Já manifestamos claramente que não nos move, no estudo que vamos fazendo, o intuito de acusar para condenar quem quer que seja. A psicologia da condenação e da polêmica é própria da mentalidade do involuído e queremos exatamente superar essa atitude costumeira. É neste plano de vida que é usual sobrepujar o próximo, constituir-se em juizes para encontrar-lhe os defeitos, demonstrá-los e vencê-lo. Contrariamente, procuramos assumir o ponto de vista do evolvido, usando a sua psicologia que não é a do vencer, coisa que naquele plano não faz sentido. Para compreender, procuramos observar o mundo de um plano mais elevado, onde os instintos e os métodos são diferentes. Desse modo pensamos com uma forma mental em que não interessa a própria supremacia, más interessa a compreensão; onde não importa e não tem significação a luta para vencer, mas em que é de muito maior valia o saber coordenar-se na harmonia: da lei. Mundo este bem estranho, tão diverso do nosso, mundo em que não há necessidade de discutir para ter razão contra os outros aos quais deve ser provado que estão errados. Naquele plano a verdade não é um produto individual a ser imposto, mas é uma substância universal situada na lei e que todos podem ver, já que, para quem tem olhos, a lei sabe mostrar-se de per si, e todos quantos possuam intelecto podem compreendê-la. Então quando alguém erra, ainda contra nós, a sua condenação ou punição de nossa parte, não só não tem sentido, como ainda é contraproducente, uma vez que para esse trabalho de .endireitamento existe a lei, que o sabe fazer muito melhor, já que ela é mais poderosa e mais sábia do que nós. Torna-se contraproducente para nós porque estando fora do reino da força e dentro do reino da justiça, querendo usurpar à leis as, suas funções próprias de. justiça, que não nos compete mais, violamos a ordem, lei desse plano, e portanto estamos sujeitos a sofrer as. conseqüências da violação. Havemos de compreender que o plano do evolvido é o plano orgânico em que tudo corre bem bastando que cada qual permaneça plenamente disciplinado em seu lugar. Isto, repetimo-lo, em plena divergência de nosso plano em que o lugar próprio, nesse regime de individualismo desorganizado, há de ser conquistado a cada um de per si, de modo que a posição não exprime sua função no organismo, mas a força que o indivíduo possui e com a qual conseguiu afirma-se.


Assim é que, no plano do evolvido, em face da ofensa reage-se com o perdão, tal como aconselha o Evangelho que é próprio daquele plano. O involuído acredita, se ele perdoar desse modo, fica sem defesa, e assim pensa e erra por causa de sua miopia. Entretanto esta é a melhor defesa, poder-se-á dizer mesmo a maior vingança, porque então, se deixarmos tudo nas mãos de Deus, intervém a lei e não há poder ou astúcia humana, nem tempo algum que possa fazê-la parar. E quem conhece a lei sabe muito bem que justiça será feita, sem que haja possibilidade de escape. Será esta mesmo a conclusão e a moral da história que começamos a contar Somente a ignorância dos primitivos pode supor. Que o sistema do Evangelho deixe o indivíduo sem defesa e que, quando este não recorre aos seus próprios meios, está abandonado e perdido. Isto pode acontecer nos planos inferiores onde reina a desordem, mas não nos superiores onde reina a ordem e a justiça.


Retomaremos mais adiante a narrativa do nosso protagonista, que deixamos momentaneamente em suspenso, para enquadrá-la na amplitude dos problemas maiores nos quais acha-se como parte. Eram necessárias estas explicações para justificar sua conduta, condenada por um mundo ignaro, de acordo com uma ou outra psicologia. Somente assim, estudando-lhe as razões profundas, podemos explicar a significação e a lógica do seu comportamento aparentemente estranho. Em face da luta própria do plano humano, do qual decorre um estado contínuo de ataque e de defesa, a sua reação. foi a do perdão. Num mundo em que é o mais forte quem vale, este sistema é a maior tolice considerada com desprezo, como impotência dos fracos. Nestas páginas, entretanto iremos estudando cada vez melhor a técnica desta estratégia para demonstrar não representando ela uma: tolice, impotência dos fracos, mas ser ela a maior sabedoria, poder dos fortes. Verificaremos, de fato,. que com este método. O nosso protagonista, sem usar as armas humanas, sem as quais o tipo comum sente-se desarmado e perdido, conseguiu vencer plenamente, evitando todos os danos implícitos nas vitórias humanas. Explicamos e continuamos a explicar as respectivas razões.


Estamos no mundo humano, mundo, predominantemente, do involuído, dirigido não pela Inteligência, bondade, justiça; mas pelos instintos da animalidade. Baseado na princípio do triunfo do mais forte, nele toma-se natural e contínua a luta para o triunfo desse mais forte. O estágio normal é, pois, o da guerra, de todos contra todos, visando o sobrepujamento recíproco e a vitória do mais forte; por isso um estado armado, em que a paz é condição excepcional e a agressão torna-se possível a todo momento. A paz, de fato, não é senão a trégua entre duas guerras, um descanso para a preparação de outra. Isto é verdadeiro tanto para as nações como para os indivíduos.


O que permanece é o fato da agressividade contínua. Como se comportam em face desse fato os dois tipos, o involuído e o evolvido? O primeiro mantém-se permanentemente armado, calcula o poder do vizinho e procura superá-lo, armando-se cada vez mais. É bem conhecida a corrida dos armamentos. Entre os indivíduos, semelhantemente, cada qual procura superar o vizinho em poder econômico e posição social etc. Neste plano, o ser conta exclusivamente consigo mesmo, já que tem conhecimento de que, não sabe defender-se de per si, ninguém o defende e estará perdido. Esta é a conseqüência natural do princípio do separatismo vigente neste plano.


A posição do evolvido é completamente diversa. Se, de acordo com o ensinamento do Evangelho, ele jogou fora todas as armas humanas, todavia mantém consigo, para sua defesa, uma arma diversa e bem mais poderosa. O ponto fraco do involuído está no seu separatismo que o torna um ser isolado, circundado em toda parte de inimigos e perigos. O ponto forte do evoluído está em sua organicidade que o toma um indivíduo unitário, circundado em todo lado por amigos e auxílios. Não possui ele egoísmo que o separe do próximo, e este não é seu inimigo, mas seu amigo. Assim, aquele estado de guerra que toma a terra um inferno, cai de per si; assim como cai a necessidade de viver sempre armado, em luta permanente, e caem todas as suas conseqüências. Eis, então, como se toma possível o abandono de todas as amas, aconselhado pelo Evangelho e que, para o mundo, parece loucura.


