A Grande Síntese

"No princípio Deus criou o céu e a terra.

   (...) e as trevas estavam sobre a face do abismo(...)

   E Deus disse: "Faça-se a luz. E a luz foi feita.

   (...) e separou as águas(...) e à massa de água chamou mar.

   E disse: A terra germine erva verde(...)

   E a terra produziu erva verde(...)

   E depois Deus disse: As águas produzam os répteis, animais e viventes, as aves sobre a terra e na amplidão dos céus.

   E Deus criou os grandes peixes e todos os animais vivos(...) produtos da água, segundo suas espécies(...)

   E disse: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança(...)

E Deus criou o homem à sua semelhança(...)

   (...) Formou o homem do pó da terra e soprou-lhe na face o sopro da vida e o homem foi feito alma viva.

   Essas foram as origens do céu e da terra"(...)

(Pentateuco, Gênese, cap. I)

   Assim nos revelou a inspiração de Moisés.

 Em sua intuição, ele traçava o caminho que nós seguimos, o da evolução do ser, da matéria ao espírito. No irrefreável transformismo evolutivo, primeiro aparece a matéria: a terra. Depois move-se a energia: a luz. Nas cálidas bacias das águas reunidas, a mais alta forma evolutiva dinâmica, concentra-se, na potência ainda mais alta de um novo Eu fenomênico, e nasce o primeiro germe de vida em sua primordial forma vegetal, depois se alastrou sobre a terra e ascendeu às formas animais, sempre ansiosas por subir. O impulso divino, sempre atuante, criou o homem do pó da terra, feito de matéria ( γ), que subiu até a fase de consciência (α , o sopro da vida); e aparece o homem que resume em si a obra completa e a trindade divina de seu universo: γ, β, α                    

 Essas foram as origens do céu e da terra.

Observemos o nascimento da gravitação, a protoforça típica do universo dinâmico. Retomemos agora, o caminho interrompido. Em sua primeira forma gravífica, nasceu a energia. Na íntima estrutura cinética da matéria ocorreu a mudança de ritmo e de direção no movimento. A matéria despertou de sua longa e silenciosa maturação e revive num nível mais alto, a fim de preparar-se para sustentar a centelha, da qual nascerá a vida. Em sua forma dinâmica, a Substância indestrutível assume um passo de transformismo mais acelerado; o movimento de rotação planetária, fechado em si mesmo no íntimo da matéria, explode no ritmo ascendente da onda que cria e multiplica os tipos dinâmicos. O movimento invade a grande máquina do universo; nova lei estabelece equilíbrio novo e mais complexo em sua estabilidade; o grande organismo não apenas existe, mas funciona a fim de preparar-se para viver.

 Eis que nos espaços imensuráveis desenvolve-se uma rotação, um caminhar sem limites; a matéria foi permeada de nova vibração que a lança em elipses, em espirais, em vórtices; as correntes dinâmicas canalizam-se, equilibram-se, precipitam-se fulmíneas em todas as direções para mover e animar todas as coisas. Logo que nasce, β  individualiza-se e se diferencia;  γ estava exteriormente inerte, além da órbita de seu turbilhonar íntimo. β  expande-se em todas as direções, preenche e une os espaços numa rede de ações e reações. O funcionamento orgânico do universo afirma-se e complica-se. A gravitação liga e une suas partes, mantendo-as reunidas. O impulso centrífugo abre os vórtices e dilata o movimento. À estase solene da muda e cega maturação da matéria, sucede a estase mais instável, mas igualmente perene, das forças em equilíbrio. As trevas tingem-se de luz, o silêncio ecoa de sons, anima-se o universo. Este tem calor e frio, respira, assimila, possui sua circulação, que o nutre, seu metabolismo dinâmico e físico, tem sua própria saúde, suas doenças, sua juventude, sua velhice. Conhece a vida e a morte. Pelos espaços explodiu uma palpitação nova, vibração sem repouso de forças que fogem em busca de equilíbrio.

