Prossigamos nos caminhos da evolução, que agora atingirá problemas mais substanciais, penetrando as camadas mais profundas da personalidade. Enfrentemos as mais altas fases da ascensão, mostrando o trabalho adequado para os tipos humanos mais elevados. Nossas construções são todas na consciência, a única a armazenar valores indestrutíveis. É em função dessas construções que concebo qualquer forma de atividade humana. Não vos abandoneis à inconsciência do carpe diem (aproveite o dia). Indispensável preparar-se o futuro. Não se pode dizer: gozemos, não há amanhã. Porque o amanhã chega e vos encontra despreparados. A inconsciência não evita as reações. É preciso enfrentar com seriedade e coragem muitos problemas individuais e sociais, que vossos ancestrais talvez não sentissem coletivamente mas que, sem dúvida, não resolveram. É necessário compreender tudo e refazer dos alicerces, especialmente o homem, que é apenas uma criança. Tendes diante de vós imenso trabalho, e apenas o começastes. Deveis realizar acima de tudo uma construção moral e maravilhosa e é para preparar-vos para ela que executei tão longa viagem, desde os movimentos primordiais até o espírito.

 A lei futura está, não há dúvida, no Evangelho do Cristo e se realizará no esperado Reino de Deus. Mas esta lei vos aparece hoje como um caso limite, de que só é possível avizinhar-se por aproximações sucessivas, por meio do uso inteligente das forças biológicas. As verdadeiras soluções partem do indivíduo e de seu coração, atingem a substância, mudando primeiro a conformação da alma individual. Não se trata de experiências coletivas exteriores, de sistemas reorganizados; mas trata-se de maturação biológica; trata-se de compreendê-la e de secundá-la. Não pode ser negada, porque é irresistível.

O problema pode considerar-se como religioso, político, econômico, jurídico, artístico, científico; atinge o homem integral e, portanto, todas as suas manifestações. Não se trata de destruir, mas de sublimar os caracteres fundamentais da personalidade: vontade cada vez mais viril, inteligência mais aguda, coração sempre mais sensível e aberto. Do homem deve nascer o anjo. É a redenção de Cristo. O Evangelho é o seu código, a virtude é a norma, a vida dos santos, a experiência. É a fé que anima todas as religiões, cada uma em seu nível. Corpo e espírito são posições vizinhas, duas fases, dois mundos, duas leis. A evolução tem que realizar a ascensão β→α. O primeiro já está feito. A evolução continua e é necessário fazer evoluir o segundo, consolidar e elevar vossas tentativas de formações psíquicas (paixões, embriões de intelectualidade, esboços de alma coletiva). O homem conquistou o poder fora de si, o domínio da Terra. Agora tem que conquistar o poder dentro de si, o domínio do espírito.

 Num mundo em que ninguém pensa no semelhante como seu irmão, como se a sorte do próximo pudesse ficar isolada e não recaísse sobre todos; num mundo em que ninguém tem em si a medida da própria expansão, mas a espera da reação dos outros, que igualmente quereriam expandir-se sozinhos, acima de todos; nesse mundo, a aparente utopia evangélica é o único cimento coordenador de atividades e construtor do organismo social. Todos aguardam sistemas exteriores, contanto que não mudem a si mesmos. Nas mais diferentes experiências sociais todos ficam sempre idênticos, mas o progresso social só pode verificar-se através dos progressos individuais somados; a melhoria do organismo virá da melhoria de cada uma de suas células. Assim se realiza a grandiosa ascensão humana que, partindo do inferno da animalidade (o mundo da fera), através do purgatório da prova que ensina ou da dor que redime (lei de equilíbrio), chega ao paraíso das realizações do divino (o mundo super-humano). As vias da evolução são também as vias da libertação das trevas, do mal, da dor.

É necessário demolir e reconstruir; sufocar a animalidade individual e social e qualquer expressão dela, substituindo-lhe por manifestações de ordem superior. Para reedificar, mister também destruir, depois substituir e reconstruir. Se a renúncia é necessária como demolição, é indispensável substituir o velho com novas paixões, impulsos e criações, para que o ritmo da vida não pare e o espírito não fique árido. É necessário que o alegre esforço de renascer mais alto supere e absorva o tormento da morte mais embaixo. Evitai as loucuras da renúncia pela renúncia: isso provoca perigosas zonas de vazio, em que a alma se atrofia. Mas seja a luta tempestuosa e heróica, como a dos conquistadores que avançam seguros; seja de arrojo de paixão que sabe vencer tudo; seja em cada átimo cheia de alegria de uma juventude renovada. Forma-se, então, entre corpo e espírito, uma rivalidade, uma guerra, que os místicos bem conheceram e descreveram.

 Se subimos aos mais altos níveis, parece que a velha forma biológica, que se atrofia, não pode mais suportar o psiquismo hipertrofiado e surgem desequilíbrios aparentes, que a ciência, não sabendo compreendê-los, define como patológicos, classificando-os como formas de neurose. A matéria é pertinaz, mas é filha do passado que se supera; o espírito sofre, mas o futuro pertence-lhe; passado e futuro significam força e justiça, dor e alegria, escravidão e liberdade, mal e bem; extremos entre os quais oscila a alma humana para sua ascensão.

