A Grande Síntese

Este quadro de equilíbrios íntimos abre-nos a porta para algumas observações de caráter terapêutico, antes de tudo no campo bacteriológico. Vós exagerais na anti-sepsia, no sentido profilático. O organismo humano é formado e sempre viveu, num mar de microorganismos patogênicos, tanto que a assepsia, ou estado asséptico, na natureza, é condição anormal. Ora, a imunidade é produzida pelo equilíbrio obtido pelas resistências orgânicas. Em intermináveis períodos de evolução, estabilizou-se esse equilíbrio entre ataque e defesa. Ao matar o micróbio, perturbais o equilíbrio da vida, em que também o inimigo tem sua tarefa, colocando-vos em condições anormais; cabe-vos, e deveis defender e manter tal equilíbrio. Sabeis que a função cria a capacidade. Ao suprimir a luta, suprimis também aquele contínuo excitador de reações que é o assalto dos micróbios; ganhais uma saúde presente levantada a crédito sobre a saúde do futuro; uma vitória fictícia, obtida às custas da resistência orgânica porque, por lei natural, o organismo perderá, por falta de uso, suas capacidades defensivas, tornando-se impotente para defender sua vida. É evidente que a proteção artificial, atrofiando a capacidade de defesa, age em prejuízo da seleção. Já foi verificado que, quanto mais se dão remédios, quer às plantas, quer aos animais, também cresce o número de suas enfermidades (saprofitismo). A luta forma e mantém a resistência orgânica, prêmio de infinitas quedas e esforços. Os equilíbrios da natureza são profundos e perturbá-los produz novos desequilíbrios. No choque constante dos contrários, produz-se uma estabilidade, um acordo, uma espécie de simbiose, útil, no fim das contas, a ambas as partes. O inimigo torna-se necessário ao homem, porque a reação gerada pelo assalto é a base de sua resistência orgânica. Deslocar o ritmo compensado das relações e permutas, que se estabeleceram nos milênios, significa o nascimento de novas doenças, é transformação, não solução do problema. Em vista das concepções limitadas de uma ciência utilitária, que disso fez seu objetivo principal, nasceu a ilusão de que é possível suprimir a luta, isso em todos os campos, inclusive no moral (a dor), como se o esforço da vida fosse uma imperfeição que deve ser superada e não um fator fecundo, necessário, substancialmente colocado no funcionamento orgânico do universo. Só uma coisa pode justificar tudo isso: é a transferência do campo de luta para um plano mais alto. A supressão de um esforço e sua relativa conquista só são justificados pela substituição de um esforço mais elevado, dirigido a conquistas superiores. De fato, assim ocorre. A luta física e orgânica está se transformando em luta nervosa e psíquica.

 A medicina devia ter em grande consideração o fator psíquico, não apenas no campo específico da psicoterapia, mas como fator de importância decisiva em cada caso e a cada momento. O materialismo imperante, absorvido apenas pela visão do lado material da vida, não podia ver o aspecto mais profundo, o espiritual. Ele, sem dúvida, produziu e criou, mas agora é necessário ultrapassar esse tipo de ciência. No entanto, ainda subsiste aquela psicologia que, por inércia dos centros de cultura, influencia o pensamento oficial, e fala das cátedras do mundo civil. Está na hora de continuar o caminho percorrido até aqui pela ciência materialista, mas com uma ciência espiritualista. Pois o espírito, como vedes, não é fenômeno abstrato, isolado ou isolável, relegável ao campo da ética e da fé, porque invade todos os fenômenos biológicos, é fundamental em fisiologia, patologia e terapia. O vibrante dinamismo vital está todo permeado dele. Menos anatomismo e mais psiquismo, não apenas invocado no estudo das neuroses, mas mantido sempre presente em toda a disciplina médica. O fator moral é importante e, se descuidadado, pode deixar morrer o doente, mais do que a falta de cuidados materiais. Aos hospitais destes ar, luz, higiene, limpeza. No entanto, são frios como gelo. Pensai que nesses lugares de dor, não há apenas o corpo de um animal, mas sobretudo a alma de um homem. Há mais necessidade de flores, de música, sobretudo de palavras sinceras e afetuosas, de bondade, do que de análises microscópicas e radioscópicas, de esterilizantes e de ostentação de ciência. O estado de alma, sobre o qual repousa o segredo do metabolismo, portanto, da cura, é desprezado. Mesmo em matéria de infecção, o espírito influi muitas vezes, mais do que a esterilização do ambiente. Pensai que o equilíbrio orgânico é mera consequência do equilíbrio psíquico, com o qual mantém estreita relação; porque é o estado nervoso que determina e guia as correntes elétricas e são estas que presidem à contínua reconstrução química e energética do organismo. Se elas tomam direção diferente; se a corrente positiva, ativa e benéfica inverte-se numa corrente negativa, passiva e maléfica; se a um estado psíquico de confiança e de bondade, substitui-se por outro de depressão e má vontade, então, em lugar de saúde, o impulso gerará doença; em lugar de desenvolvimento, regresso; em lugar de alimento, intoxicação; em lugar de vida, morte.

 Essa alma misteriosa, que permeia tudo, emergirá futuramente da sombra como um gigante; a ciência determinará sua anatomia, seu funcionamento, sua evolução. A nova medicina levará para os primeiros planos o fator psíquico e enfrentará o estado patológico não mais como agora, com meios coativos mais ou menos violentos. A correção do estado anormal, a retificação do funcionamento arrítmico não é conseguido apenas agindo de fora, procurando penetrar no organismo com meios físico-químicos, mas procurará enxertar-se em seu íntimo transformismo, secundando as vias naturais do psiquismo dominador das funções. Não será mais um choque brutal, pela introdução de compostos químicos, muitas vezes de reações antivitais, mas será uma correnteza que se fundirá na correnteza da vida; será dinamismo benéfico, que retificará o dinamismo desviado. Administrando substâncias, não podeis saber que condições químicas antitéticas elas possam encontrar, que reações diferentes possam excitar nas tão diversas condições orgânicas dos indivíduos. Há atrações e repulsões, limites de tolerância, totalmente pessoais. Prudência com essa química violenta e igual para todos!

 Um caminho mais pacífico para penetrar na corrente vital é o caminho psíquico. O funcionamento orgânico obedece àquela instintiva sabedoria, que se fixou em longuíssimas experiências no subconsciente. Este fraciona-se em várias almas menores instintivas, que executam, sem o saberdes, o trabalho específico de cada órgão. A consciência pode, por via sugestiva, dar ordens e elas serão executadas, como por um animal domesticado. O caso do trauma psíquico demonstra-vos a realidade dessas influências. Aí está como, por vias psíquicas, podem-se abrir ou fechar as portas aos assaltos patogênicos, reavivando ou paralisando as defesas orgânicas. Assim, não se matam os micróbios, mas se reforçam as resistências e são obtidos resultados que superam os da mais escrupulosa assepsia. Porque a patogênese não depende tanto das condições ambientais, quanto a vulnerabilidade específica individual, que predispõe à doença e na qual influi largamente o estado psíquico.

