A Grande Síntese

  Quem será o chefe, desse novo organismo para o qual se dirige toda a vida? Como a história o escolherá e o evidenciará? Há momentos em que a história atravessa curvas decisivas, em que se prepara a fase decisiva de uma civilização milenar. Imensas maturações sociais estão iminentes na aurora de novas civilizações. A humanidade parece, então, perder-se em crises e conflitos e todo o passado parece ruir. Então as forças da vida conclamam o gênio, para que interprete e crie; e os equilíbrios da lei o trazem à luz, valorizando-o em plena eficiência. As forças do imponderável convergem a sustentá-lo, para que ele construa e levante. Então, o homem que muito realizou, com seu trabalho íntimo, sua maturação biológica, é chamado por atração por meio da linha de sua maior especialização para dar todo o seu rendimento à obra coletiva que lhe é confiada e torna sua. A vida do chefe é suprema missão. Esses fenômenos não são mistério para nós, pois sempre nos movemos ligados à substância no imponderável.

   Nesse desencadear-se de forças titânicas, é pueril buscar a razão das coisas nas velhas fórmulas de legalidade humana. A Grande Lei, que no âmago sustenta todas as coisas, amadurece tudo com perfeita harmonia para metas aleatórias. A vida dos povos possui seus equilíbrios profundos, tal como a vida inorgânica e orgânica; como estas que produzem, no momento da maturação evolutiva, a molécula ou célula adequada, também a vida dos povos produz, no momento decisivo da evolução biológica, o seu personagem, a sua célula superior, trazida à luz pela tensão de todas as forças da vida. Essas forças explodem em triunfo após secular esforço oculto, a fim de que essa célula realize, por leis de coordenação, sua função de cérebro e de vontade, de direção e de comando, porque essa é naturalmente sua capacidade, sua diferenciação e sua função biológica.

   Assim é o chefe por sua grandeza mas também por seu dever, por sua satisfação como por seu esforço, por sua vitória como por seu perigo. Nesta função e neste perigo reside a justiça da suprema Lei de Deus, sua base, antes divina que humana, de uma investidura sagrada que é missão na vida; reside seu direito de comando e o dever dos povos de obedecer-lhe, unidos todos diante de Deus, operários diferenciados no mesmo trabalho.

   A novíssima afirmação é que o chefe, nos momentos de exceção, é escolhido por seleção biológica; no momento decisivo, a Lei intervém diretamente, superando as convenções sociais. Manifesta-se uma lei mais verdadeira que as outras. Os povos procuram, por instinto, a célula que realize a função coletiva necessária de comando. Reconhecem-na, sentem-na, respeitam-lhe a função, não por coação nem por convenção, mas espontaneamente, por uma lei que reside em seus instintos. Quando um povo encontra seu chefe, aquele que sente e manifesta sua alma, coordena suas atividades, realiza a função biológica de defensor e unificador material e espiritual do novo organismo, então, repousará contente com seu instinto satisfeito, do mesmo modo que repousa o instinto do corpo bem alimentado, ou o da mãe que teve seu filho, porque está assegurado o futuro de sua vida. Os tumultos da vida política são, como os da fome e do amor, os profundos tumultos da vida que "deve" avançar.

   Nenhum sistema de atribuições de poderes, na história, oferece garantias do que é substancial, íntimo, não formal, exterior. Um chefe assim, de raça, surge como produto da vida de um povo, mas só de um povo que saiba produzi-lo. As leis biológicas não fornecem chefes nos séculos de repouso, nem a povos impotentes, estéreis, que são condenados. O super-homem não se improvisa, não emerge por meio de sistemas eletivos, por meio de convenções ou coações sociais. A raça é raça, é natureza íntima que se construiu na eternidade, é substância de alma, é capacidade única, é um destino, um amadurecimento de grandes forças biológicas. O chefe, assim, de raça, não é escolhido pelo voto, mas no choque de forças sociais; é filho não dos cálculos das urnas, mas da tempestade em que os povos se debatem para a vida; não é escolhido por consenso dos homens, mas por consenso das leis ocultas da vida. Ele impõe-se, levando de roldão o passado, como o furacão, no turbilhão da revolução. Qual foi a onda que, nascida do mistério, jogou-o para o alto, o homem não sabe; mas todos inclinam-se porque se trata de uma lei, mais profunda que as humanas, que ordena. E o chefe lá está, por direito divino; é o direito que lhe dá seu destino, sua raça, sua capacidade, selecionado no sangue da luta, que não suporta ineptos.