O que acontece, em face de uma agressão? Como se comportam os dois tipos diversos? O involuído aponta todas as suas armas e apresta-se para a batalha. É o momento de desenvolver ao máximo todo o seu poder destrutivo, para aniquilar fisicamente a parte adversa. Do egoísmo separatista não pode nascer senão esta revolta contra a vida, continuação da primeira revolta, causa da queda. A batalha cria uma atmosfera da destruição, de onde emerge o grande vencedor, pronto a continuar o lance sobre outros menos fortes do que ele, para destruí-los. E, desse modo, o bonito jogo continua ao infinito, nesse plano de vida. O sistema da luta não resolve a luta, vencer não significa afirmação de paz. O mundo tem sempre acabado uma guerra para recomeçar com outra.


Qual é, ao invés, o comportamento do evolvido? Como pode vencer com a reação do perdão? Qual a significação da não resistência? Como pode ser de maior vantagem o sistema de não resistir ao mal? Se é verdadeiro que o mal deve ser destruído acrescentando-lhe um mal maior O fogo apaga-se com a água e não com outro fogo. O mal é uma dívida humana que é preciso pagar, e as dívidas não se extinguem criando dívidas novas, com as quais, ainda quando se alcança prorrogação, a dívida aumenta e não se resolve. Um estágio qualquer não pode ser eliminado senão por uma ação contrária. O mal é carência do bem, o ódio carência do amor. Quando caímos no negativo por inversão do positivo, não conseguiremos sair dessa condição continuando a inverter do positivo ao negativo, mas, tão só, iniciando o caminho oposto, do negativo ao positivo. É, pois, absurdo acreditar que o mal possa sarar com um mal maior. O mal só pode sarar com o bem, o ódio não pode sarar com mais ódio, mas, tão só, com o amor.


Eis como nos encontramos no mesmo caso, com duas soluções complementares diferentes: para o involuído com a reação, para o evolvido com a não resistência. O primeiro método corresponde ao sistema elementar dado pelo principio da ação e reação, funcionando no campo dos elementos isolados pelo seu separatismo, pelo que eles não se conhecem um ao outro. Agem eles independentemente, agindo e reagindo nos recíprocos embates com simplicidade, ignorando qualquer técnica mais complexa. O método do evolvido corresponde ao sistema mais elevado dado pelo princípio da reabsorção, possível onde, no mesmo campo, os elementos estão fundidos num estado orgânico, pelo qual bem se conhecem um ao outro. Não agem eles independentemente, ignorando-se reciprocamente, mas vivem numa contínua interdependência recíproca,  na posição de elementos comunicantes, própria do estado orgânico. Sua vida, derivando do estado fragmentário, coordenou-se no estado unitário. Decorre disto que, sendo cada um parte do mesmo organismo, o desferir qualquer ataque ao vizinho, não importa em ferir um estranho, mas a si mesmo, porquanto golpeia-se um outro elemento do mesmo organismo constituído por si mesmos, de cuja vida total é formada também a própria vida particular.


A grande diferença entre involuído e evolvido qual todo o resto depende, é o estado de separatismo individualista no primeiro caso, e de coordenação unitária no segundo. Dados estes dois princípios opostos, é lógico que deles decorram conseqüência opostas, isto é, o método da reação para o involuído, e o método da compaixão e perdão para o evolvido. É lógico, no primeiro caso, considerarem-se inimigos os estranhos, como o é, no segundo, considerarem-se amigos os membros da própria família. Tudo depende da atitude mental dada pela própria psicologia, dada pelo plano biológico em que se vive. A diferença está no fato de o involuído considerar os seus problemas isolados dos outros, enquanto o evolvido os considera todos fundidos, cada um como parte do mesmo problema de todos. Este diversíssimo comportamento dos dois tipos é o que traz a conseqüência de não poderem compreender-se e desse modo viverem na terra excluindo-se, em posições antagônicas. Assim é que o involvido permanece irremediavelmente separatista, enquanto o evolvido permanece orgânico unitário.


Dir-se-á, entretanto: como é possível que este último, sendo na terra uma exígua minoria, seja organicamente unitário, como é afirmado constantemente? Onde se encontra esta unidade orgânica, que é inexistente na terra? Precisamos recordar não só que a terra não é universo todo e que as formas terrestres de vida não são todas as formas de vida, mas também, que o evolvido é um exilado na terra, pertencendo a outros grupos étnicos, situados em outros planos, com outra forma de vida. Este, nascendo na terra, traz consigo os .métodos de sua raça, métodos que não são os do nosso mundo. Se neste nosso mundo aqueles métodos não vigoram e são mal recebidos, isto não exclui que alhures eles não deixem de funcionar plenamente. Devem existir, pois, mundos de maior progresso, em que o Evangelho, com os seus princípios de convivência fraterna, deve constituir uma posição já alcançada, uma realidade vivida e não uma meta longínqua a alcançar, uma realidade futura. Os companheiros do evolvido estão nesses ambientes e a distancia espacial não pode impedir que eles permaneçam espiritualmente seus vizinhos. Mantém-se ele em comunhão com estas grandes coletividades espirituais, e é deste mundo mais elevado que descem as forças para defender o evolvido feito inerme por haver deitado fora todas as armas. O mundo ri-se dele; tal qual fizeram os crucificadores de Cristo ao pé da sua cruz. O mundo ri-se dele por vê-lo desarmado e fraco, mas não sabe que ele é o mais armado de todos, a quem, depois de muitas pequenas vitórias dos involuídos, destinadas à eliminação recíproca, pertence exclusivamente a última vitória. A ignorância do involuído é tamanha que ele não só consegue acreditar que o homem evangélico é um débil, quando, em vez disso, é o mais forte, o único vencedor verdadeiro, assim como supõe que a vida é tão pobre de meios e de tão reduzida inteligência, que deixa os seus pontos mais vitais desprotegidos, ao dispor da prepotência dos menos evolvidos.