 

 

Após termos enfrentado o problema da gênese da vida, encontramo-nos, agora, diante de um ainda mais formidável, o da gênese do espírito. É um fato que, a partir das primeiras unidades protoplasmáticas, filhas do raio globular para cima, protoplasma e célula possuem uma sensibilidade e uma capacidade de registrar impressões, devido à íntima estrutura da permuta química, pois, desde suas primeiras manifestações, a vida devia produzir fenômenos de psiquismo, embora muito rudimentar. A mobilidade, ainda que estável e elástica do sistema atômico da vida, era o meio mais adequado ao desenvolvimento e a progressiva expressão desse psiquismo.

  Indagais, sem certeza, se a função cria o órgão ou se o órgão cria a função, porque ignorais o princípio da vida e não sabeis como interpretar-lhe os fenômenos. Nem um caso, nem o outro. Pois, o organismo é uma construção ideoplástica; ocorre logo que a maturação evolutiva do meio, matéria, permita a manifestação do princípio latente e este se manifeste diversamente, de acordo com as circuntâncias do ambiente, onde e como permitir-lhe o desenvolvimento do meio, de manifestação. Órgão e função, pois, surgem juntos, e seu progresso é recíproco, devido a um apoio mútuo do órgão sobre a função que o desenvolve e da função sobre o órgão que a aperfeiçoa. Assim, a consciência não cria a vida, nem a vida cria a consciência, mas ambas trabalham e ajudam-se mutuamente a vir à luz: o princípio plasmando e desenvolvendo para si uma forma cada vez mais adequada à sua manifestação e a vida fixando esse impulso e organizando-se para maior perfeição. O princípio move a matéria, torna-a cada vez mais aderente à sua expressão; nesse trabalho se reforça, expande-se e se manifesta mais poderosa. Enquanto a vida é o efeito de um dinamismo íntimo organizador, constitui ao mesmo tempo o campo em que esse dinamismo se exercita e se desenvolve. Se a modelação das formas não proviesse de um princípio interno, não veríeis esse crescimento provir sempre de dentro, indo da reprodução dos tecidos, por vezes de órgãos inteiros, até a formação dos organismos adultos.

Em sua íntima estrutura cinética, a vida conserva a memória das ações e reações dinâmicas anteriores, concentra em si os traços marcantes e pode realizá-los todos. Assim é possível a concentração de toda a arquitetura de um organismo em um germe, sua reconstrução completa a partir da semente até a forma adulta. Toda a evolução vos apresenta o espetáculo desse processo de centralização e descentralização cinética que, no caso da semente, é como se o tocásseis com a mão. Nela, o movimento conserva todas as características de seu tipo; o germe conserva em seu âmago uma estrutura indelével e a lembrança do passado vivido, que terá de reproduzir intacto; já o organismo maduro terá a capacidade de modificá-lo mas somente em escala mínima; então, ele assimilará essa modificação e a transmitirá ao novo germe.

 Os resultados da experiência da vida, em qualquer nível, gravitam para dentro; lá são destilados os valores, resumidos os totais e processada a síntese da ação. Para lá descem, em camadas sucessivas, os produtos da vida. O psiquismo fica em crescimento constante porque em redor do primeiro núcleo depositam-se, por superposição progressiva, os valores, os totais e as sínteses da vida. Assim, a consciência, embora em graus muito diferentes, é um fato universal em biologia; seu desenvolvimento, por adição dos resultados de experiências (variações cinéticas introduzidas na unidade vorticosa), é o resultado do fenômeno da vida. De um a outro extremo da vida (embora a consciência só apareça com intensidade nos organismos superiores onde, para divisão do trabalho, ela constrói para si órgãos particulares), a consciência, todavia, está sempre presente, desde a consciência elementar dos proto-organismos até o espírito humano, o sistema de seu desenvolvimento é idêntico e constante. O centro enriquece-se em qualidade e em potência. Com isso adquire a capacidade de construir para si órgãos cada vez mais adequados a exprimir sua mais complexa estrutura. Assim, princípio e forma, mutuamente ativos e passivos sob o aguilhão dos choques das forças ambientais, sob o estímulo do impulso íntimo que, por lei de evolução, forceja por exteriorizar-se, evoluem gradualmente; pela tensão desse contraste desponta do mistério do ser à luz, do pólo consciência ao pólo forma, a manifestação da vida.

 Desde a primeira forma protoplasmática, a vida tinha de possuir uma consciência orgânica própria, embora rudimentar. Sem isso não poderia subsistir aquela primitiva permuta. Se vida = permuta e permuta = psiquismo, então a vida = psiquismo. Essa primordial consciência orgânica, em que já estão presentes as leis fundamentais da vida, está em toda a parte, em qualquer organismo. Desenvolvida na complexa estrutura cinética dos movimentos vorticosos, já era integrante da vida em seu primeiro nascer, como substrato fundamental de todos os crescimentos futuros. Essa consciência orgânica tornar-se-á inteligência orgânica e instinto; finalmente, ascenderá à consciência psíquica e abstrata no homem.

Desde as primeiras formas, a matéria possui as propriedades psíquicas fundamentais, os elementos dessa consciência, inseparável da vida, porque é a essência e a condição dela. A ameba já possui todas as propriedades básicas biológicas: metabolismo, movimento, respiração, digestão, secreção, sensibilidade, reprodução e psiquismo. A técnica da vida já lançou suas bases e as grandes linhas arquitetônicas estão traçadas. O desenvolvimento se produz em todos os níveis, de acordo com a mesma técnica da transmissão ao centro psíquico já constituído, e do crescimento desse núcleo pela estratificação em torno dele das capacidades sucessivamente adquiridas. A repetição de uma reação, como resposta a uma ação exterior constante, tende a fixar-se na trajetória íntima como nova forma.

 A vida, ansiosa por expandir-se e evoluir, mantém seus braços abertos às forças ambientais, que são introduzidas em grande quantidade; as reações multiplicam-se e a consciência, ávida de sensações, enriquece-se e aperfeiçoa-se. Complica-se sua estrutura; nada se perde, nem um ato, nem uma prova passam sem deixar sua marca. Transforma-se a consciência primordial, a forma que a reveste, o ambiente que a circunda, num processo lento de ajustamentos contínuos. O ser torna-se cada vez mais sábio por ter vivido, pelas experiências acumuladas; especializa sua capacidade. Nasce o instinto e uma consciência mais complexa que lembra, sabe e prevê.