 E porque a Lei disciplina instantaneamente toda forma dinâmica, logo em seu primeiro aparecimento, cada forma de β  aparece exatamente individualizada por uma lei férrea individual, seu modo de ser, e a ordem reina sempre soberanamente no imenso turbilhão. O aspecto conceptual, nesta fase mais alta, é ainda mais transparente. Num universo tão vasto e complexo quem, senão o pensamento divino da Lei, disciplinaria tão imensurável desenvolvimento de forças? Tudo parece ocorrer automaticamente, porque a mão de Deus não é algo externo e visível, mas é um conceito, é a alma das coisas. As rotações astronômicas caminham com exatidão matemática. A gravitação, a luz, o calor, a eletricidade, o som de todas as formas dinâmicas sabem, todas elas, o seu caminho e a cada momento, a cada manifestação, em sua própria consciência instintiva, fala a grande Lei. O entrelaçamento dessas forças é, ainda hoje, a base de vossa vida; seu modo de ser e de agir, definido com exatidão e constâncias, dirige a palpitação regular que vos sustenta; proporciona as radiações solares às necessidades do planeta, guia as correntes aéreas, regula as sínteses e as trocas das substâncias protéicas, a assimilação nos organismos, o crescimento, a respiração, a circulação, a reprodução, os nascimentos, as mortes e todos os fenômenos sociais. Os mais complexos fenômenos ocorrem com perfeição, indiferentes ao conhecimento que deles tendes e à vossa vontade, até mesmo aqueles que regulam vossa própria vida. Se a vosso esforço só foi deixado o trabalho de vosso progresso, as forças que vos guiam sabem, por si mesmas e melhor do que vós, o caminho que deveis seguir. Desta consciência linear (de primeira dimensão) do universo dinâmico, já falamos.

 

Tudo isto não constitui simples afirmação. Enquanto lentamente construo em vossas mentes este edifício conceptual, gradualmente o transmito ao mundo, para que a ele corresponda uma compreensão gradativa; na atmosfera das forças do planeta, imperceptíveis a vós, amadurecem as causas dos eventos decisivos e tremendos; determinam-se movimentos; canalizam-se correntes dinâmicas; acentuam-se atrações e repulsões, donde depois se exteriorizarão os fenômenos, desde as convulsões físicas às morais, da morte à vida de povos e civilizações. Mesmo exteriormente, diante dos olhos do historiador e do pensador, apresenta-se o mundo maduro para renovações profundas.

   No entanto, poucas são as mentes, que dirigem o mundo nos campos mais diversos, que têm o pressentimento da iminência dos tempos novos. A ciência, mais esmagada que sustentada pela imensa massa de material de observação que acumulou, está sempre aguardando sínteses, perdida no dédalo infinito das análises. As religiões adormecem no indiferentismo. O mundo é navio que vaga sem timoneiro, sem um princípio unificador que o dirija; as forças construtivas pulverizam-se em pormenores de interesses particulares e de pequenos jogos egoísticos e, ao invés de coordenar-se num esforço orgânico, eliminam-se e anulam-se. A psicologia corrente contém o germe da desagregação.

 A alma humana, entre uma ciência utilitária de comodidades e uma religião de conveniência, arrasta-se terra a terra numa atmosfera de apatia, perdida, sem meta. O presumido dinamismo de vosso tempo é apenas uma corrida louca, toda exterior. Para onde correis, se ignorais os mais altos objetivos da vida? Para que serve correr e chegar, se o homem dilacera-se a si mesmo na pessoa de seu irmão e faz, tantas vezes, da Terra abençoada por Deus um inferno ridículo e macabro? Ou correis apenas para atordoar-vos, para não vos sentirdes a vós mesmos, para fugirdes da voz de vossa alma sem paz, porque está sem meta? Esta não é, antes de tudo, a fuga do silêncio e da solidão, em que a alma fala e indaga as grandes perguntas? É medo, medo de ficar sozinhos, de interrogar-vos, de sentir-vos sós diante dos últimos problemas que ninguém sabe resolver e que a alma, mesmo assim, quer saber; medo dos grandes problemas do silêncio, onde se ouvem gritar as culpas; medo do profundo, em que reside o dever, a verdade, Deus. Ao som desta voz solene, preferis a paralisia psicológica e o tormento da agonia da alma. A cada momento renovais o esforço de lançar-vos para fora de vós mesmos, no mundo, em busca do infinito, embora ele aí esteja, dentro de vós. Perdestes a simplicidade dos grandes pensamentos que repousam. O infinito que está pleno deles transbordante de alimento substancial, parece-vos um báratro abissal, tenebroso, sobre o qual temeis debruçar-vos.