 Para os seres evoluídos, essas realidades do espírito - inconcebíveis para os tipos inferiores - podem ser irresistíveis. Então a luta assume proporções tremendas, entre um espírito que busca com toda a força sua afirmação e exige para si toda a vida, e uma natureza inferior, que não quer ceder o campo e não quer morrer. O passado resiste sólido, por impulsos de milênios, cristalizados nas formas. Ao incêndio do espírito opõe a inércia das grandes massas e agarra-se como contrapeso ao frêmito do anjo alado que anseia voar. O espírito vê, guia, segura, é o centro dinâmico. A matéria é massa estabilizada que fixou e conserva as conquistas feitas. O espírito está à testa, arrisca novos equilíbrios, destacando-se dos caminhos conhecidos, arrostando perigos para si; o esforço é todo seu. O organismo humano está construído para prover, com um mínimo de esforço psíquico, a sua vida vegetativa, para atender ao metabolismo e não para suportar as tempestades da alma. Mas para esses seres, cada átimo de vida é um átimo de transformismo evolutivo, a grande caminhada não pode deter-se e a vida desloca seu centro. Tudo se transforma no ser: paixões e aspirações, numa realização cada vez mais intensa do divino. Drama laborioso e fecundo, que só os grandes souberam viver, que a grande arte do futuro saberá compreender e representar. Lutas e vitórias de titãs. Impô-las a quem não está maduro, significa dar a morte, sem tornar a dar a vida.

 A alegria da vida está na expansão, o sofrimento, na limitação. É inútil tentar ascensões altas demais e renúncias vazias, que nada trariam além de sofrimento. Mas é necessário introduzir, com tenacidade e sem mentira, o máximo de transformismo suportável na forma individual, seguindo cada um sua própria linha típica de especialização. As grandes ascensões não são fáceis aventuras espirituais, mas verdadeiras transformações de consciência, transportadas perigosamente além da vida, no supranormal, Não basta dizer: Senhor, Senhor! Mas é indispensável a maceração de corpo e espírito, em que vale sobretudo a tenacidade das marteladas, que o plasma. Trabalho de purificação totalitária, que vai da atitude do espírito, da escolha das obras, à purificação celular obtida por meio de um regime dietético que exclui a introdução de alimentos inadequados no circuito orgânico. Trabalho de ponderação e resistência, cálculo complexo de forças, em que é mister não esquecer que a evolução não se  força nem se usurpa, porque se trata de um amadurecimento biológico, que só pode obter por meio de longo trabalho constante, mas se pode facilitar e acelerar sua realização, escolhendo o caminho, ao invés de lançar-se em tentativas, à mercê do acaso.

 Estas palavras de equilíbrio, eu as digo ao tipo comum, porque sua mediocridade é dominante e ele é inepto diante das grandes realizações do espírito. Elas lá estão, ideais altos como faróis que iluminam o mundo. Entretanto, a maioria humana está apenas nas primeiras aproximações.

Falando ao tipo comum, devemos indicar a renúncia não em seu grau mais alto e na forma totalitária da perfeição moral, mas como aproximação máxima suportável. Isso constitui sempre uma escola de disciplina moral, proporcionada às forças e à compreensão individual. Disciplina dos sentidos, controle das paixões, educação diuturna que não deixe escapar ocasiões para elevar os impulsos existentes. Cada um, na emulação das ascensões, escalonar-se-á no nível de sua capacidade; o que ele souber conquistar dará testemunho de seu valor íntimo.

Por isso, não direi ao homem moderno: destrói a riqueza, sê pobre. Mas lhe direi que se encaminhe gradativamente, porque só aos poucos poderá conquistar a perfeição. Comece a livrar-se da escravidão do supérfluo, do moderno frenesi da riqueza, o mais das vezes conduzindo a complicações antivitais. Quando ela não custa muito esforço, custa em desonestidade e jamais paga o que exige. É uma arma de dois gumes que, se facilita a vida, constitui também uma cadeia que a oprime. A sociedade moderna está esmagada pelo peso de hábitos custosos e supérfluos; é uma corrida à multiplicação artificial das necessidades, escravidão real, alegria efêmera, porque se desvaloriza com o costume.

Simplificai. Há uma pobreza econômica, que pode amplamente ser compensada por uma grande riqueza moral, como existe uma miséria moral que nenhuma riqueza poderá jamais preencher. Esse é vosso tempo. O deus utilitário de vossa civilização moderna impõe, cada dia, um esforço maior do que o faz o deus da renúncia. A matéria é negativa, inerte, pobre, insaciável, egoísta, absorve e acumula. Cega e muda, só pode viver se plasmada pela potência do espírito, em seu amplexo vivificante. O espírito é positivo, ativo, rico, generoso; sua necessidade é o dar, altruísmo, sacrifício; não tem dedos para segurar e entesourar, mas é potencial inexaurível de criação. Ai de quem se fecha no circuito da matéria: obstrui para si os caminhos que alcançam as mais ativas fontes dinâmicas, que estão na direção das forças espirituais. Felizes os pobres de espírito. Mesmo que obtiverdes a riqueza, que vosso coração esteja desapegado dela. Muitos pobres são apenas ricos frustrados, igualmente ávidos e culpados. Eles terão ainda de sofrer e superar a prova da riqueza, para aprender a sublime lição do desapego. O pobre que inveja, só para sobressair naquilo que condena, obterá a riqueza como punição, para experimentar-lhe o enorme peso e o valor efêmero. Seja a riqueza um meio e não um fim; seja dirigida para metas mais altas, únicas que poderão justificar um pouco o triste ídolo, em cujo nome tanto mal foi cometido.