Devíamos fazer estas considerações, não só para explicar-nos a estranha conduta de nosso protagonista, mas, tambem1 para compreender como, por caminhos tão inusitados, ele pode alcançar a vitória. Este estudo conduz a compreensão da significação profunda do Evangelho e da estranha estratégia usada por ele para vencer a batalha da vida. Nossa tarefa não é apenas a de contar uma história, mas, acima de tudo, a de compreender os elementos sobre os quais ela tem apoio, as forças que a movem e a sustêm, a lógica que a guia, a sua profunda significação moral e espiritual.
Continua a Grande Batalha entre involuído e evolvido. A história que iremos contar é a de um cordeiro que anda entre os lobos e vence, sem armas, com o perdão e o amor. O involuído responde: “Não, não é possível. Sei por minha experiência, que, se ainda estou vivo, devo-o ao fato de ter sabido defender-me. Sei, ainda, que se quiser continuar a viver, não há outro meio senão o de continuar com o mesmo sistema". O raciocínio permanece verdadeiro enquanto se tratar de involuídos. Se um deles passa a fazer-se cordeiro, é natural que venha a ser devorado, porque é a lei do plano ao qual pertence. Mas isto não quer dizer que não possa haver o outro tipo, o evolvido, de cujo plano é a lei diversa, e pode permitir-lhe vencer lá onde o outro perde quando usa os mesmos sistemas.


Vimos como se comportam os dois biótipos, do involuído e do evolvido, em face do problema do ataque e da defesa. Continuemos a observar quais diversas atitudes psicológicas e modo de comportamento decorrem, em face também de outros problemas, para os dois tipos de tão diversa natureza e forma mental. A vida, observada do lado do evolvido, não pode parecer ser a mesma daquela observada do lado do involuído. Os dois modos podem conduzir até a conclusões opostas, especialmente quando, encontrando-se os dois tipos a conviver no mesmo terreno, surge entre eles o problema de relação e os julgamentos tomam características de reciprocidade. Todos julgam: o evolvido julga o involuído, o involuído julga o evolvido, cada um com a sua tábua de valores e moralidade diversa, naturalmente condenando o outro, como por coerência e interesse condena-se tudo o que esta fora das próprias unidades de medida.


Em nosso mundo, na terra, é reconhecida oficialmente e vigora uma ética estandardizada, de medida média, adaptada à sensibilidade e exigências da maioria. Acima desta média, no alto há os santos, os gênios, os heróis, embaixo os primitivos permanecidos ainda selvagens, os delinqüentes. Uns e outros estão fora da medida média. Formam eles para si uma ética adaptada à sua sensibilidade e às exigências de suas vidas. Mas, sem tocar estes pontos extremos, sendo inumeráveis as graduações do desenvolvimento evolutivo pessoal, estando cada um situado em pontos diversos da escada, há por isto,  um contínuo trabalho de adaptação daquela ética geral ao próprio caso particular. Acontece assim, de fato, que, enquanto a ética geral procura enquadrar todos nas suas normas, todo indivíduo, de seu lado, procura adaptá-la o mais possível ao próprio temperamento, defendendo-se contra aquelas normas, com o fim de ser por ela incomodado o menos possível. O moralista, que dita as leis da conduta humana, deve fazer suas contas com esta resistência por parte do material vivo sobre o qual aquelas leis devem incidir. Se as contas forem erradas, se a resistência for demasiado forte, quando as leis exigem mais do que a maioria pode dar, então, é o legislador e a sua ética que vão para o ar. Poderão ser descuradas as minorias, que terão de; resolver de per si: o seu problema, mas não se poderá pretender possuir a força de dobrar as massas, exigindo delas o que não podem dar.


O mundo está repleto de leis, religiosas e civis, de costumes sociais, de normas de todo quilate, que estatuem qual deve ser a conduta do indivíduo. Deixando de lado o evolvido, que exceção não faz número, a massa. vem a encontrar-se em face de uma série de imperativos éticos que encerram como num torno a sua natureza animal inferior para impeli-la a evolver. Por isto, então, as massas anelam a liberdade. Mas a liberdade que elas invocam não é a que cria seres livres, mas a que faz escravos, eis que elas desejam somente livrar-se do esforço que lhes é imposto pelas. normas éticas para evolver, sendo ansiosas de continuar a refestelar-se na animalidade. O moralista, o legislador que se propõe a ditar normas de vida, nunca deve esquecer a natureza involuída do tipo biológico a quem as dirige e de quem exige adesão. Em nosso plano de vida .tudo é luta, também  entre as leis e o indivíduo, entre os princípios  e a sua atuação, entre a teoria e a prática. Em nosso mundo usa-se a inteligência não para aderir ao ideal, não para imitar os modelos apresentados a humanidade, mas para refinar-se cada vez mais na arte da evasão do peso da disciplina. e de reduzir tudo, mesmo invertendo-se, em seu própria favor.


Eis, então, que, quando um evolvido desce na terra, trazendo aqui, :do seu mais elevado plano de vida, novas normas de conduta para guiar a humanidade, educando-a e impulsionando-a ao progresso, assistimos ao estranho fenômeno representado não por uma adesão consciente, na vantagem própria de evolver, mas pela procura das escapatórias para subtrair-se àquelas normas que, no entanto, representam um convite a elevar-se. Eis como são recebidos na terra os ideais descidos do mundo do evoluído. Tudo é sempre luta, e dado que aqueles ideais atacam a animalidade para superá-la, surge de parte desta a reação para sobreviver. Então a inteligência, em lugar de ser usada para evolver, é empregada para não evolver.


Tornar-se-á interessante, ao lado do estudo da ética, estudar paralelamente as escapatórias encontradas pelo homem para subtrair-se a pressão das normas dessa ética. Representam muitas vezes primorosas obras primas da astuciosa arte da evasão, como no Maquiavelismo e no Jesuitismo, verdadeiras escolas e sistemas de evasão. Assim, por exemplo, quando S. Francisco, como biótipo de evolvido, quis transferir para a terra, pelo menos: na sua ordem religiosa,  uma aplicação integral do Evangelho, os seus próximos seguidores, seus contemporâneos, resistiram àquilo que lhes parecia excessiva rigidez da Regra da Ordem e procuraram refazê-la para adaptá-la numa forma de maior comodidade. Depois disto, as três ordens franciscanas, dos Menores, Conventuais e Capuchinhos, mesmo divergindo em algum ponto, conseguiram todos evadir-se do voto fundamental de São Francisco, que era o da pobreza, contornando a questão no sentido de nada possuir individualmente, mas podendo possuir coletivamente como Ordem. Os Conventuais vieram de fato a ser assim denominados, por serem proprietários dos maiores conventos da ordem. A própria Igreja de Roma que proclama um Evangelho que diz: "Se quiser ser perfeito, vá e dê tudo", frase que somente S. Francisco viveu literalmente, a própria Igreja, ainda hoje, possui e tanto possui que se constituiu em poder temporal durante séculos, ao lado das outras casas reinantes.