   O homem esqueceu, num dédalo de complicações, a beleza e a paz das grandes verdades primordiais. No entanto, o homem as conhecia há muito tempo, por comunicação direta, através da revelação, primeiro método intuitivo e sintético do saber humano, pai do método dedutivo. O princípio único, do qual se deduziam as verdades menores, descia do alto. Depois, à força de deduzir, o homem afastou-se de tal maneira da fonte primeira, que lhe negou até a existência. A dedução, uma vez perdida a ligação com a fonte, não teve mais sentido. O homem recaiu sobre a Terra, sem asas e sem vista; na Terra bateu sua cabeça para que o fenômeno lhe falasse, fornecesse-lhe, a ele, última poeira das centelhas caídas da luz única, com sua pequena luz, um átimo da verdade infinita e eterna. E a ciência, lamentavelmente, acumulou com paciência as mínimas luzes, acreditando que, com a pequena concha da razão humana, poderia esvaziar o oceano; acreditando que podia reconstruir o poder fulgurante do sol, somando e combinando vagas fosforescências. Mas as portas permaneceram fechadas e ainda continuam fechadas.

 Mas a lei de Deus prossegue no mesmo passo, acima das tempestades humanas e, nos grandes momentos, salva sozinha o equilíbrio. Hoje, como nos tempos antigos das primeiras revelações, segura de novo o homem pela mão e lhe mostra o caminho. Diante dos acontecimentos supremos, os extremos da história se tocam e a intuição reabre hoje, aos humildes, as portas da verdade. Nos grandes momentos só a mão de Deus vos guia a todos, e ela está hoje em ação, como no tempo das maiores criações. Felizes aqueles que sabem, rapidamente, pelas vias da fé, atingir a meta! O mais amplo saber é sempre coisa pobre diante do sincero e humilde ato de fé de uma alma pura. E a ciência racional, debatendo-se em vão para sair do claustro da racionalidade por ela mesma construído, agora a limita, porque toda a construção, como efeito, não pode superar em sua massa a potência dos meios empregados. A ciência racional, que hoje se debate impotente aos pés de um mistério cada vez mais vasto, encontra-se estupefata diante de uma revolução completa de métodos e de formas de pesquisa; vê-se permeada, sem ao menos percebê-lo - ela que acreditava guiar, era guiada pelas forças da evolução espiritual do mundo - por um quid novo para ela, super-racional, um fator que lhe escapa, porque supera seus meios lógicos, é mais sutil e, no entanto, mais poderoso que seus meios objetivos; a racionalidade, único deus do mundo durante um século, abate-se desanimada diante da explosão estranha e envolvente da alma humana que se modifica, e penetra por novos caminhos os fenômenos e intui diretamente o infinito como realidade imediata.

 O homem refará a grande descoberta de que um supremo pensamento desce do Alto. Na pesquisa fenomênica, a ciência, desalentada, verá entrar imponderável elemento novo, antes relegado ao hipotético e ao absurdo, ou seja, bondade e retidão, os valores morais que fazem a pureza e a potência do instrumento psíquico, que se comunica por sintonia e afinidade. Assim como, no templo, a música dos sons, ao saturar o ambiente de harmonias acústicas, prepara o espírito para a comunicação espiritual da oração, também a harmonia dos sentimentos e dos conceitos, atraindo as harmonias mais vastas, tornará o espírito apto às mais altas compreensões. A inspiração criadora substituirá, como meio normal, a lenta pesquisa racional. E a ciência verá sua racionalidade posta de lado como meio menor, já insuficiente diante dos novos problemas formidáveis, que só a visão direta pode enfrentar e resolver. Os componentes da super-humanidade - do cientista ao artista, do mártir ao herói, do gênio ao santo, até agora incompreendidos em sua função biológica de seres ancorados num nível mais alto que o da normalidade medíocre - dar-se-ão as mãos no mesmo trabalho, realizando sob mil aspectos e enfrentando de mil lados, no mesmo trabalho de iluminar e guiar o mundo. O super-homem, cidadão do tão esperado Reino de Deus, normalizará sua função coletiva, deixando à razão dos menores, dos retardados, dos últimos a chegar no caminho evolutivo, o trabalho mecânico da análise das grandes visões intuitivas, para fixá-las e demonstrá-las à míope normalidade. A maturação desta super-humanidade será a maior criação biológica de vossa evolução e representa a passagem para uma lei de vida superior, que vai da força à justiça, da violência à bondade, da ignorância à consciência, do egoísmo destruidor ao amor construtivo do Evangelho. Esta é a superação da fase animal e humana, a mais alta vivida em vosso planeta, em que culmina o esforço preparado nos milhões de milênios, em que a evolução ascende da matéria à energia, à vida, ao espírito, toca os mais altos cimos, de onde vos lançareis ao encontro do infinito.