Subamos, ainda, até o homem. Os substratos precedentes subsistem: a consciência orgânica, obscura, automática, mas presente, porque em funcionamento, embora abandonada na profundeza do ser; o instinto vivo, presente, como nos animais, sábio e memorioso. Mas acrescenta-se nova estratificação: a razão, a inteligência, aquele feixe de faculdades psíquicas que formam a consciência propriamente dita. Assim como o germe sintetiza todo o organismo que produzirá, também a vida sempre se refaz para recomeçar de novo, repetindo em cada forma o ciclo percorrido em toda a evolução precedente - como fenômeno orgânico e como fenômeno psíquico - assim, o homem resume em si todas as consciências inferiores; cada célula possui sua pequena consciência, que preside ao seu metabolismo, em cada tecido, em cada órgão; uma consciência coletiva mais alta que lhe dirige o funcionamento; todo o organismo é dirigido pelos instintos, que regem e conservam a vida animal.

Com a vida, o transformismo da estequiogênese e da evolução dinâmica acelera ainda mais seu ritmo. A trajetória daquele devenir fenomênico, que estudamos nas fases γ e β, torna-se a linha de vosso destino. Matéria e energia não nascem e morrem tão rapidamente, não mudam com essa velocidade. A vida tem que nascer e morrer sem jamais deter-se, sem possibilidade de parar esse movimento mais rápido, inexoravelmente batido por um ritmo mais veloz de tempo. O equilíbrio da vida é o equilíbrio do vôo, em que a estabilidade está condicionada à velocidade. Vimos que a estabilidade das combinações químicas de um metabolismo que se renova sempre é a característica fundamental do fenômeno biológico. Nascer e morrer, morrer e nascer, essa é a trama da vida. A constituição cinética da substância se exterioriza e aparece cada vez mais evidente, à proporção que a evolução ascende até sua forma mais alta, a vida. A matéria é tomada num turbilhão cada vez mais veloz, que a permeia em sua essência mais íntima, para que possa responder aos novos impulsos do ser e tornar-se meio de desenvolvimento do novo princípio psíquico da vida, α.

   Parece-vos uma fraqueza da vida, essa fragilidade, essa contínua necessidade de reconstrução, para suprir sua contínua dispersão e desgaste; mas essa é sua força. Parece-vos que não sabe manter-se numa estabilidade constante. Ao contrário, esse transformismo mais rápido é a primeira condição de suas capacidades ascensionais, um poder absolutamente novo no caminho da evolução. Na vida, o espasmo da ascensão se torna mais intenso, rapidíssimo. O turbilhão psíquico nasce e se desenvolve cada vez mais poderoso, de forma em forma; a veste da matéria se torna cada vez mais sutil; o pensamento divino se torna cada vez mais transparente. É necessário reconstruir, continuamente, vossos corpos, e só uma troca ou recâmbio constante pode sustentá-los. Esta, que parece vossa imperfeição, constitui vosso poder. Neste ritmo rápido tendes que viver: juventude e velhice, sem jamais parar. Mas nessa corrida é indispensável experimentar continuamente, provar, assimilar, avançar espiritualmente, esta é a vida.

   Poder existir à custa de uma renovação contínua significa tão somente ter que marchar, cada dia, na grande estrada da evolução. Vós vos prendeis à forma; acreditais que sois matéria; quereríeis paralisar esse maravilhoso movimento; para prolongar a ilusão de um dia, gostaríeis de parar a marcha estupenda. Mas possuís, além da juventude do corpo, a inexaurível e eterna juventude de uma vida maior, não a terrena. Naquela sois indestrutíveis, eternamente novos e progressistas, sois jovens, não no corpo caduco, mas no espírito eterno. Não deis importância às alvoradas e aos crepúsculos de um dia, pois cada crepúsculo prepara nova aurora. É lógica simplicíssima, evidente lei de equilíbrio esta, pela qual tudo o que nasce, morre, mas também tudo o que morre tem de renascer.

   Não vos iludais a vós mesmos; não percais um tempo precioso no esforço inútil de tentar parar a vida. A beleza da mulher deve servir à maternidade; a força do homem é feita para desgastar-se no trabalho. Só quando não tiverdes fraudado a Lei, mas houverdes criado de acordo com sua ordem, vosso tempo "não será passado" e não tereis lamentações. Se pedis o absurdo, tereis que colher ilusões. Colocai-vos no movimento, não na imobilidade. Desembaraçai vosso pensamento do passado que vos prende. Superai-o. O passado morreu e contém o menos. Interessa o futuro, que contém o mais. A sabedoria não está no passado, mas no futuro. Só vossa ignorância pode fazer que acrediteis na possibilidade de violar e fraudar a Lei, de deter-lhe o caminho fatal. Se parais, o pensamento cristaliza-se, o tédio vos persegue, a satisfação de todas as necessidades, de todos os desejos vos torna ineptos; ócio significa morte por inanição. O repouso só é belo como pausa, como consequência de um trabalho anterior e condição de novo trabalho.

   A necessidade de evoluir, imposta pela Lei, está gravada no mais profundo instinto de vossa alma: a insaciabilidade. A insatisfação que permanece no âmago de todas as vossas realizações, qualquer desejo satisfeito que vos faz debruçar para outro horizonte mais amplo, o descontentamento que vos atormenta logo que parais, o ilimitado poder de ambicionar, inato em vosso espírito, tudo vos diz que sois feitos para caminhar. Isso pode constituir ânsia e ilusão, mas é estrada de progresso, é o esforço da ascensão. A centelha, que guia vossa vida, sente a Lei, mesmo sem o saberdes; segue-a com seu instinto profundo, indelével, que jamais conseguireis fazer calar. Isso não é condenação nem ônus de ilusões. Moveis-vos de acordo com a Lei, criai substancialmente, e sentireis quanta alegria vos inundará o espírito! Ao invés, que tristeza sutil vos prende quando vosso tempo é desperdiçado! Ocasiões perdidas, posições estacionárias: o universo caminhou e ficastes parados em vossa preguiça. A alma o sente, entristece-se e chora. Então gritais: Vanitas vanitatum. Mas vão sois vós: a vida não é vã.

   Não desperdiceis vossas energias, não pareis à beira do caminho, não adormeçais enquanto a vida está desperta e caminha; se cada dia tiverdes sabido criar no espírito e na eternidade, se tiverdes dado a cada ato esse objetivo mais alto e mais substancial, tereis caminhado com o tempo e não direis: o tempo passou! Tereis renovado vossa juventude com vosso trabalho e não tereis envelhecido tristemente. Então não direis mais da vida: vanitas vanitatum.