   Lá está e aí fica. Só por valor intrínseco pode resistir numa posição que, por sua altitude, está exposta a todos os raios. Esses são reais controles do poder, as verdadeiras garantias do valor e do rendimento do homem, porque o assalto é tenaz, a cada minuto; a guerra é sem tréguas, aí não existem muletas para os fracos, não há possibilidade de mentir perante as leis da vida. Eis o direito substancial, o direito do valor, do merecimento, da função, da missão, não aquele apenas da legalidade formal. O chefe lá está porque ele é o órgão máximo de uma vida coletiva maior e lá fica, invulnerável, pelas mesmas leis biológicas, até que sua função social se esgote.

   Substituo o conceito da legalidade humana pelo da justiça divina que sanciona os valores íntimos. Ponho como base dos fenômenos sociais as leis eternas da vida. No âmago do problema jurídico vejo sempre o problema biológico, sua alma. Só se as posições do segundo forem sólidas, serão sólidas também as do primeiro, sua expressão. Essa é a base substancial da legalidade. Os movimentos das forças políticas, jurídicas, sociais, só são compreensíveis, se reduzidas à sua substância biológica. Que sistema mais substancial de escolha e de garantia pode encontrar um povo, do que esta filtragem, bem mais rigorosa, realizada pelas leis da vida? Que lei é mais profunda que a Lei biológica, onde cada fibra é testada? É absurdo pensar que o poder tenha de ser escolhido de baixo, ser determinado pelos níveis biologicamente menos evoluídos. O sistema representativo constitui um método para escolher os melhores. As massas, porém, podem aceitar e suportar o super-homem, mas não compreendê-lo por antecipação. É a evolução que coloca à frente o ser antecipado, a fim de arrastar e plasmar os outros, involuídos, que só sabem receber e obedecer. O conceito tradicional é invertido, a escolha não vem da quantidade medíocre, mas do alto, das forças da vida; o número é quantidade, que é incompetente para decidir a respeito da qualidade. Se sua missão é educar, o chefe tem que ser um senhor espiritual que desce e, do alto de sua fase superior, sabe dar; não um medíocre que sobe e pede. Confio mais nesta legalidade, mais profunda que a humana. Em meu conceito, é na capacidade que reside a base do direito. O chefe comanda pelo mesmo direito com que a águia voa. Ele é testado em cada instante por todas as resistências que lhe garantem a capacidade e a função, porque são as forças biológicas que conferem o poder, as mesmas que o tiram logo que cesse a função.

   O poder que vem do alto possui um conteúdo muito diferente do que é concedido de baixo. É dever, não direito; não é conquista, mas função; é ordem, não arbítrio; é sacrifício e missão. A investidura envolve o super-homem que vê o infinito e não admite abusos; entrelaça-se indissoluvelmente em seu destino, seu prêmio é eterno, além da vida. Guia-o a mão de Deus e ele, em seu comando, obedece, só buscando dar, para realizar-se a si mesmo. Cérebro de um povo, é a superelevação que guia e ilumina a revolução biológica e impele a vida para suas fases supremas. Ele engasta seu trabalho na série das criações históricas dos milênios, porque nos milênios os homens escolhidos trabalham em cadeia. Realiza em sua fase, em perfeita correspondência com os momentos históricos precedentes e seguintes, a eterna evolução social, amadurecendo o passado e antecipando o futuro. Abebera-se em sua própria fonte; a atividade social transforma-se, acompanhando sua visão, que se fixará na evolução jurídica. Educa, cria a consciência coletiva, pois sabe que essa criação interior antecede a compreensão e a base da vida das instituições, que a seguir a exprimem. Não ciência humana, mas é a  visão guiando seu braço estendido em ato de comando para o futuro. É força num turbilhão de forças, indo ao encalço de novas civilizações. Sua vontade, guiada pela intuição exata das correntes de pensamento e da vida do mundo, ativamente se introduz na lei cósmica da evolução. Criando novas instituições sociais, enquadra em formas novas os valores morais dos séculos.