O conceito científico de evolução, base deste Tratado, despertar-nos-á para a visão de uma nova Lei, imensamente mais elevada que a lei que vos dirige e impera no mundo animal, a lei da luta pela vida e da vitória do mais forte. Diante desta lei da força, contraponho a mais alta lei da justiça. Presente na estrada da evolução, que ressoa em minhas palavras, em cada fenômeno e em cada criatura do universo, esta nova lei é o degrau sucessivo àquele em que vos encontrais e vos espera como iminente superação daquela animalidade, donde deveis destacar-vos para sempre.

   A Nova Civilização do Terceiro Milênio está iminente e urge lançar-lhe os fundamentos conceptuais10.

 Como vedes, minha  meta é bem mais alta que o mero conhecimento ou a solução de problemas com intuito intelectual e, muito menos, utilitário. Esta minha palavra não é mera afirmação cultural, é apenas um meio. Não venho para alardear sabedoria, mas para lançar um movimento mundial de renovação substancial de todos os princípios que hoje regem vossa vida e vossa psicologia.

 Não mais guerra, mas paz; não mais antagonismos e egoísmos individuais e coletivos, destruidores de trabalho e de energias, mas colaboração; não mais ódios, mas amor. Cumpra cada um o seu dever e a necessidade de luta cairá por si. Só a retidão produz equilíbrio estável nas construções humanas, ao passo que a mentira representa um fundamental desequilíbrio, irremediável vício de origem que destrói tudo. A justiça suprimirá o gigantesco esforço da luta, que sobre vós pesa como uma condenação. O amor, que só existe no mundo em oásis fechados, isolado no deserto do egoísmo, precisa sair do âmbito fechado desses círculos e invadir todas as formas de manifestação humana. Muitas vezes, exatamente onde o homem trabalha, falta esse cimento que une, essa potência de coesão que amortece os choques e ajuda o esforço, impedindo que tanto trabalho se perca em agressividades demolidoras. Num homem superiormente consciente, os fins da seleção do melhor podem ser conseguidos, de preferência aos caminhos da luta desapiedada, pelos caminhos da compreensão. Existe uma nova virilidade mais poderosa para o homem: a que supera a fraqueza da mentira, a maldade do egoísmo, a baixeza da luta agressiva.

 A inversão de vossas atuais leis biológicas e sociais é completa. A antítese é fundamental. O pressuposto da má-fé e o sistema da desconfiança invadem, hoje, a substância de todos os vossos atos. Esse princípio tem de ser derrubado. O sistema das leis formais e exteriores já deu todo o seu rendimento. É necessário passar ao sistema das leis substanciais interiores, que não funcionam por coação e repressão a posteriori, mas por convicção e prevenção; que agem, não depois da ação, tarde demais no campo das consequências e dos fatos, mas antes na raiz da ação, no campo das causas e das motivações. As leis substanciais interiores vão escritas nas almas, com a educação que plasma o homem.

Em vosso século a luta não é mais de corpos, mas de nervos e de inteligência. A luta também evolui e já atingiu formas mais espirituais. Os tempos são maduros, pelo desenvolvimento dos meios científicos e pelo desenvolvimento das inteligências. Profetas e pensadores foram obrigados, muitas vezes, a não dizer ou a velar a verdade diante da multidão, sempre pronta para adulterar tudo, para reduzir tudo aos termos da própria psicologia, impondo esta como norma coletiva. Mas, o mundo hoje, em sua racionalidade, impôs-se como dever o aceitar tudo o que se demonstra lógico e racional. Colocou-se na posição de quem pode e deve compreender. Por outro lado, os meios ofensivos alcançaram uma potência jamais verificada na história e não se podem guiar mais pela psicologia feroz e pueril do passado. A humanidade está na encruzilhada, e não há mais possibilidade de fugas: ou compreender, ou exterminar-se. Este não constitui um problema abstrato e teórico, mas social, individual e concreto; problema de vida ou de morte.