Não condenamos. Seria infantil pretender que a opinião de um homem possa pesar em fenômenos históricos de tal amplitude. Procuramos somente compreender o que um homem pode fazer, tanto mais que isto pode ter a utilidade de explicar o fenômeno e verificar que, se as coisas assim, se desenvolveram e a vida as permitiu, esta, que é inteligente, deixou assim acontecer porque naquele determinado momento devia satisfazer a outras exigências, seja mesmo inferiores e transitórias. Dadas as condições relativas de um dado momento, em face aos desenvolvimentos futuros, alguns males, certas vezes, dão-se para cumprir suas funções criadoras de bem.


É  interessante. observar. como acontece o fenômeno da descida dos ideais. na terra. Um evolvido cidadão de outras humanidades toma o seu corpo na terra. Os homens, observando que ele possui um corpo igual ao seu, o julgam um seu semelhante. Mas embora tudo apareça igual externamente, não o é interiormente, onde habita uma alma de outro tipo. Começa esta a manifestar-se pela palavra e pela ação Como se verificou com S. Francisco, os normais condenam imediatamente, julgando-o um louco.  Mas ele insiste, procura fazer compreender a sua estranha linguagem que não é a do mundo;. continuando firmemente no seu modo de agir, demonstra uma força que os normais começam a perceber e que, como toda força, induz ao respeito. Mas, depois, eis que as massas o acompanham por um sentimento que é muito mais que o temor gerado pela força: é  estima, veneração, amor. Por que isto? É  que. nos equilíbrios das forças biológicas em ação, manifesta-se também o poder do ideal que na vida tem, por certo, a sua função. O evolver é mesmo uma das fundamentais exigências da existência. Dos planos mais elevados, desce, para os mais baixos, uma atração, uma espécie de fascinação, que move. a inconsciência instintiva como um convite e um impulso a obedecer aquela atração. Assim a vida move o ser, por meio destes seus fios misteriosos, para arrastá-lo para onde ela quer. Igualmente acontece no mistério da atração sexual a que se obedece sem saber o porquê. Mas é bastante que o saiba a vida que tudo dirige.


Desse modo as massas seguem á homem superior, a quem a natureza confere uma fascinação que lhe é indispensável para executar o trabalho que lhe confia, como confere fascinação a mulher por lhe ser esta indispensável para cumprir a sua função, a de gerar. Assim as massas seguem o evolvido. São dois termos opostos e, como o macho e a fêmea, são, por isto, conduzidos ao abraço. A massa humana representa a fêmea, o elemento negativo que recebe a marca dobrando-se, por ser mais débil, diante do outro elemento que é mais poderoso. Eis então que, na última fase do desenvolvimento do fenômeno, assim como o macho submete a fêmea, o homem superior imprime o seu sinete de fogo nas carnes de seus seguidores; Como se deu com Cristo e o Cristianismo, as massas, depois, rebelar-se-ão, procurarão evadir-se, com astúcias inumeráveis. O abraço inicial, todavia, continua, e, como todo abraço, será uma forma de luta. Mas, na luta, Cristo, para vencer o mundo, e o mundo para destruir Cristo, os dois estão abraçados. O elemento negativo oferecerá todas as resistências, mas está nas leis da vida que ele seja dominado e fecundado pelo elemento positivo que e o mais forte. A luta continua e continuará, mas a semente foi imergida no terreno que havia de recebê-la. Continuará a luta, mas o germe fecundador aí está ativo, gerador do feto que é a alma do homem novo e representa o biótipo do evoluído; e o processo não poderá parar até que aquele novo ser nasça.

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Eis como se verifica o fenômeno da descida dos ideais na terra. Trata-se de um processo que lembra o da fecundação, pelo qual é sempre o elemento positivo, mais poderoso porque está a testa do caminho da evolução, que agarra e arrasta consigo o elemento negativo que, como mais fraco, é arrastado e dessa forma conduzido para frente. Evolvido e involuído são os  dois termos desta união.


São três as grandes finalidades da vida que as alcança através de três formas de união; pondo no ser, para esse fim, instinto adequado. 1º) a conservação do indivíduo, pelo que este se une ao seu alimento, impelido pelo instinto da fome. 2º) a conservação da espécie, pelo que o macho se une à fêmea, impelido pelo instinto no amor. 3º) A ascensão do tipo inferior, pelo que o evolvido se une ao involuído, impulsionado pelo instinto da evolução. Três finalidades a alcançar, três uniões a serem efetivadas, três instintos a serem saciados. Em cada caso há um recobramento do mais para o menos, estendendo a mão, ajudando a levantar-se para o alto. E, então, o menos torna-se instrumento do mais, como meio para sua realização. Isto mostra-nos como a vida é uma, não obstante os seres se distanciem nos seus diversos planos. Mostra também como, dividida nos seus particulares, permanece compacta por ser regida por princípios uniformes que estabelecem uma rede universal de relações que entrelaçam tudo a tudo.


Estamos no reino do relativo, em que todo ser é um fragmento e, como tal é incompleto, sendo, por isso mesmo, continuamente impelido à procura do seu termo complementar do qual necessita para completar-se. O termo complementar do evolvido é o involuído. Por isto Cristo amou, mais do que todos, os humildes, os pecadores, a ovelha perdida. Este é o destino fatal dos mais adiantados: o de se sentirem atraídos .pelos mais atrasados, por ser esta exatamente a função biológica do evolvido, isto é de os fazer progredir. É esta atração que explica o seu instinto de sacrifício em prol dos piores, os que, exatamente, mereceriam menos tal sacrifício. A vida é lógica, econômica e utilitária. Se ela cumpre este contra-senso, havemos de presumir que ela possui seus bons motivos, que aliás, são os acima referidos. Podemos, assim, compreender também racionalmente porque Cristo tomou sobre si os pecados do mundo e o que isto significa em face dos princípios positivos da vida.


