmente. Existe, pois, o fato de que, com a interpretação que lhes demos, eles encaixam lógica e analogicamente com o funcionamento dos fenômenos ao nosso alcance, de cujas causas primeiras dão assim, uma explicação de que a ciência não dispõe. Com esta os problemas permanecem, mesmo se não são resolvidos. Eles não se resolveriam nunca se não existissem como problemas. Este seu concomitante entrosar-se na fenomenologia conhecida, completando-a na parte ainda ignorada, é uma prova de veracidade que poderá ser assumida pelo menos como hipótese de trabalho, como diretriz na busca de uma explicação dos fenômenos, mais completa e profunda do que aquela alcançável até hoje. Podemos, assim, obter um solução possível aos problemas teológicos, com maior aproximação possível da cultura moderna, ainda presa a considerações inaceitáveis.

O presente volume é dividido em duas partes: a primeira diz respeito à "figura do Cristo", a segunda ao "Evangelho e problemas sociais". Do Cristo se fala frequentemente nos 24 volumes da Obra. É assim que neste, que é o último deles, são expostos apenas os aspectos do tema não tratados anteriormente. Na segunda parte é exposta, deduzida do Evangelho, a doutrina de Cristo, sobretudo no seu aspecto social, que é o que mais interessa ao nosso mundo moderno.

Cristo e a sua doutrina são, neste volume, apresentados em forma diferente da tradicional, baseada no amar e no crer. Aqui, em vez, quisemos adotar a psicologia dos novos tempos, baseada no pensar e no compreender. Nos damos conta de que hoje vivemos em plena crise religiosa, que é crise de crescimento espiritual, pela qual o homem, de menino, se está tornando adulto, assumindo a respectiva forma mental. Acompanhamos este desenvolvimento apresentando um Cristo e sua doutrina, vistos com os olhos de um mundo mais maduro que entra na era da inteligência, pelo que ele não pensa mais com base nos impulsos instintivos do subconsciente, isto é, por sentimento e por fé, mas pensa consciente e controlado, seguindo a razão e o conhecimento.

Desta atitude nasceu um estilo que não é o do tradicional e cego conformismo, mas é de crítica que quer se dar conta de tudo. Expusemos, assim, ao leitor as mais variadas dúvidas, para apresentar-lhe depois a solução. Submetemos o Evangelho a esta crítica, mas para melhor compreender e não para demolir, para desbastar e chegar ao essencial e não para destruir, para encontrar o consistente que não cai com o tempo, e se alguma coisa cair, para reconstruí-la mais aderente à realidade. Esta franqueza poderá perturbar as velhas formas mentais. Mas, sem uma nova e mais substancial interpretação, o Evangelho pode em alguns pontos parecer inaplicável no mundo moderno e ser assim liquidado como doutrina inútil à vida. Procuremos, dessa forma — a risco de sermos julgados pouco ortodoxos — colocar-nos no momento histórico atual, que impõe em todos os campos uma renovação.

Depois disso, procuramos colher no Evangelho, para lá da letra, o que não muda com o tempo, porque constituído segundo os princípios estabelecidos pela Lei de Deus.  Um deles é o da evolução que leva à contínua superação de fases — da inferior à superior — no desenvolver-se da vida. A lei da evolução sobre a qual nos baseamos é um princípio biológico comprovado e universalmente aceito, e capaz de oferecer-nos uma sólida base para a interpretação do Evangelho. Pudemos, assim, eliminar a acusação de envelhecimento movida àquela Doutrina que caminha há dois mil anos.

Assim, enquanto o mundo está volvido a tudo contestar e demolir, aqui procuramos levar avante o trabalho positivo do construtor, sem o qual, à força de contestar, corremos o risco, de permanecer no vazio, sem as diretrizes, que são contudo  necessárias à vida, ou por ficar somente com os deploráveis sub-rogados das diretrizes tradicionais, o que significa retrocesso involutivo em vez de progresso. Outrora usava-se o método do autoritarismo e da aquiescência; hoje tende-se ao da liberdade e responsabilidade. O Evangelho, tendo sido dirigido ao homem menino de então, há de ser relido e entendido com a mente do homem adulto de hoje, situado perante problemas não são mais os mesmos de outrora.

