"Rio de Janeiro, 4 de junho de 1954.

Nazarius,

Estou aqui, no Copacabana Palace Hotel, num turbilhão de Trabalho, que não me deixa tempo de sobra. Espero, na próxima semana, voltar para casa. Há duas semanas que estou aqui no Rio, mas desta vez não vou à sua cidade.

Não se escandalize, nem fique admirado, por encontrar-me neste hotel, acredito seja o maior do Rio. Estou aqui hospedado com amigos de outro hemisfério que não conseguiram encontrar-me na Europa. Estou na praia, sempre de paletó e gravata.

Para viver um dia neste hotel se gasta tanto quanto uma família precisa por um mês em sua cidade. Que escândalo, é uma vergonha! Aqui tudo é mentira, esta é a punição da riqueza, coitados dos ricos!

Estou cansadíssimo desta vida aqui. Maior a riqueza, maior é a mentira. Nesta grandeza, estou com saudade da sua casinha pobre, onde se acham corações singelos.

Quantas coisas e pessoas diferentes no mundo! Eu prefiro meus amigos simples e sinceros, humildes e dedicados que encontrei na sua cidade. Estou falando cinco línguas e no fim se mistura tudo. O ambiente é de luxo, de orgulho, de mentira – uma coisa horrorosa.

Preciso utilizar cada minuto para escrever a todos. Estou lhe escrevendo no restaurante. Já precisei adiar meu retorno a S. Vicente – sempre surgem coisas novas a fazer – mas amanhã, sábado, dia 5 de junho vou sair.

Neste turbilhão da grande cidade, estou cansa-díssimo e com vontade de fugir.

Saudades aos amigos, lembranças ao Clóvis e à família.

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

Se o leitor confrontar as duas últimas cartas, vai descobrir o verdadeiro franciscanismo de Pietro Ubaldi. Viveu os dois ambientes, o da pobreza e o da riqueza, em menos de dois meses. Saiu de uma casa pobre, com o telhado à vista, onde permaneceu 11 dias, para um mês depois encontrar-se num ambiente de luxo, conforto e riqueza. Estava ali hospedado com todas as despesas pagas por dois americanos. Ubaldi era famoso e poliglota. Seu interesse estava ligado à divulgação de A Grande Síntese nos Estados Unidos. Já existia em inglês, publicação da LAKE ( Livraria Allan Kardec Editora ), no Brasil. Á medida que o tempo passava, aquela permanência no Copacabana Palace Hotel se tornava um fardo difícil de ser carregado: “Neste turbilhão da grande cidade, estou cansadíssimo e só tenho uma vontade, a de fugir.”

Depois que o ser descobre o outro mundo, o da grande luz e quando essa luz brilha dentro dele, torna-se impossível viver na escuridão. O ser ligado ao mundo material quando muito reflete a luz que lhe chega do exterior, assim mesmo se houver espírito de retidão e propósito de fazer o bem. Mas, o ser evoluído, ligado ao mundo espiritual, tem luz própria.

Pietro Ubaldi nunca se preocupou com o Francis-canismo exterior, para ser observado e elogiado pelos outros, mas com o interior, bem dentro de si mesmo.

Recordando sua vida – a infância, a juventude e a maturidade (até aos 45 anos) –, ele que conheceu de perto a riqueza e a tudo renunciou, seguindo o exemplo de S. Francisco, não poderia gostar daquele ambiente luxuoso. Exatamente há vinte e sete anos, em 1927, quando fez opção pela pobreza franciscana, escreveu páginas maravilhosas com o título: “Os Ideais Franciscanos diante da Psicologia Moderna” (v. Fragmentos de Pensamento e de Paixão), em que as virtudes franciscanas foram transportadas para nossos dias, experimentou-as e foi vitorioso. Um franciscano autêntico não retrocede, sabe que está evoluindo e se encontra no caminho do paraíso. Diz ele: “As três virtudes franciscanas representam o ciclo da redenção, isto é, a destruição completa do homem e a reconstrução total do super-homem. Elas desejam, antes de mais nada, destruir profundamente a animalidade humana, desferindo-lhe um golpe mortal a fim de eliminá-la. (...) São Francisco, grande senhor de recursos espirituais, foi um mestre de reconstrução.”