De outro lado, o termo complementar do involuído é o evolvido. Aquele persegue este, mata-o depois rebela-se, mas o seu ponto de referência, seja  mesmo em forma negativa, é sempre aquele, o evolvido. Quem blasfema contra Cristo, afirma sua existência e poder. Esta é a manifestação do inferior, ávido de destruição. É com a agressão que ele pode manifestar o seu maior grau de interesse. Sendo inferior, submergido no Anti-Sistema, o involuído é negativo e, sendo tal, assim como ama bestialmente com a violência, assim mesmo une-se com a revolta. É a sua maneira de expressão, conforme a sua natureza. O  mundo está unido a Cristo para enganá-lo, traí-lo, explorá-lo, mas mesmo assim, a seu modo, está unido a Ele, que permanece sempre, para todos,  tanto para quem o ama, como para quem o odeia, o termo de referência, a unidade de medida dos valores, o farol que indica o caminho, também para os que não querem andar.


Agora podemos dizer que temos sob as nossas vistas a exata posição do evolvido e a do involuído em face das leis da vida. Podemos compreender suas, diversas atitudes em frente aos ideais que representam o, futuro da evolução, Encontrando-se os dois tipos em posições opostas, é natural que seja oposto o seu comportamento. Situados em face desses ideais, o evolvido é levado espontaneamente a vivê-los; o involuído, contrariamente, procura escapar-lhes. Este o índice revelador da natureza do indivíduo. Na posição avançada dos ideais, o involuído encontra-se deslocado, enquanto o evolvido encontra-se bem, no seu ambiente natural.. A natureza do indivíduo é imediatamente manifestada claramente pela atitude por ele tomada em face desses ideais, positiva para o evolvido, negativa para o involuído. O primeiro procura subir para melhorar-se cada vez mais, é levado, por isto, a praticar mais do que pregar, mais a querer ser, do que querer aparecer. O involuído procura submeter os outros sob o peso de todas as virtudes, impor aos outros o esforço da ascensão que a ele não interessa; é, por isso, levado mais a pregar do que a praticar, a querer aparecer mais do querer ser.


Cada qual age conforme a própria natureza e com isto revela-se. Continuemos a observar o comportamento diverso dos dois tipos, de modo que cada um possa reconhecer-se de per si. Colocado diante de seus próprios defeitos, o evolvido não se sente ofendido, mas procura corrigi-los uma vez que seu escopo é o de melhorar. Se observa defeitos dos outros, procura advertir particularmente para aconselhar e melhorar, não para acusar, procurando o bem do próximo e não uma ocasião para desacreditá-lo. Aviso que é aceito, por trazer o bem e ser feito com amor.


Contrariamente, o involuído, posto em face de seus defeitos, ofende-se e não procura corrigi-los; justifica-os e defende-os, eis que seu escopo é o seu triunfo egoísta, a afirmação do eu; se encontra defeitos nos outros, procura acusar o próximo, sem buscar compreender a sua fraqueza, a sua luta para melhorar, as dificuldades para superar a própria animalidade; acusa-o, por estar em culpa e defeito contra os grandes ideais, exaltando-os, assim, ao negativo, como meios de agressão e condenação Nenhum aviso particular oferece para ajudar a melhorar e corrigir, mas escandaliza-se, como e direito dos puros, dos juizes, a cujo lado o involuído gosta de colocar-se. Na sua astúcia ele gosta de tomar a veste de integérrimo, porque isto o situa na posição privilegiada de defensor do ideal e o autoriza à condenação, em que o seu eu triunfa, erigindo-se em modelo para o esmagamento do próximo. É o completo triunfo do instinto egocêntrico, oposto ao instinto altruísta do evolvido. Desse modo revela-se o involuído.


Seu terreno é, como havemos dito, o da luta, em cuja função desenvolvem-se os seus pensamentos e atos. Encontrando-se em ambiente hostil, que o mantém continuamente na necessidade do ataque e da defesa, o problema de seu melhoramento é sobrepujado pelo problema mais premente da luta para a sobrevivência. Neste ambiente de rivalidade, o deixar que outro descubra os seus defeitos significa pôr a descoberto o ponto fraco a ser tomado por alvo pelo próximo, pronto a agredi-lo. Assim é que se explica como em nosso mundo esteja difundidíssima e instintiva a mentira, que se torna arma de primeira necessidade para a defesa própria. Condena-se este tão difundido espírito da mentira, mas é forçoso .reconhecer ser isto uma conseqüência lógica, poder-se-ia dizer necessária, do espírito de agressividade que o gerou, sem a qual a mentira não teria finalidade e, pois, nenhuma razão de existir. É lógica, por parte da vida, que quando a agressividade tenta pô-la em perigo, ela se defenda com todos os meios mais aptos, de conformidade com a elevação do plano em que tenham de funcionar. A mentira, de fato, desaparece espontaneamente no plano do evolvido, onde o dominante espírito de sinceridade elimina automaticamente o espírito da mentira, caindo este de per si, não havendo mais, naquelas condições nenhuma necessidade do mesmo para viver.


Assim é que a luta torna o plano. de vida do involuído um terreno repleto de traições, .uma rede de enganos, uma ficção contínua. Para melhor enganar protesta sinceridade. A convivência social, num regime que embora não aparente, é substancialmente feito de luta, continuamente educa e obriga a esta ficção. Isto permite, a. possibilidade de múltiplas interpretações dos aspectos bifrontes de todos nossos atos. Isto leva à formação de uma nossa segunda personalidade fictícia, sobrepondo-se a verdadeira para escondê-la;  essa segunda personalidade, a mais considerada, porque sendo a que aparece por fora, o julgamento da opinião pública baseia-se sobre ela e é este julgamento que, em nosso mundo, estabelece o valor do indivíduo Opinião pública inconsciente, irracional explosão de instintos elementares quase sempre egoístas e agressores, incompetente a julgar por ignorar as verdadeiras causas, mas assim mesmo sempre pronta a fazê-lo, embora, pela própria ignorância, esteja exposta a ser enganada pela astúcia dos mais espertos e menos honestos.