Isto não somente é possível, mais é a exigência de progresso imposta pela própria lei da vida, que é a lei de movimento. O homem se ufana em apontar suas verdades como inalteráveis, mas inalterável é apenas o princípio da sua continua transformação. Todavia as verdades ditas absolutas são indispensáveis como referência e ponto final de chegada, e para dar um mínimo de estabilidade às posições que se sucedem ao longo do caminho, a fim de regular sua própria evolução.  Isto implica, pois, relatividade de compreensão e de juízo, a respeito daquelas verdades. Assim o escandalizar--se é compreensível em relação à fase precedente mais atrasada, o que seria impossível se aquela fase não estivesse superada de maneira a poder ser vista e julgada a partir de uma fase mais avançada. Enquanto se vive mergulhando num dado plano de evolução do qual se faz parte, não se percebem as diferenças que permitem o confronto, porque elas só poderão ser vistas de um diferente ponto de vista; nem tampouco, podem perceber-se seus respectivos defeitos, porque não foram ainda experimentadas suas tristes consequências. Assim sendo, dado que naquele grau inferior tais defeitos servem à vida, eles podem ser julgados como virtudes, enquanto o que é moral num determinado nível poderá ser reputado imoral passando-se a um nível mais avançado. Permanecendo imbuídos de uma dada forma psicológica não podemos compreender certos atos como errôneos. Só quando se sair fora daquela "forma mentis" poderão os mesmos ser diversamente avaliados e, consequentemente, condenados e evitados.

Isto acontece em relação à própria posição biológica de cada sujeito e ao nível alcançado. Assim, por exemplo, o corajoso assaltante, outrora considerado como herói, porque útil para a conquista e a defesa, hoje se começa a considerá-lo um delinquente, porque surgiu o conceito de pecado social, segundo o qual a virtude consiste, em vez, em não danificar o próximo. A evolução é uma construção na qual todos estamos trabalhando, elevando-nos assim, sempre mais.

Este volume sobre Cristo e sua doutrina acompanha, deste modo, os novos tempos, sendo racional e positivo para quem sabe pensar e quer compreender, sem excluir, antes, procurando levar a este nível quem segue a psicologia do sentimento e da fé. Aliás, livros deste tipo sobre Cristo não faltam. Mas aqui, em vez de contrapormos as suas formas mentais, procuramos conservar o bem e a verdade que existe na velha, iluminando-a com a nova em via de afirmação. Estamos, pois, em fase de transição e este livro a acompanha, procurando ajudar o novo a nascer do velho.

Alguns poderão escandalizar-se com afirmações que são, hoje, novas, mas que serão amanhã aceitas por todos. Na minha longa experiência de vida isso aconteceu repetidas vezes e o fato se repete com frequência crescente. Assim este livro que poderá, hoje, parecer batalhador, tem, porém, a função de purificar; e se alguém poderá julgá-lo como condenatório, na realidade só visa a apontar o desenvolvimento. Todavia ele não é um livro de contemplação, mas de luta, voltado, porém a um fim feliz, porque o trabalho de demolição — se tal possa parecer — finaliza-se com a reconstrução. O mesmo não se dirige a nenhum determinado grupo humano, e sim, à Lei, isto é, não visa à divisão, mas à unificação; por isso não tende ao separatismo, pois volve-se em direção ao Sistema. Com efeito, aquela Lei é apresentada em forma positiva, racionalmente controlável, não como abstração teológica ou mera aspiração mística, mas como realidade biológica que a todos nós estrutura e que se poderá experimentalmente analisar. É verdade que deste modo a figura do Cristo tende a ser em parte desmistificada, mas se algo se perde como criação de arte e beleza poética, em compensação, muito mais ela ganha em veracidade e, portanto, em aceitação racional.

 Atinge-se assim uma interpretação do Cristo não só reservada a quem crê, mas também a quem pensa: um Cristo para adultos visto não só pela fé, mas também com a lógica e a razão, bem mais convincentes porque mais adequadas à mentalidade positiva do homem moderno; um Cristo que também o ateu pode levar em consideração, porque lhe é proposto sem esquecer os termos da sua forma mental. Tal universalidade de resultados conduz à unificação, o que é um progresso.

Este livro é uma tentativa para canalizar a revolução interior que já está em ato secundando-a, mas em forma de continuação do passado, de sua complementação e enriquecimento, no caminho da evolução.  Apresentamos assim um Cristo logicamente implantado na estrutura físico-espiritual de nosso universo, de maneira que o homem novo possa continuar a utilizar, de forma mais adequada aos novos tempos, a ideia salvadora por Ele oferecida.

É assim que deixamos de lado o aspecto humano do Cristo, para vê-lo sobretudo em seu aspecto cósmico e divino, como representante do Pai, vindo para fazer-nos conhecer a sua Lei, para ensinar-nos e ajudar-nos a subir a Deus, levando-nos consigo do Anti-Sistema ao Sistema.

                                                  *   *   *

O presente volume representa o termo conclusivo de uma Obra em 24 volumes perfazendo cerca de 10.000 páginas. Trata-se de um longo caminho, em que este escrito representa a fase de maturação alcançada — à guisa de coroamento.