 Minha meta é a compreensão de uma lei mais alta, lei de amor e de colaboração, que a todos una num grande organismo, animado por nova consciência universal unitária. Realmente não se trata de mais uma nova sabedoria, pois repito a Boa Nova, que já foi ditada há milênios aos homens de boa vontade; torno a repeti-la toda, idêntica na substância, todavia mais ampliada, no mais vasto gesto de vossa mente mais amadurecida, para que finalmente vos agite, inflame-vos e vos salve. Eis nossa meta: a palavra eterna, o alimento que sacia, a solução de todos os problemas, a síntese máxima.

 Chegarei ao Evangelho de Cristo pelos caminhos da ciência, ou seja, chegarei ao Evangelho pelos caminhos do materialismo, a fim de fundir os dois pretensos inimigos: a ciência e a fé. Isto para mostrar-vos que não existe caminho que não leve ao Evangelho, para impô-lo a todos os seres racionais, tornando-o obrigatório, como o é qualquer processo lógico. Ele é a nova lei super-humana, a superação biológica imposta pela evolução da humanidade neste momento histórico, quando está para surgir a nova civilização do terceiro milênio. Chegou a hora em que estes conceitos, esquecidos e não compreendidos, pregados mas não vividos, tenham que explodir por potência própria, no momento decisivo da vida do mundo, fora do âmbito fechado das religiões, na vida em que o interesse luta, a dor sangra, a paixão transtorna.

 O evangelho não é um absurdo psicológico, social, científico. Não é negação, mas afirmação de humanidade mais elevada, no nível divino.

 A coisa simples e tremenda que o homem de hoje tem de fazer, na encruzilhada dos milênios, é colocar a alma nua diante de Deus e examinar a si mesmo com grande sinceridade e coragem.

Se vós, almas sedentas de ação exterior, de movimento e  de sensação, não sabeis ouvir no silêncio a voz das grandes coisas que falam de Deus, e quereis explodir desta íntima vida do espírito para vossa exterior realidade humana, e agir, gritar, conquistar e vencer, ainda que com o braço e a ação, pois bem, eu vos digo:

 "Levantai-vos e caminhai para vosso inimigo mais acerbo, para aquele que mais vos traiu e maltratou e, em nome de Deus, perdoai-lhe e abraçai-o; ide àquele que mais vos roubou e perdoai-lhe a dívida e, mais ainda, dai-lhe tudo o que possuís; chegai àquele que vos insultou e dizei-lhe, em nome de Deus: eu te amo como a mim mesmo, porque és meu irmão".

 Dir-me-eis: "Isto é absurdo, é loucura, é ruinoso. É impossível, na Terra, esta deposição de armas!"

 Eu vos digo: "Sereis homens novos somente quando usardes métodos novos. De outra forma jamais saireis do ciclo das velhas condenações, que punirão eternamente a sociedade por suas próprias culpas. Pela mesma razão que houve uma vítima na Cruz, hoje a humanidade tem de saber oferecer-se a si mesma, para esta sua nova, profunda e definitiva redenção. Sem holocausto jamais haverá redenção. Aí, nesse mundo louco que se arma, com perspectivas cada vez mais desastrosas contra si mesmo, com meios já tão tremendos em vista dos hodiernos progressos científicos, que uma conflagração não deixará homem nem civilização salvos sobre a Terra, aí, onde o homem age assim, só existe uma defesa extrema: o abandono de todas as armas". Mais tarde veremos como.

 Dizeis-me: "Temos o dever da vida".

 Eu vos digo: "Quando, com espírito puro, proferis: Em nome de Deus, a terra estremece porque as forças do universo movimentam-se. Quando sois verdadeiramente justos e quando, inocentes, sois atingidos pela violência, que usurpa a vitória de um momento, o infinito precipita-se a vossos pés para gritar-vos vitória e elevar-vos para o alto como triunfadores, na eternidade, fora do ínfimo átimo do tempo em que o inimigo venceu.

 Eis o que peço à alma do mundo. Sua alma coletiva, una e livre como uma só alma, pode escolher; de sua escolha dependerá o futuro. Um incêndio tem de alastrar-se, tão forte que derreta todo o gelo de ódio e de egoísmo que vos divide, vos torna famintos, vos atormenta. O mundo, de um hemisfério ao outro, escuta-me e minha voz conclama todos os homens de boa vontade. O novo reino é o esperado Reino de Deus, uma construção imensa que deve realizar-se não nas formas humanas, mas no coração dos homens; criação antes de tudo interior, que se opera ao tornar-vos melhores. Se não compreenderdes, a marcha do progresso do mundo demorará milênios.