A vida é. utilitária e neste ambiente convém mais aparentar, o que produz estima e confiança, do que realmente ser. No ambiente do evolvido demonstrar as próprias debilidades significa receber compaixão e ajuda, não desprezo e condenação e, .por isto, é possível a sinceridade. Mas é natural que, num ambiente onde se vai à procura das fraquezas do próximo para destas fazer alvo, a vida se afaste de uma sinceridade que para ela se torna perigosa. Seria absurdo pretender que a vida ande contra si mesma. No plano do involuído o egocentrismo isolacionista dominante separa cada indivíduo do outro, encerrando-o nos seus problemas pessoais, ignorando os problemas dos outros. Aí os defeitos e respectivos males dos outros não são os próprios. Torna-se por isso legítimo desinteressar-se e perseguir, quando disto pode resultar um acréscimo de si mesmo com o esmagamento do próximo. O contrário dá-se no plano do evolvido, em que o estado orgânico dominante une todo indivíduo ao outro, situando-o como parte co-interessada na boa solução dos problemas do próximo. Neste. plano, os defeitos e respectivos males dos outros valem os próprios, e, portanto é dever e útil interessar-se por eliminá-los uma vez que representam defeito e mal para todo o organismo de que se é parte e, pois, mal de todo seu elemento componente. É natural, assim, que o modo de comportar-se dos dois tipos biológicos seja completamente diverso quando o problema da vida nos dois planos está implantado de modo completamente diferente.


Tudo tem sua razão de existir e esta no seu justo lugar. Devemos ter em conta o fato de que no plano do involuído dominam insensibilidade e ignorância. Para poder efetivar-se a. evolução nestas condições, em pleno regime de separatismo e de luta, é que se tornam necessários os duros golpes que os involuídos se desferram reciprocamente, já que é nesta reciprocidade agressiva que eles cursam a escola necessária. Este é o duro pão indispensável para a dureza dos. dentes dos involuídos. A escola da evolução deve usar meios proporcionados a sensibilidade dos alunos. Tratados com espírito de sacrifício próprio poderia, em determinados casos, representar um convite á inércia e à exploração. Muitas vezes a condenação. da. opinião pública, a feroz acusação do vizinho, de que se ressentem os malefícios, representam o único meio que consegue se fazer sentido e percebido pela insensibilidade dominante. Quantos não procuram deixar-se arrastar, e explorar o sacrifício de Cristo? Mas, com isto, não se pode enganar a vida. O resultado é que esta deixou o mundo, que recusou. os argumentos da bondade, debaixo. do látego dos duros argumentos dominantes e de todos conhecidos, por serem os únicos adaptados a sua sensibilidade.


Cada coisa está em seu lugar na ordem universal. Quando o evolvido anunciou a sua verdade, deu o exemplo, completou o seu sacrifício, então basta. A sua tarefa esta cumprida. A cada qual pertence o esforço da própria evolução e não se pode explorar a dos outros para que efetuem a nossa, em .nosso lugar. Se, depois, o involuído quer subir deve pôr-se em movimento com as próprias pernas. Na justiça da Lei, a cada qual o próprio trabalho e tarefa. Ao evolvido pertence redobrar-se em missão de sacrifício sobre os mais atrasados, ensinando e guiando, mas, depois, pertence ao involuído efetuar o esforço para mudar-se, seguindo as marcas dos mestres. Se não quiser fazê-lo, o dano será todo seu, e o martírio dos evolvidos que se sacrificaram por ele, ficará inutilizado para ele, uma vez que não quis colher o fruto oferecido. Os involuídos. poderão mesmo martirizar os evolvidos que descem na terra em missão, uma vez que a Lei o permite por ser esta a forma com que os primitivos tomam conhecimento das coisas. Mas se, depois, eles não aceitarem e não seguirem este conhecimento, ninguém poderá constrangê-los a isto, ou fazer e respectivo trabalho em seu lugar, trabalho necessário para alcançar com a evolução a própria felicidade. E assim eles, que se têm por fortes e astutos por haver sabido esmagar o evolvido que se sacrificou para eles, perdem a oportunidade de evasão que lhes foi oferecida e permanecem submergidos no pântano de seus males. Os perseguidores de Cristo acreditaram conseguir vantagem mas fizeram seu próprio dano Desse mesmo modo, todos os que põem entraves à missão dos homens superiores, acreditam vencedores mas são vencidos; imaginando alcançar ganhos com a liquidação de um inimigo, deslizam cada vez mais para trás, para a ignorância e a dor.

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Continuemos a observar as diversas posições do evolvido e do involuído em todos os seus aspectos. Ocupar-nos-emos mais adiante da moral em modo particular, procurando encontrar uma, racional, que se eleve sobre bases positivas. Queremos, aqui, observar somente o comportamento dos dois biótipos em face das normas propostas como guia da conduta humana.


A natureza predominantemente egocêntrica e isolacionista do involuído, devido a sua posição retrógrada ao longo da escada da evolução, mais próxima do anti-sistema, manifesta-se em toda sua atitude, assim como a natureza predominantemente orgânica e unitária do evolvido, devido à  sua posição mais avançada, mais próxima do. Sistema, igualmente manifesta-se em todo seu ato. Assim é que a  moral do involuído é predominantemente egocêntrica: começa de seus próprios direitos em relação aos outros e dos deveres dos outros para consigo. O regime de. luta em que vive o involuído não pode deixar de aparecer a todo seu passo. Disto segue que a sua, porquanto externamente envernizada com a mentira de nobres ideais, é substancialmente uma moral de agressão. O que distingue e revela o involuído, é exatamente o espírito de agressividade, enquanto o que distingue e revela o evolvido, e o espírito de amor. Verificamos os princípios gerais expostos nos volumes Deus e Universo e O Sistema alcançar aqui, no terreno humano em que todos vivemos, suas últimas conseqüências.


Dada a posição do involuído ao longo da escala da evolução, é natural que a sua seja uma moral de luta, uma moral em que o problema de vencer sobre tudo constitui o elemento fundamental. Assim é que os conceitos das morais pregadas vêm a tomar uma significação completamente diversa. Num ambiente em que tudo é luta, qualquer coisa que venha a nele cair não pode deixar de ser transformado e utilizado como instrumento de luta. Não se pode dizer que no plano do involuído não existam ideais, religiões, morais, princípios de todo gênero. Leis não faltam. Mas tudo isto não representa a realidade biológica, vivida neste plano, mas a realidade biológica de planos superiores a serem alcançados no futuro, mas, hoje, ainda longínquos. Sua prática na terra é forçada, obtida somente por meio da ameaça das sanções. Nada tem da espontaneidade instintiva que aqui gozam os atos da animalidade. Os princípios superiores aparecem na terra com um capuz imposto mais ou menos à força, sobre a natureza humana que, sendo bem diversa, procura rebelar-se, lançar longe o pesado fardo e, para evadir, tenta toda contorção possível.