É o resultado de quarenta anos de trabalho, que vão de 1931 a 1971. Desenvolvem-se concomitantemente às transformações históricas deste período, do qual acompanhou o desenvolvimento que vai do velho conservadorismo estático ao nosso tempo de abertura. A Obra, antes que este chegasse, foi desde o seu início inspirada no espírito de renovação — hoje atual — sendo até — no começo - condenada por "erros" que não são mais, hoje, considerados como tais: e foi profética — a despeito de sua condenação — porque hoje se revela bem mais realizada de quanto não tivesse previsto. Podemos, portanto, acreditar que, resultando deste modo inserida no momento histórico atual, esta Obra tenha nascido em função dele.

Podemos dizer, agora: esta fase da Obra está completa, bastando  observar o ritmo musical, segundo o qual ela se desenvolveu e se concluiu. Ela nasceu no Natal de 1931 e terminou neste Natal de 1971. São exatamente quarenta anos, situados no centro do século XX, isto é, entre os primeiros trinta anos do início (1901 a 1931) e os trinta anos depois da sua execução (1971 a 2.000). Estes quarenta anos podem dividir-se em dois períodos de vinte anos cada. No primeiro deles foi escrita a "primeira obra", na Itália, até 1951, época da mudança de seu autor para o Brasil; no segundo período foi escrita a "segunda obra", no Brasil, até 1971.

A Obra foi iniciada na metade da minha vida, aos quarenta e cinco anos de idade. A minha vida de trabalho vai, assim, dos cinco aos oitenta e cinco anos. Na primeira metade, que vai dos cinco aos quarenta e cinco, cumpriram-se quarenta anos de preparação, através de várias vicissitudes. A segunda metade, que vai dos quarenta e cinco aos oitenta e cinco anos, compreende os quarenta anos de compilação da Obra. Assim, após um período de preparação igual ao de sua execução, ela foi iniciada precisamente na metade da minha vida, ou seja, aos quarenta e cinco anos.

Na introdução ao volume Profecias, terminado no Natal de 1955, apontei o ritmo dos quatro períodos de vinte anos que constituíam a minha vida. Observei então que o primeiro vai dos cinco aos vinte e cinco anos (1891-1911), o segundo dos vinte e cinco aos quarenta e cinco (1911-1931), o terceiro dos quarenta e cinco aos sessenta e cinco (1931-1951). Concluí assim que o último período da minha vida deveria ser dos sessenta e cinco anos aos oitenta e cinco anos (1951-1971). O controle da última parte desta contagem se podia fazer somente hoje.- Pois bem, ela sucedeu como fora previsto em 1955. Naquele ano escrevia no referido volume Profecias (Gênese da II Obra): "O atual quarto e último período da minha vida deveria durar até completar os meus oitenta e cinco anos. O meu trabalho deveria durar, aqui no Brasil, até o ano de 1971.

Uma outra coincidência: a Obra se iniciou com "Mensagens Espirituais" que vão de 1931 (Natal) a 1933 (Páscoa). Tais mensagens param nesse ano em que decorre o XIX centenário da Morte de Cristo, para continuarem depois — à guisa de um ritmo decenal — com uma mensagem em 1943 e outra em 1953.

Uma harmonia assim, não previsível e só percebida agora que ela aparece visível depois de terminado o trabalho, isto é, independente do meu conhecimento e vontade enquanto escrevia a Obra, faz pensar na presença de uma mente oculta, organizadora e diretora, e na harmonia que caracteriza a positividade da Lei nas suas obras de tipo benéfico.

Esta ideia me conforta. As teorias desenvolvidas na Obra as apliquei e vivi. E dado que as experimentei, sinto com justa razão que elas são verdadeiras. Dá-se, além disso, o fato de que, durante quarenta anos, e num mundo revolto pelas guerras, a Obra continuou a desenvolver-se, — eu diria com exatidão cronométrica — vencendo mil obstáculos, enquanto desmoronavam nações e desapareciam personagens que com esta mesma Obra tiveram relacionamento, e eu me transferia para o oposto hemisfério. Este fato revela que a Obra é sustentada por uma força interior e dirigida por um princípio ordenador que é típico da Lei e que com o acaso não se coaduna, pois este é desordem, incapaz, portanto, de manter uma tal ordem durante tão longo período. Ora, onde existe ordem deve existir uma Lei e, se como neste caso se verifica que ela não depende de nossa vontade, nem de cálculos e previsões, então não se pode deixar de pensar que esta mesma ordem provenha de uma outra fonte. Quem compreendeu a Obra bem sabe onde se encontra a ordem e de onde provem. Naturalmente poderá parecer ousado afirmá-lo. Com efeito, nos encontramos, aqui, perante um fato e é, pois, lícito e natural, se procurar uma explicação que satisfaça a razão e o sadio desejo de compreender.

Natal de 1971.