   Realizai o trabalho oferecido por vosso destino e não invejeis quem está no ócio. Vós, humildes, não invejeis os ricos e poderosos, porque eles têm outros trabalhos a fazer, outros problemas a resolver, outros pesos a suportar. Ninguém repousa verdadeiramente. Não há parada para ninguém no caminho da vida. Mas considerai-vos todos soldados do mesmo exército, encarregados de trabalhos diferentes, coordenados ao mesmo objetivo. Não invejeis aqueles cuja aparência os apresenta felizes: a verdadeira alegria não se usurpa, não se herda. Aquilo que não se ganhou não dá satisfação, não se aprecia e se desperdiça.

   A alma quer a sua alegria, sua propriedade, fruto de seu trabalho; só isso é apreciado, só isso traz prazer. As vantagens gratuitas não trazem satisfação. A Lei distribui alegria e dores acima de vossas partilhas humanas, com profunda justiça. Como poderíeis ser felizes, se vossas vidas fossem mais substanciais! Por que acumular, com qualquer meio, se tudo deverá ser deixado? Considerai antes a vida como campo de adestramento, onde estais para temperar vossas forças, para provar vossas capacidades, para aprender novos caminhos, para aprofundar vossa consciência. Estais no mundo para construir não na areia, mas para edificar-vos a vós mesmos.

   Não busqueis o absurdo de querer prender-vos definitivamente numa matéria instável e caduca; a troca que a vida a submete, não permite que sua imagem resista um instante. Desprezai a miragem das formas. O que existe fica e sobrevive à renovação contínua dos meios, o que verdadeiramente importa sois vós, vossa personalidade espiritual. Não façais do mundo um fim, pois é apenas um meio. Não invertais as posições e as funções. Não vos transformeis de senhores em servos. Caminhai. Lançai-vos à grande correnteza. A vida é feita para correr e avançar. Triste é o lamento do tempo perdido no sono, do tempo que não trouxe nenhum progresso e vos deixou para trás, estacionários; triste é o choro da alma que se vê iludida em sua maior necessidade, em que a Lei fala e exprime-se. Avançai, se não quiserdes que a correnteza vos ultrapasse e vos abandone. Sede insaciáveis, como Deus vos quer, trabalhando substancialmente, criando no bem, na eternidade.

   Como podeis ser tão crianças, para acreditar que num universo tão perfeito a felicidade possa ser usurpada por vias transversas, com meios injustos? Trabalhai: procurai vossas alegrias, conquistai-as com vosso trabalho. Vossa alma jamais se alegrará com as maiores conquistas se não forem vossas, se não forem produto de vosso esforço, testemunho e medida de vossa capacidade. Mais que o resultado exterior, a alma quer a demonstração de seu íntimo poder, quer a prova de sua sabedoria progressiva, quer o obstáculo para poder vencê-lo, quer a prova constante de seu valor íntimo e indestrutível.

   O resultado prático, concreto, na economia da vida, é quase um produto secundário e de refugo. Por isso, a Lei não cuida dele e, logo que sai das mãos do homem, abandona-o à mercê de forças de ordem inferior. Como é triste ver vosso contínuo esforço inútil para realizar-vos num mundo ingrato e rebelde, para imprimirdes na matéria o sopro de vossa alma eterna! Que trágico espetáculo, o inconciliável contraste entre a vontade e os meios, entre o pensamento e sua realização! Por causa dessa correspondência inadequada, dessa incurável impotência da matéria, as maiores almas, muitas vezes abatem-se exaustas aos pés de seus ideais, altos como rochas, cujos cimos resplandecem fora da Terra. Terra móvel e vã, que recolhe a ruína de todas as vossas grandezas humanas! E como podeis ainda insistir no doloroso jogo, ou concluir tristemente que nascestes apenas para colher ilusões?

   Concebei a vida não mais na superfície, mas em sua realidade mais profunda, e se dissipará a condenação aparente; construí no espírito, que mantém eternamente as impressões, e vossas aspirações encontrarão eterna expressão.

   Este ritmo mais rápido da vida, cuja essência e origem vimos no estudo dos movimentos vorticosos, manifesta-se nas formas orgânicas como uma permuta química contínua. Tal como a vida psíquica é um veículo em marcha, que avança de curva em curva, de estação em estação, sem possibilidade de parar, assim a vida orgânica é uma renovação contínua; o material de que é constituída é uma corrente. Esse material, no entanto, no seu conjunto, é sempre o mesmo, move-se circulando de organismo em organismo. A vida é feita de unidades comunicantes, ligadas em indissolúvel vínculo por contínuas permutas do material constitutivo. Como um rio, em que sempre mudam as águas, assim o ser se mantém, na mudança dos elementos constitutivos, sua própria individualidade.

   A lógica vos indica a presença de um princípio superior e diferente de cada uma das partes componentes, porque o mesmo material é plasmado diferentemente, individualizado em diferentes formas específicas, de acordo com a natureza do ser, que dele se apropria. O organismo superior é uma verdadeira sociedade de células, com funções distintas, mas há uma coordenação de funções de cada uma das unidades menores diante das maiores; há uma subordinação do interesse individual ao coletivo. Os organismos superiores são agrupamentos associados, semelhantes à sociedade humana, em que existe um poder central dirigente. As unidades componentes nascem e morrem, de uma vida menor englobada no âmbito da vida maior. Basta o fato de que ela permanece constante, para demonstrar a existência em vós de uma individualidade superior e independente. Vede como à vida e ao seu desenvolvimento está subordinado todo o transformismo dos materiais tomados na sua circulação; à vida maior são oferecidas em holocausto, como a um interesse superior, todas as vidas menores que a atravessam e nela se sustentam. Contínuos nascimentos e mortes menores, coordenados num organismo que, por sua vez, nasce, morre e se coordena em organismos coletivos mais amplos; que, por sua vez, nascem e morrem, sejam espécies animais ou famílias, povos, civilizações, humanidades. A vida se organiza coordenando em unidade, de acordo com o princípio das unidades coletivas.

   Embora a substância viva e morra continuamente, a vida jamais se extingue. Renovar-se é sua condição. A vida e a morte são apenas fases dessa renovação, a vida e a morte da unidade menor constituem a permuta da unidade maior de que ela é parte orgânica. Nessa rede de leis, nas quais ocorrem os fenômenos e nas quais a matéria está presa, não há lugar para absurdos, como seria o fim de qualquer unidade menor ou maior. Ao contrário, tudo se reagrupa em unidades coletivas e coordena a própria evolução, na evolução das unidades superiores, de que é o elemento constitutivo (lei dos ciclos múltiplos).

Vimos o aspecto conceptual da fase α  , a evolução do princípio diretor da vida. Observemos, agora, o aspecto prevalentemente dinâmico do devenir, em que se manifesta esse princípio. Vimos transformar-se o princípio básico da luta. Veja mos, então como se exprime essa transformação nas formas de um psiquismo crescente. As três forças que sustentam as leis de conservação e evolução e se manifestam nos impulsos - fome, amor e insaciabilidade do desejo - transformam profundamente a natureza do ser, paralelamente à transformação dos princípios, porque é sua exata expressão.