 Este repouso que desejei no meio da jornada, esta mudança de argumento e de estilo, depois da fria análise científica, esta explosão de paixão é para que eu seja compreendido e "sentido" por todos. Desejei esta pausa para que este Tratado, complexo para os simples, supérfluo para os puros de espírito que já compreenderam, recorde à ciência que ela não nasceu somente para mostrar-se orgulhosamente, mas que tem a responsabilidade moral de guiar as consciências; recorde à ciência que dela falo e a supero com uma finalidade bem mais alta que a do simples conhecimento e utilidade que a impele. Uma finalidade que a ciência ignorou muitas vezes: a ascensão do homem para os mais altos destinos.

Não há dúvida que para vós, homens de razão e de ciência, em vosso tempo e de acordo com a vossa atual psicologia, trata-se de uma linguagem bastante estranha a que unifica todos os problemas: os do saber e os da bondade, e os coloca lado a lado, e funde ciência com Evangelho, acima de vossas distinções, numa mesma Síntese. Mas todos os vossos sistemas racionais e científicos são filhos da psicologia de hoje, que não é a de ontem nem a que será amanhã; vossos métodos e pontos fixos conceptuais passarão, como outros passaram, e tudo será superado. O tempo vos modifica, ó filhos do tempo, e vos impele cada vez mais para o alto. Como evolvem as formas de luta e as do sofrimento, assim evoluem o pensamento e suas formas, porque a criação é contínua e o dinamismo divino está sempre presente.

  Àqueles que, no campo de todas religiões perscrutam para encontrar erro e condenar, eu digo que coloquem com sinceridade sua alma diante de Deus e escutem a voz íntima que diz: esta palavra é verdadeira. Onde existe, pergunto-vos, onde existe na Terra uma força que verdadeiramente vos sacuda e arranque do cálculo contínuo de todos os interesses humanos? E quem faz, na Terra, um esforço energético, heróico, decisivo, para salvar os valores morais?

  À ciência, que aplica o ouvido para ver resolvidos, com suas próprias palavras, problemas tão desusados para ela, eu digo: chegou a hora de mudar de caminho. Porque é inútil, é loucura acumular milhões de fatos, sem jamais concluí-los. A síntese urge e a ciência cala-se; olha suas colunas de fatos, colunas de um templo imenso, cheio de silêncio, e cala-se. O apriorismo sensório amarra na Terra suas asas e limita-lhe as vias da pesquisa; o apriorismo da dúvida que, se olha para a objetividade, fecha ao espírito os caminhos rápidos da intuição e da fé. Mente e coração exigem uma resposta e os últimos efeitos  que tocais com vossos sentidos só podem dar-vos os últimos reflexos daquele incêndio que permeia o infinito. Não é acumulando fatos que se pode dar uma resposta; o princípio vital que anima uma árvore jamais será encontrado pela observação e enumeração de suas folhas, pois ele é algo de íntimo, de profundo, de imensamente superior e de essencialmente diferente de qualquer aparência sensória. Assim, na zoologia e na botânica, anatomizais cadáveres. Mas que podem dizer-vos as formas de vida, quando as matastes, expelindo-lhes o princípio substancial que as plasma e as rege, que tudo resume e determina, o único que pode exprimir o significado do fenômeno?

   Se na ciência existe uma impotência apriorística para concluir, os fatos já demonstraram; por outro lado, o interesse e a ambição - com frequência o único móvel secreto de todo trabalho - fecham à alma os caminhos da compreensão, levantando uma barreira entre o Eu e o fenômeno. A atitude psicológica do observador torna-se assim uma força negativa e destruidora. Como podeis esperar que vos abram as portas do mistério, se vós mesmos ergueis barreiras com vossa posição de desconfiança, se partis da negação, se está tão inquinada a primeira vibração de origem, segundo a qual tomam sua direção todas as formas de vosso pensamento? Deveis compreender que a dúvida, o agnosticismo são uma atitude negativa psicológica, que desagrega o fenômeno, e é precisamente essa posição que vos fecha as vias de sua compreensão. Os fenômenos mais sutis e mais altos apagam-se, automaticamente, quando deles vos avizinhais, por isso, é interditado o ingresso da ciência nos campos mais altos. É indispensável a presença de um fator, que a ciência ignora de propósito: o fator espiritual e o moral. São eles a condição fundamental de sintonização e de potência de vossa psique, que é o instrumento de pesquisa.

