Amor, impulso fundamental da vida, força de coesão que rege o universo, potência divina de eterna reconstrução! Encontrá-lo-emos sempre indestrutível, em formas infinitas, em todos os níveis do ser. Com este, o amor subirá, sublimando-se até o paraíso dos santos. O amor, como a dor, tem uma função fundamental de conservação, coesão e renovação, é parte integrante do funcionamento orgânico do universo; o impulso não se destrói, mas se reforça e eleva; o desejo não se mata, mas se guia para uma contínua elevação. Evolução de instintos, evolução de paixões, aperfeiçoamento constante da personalidade (teoria evolutiva do psiquismo).

   Também aqui observamos o amor nos diferentes níveis e sua ascensão. Assim traçaremos novo aspecto das vias da evolução. O amor, que no mundo animal é função prevalentemente orgânica, adquire no homem funções de ordem nervosa e psíquica; complica-se, dilata seu campo de ação, sutiliza-se e sensibiliza-se (se souber evitar o perigo de uma degradação neurótica) para um superamor espiritual. Se é necessário não destruir, mas fazer evoluir as paixões, justamente por isso, é indispensável dominá-las e guiá-las, orientando-as para a fase espiritual. Tudo o que acentua o elemento nervoso e sutil: fascínio, simpatia de alma, graça, arte, música, vibrações e psiquismo; tudo isto é perfume e poesia do amor, tudo que desmaterializa e espiritualiza é evolução que vos guia para a superação das formas do amor humano. Estais à porta de novo reino: o amor místico e divino. Êxtase supremo que os santos experimentaram, não é digressão agradável de sentimentalismo romântico, é a mais tempestuosa das conquistas, a mais alta tensão do domínio sobre as forças biológicas, uma luta viril contra a humanidade, onde se empenham todas as forças da vida. Compreendo um misticismo ativo, que renuncia para criar, e não aquele vazio misticismo moderno, neurótico e sensual, enervante e doentio, que, entre artificiais complicações de sutilezas, só existe no espírito, ocioso e desolado.

   No alto, como ponto limite da evolução humana, está o amor divino. Ao homem mediano só podemos pedir a maior aproximação admissível por suas capacidades de concepção e suportável por suas forças. Nas gradações infinitas das aproximações à perfeição, cada um em seu nível procurará embelezar e elevar, ao máximo, instintos e paixões. A meta seja aquele superamor alcançado pelos grandes; eleve-se o humano para o divino em sucessivas destilações que derrubam embaixo e reconstroem cada vez mais alto. Ascensão das paixões, que faz parte da elevação de toda a personalidade, de uma transfiguração do Eu. Por isso, o vínculo substancial de qualquer união de amor deve ser ele próprio; sem amor, tudo é nada, reduzindo-se a uma forma de prostituição, ainda que revalidada por todas as sanções religiosas e civis. A forma não pode criar a substância, de que depende a felicidade dos filhos e o futuro da raça.

   As formas de amor elevam-se gradualmente, e cada ser, desde o animal ao selvagem, ao homem inculto, ao intelectual, ao gênio, ao santo, ama diferentemente, de acordo com as qualidades e o grau de perfeição que tenha atingido. Com a ascensão do tipo, transforma-se a expressão do amor - a maior força do universo. Sempre presente em qualquer altitude, suas funções - desde a mais simples nos seres inferiores, a de multiplicar a espécie - enriquecem-se e se complicam numa quantidade de novas tarefas, desenvolvem-se em amplidão de ações. A fêmea transforma-se em mulher, o macho em homem. A atração sexual se engrandece no amor materno, que se diferencia e enriquece nas formas de amor paterno, filial, familiar, nacional, humanitário, até ao altruísmo, à abnegação, ao martírio. A mulher transforma-se em anjo, o homem em santo.

   Nessa ascensão do amor há uma contínua reabsorção do impulso socialmente desagregante do egoísmo, uma emanação que a ele substitui as forças socialmente construtivas do altruísmo. A função do amor é criar, conservar, proteger. Seu desenvolvimento exterioriza e intensifica todas as defesas de uma vida cada vez mais complexa. Essas ascensões não são sonho estéril, mas contêm a gênese das forças de coesão do organismo unitário da futura sociedade humana. Altruísmo necessário num mundo mais evoluído, mesmo que possa parecer utopia hoje, em que por vezes é um esforço extensivo apenas ao restrito círculo familiar. Reabsorção do egoísmo pelo amor, inversão de impulsos, que é somente um momento do processo de inversão das forças do mal em bem, da dor em felicidade. O egoísmo é restrito, seu separatismo o isola e limita-lhe o gozo. A ascensão do amor transforma-o, por expansão contínua, em sempre maior capacidade de gozar. Nas alegrias presas ao denso meio da matéria, existe alguma coisa que cansa e desgasta nos atritos, mais rapidamente que nas alegrias livres do espírito. Este escancara os braços ao infinito e possui tudo sem nada pedir.

   Que novo espaço darão à vida as mais altas paixões! Quanta sutileza e profundidade de gozos possuirá o homem futuro, que, sem dúvida, olhará com náusea as festas brutais dos sentidos como os concebeis hoje! Que música será então a vida, fundida na harmonia do universo! A paixão desmaterializar-se-á até o superamor do santo, gozo real e altíssimo, fenômeno não assexual, mas supersexual, pretendido para seu termo complementar, que está além da vida, no seio das forças cósmicas. Na solidão dos silêncios imensos, o santo ama, com a alma hipersensível estendida e aberta a todas as vibrações do infinito, num impulso impetuoso e frenético para a vida de todas as criaturas irmãs. Se vos parece sozinho, ele está com o Invisível, ao qual estende os braços no êxtase de um supremo e amplíssimo amplexo; alguma coisa lhe responde do imponderável, inflama-o e o sacia; num incêndio que tornaria cinza qualquer ser comum, arde o amor que abraça o universo; num mistério de sobre-humana paixão, Cristo abre dolorido os braços na cruz e São Francisco, no Verna, abre os braços a Cristo.