"S. Vicente, 14 de novembro de 1957.

Nazarius,

Agradecido pelas suas boas palavras, pelo seu convite e pela boa vontade de ajudar-me.

Amarguras chegam de todos os lados. A vida é uma luta feroz e você mesmo está mergulhado nela. Escreva-me se precisar de qualquer coisa.

O caminho é a crucificação. Sem crucificação não se pode encontrar a sublimação.

Não se pode fazer a própria vontade, mas obedecer à vontade de Deus, aceitando-a.

Apesar de nossos defeitos, devemos sempre fazer o bem.

Espiritualizar-se sempre mais deve ser a meta de cada um.

A vida é um caminho e vamos sempre andando ao longo dele. Nunca se pode voltar para trás. É preciso ir para frente, encontrando estações e paisagens diferentes. É sempre uma mudança contínua para todos.

O caminho do Cristo é espiritualização, mas é muito duro vivê-lo de verdade.

Um grande abraço, desejando felicidades de todo o coração, a você e a todos os seus.

Pietro Ubaldi"

 

"S. Vicente, 28 de dezembro de 1957.

Nazarius,

Estou muito atrasado em responder-lhe, peço desculpas.

Nestas férias será impossível eu viajar.

Não sei se já lhe falei que estive doente de gripe, uns dez dias, com febre, assim tive de ficar de repouso. Ela me deixou esgotado. Aproveitei para trabalhar, o que foi muito útil. Sempre trabalhando e o dever acima de tudo.

Lutemos para que o espírito seja o vencedor neste mundo. Para mim o caminho foi longo e a luta tenaz.

Mas graças a Deus, tudo vai acabar, também a vida física, que considero a maior pena e condenação para um espírito um pouco adiantado. Vou libertar-me deste mundo e a hora está se aproximando sempre mais. Não é urgente, mas se aproxima. Que maior satisfação se pode pedir, se não aquela de afastar-se desse mundo para sempre?

Isto poderá ser triste para os outros que ficam, não para mim que sei para onde vou, depois de ter sofrido bastante. Para mim isto é alegria.

Obrigado pelo telegrama. Desejo-lhe, também, toda felicidade junto dos seus e todo sucesso desejado. Oro sempre a Deus por você.

Um grande abraço,

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

Ao ler as confidências acima, somos levados a repetir alguns pensamentos, para maior reflexão:

“Amarguras chegam de todos os lados.”

“Sem crucificação não se pode encontrar a sublimação.”

“A vida é um caminho e vamos sempre andando ao longo dele.”

“Para mim o caminho foi longo e a luta tenaz.”

“Vou libertar-me deste mundo e a hora está se aproximando sempre mais.”

“(...) sei para onde vou, depois de ter sofrido bastante.”

Não podemos imaginar que estas palavras, escritas a seu amigo Nazarius em duas cartas seguidas, fossem apenas para encher folhas de papel. Elas expressam o seu estado de espírito naquele período de grande sofrimento. Não tinha pressa, mas seu único desejo era o de partir deste mundo. Compreendia a sua dor, mas não era um masoquista. Se tinha certeza do seu estado evolutivo e sabia para onde iria após a morte, a sua maior felicidade foi alcançada quando ela chegou, em 29 de fevereiro de 1972.

Hoje, o martírio não é só morrer na guerra ou de fome, pelo desamor entre os homens, é, sobretudo, espiritual. Para um ser evoluído, o martírio está na falta de meios à sobrevivência, em sofrer perseguições, em ser desprezado, incompreendido, traído, em não ser amado (tendo distribuído tanto Amor para a humanidade inteira). Esse foi o martírio de Pietro Ubaldi. Ele foi um mártir, em pleno século XX.