 O futuro da ciência reside no mundo mais sutil do imponderável. Se não levardes para a pesquisa científica esse estado de espírito, que nasce apenas de uma grande paixão pura e desinteressada, jamais avançareis um passo. Esta atitude de vosso Eu é fundamental, porque é lei que, onde faltam sinceridade de intenções e impulso de fé, as portas do conhecimento se fecham. O mistério tem suas defesas e suas resistências e somente um estado de vibração intensa pode ter a força de superá-las. A verdade só responde a um apelo desesperado de uma grande alma que invoca a luz para o bem. Para quem olha ávido e curioso, o olhar embaça-se e as portas do conhecimento permanecem trancadas. A Lei, mais sábia que vós, não admite no templo os incapazes e os imaturos; o conhecimento, arma poderosíssima, só é concedido a quem saiba fazer bom uso dele. Na Lei, nenhuma desordem é permitida e os inferiores não são admitidos para trazer perturbação com sua inconsciência fora de seu campo. É lei, pois, cada progresso seja merecido e a cada conquista corresponda um valor substancial; a verdadeira ciência não consiste num fato exterior, repartido com todos, acessível a todas as inteligências, mas é a última fase de uma íntima e profunda maturação do ser. Na conquista do conhecimento, como em todas as maturações biológicas, não há atalhos possíveis, mas é indispensável desenvolver toda a trajetória do fenômeno. Deveis admitir que o universo existe perfeito e assim funciona há muito tempo, independentemente de vosso conhecimento, que nada cria e nada desloca, senão vossa posição.

 Doutra parte, não haveis certamente de presumir que o presente de vossa ciência contenha todo o saber possível. A experiência do passado vos ensina que tudo pode mudar, dos pés à cabeça, com resultados imprevisíveis, a cada momento. Sabeis, por experiência, que as revoluções no campo do saber são normais em certas ocasiões. Não é lógico e consentâneo com vossas teorias materialistas evolucionistas, que a natureza, chegando a uma nova maturação, toda estendida para o futuro como tentáculo para o porvir, em antecipação às formas evolutivas que esperam, em embrião, lance um tipo de homem novo, que possa conceber tudo diferentemente? Não é logicamente possível que, dessa forma, toda a técnica mental humana possa mudar, tornando normal o que hoje é exceção, isto é, a intuição do gênio, a inspiração do artista, a super-humanidade do santo? As fases evolutivas próximas de vós tocam, depois da fase orgânica, a fase psíquica. Como vedes, as novas concepções desta Síntese, mesmo para a mentalidade dos céticos e dos materialistas, apresentam-se com todos os caracteres da racionalidade e terão de ser reconhecidas como aceitáveis, pelo menos como hipótese de trabalho. Isto também nas últimas conclusões de que vos falei. Não só não contradizemos os princípios e postulados demonstrados pelos fatos e aceitos pela ciência, mas os fundimos organicamente numa unidade universal. A ciência é aqui combatida, corrigida e elevada com seus próprios métodos, com sua própria linguagem. O cético encontra, neste Tratado, não apenas os caracteres das possibilidades, mas os da maior logicidade. A razão fica satisfeita no íntimo deste organismo, que harmonicamente dá a razão de tudo. Esta Síntese pode ser elevada à teoria, porque é o único sistema que dá uma explicação completa e profunda de todos os fenômenos, mesmos daqueles que não podeis experimentalmente controlar. Não importa se tudo o que digo não possa ser contido dentro de vossas categorias mentais; se não corresponde àquele arquivamento de conceitos, habitual de vossa forma psíquica. A limitação de vossa razão e a cegueira de vossos sentidos vos levam, naturalmente, a negar tudo o que a eles escapa, mas isto não importa. Eles são formas relativas, que superareis. Diante da imensa verdade, eles são, mais do que meios, uma prisão que vos encerra e vos limita. Mas, bem depressa vosso ser se libertará, e a ciência, quer queira quer não, superará sua posição atual.

Mais uma pausa em nossa longa caminhada; repouso para a áspera tensão de vosso pensamento e orientação no vasto mar do conhecimento que vos exponho, de maneira que vossa meta esteja sempre presente.

 Não digais: felizes os que podem viver sem saber e sem perguntar. Dizei antes: felizes aqueles cujo espírito jamais se sacia de conhecimento e de bem, que lutam e sofrem por uma conquista cada vez mais alta. Lamentai os satisfeitos da vida, os inertes, os apagados; o tempo deles é apenas ritmo de vida física e transcorre sem criações. Eles recusam o esforço destas elevadas compreensões que vos ofereço e não existe luz no amanhã para o espírito que adormece.