Enquanto o desejo primordial do evolvido é o de aderir à Lei, o primeiro desejo da involuído é o de dobrá-la a si mesmo. Em nosso mundo, tudo é conseqüência lógica da posição retrógrada ocupada pelo involuído ao longo da escala da evolução. É uma série de elementos conjugados em corrente: revolta contra a ordem, estágio de desorganização, separatismo, isolamento egocêntrico, egoísmo, luta, agressividade, contra-agressívidade por necessidade  de defesa. Torna-se desse modo um regime de incompreensão e de antagonismos que arrasta a todos. Para corrigir os últimos efeitos, tornar-se-ia necessário remontar com a correção até as causas primeiras, estabelecidas pela natureza mesma do biótipo do involuído. Tão logo este conseguisse evolver até um mais elevado plano de vida, ingressar-se-ia num regime de compreensão que; com o reconhecimento dos direitos alheios, pacificaria todos os antagonistas. Mas na situação atual, com pretender que a critica alheia, se esta é movida não por amor e para melhorar, mas sem amor, para acusar, venha a ser recebida de boa mente, sem que haja, em quem a receba, a explosão do espírito de agressividade de que aquela está repleta? Quem é que não estaria pronto a aceitar e agradecer a intervenção do próximo, quando isto fosse feito a fim de bem? Como podemos pretender que a vida dê ao indivíduo o instinto contraproducente de aceitar o que lhe resultaria em dano por ser movido por espírito de agressividade? E como podem ser diversas a crítica e a reação que ela provoca, quando se vive num regime de luta? Quando nos encontramos em face de tais reações, a culpa estará em quem as cumpre ou em quem as provoca, colocando a outra parte na necessidade de defender-se?


Por vezes acontece, nestes casos, de usar-se um Evangelho invertido. Este, de fato, prega a paciência e o perdão, desarmando o homem no terreno humano. Coisa ótima para quem se move contra aquele, no mesmo terreno. Levanta-se então a bandeira do Evangelho por ser, este o melhor meio para desarmar o inimigo. E se este não se deixa assim desarmar, deixando-se esmagar, pode-se encontrar nisto uma nova razão para condená-lo, frente aos nobres e santos ideais que este, com, grande escândalo dos seus críticos, demonstra evidentemente não respeitar. Então, em nosso mundo, onde tudo pode ser invertido e falsificado, alcança-se este "esplêndido" resultado: o de que as virtudes e os ideais que deveriam tornar o homem melhor, vêm a ser usados como termo de confronto para mostrar os defeitos do próximo e para acusá-lo em causa disto. Tal é a natureza do involuído, tal é o seu instinto que ele procura satisfazer, tal é o caminho para o qual o impele o espírito de agressividade de que está saturado o seu ambiente, pelo que tudo, em suas mãos, torna-se arma de luta para vencer e dominar.


Quem procura verdadeiramente a virtude, a procura em si mesmo e não nos outros e, se a possui, não a exibe para honrar-se. Quando assim fosse não seria mais virtude, mas exploração da virtude, e quem a procura somente nos outros, dela faz um meio para figurar esplendidamente enquanto está esmagando o próximo. Este método é muito usado para conseguir honra de virtuoso, é muito barato, causa muito incômodo alheio mas bem pouco para si. O involuído é prático e utilitário, e é parte de sua lógica conseguir fruto de tudo. Pode-se tornar este método mais seguro e proveitoso, acrescentando, a pregação da virtude, o escandalizar-se de quem não a pratica, distanciando-se mesmo, com repugnância, dos pecadores.


Analisamos esta psicologia para explicarmo-nos a sua existência. Tudo decorre sempre do primeiro fato, isto é viver o involuído num regime de luta em que a agressividade para o ataque e a defesa é uma condição necessária para a conservação da vida. Num ambiente constituído de egocentrismos rivais, esmagar o próximo representa uma vantagem, a libertação de um concorrente, espaço vital conquistado. Para o involuído, ideais e virtudes constituem um impedimento nesta luta. Como; pois, deixar de procurar, dada a psicologia utilitária dominante, de jogar este impedimento sobre os ombros do vizinho, para amarrá-lo o mais possível, se isto constitui vantagem própria? Tudo é lógico na natureza. Por que não teremos a coragem de olhar de frente esta lógica, se isto não e senão a última conseqüência das reais premissas representadas pela natureza do involuído? Por que acrescentar-lhe a hipocrisia para encarar a realidade sob aparências diversas? É mais honesto sermos sinceros. Estamos no plano do involuído, onde predominam ainda os instintos da animalidade. Por que dever-se-ia renunciar, neste plano, a vencer o próxima, quando isto representa conquistar para si um acréscimo de vida? Estamos, aqui, situados. num terreno onde reina o egoísmo separatista. Cada um por si. E se o indivíduo não aproveitar a fraqueza do vizinho para sobrepujá-lo, este aproveitara de sua bondade para esmagá-lo. Tudo isto evolvendo, cai de per si por ser contrário a lógica da vida no plano orgânico do evolvido, onde tudo isto não tem mais razão de existir. Entretanto, é lógico que a lógica da vida seja diversa no plano do involuído isolacionista.


Neste plano, os princípios descidos do plano do evolvido na forma de ideais, religiões, normas morais, leis sociais etc.,  representam um farde que a animalidade procura alijar de si. Esta anela permanecer na plenitude de seu estágio e não se quer mutilar com a evolução que procura destruí-la. Todo progresso para o alto, no plano da animalidade, representa uma renúncia a vida. Nesse mundo de rivalidade é natural que cada qual procure fazer tom que a renúncia seja praticada pelo próximo, o seu rival, antes de ver-se constrangido a praticá-la ele mesmo. Assim é que se explica, em muitos casos, a exaltação dos ideais, uma vez que estes representam um meio para induzir o próximo a esta renuncia, a qual, limitando o seu espaço vital, aumenta o nosso. Com isto não se quer dizer que não haja sinceros afirmadores dos ideais; mas, fato é que, se disto não decorresse alguma vantagem, muitos não os sustentariam. Nesses casos exige-se que as renúncias sejam vividas pelos outros em nome dos princípios ideais, porque limitando os apetites, quando não eliminam um rival, conseguem distanciá-lo como concorrente do mesmo prato onde preferimos comer sozinhos.