 Se a finalidade da vida é a evolução, logo o objetivo da evolução, com sua tendência constante à realização máxima na fase vida é o psiquismo. Observemos como ele surge e se desenvolve até às formas superiores humanas. Um germe do psiquismo já existe, como vimos, na complexa estrutura cinética dos movimentos vorticosos. Desde esses primeiros sintomas, até o espírito do homem, passa-se por gradações sucessivas de desenvolvimento, através das formas vegetais e animais, cujos órgãos e formas são meras manifestações de um psiquismo progressivo. Esse psiquismo crescente, que rege todas as formas de vida, é um dos espetáculos mais maravilhosos apresentados por vosso universo. Nele reside a substância da vida e a essa substância mantemo-nos aderentes. Para nós, vida=α , ao passo que suas formas constituem apenas veste exterior de um íntimo psiquismo. Evolução biológica é, para nós, evolução psíquica. Para compreender a evolução dos efeitos, é mister compreender a evolução das causas. Para nós, zoologia e botânica são ciências de vida, não um catálogo de cadáveres, e consideramos as formas apenas enquanto são a expressão do conceito que as plasmou. Não as ligamos por parentela orgânica senão onde e enquanto esta é indicadora de uma parentela psíquica mais substancial. Botânica e zoologia vós as reduzistes a necrópoles, ao passo que são reinos palpitantes de vida, de sensibilidade, de atividade, de beleza.

Assim consideramos, desde o princípio, o problema da vida e o desenvolveremos até o fim, porque só desse modo podem ser resolvidos racionalmente todos os problemas biológicos, psíquicos, e éticos. É absurdo conceber que as formas da vida sejam objetivos em si mesmas e sua evolução não possua finalidade nem continuação, justamente onde um eterno transformismo as precede nas fases  β e  γ. A continuação da evolução orgânica só pode ocorrer a partir da evolução psíquica, como de fato se realiza no homem. Este psiquismo é a meta mais alta da vida. Seu desenvolvimento é o resultado final da permuta, da seleção, da transformação da espécie, de tão grande sabedoria, de tamanha luta, de tão alta tensão. Esse psiquismo fixa-se nos órgãos, nas formas; plasma-as, anima-as em todos os níveis, delas faz um meio para evoluir ainda mais. Nas formas da vida, o psiquismo se revela e se exprime, a partir das formas, observando-as podeis subir até o princípio psíquico, à centelha que se agita em seu âmago. Tudo isso constitui um esforço, uma ascensão dolorosa, do protozoário ao homem, sempre subindo, até os mais altos cimos do psiquismo, onde se realiza a gênese do espírito, obra maravilhosa e progressiva, em que a Divindade, princípio infinito, está sempre presente num ato constante de criação.

 No estudo dos movimentos vorticosos, vimos como eles contêm, em germe, o desenvolvimento das leis biológicas e como a estrutura íntima cinética da vida lhes permite, desde suas unidades primordiais, admitir em sua órbita impulsos de fora e conservar seus traços em suas subsequentes alterações cinéticas íntimas. Um cálculo exato de forças existe, pois, como base dessa capacidade de conservação dinâmica, que se tornará recordação atávica, base sobre a qual se elevará a lei da hereditariedade. O ambiente externo, em que continuava a existir a matéria e a energia, ainda não elevadas à vida, representava um campo de intensa atividade cinética e se a onda dinâmica degradada tinha - ao investir a íntima estrutura atômica - gerado a vida, o ambiente externo, saturado de impulsos, continha e representava uma riqueza inexaurível de impulsos aptos a introduzir-se e a combinar-se no vórtice vital.

 Logo que surgiu, estabeleceu-se uma rede de ações e reações entre a nova individuação e as forças do ambiente, desenvolveu-se aquela cadeia de fenômenos, em que se apóia e progride a evolução, e são agrupados sob os nomes de assimilação, adaptação, hereditariedade, seleção. A vida, com seu mais intenso dinamismo, respondeu a todas as impressões dinâmicas provenientes do mundo exterior. Estabeleceu-se uma permuta de impulsos e respostas. A vida adaptava-se e assimilava, acima de tudo recordava, diferenciava-se, selecionava-se. O íntimo princípio cinético enriquecia-se e complicava-se, aumentava sua capacidade de assimilação. Não se trata do nascimento automático do mais complexo provindo do menos complexo; apenas os entrelaçamentos cinéticos mais complexos permitiam a manifestação do princípio cinético, fechado em sua fase potencial. Direção, escolha, memória foram as primeiras manifestações daquele dinamismo que já agora assume os caracteres de psiquismo. Nasce a possibilidade de uma construção ideoplástica de órgãos. O princípio cinético, que emanou do vórtice íntimo, plasma para si os meios específicos para receber as impressões ambientais, isto é, os sentidos, infinitos, que progridem da planta ao homem, meio para alimentar a sensibilidade acrescida, devida à mais veloz mobilidade íntima do ser.

Continuemos na direção que seguis, do interior para o exterior, e observemos a forma sensória com que o dinamismo dos movimentos vorticosos se reveste. Encontraremos no último limite das espécies dinâmicas e no limiar do mundo biológico, uma primeira unidade orgânica que justamente resume em si as características que observamos, comuns aos sistemas vorticosos e aos fenômenos biológicos. Essa primeira unidade vos é dada pela eletricidade globular. Nesta unidade, tendes a primeira organização de um sistema de vórtices, com uma primeira especialização embrional de funções. Dela nascerá a primeira célula, que englobará em si todos os movimentos vorticosos determinantes e lhes conservará em germes as características, verdadeira síntese dinâmica e síntese química, síntese de forças e síntese de elementos, em que sistemas atômicos combinam-se nos sistemas vorticosos e os átomos nas moléculas, arrastadas pelo recâmbio protoplasmático. Pelo princípio das unidades coletivas, à diferenciação sucederá paralelamente uma reorganização em unidades mais amplas, com especialização progressiva de funções. As células formarão tecidos e órgãos e, como no vórtice primitivo, uma proporcionada psique ou princípio cinético diretor, de origem elétrica, presidirá o funcionamento de cada unidade. Isso, até que, na evolução, superada essa fase e fixada definitivamente no subconsciente a fase consciente de formação, a unidade ascenda à fase superior da consciência humana, que se sente a si mesma no âmbito de sua ação, apenas enquanto esta é trabalho de construção. Já vimos para que metas superiores ela se dirige. Mas, como sempre, o que importa na vida é o princípio determinante das forças: é acompanhar a evolução das causas e não, como fazeis, a evolução dos efeitos (evolução darwiniana).

