"S. Vicente, 27 de novembro de 1964.

Nazarius,

Respondo as suas cartas de 7 e 18 de novembro.

Agora, um resumo de todo o assunto.

É verdadeiramente uma pena para mim não poder ficar com você neste verão. O Cônsul se ofereceu para buscar-me e levar a Montevidéu. Se não for agora, depois será sempre mais difícil. Além disso, esta viagem vai ser importante, um dever, para divulgação da Obra. Não viajarei pelo Uruguai, nem irei à Argentina. Todos irão a Montevidéu. O Cônsul está planejando tudo. Se eu me recusasse, poderia parar o desenvolvimento da Obra.

Quando voltarei, não sei. Pode ser no início de fevereiro. É difícil prever e tomar compromissos. Ficarei em contato com você, por carta ou por telegrama, informando-o de tudo e de todo o nosso trabalho lá.

Como você vê é preciso adiar o nosso encontro para depois da minha viagem.

Lembro-me dos cuidados que você e Leinha tiveram para comigo.

Agora que estou velho todos me procuram. Passei tantos anos sozinho e abandonado! As coisas sempre chegam quando não precisamos, e quando precisamos, elas nos faltam.

Acabei de corrigir as provas do livro: Queda e Salvação, são quase 500 páginas. O trabalho não falta, apesar do barulho e preocupações. Perante a janela do meu quarto estão fazendo um prédio de 15 andares, fechando tudo. Enquanto constróem, estão serrando madeira e batendo pregos, todo dia. Tenho de trabalhar com a janela toda fechada e os ouvidos tapados de algodão.

Esta é a vida.

O artigo de Teilhard de Chardin, que escrevi em Grussaí, já saiu em italiano, na Itália. Sairá, agora, na revista Espiritus, de Pastorino.

Saudades a Leinha e a todos os amigos de Campos.

Um grande e saudoso abraço agradecido do seu

Pietro Ubaldi"

COMENTÁRIO

A velhice não o encoraja mais às grandes viagens, nem mesmo às pequenas. Mas, como seu espírito é forte, sempre dominou e continua dominando o seu corpo frágil, reage e se propõe a ir a Montevidéu, mais um sacrifício em favor da Obra. Observa-se que a vontade de Deus está em primeiro lugar.

Tem muito trabalho em São Vicente. As revisões tipográficas cansam-no bastante. Em homenagem ao livro que acabou de ser revisto. Queda e Salvação, oferecemos este belo parágrafo:

“Impelido pelo desejo irresistível de encontrar-me num mundo melhor, evadindo-me do selvagem estado atual, procurei desesperadamente outro lugar; sufocado pela terrena atmosfera de engano, egoísmo, esmagamento e ignorância, fugi em busca de sinceridade, bondade, honestidade e conhecimento. Tive de viajar muito, mas encontrei o que procurava. Atrás dos bastidores desta peça humana de teatro, suja e trágica, me apareceu uma realidade mais profunda e verdadeira, a do espírito. Quando tive perante a vista o plano geral do universo, o horrível presente se completou num melhor amanhã, numa radiante visão de conjunto, em que a futura felicidade justificava os sofrimentos atuais. A certeza de que este amanhã tinha fatalmente de tornar-se realidade para nós um dia, que este futuro melhor estava garantido para o ser amargurado pela dor, pela irrefreável vontade da Lei de Deus, tudo isto me encheu o coração de esperança. Vislumbrei ao longo do caminho das ascensões humanas o lento e fatal aproximar-se do reino de Deus, em que Ele triunfa, vencedor das trevas. Foi esta para mim uma grande descoberta ter chegado a perceber dentro de cada coisa a imanência de Deus, não daquele Deus ao Qual se costuma orar só com a boca ou em Quem se tem de acreditar por medo; de um Deus não só estátua e imagem, mas que sentimos presente, em toda hora e lugar, vivo, operante entre nós. Pai que nos ama e ajuda a viver e a subir para nosso bem. Finalmente era possível sair da névoa das lendas, da fantasia, da ignorância, da fé cega. Finalmente uma visão clara do nosso destino, um apoio firme, um caminho certo, uma meta segura, a verdadeira vida.”