"S. Vicente, 2 de março de 1958.
Nazarius,
A sua carta demorou 16 dias para chegar. Neste ano não tive férias, fiquei em casa sempre trabalhando. Os meus foram descansar só uma semana, no mês de março.
Faço votos e oro também a Deus para que tudo corra bem no seu trabalho e alcance todo sucesso.
Esperamos que seja vitória e não derrota. Espero as notícias, logo que for possível.
Quando esta carta chegar, tudo estará acabado e você poderá descansar. Perguntou-me a respeito da saúde. Não estou doente, mas percebo enfraquecimento geral, um cansaço contínuo. São os primeiros sinais da libertação final, que tanto almejei. Isto é motivo de alegria. Que poderia desejar mais do que a alegria de fugir deste mundo de feras? Tenho compaixão dos moços que ainda têm de viver. Mas eles não sabem e é bom não saberem. Além disso, têm mais força e menos sensibilidade. Deus ajuda a todos. Ajudará a você, como ajudou a mim.
Viajar se torna sempre mais difícil para mim.
Conseguiremos um dia encontrar-nos para trocar idéias, depois de tantos anos, quantos são?
Se o pacote de Belo Horizonte não chegou, não se preocupe. Escrevi para saber do próprio remetente.
Agradeço-lhe pelas suas boas palavras, pelos votos de saúde e preces a Deus.
A vida é assim feita para sofrer e aprender. Agradecemos sempre a Deus.
Saudades a todos e votos de felicidade,
Pietro Ubaldi"
COMENTÁRIO
Os encontros que aconteciam a cada seis meses, tornaram-se sempre mais difíceis por muitas razões:
– O discípulo já havia aprendido bastante e precisava colocar aqueles ensinamentos em prática. A oportunidade foi singular: Estava na Capital e os atrativos do mundo eram muitos. Assim era a vontade da Lei, mas Nazarius não sabia. Tentando seguir as pegadas do mestre, também acompanhava os acontecimentos para obedecer à Lei. O último encontro foi a um ano, quando Pietro Ubaldi veio ao Rio de Janeiro, em 27 de abril. A amizade era tão sólida que um tempo pequeno parecia tão grande: “Conseguiremos um dia encontrar-nos para trocar idéias, depois de tantos anos, quantos são?”;
– Os problemas para Pietro Ubaldi se avolumaram de tal ordem que lhe dificultaram viajar. Não somente a doença da esposa, mas sobretudo a velhice, próximo dos setenta e dois anos. “Não estou doente, mas percebo enfraquecimento geral, um cansaço contínuo.” Ele tinha consciência da sua importância para o progresso espiritual do mundo e não podia desperdiçar suas energias com viagens que não fossem a favor da Obra. “Viajar se torna mais difícil para mim”.
Os espinhos que dilaceraram sua carne eram tantos, que o fizeram sempre desejar a morte, como “libertação final” e “motivo de alegria”. A sua dor não era a de um desesperado, mas de alguém que compreendeu a sua função criadora e redentora. Sofrer, todos sofrem, mas compreender a razão de seu sofrimento é privilégio de poucos e depende da sensibilidade e evolução de cada um.
Reconhece que os jovens têm mais forças e mais energias, mas têm menos sensibilidade e não sabem o futuro que lhes espera. Por isto afirmou: “tenho compaixão dos moços que ainda têm de viver.” Ele viveu bem, espiritualmente, e soube atingir a meta maior, a serviço de Cristo. Aqueles que não têm um objetivo superior na vida, esta se torna vazia e eles se tornam dignos de compaixão.