 Vimos como a energia elétrica, isto é, a onda dinâmica mais degradada, constrói, ao penetrar no edifício atômico, o sistema vorticoso. Não se confunda esse processo com a normal introdução de energia “não degradada” nos sistemas atômicos já constituídos, que assistis em qualquer transmissão dinâmica (raios solares etc.). O sistema vorticoso, aberto pela própria natureza, comunicante com o exterior, com dois pólos e todas as características que veremos, era o sistema mais apto a unir-se, entrando em combinação cinética, com outros vórtices semelhantes. O equilíbrio estabilizou-se gradualmente, pelas próprias qualidades intrínsecas desse tipo de movimento, num sistema de vórtices comunicantes e nasceu o primeiro organismo coletivo. Não ainda célula, não ainda propriamente vida, essa unidade de natureza ainda essencialmente dinâmica, organismo de força que se demora no limiar do novo mundo biológico; já contém todos os germes do iminente desenvolvimento. Ele viveu em vosso planeta verdadeira forma de transição de β  e α e hoje já esgotou sua função biológica. No entanto, ainda dele sobrevivem traços e podeis observá-los para deduzir as suas características. Isso porque a natureza não esquece, não anula jamais definitivamente suas formas, e a lembrança das tentativas ressurge, embora irregularmente. O raio globular é um organismo dinâmico de constituição eletrônica, que em alguns casos podereis observar. Longínquo descendente dos tipos mais poderosos, dos quais nasceu a célula, hoje ele possui, naturalmente, um equilíbrio instável, transitório; uma persistência curta de vida e uma tendência a desfazer-se. Embora organismo efêmero, que raramente reaparece por lembrança atávica, o aparecimento e o comportamento do raio globular são fatos de vossa experiência. Podeis, então, comprovar quantas afinidades apresenta esse primeiro ser com os movimentos vorticosos de que é filho, como também com os fenômenos da vida, que ele já tem em germe. Colocado entre esses dois fenômenos, que ele liga por continuidade, o raio globular naturalmente apresenta as mesmas características comuns a ambos, como vimos. Com esse novo termo, fechamos a cadeia que vai da eletricidade, última espécie dinâmica — onda degradada — ao vórtice eletrônico que ela determina na matéria, até o primeiro organismo de vórtices eletrônicos — o sistema elétrico fechado do raio globular — e, depois, à célula, com a qual entramos na vida.

O raio globular, então, é um sistema elétrico fechado, nova unidade coletiva, formada pela combinação e associação de sistemas vorticosos, gerados pela penetração eletrônica nos sistemas cinéticos atômicos, mantidos ligados em unidades pelas relações recíprocas ativo-reativas (até mesmo sua forma é a de um sistema de forças fechado e equilibrado). Neste caso, a onda dinâmica degradada assume novo modo de ser. Sua trajetória aprofundou-se com os trens eletrônicos nos sistemas atômicos; fundiu-se com eles; seu movimento muda de forma: não se transmite, mas volta-se sobre si mesmo; o sistema cinético que preludia a vida está profundamente mudado e é essencialmente diferente. A trajetória da transmissão dinâmica muda de direção: a eletricidade não se projeta mais de um pólo a outro, mas se fecha em si mesma, num circuito fechado, que se mantém enquanto a estabilidade do sistema não desmorona pela intervenção de forças externas. Esta é a construção cinética do raio globular. Mas se, de um lado, ele é um organismo de forças, próximo das forças dinâmicas de que proveio, doutro lado, excita a matéria, arrasta consigo os sistemas atômicos, e reveste-se de matéria como de um corpo.

 Esses fenômenos de transmutação, reduzidos à sua natureza cinética substancial, são bem compreensíveis. Entramos, agora, na química. Os corpos simples, encontrados primeiro pela onda elétrica degradada, em sua passagem, são os elementos da atmosfera. Pela introdução eletrônica, eles são elaborados; o sistema cinético múltiplo do raio globular torna-se um centro de elaboração química. Colidindo com a estrutura íntima do átomo, a energia pôde concentrar ao redor de seu impulso a matéria encontrada; o impulso, ou sistema genético, ficará sendo a força diretriz da vida, o psiquismo animador da forma; a matéria, arrastada num entrelaçamento de combinações químicas cada vez mais complexo, estabilizar-se-á em unidades cada vez mais compactas, em formas cada vez mais estáveis e constituirá o corpo. Assim, a vida formará o seu suporte, bastante estável para iniciar sua evolução. Com um processo contínuo diretivo, de dentro para fora (direção tangível dos fenômenos vitais), operará a sua transformação progressiva.

Com isso, a eletricidade pôde condensar os elementos do ar. Ora, sabeis que o ar contém justamente os quatro corpos fundamentais — H, C, N, O — que encontrais na base dos fenômenos da vida. Eles apresentam a propriedade de existirem no estado gasoso na atmosfera — Hidrogênio, Carbono, Nitrogênio e Oxigênio, representados pelo Nitrogênio e Oxigênio em estado livre, e os outros pelo estado de vapor de água (H2O) e de gás carbônico (CO2) — prontos para encontrar toda a série de corpos secundários, que os ajudarão a formar o protoplasma definitivo. Ora, vimos exatamente que esses corpos, por sua característica de possuir pesos atômicos baixos, são os primeiros a serem introduzidos no círculo vital. Assim, pois, a série dos trens eletrônicos da onda dinâmica degradada, ao chegar dos espaços, encontrou-se em primeiro lugar com os sistemas atômicos de estrutura cinética mais simples, ou seja, com menor número de órbitas eletrônicas, os mais fáceis de serem penetrados e transformados em sistemas vorticosos, isto é, em outros tantos germes de vida. Os átomos desses quatro corpos, mais obedientes e flexíveis ao impulso da energia radiante que chegava, foram dessa forma mais facilmente encontrados e escolhidos; por isso, constituem os elementos fundamentais da vida. Verificais que é caráter essencial e comum a todos os compostos orgânicos o conter Carbono como elemento mais importante e, com ele, Hidrogênio, Nitrogênio e Oxigênio. Toda a química orgânica está baseada nos compostos de Carbono. Este possui as qualidades que o tornam particularmente apto às funções da vida, como sejam: grande elasticidade química, isto é, a faculdade de combinar-se com elementos químicos mais disparatados, o que lhe confere excepcional fecundidade de composições; inércia química transmitida também aos corpos aos quais se une, funcionando como resistência nas reações, constrangendo-as a uma lentidão de movimentos que não é usual no mundo da química orgânica. Por essa sua tendência a eliminar as transformações brutais — que nas substâncias minerais conseguem de repente a forma de equilíbrio mais estável — o Carbono pôde tornar-se o elemento mais apto para o fundamento químico da vida. Através dele pôde assim nascer uma química instável e progressiva, de cadeias dinâmicas abertas, em que as capacidades do Carbono são largamente utilizadas e onde as encontrais todas. Foi por essas razões íntimas — isto é, pelas qualidades intrínsecas do material constitutivo — que a vida terrestre assumiu a forma de metabolismo que lhe é fundamental. Imaginai outros aglomerados e centros de matéria, em que os próprios elementos químicos estejam diferentemente dispostos, ou amadurecidos, e compreendereis as formas infinitas, nas quais o próprio onipresente princípio da vida pôde ter-se desenvolvido no universo.