Meu olhar novamente pousa em vosso mundo, saturado de inconsciência e de dor, de erudição e de agnosticismos, de luta e de loucura: turbilhões  de paixões, provas tremendas, tormentos cobertos de sorrisos. Grande e trágico é o quadro de vossos destinos, porque ouço aquele grito desesperado que prorrompe da alma e que escondeis, porque, no fundo do riso dos gozadores, ouço o respiro dos agonizantes em desespero.

 Alma, alma, centelha divina, que nenhuma de vossas loucuras jamais poderá destruir e está sempre pronta a ressurgir cada vez mais bela de cada dor! Potência que jamais se cansa de ser e de criar, só tu verdadeiramente vives. Nenhuma conquista de pensamento, nenhuma afirmação humana poderá jamais extinguir tua sede de infinito. Vossa ciência, muitas vezes mera presunção de palavras eruditas, e vossa civilização exterior e mecânica esqueceram que isto é o centro da vida, a causa primária dos fenômenos mais próximos de vós e intrínsecos. A alma tem suas necessidades e seus direitos. Não se pode matá-la, não se pode atordoá-la para fazê-la calar. Não ouvis seu grito desesperado, que se ergue entre vossas vicissitudes individuais e sociais? Sua vida, negligenciada, pesa em vosso destino e o arruina. Vossa alma sofre, e sequer sabeis encontrá-la novamente; certos abismos vos desanimam e as águas fecham-se tranquilamente num sorriso aparente por cima do báratro tremendo. Que acontecerá lá embaixo, no mistério das causas profundas, que desejaríeis ignorar e afastar da consciência? Alguma coisa palpita e treme nas trevas profundas. Cada alma esconde dentro de si uma sombra secreta que não ousa olhar, mas que jamais poderá esconder de si mesma: uma sombra sempre pronta a ressurgir, logo que uma hora de paz diminua a tensão da corrida louca com que quereis distrair-vos. A alma não se sacia, embalando o corpo em comodidades supérfluas e dispendiosas, acariciando os olhos com um brilho apenas externo. Na satisfação dos sentidos, alguma coisa sofre igualmente no íntimo e agoniza numa angústia profunda. Resta um vazio dentro de vós, em que apenas uma voz, perdida e desconsolada, eleva-se inquieta para perguntar: e depois?

Então vos falo. Falo num tom de paixão, para as almas prontas e ardentes; em tom de sabedoria para quem é mais apto a responder às vibrações intelectivas. A todos falo, porque quero sacudir e unir todos em uma fé mais alta, numa verdade mais profunda. Aqui, dirigindo-me à mente, convoco todos à colheita: químicos e filósofos, teólogos e médicos, astrônomos e matemáticos, juristas e sociólogos, economistas e pensadores, os sábios em todos os campos do cognoscível humano, a cada um falo sua própria linguagem; convoco à colheita as mentes mais elevadas, que dirigem o pensamento humano, para compreenderem esta Síntese e saberem, finalmente alcançar, com ela, um pensamento unitário que resolva tudo e o diga à mente e ao coração, para os supremos fins da vida.

 Esta pausa é para dizer-vos que, no fundo deste árido tratado científico, arde uma paixão imensa de bem; esta paixão é a centelha que anima toda essa ciência que vos exponho. Quem não sentir essa centelha, que se comunica diretamente de alma para alma, e lançar a este escrito um olhar simplesmente curioso, ou ávido de aprender somente, não ficará nutrido.

 A pena que escreve e segue meu pensamento, gostaria de precipitar-se para as conclusões. Mas o caminho tem de ser percorrido todo; o edifício é vasto e o trabalho tem de ser executado por inteiro, para que a construção seja sólida e possa resistir aos golpes do tempo e dos céticos. Nesta pausa que vos concedo, deixo a alegria das antecipações, o pressentimento das conclusões e o repouso da visão de conjunto. O próprio tratado assim se valoriza, ilumina-se com uma luz mais alta que a pura erudição ou os fins utilitários; ilumina-se com um significado que, muitas vezes, a ciência não possui. Só com essa nobreza de objetivos e com essa pureza de intenções, se tem o direito de olhar de frente os maiores mistérios do ser e de enfrentar os problemas que dizem respeito à vida e à morte.