Para o evolvido tudo corre de modo completamente diverso. Uma vez que o seu centro vital esta situado em outro plano, é natural que a vida alcance os, seus objetivos em outra forma: no caso do involuído, em forma egocêntrica, no do evolvido, em forma orgânica unitária, exatamente porque o primeiro está situado mais perto do Anti-Sistema, que possui aquelas características, e o segundo, contrariamente, está situado mais perto do Sistema, que possui as opostas. De fato no plano do primeiro, a plenitude da vida alcança-se com o triunfo da animalidade, enquanto no plano do evolvido alcança com o triunfo da espiritualidade. Para o involuído, contra as vantagens oferecidas pela prática dos ideais e das virtudes, interpõe-se a barreira representada pelo esforço necessário a subida até aquele plano em que o evolvido, que o alcançou, co1he naturalmente aquelas vantagens. Assim é que, no plano deste, as virtudes que tanto pesam para o  involuído, são praticadas espontaneamente, sem esforço, como se verifica com todas as qualidades adquiridas no estado de instinto. Para o evolvido as virtudes representam uma norma de vida das quais experimentou a utilidade, uma disciplina que  valoriza o que a segue, uma lição bem assimilada. Para o involuído, em vez disso,  as virtudes representam uma norma nova que pretende inverter o seu mundo para construir um outro, prometendo efeitos dos quais não se experimentou ainda a utilidade, conhecendo-se, entretanto, o peso do sacrifício necessário para alcançá-los. Assim é que, se o evolvido  se encontra em face dessas normas na posição de aceitação natural, o involuído vem a achar-se em posição de rebelião e de defesa. Desse modo este  último defende-se contra as normas superiores da ética, da mesma forma como se defende contra todos os outros perigos que o ameacem, sendo esta a atmosfera do seu ambiente.


Entretanto o mundo está repleto de harmonias maravilhosas, cuja compreensão é fonte de imensas alegrias; está repleto de potencialidade gratuita para quem for digno de possuí-la, do mesmo modo como os espaços estão cheios de energia que gratuitamente move massas incomensuráveis de matéria. Aquelas harmonias e alegrias  são desconhecidas pelos primitivos que vivem submergidos num mundo de agressão recíproca, e, portanto, de perigo e ansiedade continuas. Aqui a potência é disputada e fragmentada por não sermos dignos de possuí-la. Também assim na Terra onde tudo está acorrentado à atração, propriedade da matéria, e, por isso, toma-se custosa toda energia necessária para movimentar qualquer pequena massa. O evolvido é como um bólide que, liberto da material atração terrestre, pode livremente viajar pelos espaços usufruindo da energia gratuita a que tem direito todo aquele que se tornou digno de captá-la. Então, o mundo, que para os primitivos está repleto de terrores, manifesta-se sob aspecto de todo diverso, como um mundo de ordem e de harmonias, em que a vida é garantida por um Deus, não mais iracundo e vingativo, mas verdadeiro pai de todos. Então a nossa grande habilidade de saber vencer o próximo para usufruir neste inferno uma vida bem dura, torna-se um esforço sem sentido, uma condenação reservada aos inferiores, embora necessária para acordá-los de sua insensibilidade e ignorância.


O erro psicológico do involuído esta em acreditar que a disciplina das normas superiores constitui uma restrição da vida, enquanto esta disciplina representa somente o esforço necessário para alcançar condições de vida mais elevadas e melhores. A ignorância do primitivo está em não compreender que a luta para sobrepujar o próprio semelhante não produz senão resultados imediatos e transitórios, enquanto a verdadeira luta que deveria ser travada é a da superação do próprio plano de evolução, por ser esta a única luta produtora de resultados decisivos, embora longínquos  O permanecer encerrado na própria psicologia constitui a maior condenação do involuído, mas este é o natural e inevitável efeito de sua ignorância. Esta é própria do seu plano e ele não poderá sair enquanto não souber efetuar o esforço da superação. Em face da disciplina que deseja coordená-lo num sistema orgânico, ele se sente prisioneiro, rebela-se como faria uma fera posta a viver num dos nossos apartamentos. Se o homem civilizado acha-se muito melhor na casa do que na floresta, o primitivo, sentindo-se engaiolado, praticará os esforços para evadir-se. Para este, permanecer nesse ambiente civilizado representa algo fora do seu concebível. Ele está inexoravelmente amarrado à lei do seu plano, os seus esforços desenvolvem-se conforme esta lei e para ele sua posição relativa tem valor absoluto. E não compreende que, pregando e não praticando, o ato de querer encerrar o próximo, em vez de si próprio, na gaiola das virtudes, não constitui astúcia em seu favor, mas prejuízo para si próprio. Se quisermos verdadeiramente ganhar, cada um de nós deverá tomar o seu fardo e carregá-lo para evolver.


   É tão só para o primitivo ignorante que pode parecer, uma vez que está projetado para o Anti-Sistema, que o mundo seja um caos, em que a vida pertence ao mais prepotente que sabe impor-se. O que tudo regula, também nos planos inferiores, é a lei de Deus, que é ordem e justiça. Somente quando se progride ao longo da escada da evolução, começa-se a compreendê-lo, porque subindo, o ser avizinha-se ao Sistema.


Eis o que fica sendo o mundo do evolvido transferido para o plano do involuído. Eis porque o produto das religiões e dos ideais está feito, praticamente, mais por pregadores de virtude do que por virtuosos. Eis como as normas de uma vida superior, movimentadas pelos astutos, servem muitas vezes para apanhar os ingênuos, os honestos, todos os fracos que não sabem defender-se. Mas Deus não pode ser enganado e Ele vê também atrás dos bastidores. Assim é que, pela Sua Lei de justiça, a humanidade sempre pagou, está pagando e pagará os seus erros. Somente depois de haver feito a diagnose do mal, é possível compreender qual deve ser a cura. Tão só depois de haver compreendido quais os erros perpetrados, se pode ver como são justas e merecidas as suas conseqüências, que a humanidade está suportando.


Sem condenar e muito menos pretender reformar, quisemos chegar á compreensão destes fenômenos, sobre os quais boa parte de nossa vida individual e social está alicerçada.