 Por isso, pôde nascer na Terra uma química nova, lenta mas essencialmente dinâmica, com deslocamentos contínuos de equilíbrio e que, mesmo estando sempre em movimento, jamais atinge a estase definitiva. Sobre essa química mutável, especialíssima, puderam basear-se os processos da vida e de sua evolução.

Vede como, nestes seus primeiros movimentos, encontrais o germe das características fundamentais que, mais tarde, acompanharão sempre todos os fenômenos biológicos e são as únicas que poderão permitir sua progressiva transformação ascensional. O impulso originário encontrou, dessa maneira, os elementos aptos para permitir seu desenvolvimento e pôde, assim, desenvolver-se e desenvolveu-se em vosso planeta. A química de equilíbrio estável, da matéria, transformou-se, desse modo, na química de equilíbrio instável da vida; a ordem estática transformou-se em ordem dinâmica. Isto prova que a vida é uma fusão de dois mundos, pois enquanto é matéria é, ao mesmo tempo, fecundação desta, por obra de um princípio dinâmico superior, a energia. O corpo, feito de barro, recebeu a alma do céu, o sopro divino.

 Por sua maravilhosa plasticidade, o Carbono é a protoforma da química da vida. As condições da atmosfera primitiva eram, nas relações da gênese da vida, ainda mais favoráveis que no presente: muito mais rica de ácido carbônico, que era abundantíssimo; mais densa, quente, carregada sobretudo de vapor d’água, oferecia (também como elasticidade química de u’a matéria mais jovem e menos estabilizada) condições de todo favoráveis que, agora, desapareceram, pela condensação e a gênese das matérias protoplasmáticas. Assim, na primeira idade da Terra, os elementos minerais primitivos, água, gás carbônico, nitrogênio, são arrastados em combinações cada vez mais complicadas da química orgânica, e a matéria mineral do ambiente é progressivamente conduzida até a estrutura protoplasmática. Hoje encontrais o mesmo processo na assimilação que os vegetais operam, partindo dos elementos minerais primitivos, isto é, na síntese das proteínas, realizada a partir das substâncias inorgânicas, naqueles laboratórios sintéticos que são as plantas. Com a circulação da água, que permite a utilização do nitrogênio nela dissolvido, e com a introdução do anidrido carbônico (utilização do Carbono contido na atmosfera), são admitidos no movimento vital os quatro elementos fundamentais que vimos.

O primeiro organismo cinético em que se iniciou essa síntese química foi o raio globular. Os primeiros corpos introduzidos no novo sistema dissemos que foram os de peso atômico mais baixo, que existiam em estado gasoso na atmosfera. Esse foi, exatamente, o berço em que tudo estava pronto para o desenvolvimento do novo organismo de origem elétrica a circuito fechado. Embora ele hoje não apareça, pelas condições ambientais modificadas, senão como instável lembrança atávica, podeis verificar sua densidade aproximando-se à do Hidrogênio; como deveria ser, por sua estrutura atômica, o primeiro elemento movido pela radiação elétrica. Com efeito, nos casos que podeis observar, verificareis que esses globos elétricos “bóiam” no ar, isto prova que sua densidade é menor, ou quase igual a da atmosfera, como é justamente a do Hidrogênio. O primeiro material biológico foi, então, o hidrogênio, ao qual depois outros se acrescentaram. Este o primeiro corpo de que se vestiu a energia: seu primeiro apoio na Terra. Um corpo leve, gasoso, à espera de condensação e de combinações. O raio globular é constituído de Hidrogênio, a mais simples expressão da matéria renovada por novo, e poderosíssimo impulso dinâmico.

Doutro lado, o raio globular tem todas as características fundamentais de um ser vivo. Se observardes seu comportamento, vereis que ele emite uma luz que lembra a fosforescência; possui  uma individualidade própria, distinta da do ambiente; uma persistência, embora hoje relativa, dessa individualidade: uma espécie de personalidade. A explicação de seus movimentos lentos, próximos do solo, que parecem evitar os obstáculos, sem nenhuma tendência a aproximar-se dos metais e dos corpos condutores, não pode ser dada por nenhuma lei física. Ele desloca-se no ar por sua própria vibração periférica, a primeira extrinsecação cinética em que se manifesta a vida, a expressão desse rudimentar psiquismo que a dirige. Há nele algo dos cílios vibráteis dos infusórios, num impulso que parece vontade, como uma escolha, uma previdência, uma possibilidade de tomar conhecimento do mundo exterior e de dirigir-se conscientemente, quase com memória dele: alvorece o psiquismo em suas qualidades essenciais.

Agora que conheceis a íntima estrutura cinética do sistema, estrutura dos movimentos vorticosos abertos e comunicantes, em relações de ação e reação, com as moléculas externas, a esse sistema, não vos parecerá absurdo pensar que a superfície do globo elétrico seja a sede de movimentos especiais e coordenados. Essas características da vida nós as encontramos existindo todas nos movimentos vorticosos, de que está intimamente constituído o raio globular. Lógicamente, pois, encontrá-lo-eis também nele. Isto prova a conexão entre sistema vorticoso, raio globular, e primeira unidade protoplasmática da vida. Encontrareis no raio globular também outras características dos movimentos vorticosos, como a capacidade de cisão, em dois, e de reunião, como ocorre nos vórtices. Existe, portanto, a possibilidade de multiplicar-se em sistemas que se aproximam da reprodução por cisão e sexual. Muitas vezes ele ricocheteia, mostrando, ao mesmo tempo, a íntima coesão unitária e a elasticidade, próprias da vida, tanto quanto dos movimentos vorticosos.

 O raio globular decompõe sua unidade, restituindo, como na morte biológica, sua energia interna. Apenas ocorre que sua morte é mais violenta, de forma explosiva, porque a restituição da energia é mais rápida. É lógico que seja assim, porque esta se encontra ainda mais em suas primeiras e mais simples unidades orgânicas; portanto, não é contida pelas tramas de uma complexa estrutura química. Na vida, o sistema de movimentos vorticosos é mais complexo: existe tal entrelaçamento na estrutura orgânica que, de passagem em passagem, a energia tem de seguir mutações laboriosas, antes de desemaranhar-se e atingir o ambiente externo. Por isso, tendes aqui, na morte, uma restituição de energia mais lenta e progressiva. Assim, por explosão, extinguem-se essas criaturas efêmeras, último retorno das formas superadas, das quais nasceu a vida.

 Mas em condições elétricas e químicas mais adequadas, no mesmo momento da evolução, em que a substância estava madura e pronta para sua transformação, as primeiras tentativas de equilíbrio puderam estabilizar-se e o raio globular pôde evoluir até a forma protoplasmática. Os casos esporádicos que hoje podeis observar são apenas esboços de reconstrução daqueles proto-organismos, em que começou a atração e a elaboração dos elementos para a química orgânica, verdadeiros laboratórios para a síntese da vida. Os casos mais estáveis, os organismos mais resistentes, os mais favorecidos pelas condições do ambiente, sobreviveram. Com a mesma prodigalidade com que a natureza multiplica e espalha hoje seus germes, para que só um pequeno número sobreviva, surgiram miríades desses globos leves, em que a vida começava a despertar e estava latente o germe de suas leis. Eles ainda vagavam à mercê das forças desencadeadas, numa atmosfera densa, quente, carregada de vapores d’água, de gás carbônico, primeiras luzes incertas, mas contendo a potência da vida. Era a hora indecisa, crepuscular, a hora das formações, em que o mundo dinâmico em plena eficiência, mas convulsionado pelos mais poderosos desequilíbrios, tentava novos caminhos, assomava desordenadamente às portas da vida.

Esses globos de fogo eram, então, os únicos habitantes do planeta; não excepcionais e instáveis como hoje, mas numerosíssimos e estáveis. Nem todos explodiam (morte violenta acidental). O íntimo movimento vorticoso tornava-se cada vez mais compacto. A condensação de u’a massa gasosa das dimensões de um dos raios globulares, que por vezes tornam a formar-se na Terra, vos mostra um volume da ordem de grandeza das primeiras massas protoplasmáticas. Assim mudou o peso específico e o primeiro organismo não pôde mais flutuar no ar. A onda gravífica incorporou-se à matéria que, lembrando-se, respondeu ao apelo íntimo; a condensação foi atraída e caiu. Mais pesados em virtude da condensação, as miríades de germes da vida cairam, arrastados pelas chuvas; caíram nas cálidas e vaporosas águas dos oceanos. A protoforma da vida chegara a seu berço. A matéria recebera o sopro divino: agora tinha  de viver. As águas, sobre as quais se movera o espírito de Deus, tornaram-se a sede dos primeiros desenvolvimentos, que só mais tarde atingiram as terras emersas. O íntimo sistema do primeiro germe estabilizou-se cada vez mais, absorveu e fixou em seu ciclo novos elementos, complicou-se em seu íntimo metabolismo, agigantou-se, esboçou suas primeiras formas que foram vegetais, simples algas marinhas; diferenciou os primeiros traços característicos das várias ramificações dos sistemas biológicos. Assim, da matéria, retomada no turbilhão dinâmico, animada por novo impulso em forma de germe elétrico caído do céu, nasceu a vida.

Não ouseis pensar na possibilidade de poderdes refazer uma síntese química da vida; de dominar o fenômeno sagrado, em que as maiores forças da evolução foram empenhadas. Desses tempos até hoje, a evolução realizou caminho incomensuravelmente  longo e sua linha é irreversível. Para vós, é absolutamente impossível reproduzir condições definitivamente ultrapassadas. A fase que a energia atravessava então, era um estado substancialmente diferente do atual. A estrutura íntima da forma dinâmica, eletricidade, qual a observais, não possui mais aquelas propriedades, nem mais as possui o ambiente de ação. Hoje, a energia já viveu suas fases, como as viveu a matéria e, como está, encontra-se estabilizada em suas formas definitivas. Esses desequilíbrios de transição, esses momentos intermediários, essas fases de tentativas e de expectativas estão ultrapassadas nesse campo. Esses tipos já estão realizados e o transformismo evolutivo ferve alhures. No presente, a hora é de criações espirituais; matéria e energia esgotaram seu ciclo, não podeis mudar as trajetórias invioláveis dos desenvolvimentos fenomênicos. Pensai, além disso, que vós sois esse mesmo princípio que quereis dominar, levado a um nível superior. A Lei, que também vós representais, não pode voltar-se sobre si própria, para modificar-se a si mesma. Vós sois um momento do devenir do todo, desse momento não podeis sair.

Verdadeiramente, não imaginais o que quereis, nem o alcance de tal fato, nem que imensa e absurda desordem constituiria isso. Que significaria uma gênese artificial da vida hoje? O simples fato de acreditá-la possível vos mostra que não tendes a mínima idéia do funcionamento orgânico do universo. Essa gênese presume todos os períodos de maturação, períodos igualmente amplos de sucessivo desenvolvimento. Poder-se-ia hoje, sem preparação, iniciar novo processo evolutivo, para conduzi-lo num planeta que já começa a envelhecer-se? Os fenômenos são sempre dirigidos por uma causa determinante e com uma finalidade elevada e longínqua a atingir. Infelizmente fizesteis da ciência um conceito utilitário, prático, e credes que ela é acessível a todos e por qualquer meio. Ao invés, eu vos digo que o domínio dos fenômenos e o poder de determiná-los corresponde a leis precisas de maturação individual e coletiva, e não podem ser concebidos senão pelos detentores de elevação espiritual e de evolução da personalidade. Eu vos digo que, mesmo na ciência, há zonas sagradas, das quais temos que nos aproximar  com senso de veneração e oração.

Só podemos caminhar em equilíbrio estável entre causa e efeito, neste campo do conhecimento em que se movimentam forças tremendas. Acreditais facilmente demais na possibilidade da loucura do arbítrio numa ordem suprema, tão complexa e perfeita! O domínio de fenômenos semelhantes vos daria poderes imensos. Que garantia pode dar vossa moral, ainda tão atrasada? Por isso, os fenômenos fundamentais e os pontos estratégicos da evolução permanecem guardados e protegidos zelosamente, contra vossa desastrosa intromissão, porque vossa ignorância é vossa impotência.

Não vos parece absurdo que um organismo de leis tão profundas, perfeito na eternidade, possa estar tão incompleto e ser tão vulnerável, que deixe aberto o flanco à possibilidade de subversões arbitrárias? Achareis natural que, dentro de uma ordem suprema, em que o equilíbrio reina soberano, exista também um feixe de forças especializadas na função de proteger as partes mais vitais do organismo, a fim de afastar qualquer violação, de anular qualquer causa de desordem, como seria, neste caso, exatamente vossa psique ou vontade, totalmente deseducada para o domínio consciente de semelhantes forças.

Como vossa vida tem sua sensibilidade e seus instintos, tanto mais despertos quanto mais vital o ponto que deve ser protegido, assim o universo tem suas defesas sempre prontas e em ação, pelo mesmo princípio de conservação e de ordem que vos sustenta.