   No quadro de sua concepção, o chefe está organicamente colocado, como idéia e ação ao mesmo tempo. Situado no centro de seu Estado, ele é sua própria idéia, que em torno dele próprio palpita como uma auréola sua, como vida que emana da sua vida. Ele é um pensamento e uma vontade única, central, responsável, instantânea; não, como nas formas representativas, pensamento e vontade múltiplos, divididos, que lentamente se reencontram. O Estado é o organismo do qual o chefe é o cérebro e os cidadãos as inúmeras células, também elas investidas de funções menores, em harmônica coordenação de funções que convergem para o alto. Da periferia ao centro, dos membros ao cérebro, ao coração, existe uma contínua corrente solidária de permutas; uma descida do pensamento, de força, de consciência, de ajuda; uma ascensão de contribuições vitais para se reencontrarem no centro e de lá descerem fecundas. O Estado, assim, é também centro de irradiação moral, é alma, fé, religião. Cada célula aí se sente mais forte. Pela primeira vez na historia, ao conceito de Estado absoluto ou representativo substituiu-se o de Estado biológico orgânico. Os valores morais, os produtos das civilizações do mundo realizam seu ingresso triunfal no Estado, não mais divididos em estéreis antagonismos de classes e de princípios, de ciência e de fé, de Estado e de Igreja, de rico e de pobre, mas fundidos numa unidade imposta pela nova civilização no campo do pensamento e da ação.

   O novo Estado é gigantesco organismo integral, imensa oficina de colaborações, em que máquina, trabalho, produção, riqueza, ciência, religião, tudo se funde e age organicamente. Esta alta concepção, de vida coletiva, é introduzida na circulação do sangue dos povos e opera a valorização das massas.

   Essa é a criação biológica confiada ao chefe pela Lei. A nova alma coletiva está por desenvolver-se e afirmar-se. Ele supervisiona os primeiros movimentos dessa sua filha ainda criança, guia-a, educando-a. Do conceito de Estado-rei ao Estado-classe social, Estado-povo; do poder absoluto ao poder representativo, ao poder-função; à medida em que a consciência coletiva ascende e se dilata, o poder desce e se descentraliza. É a ascensão do espírito que, progressivamente, purifica o princípio de sua escória. Nos equilíbrios biológicos, a medida do comando é dada pelo grau de consciência atingido. Os povos precisam mais de mestres que de liberdade; de guia antes que de mando, até que amadureçam. O chefe olha: seu povo é seu corpo, é sua aquela alma, aqueles tormentos são seus, aquelas esperanças, aquelas vitórias. Chefe e povo: unidade indissolúvel. O mundo está em marcha. A realidade biológica impõe: ou evolução ou morte.

  Permanecemos, até agora, nos campos subumano e humano das mais baixas criações biológicas, para focalizar melhor os pormenores de vossa fase. Mas, subamos mais. Como pelo indivíduo se alcança o nível do super-homem, também a evolução coletiva atinge a lei social do Evangelho. Hoje, inversão completa dos sistemas humanos, absurdo aparentemente irrealizável, mas meta suprema, realidade do amanhã. Aí todos os problemas da convivência estarão radicalmente resolvidos com um conceito simples: "ama teu próximo como a ti mesmo". É a perfeição, é a lei de quem chegou e o sonho de quem está a caminho para chegar. Mas o caminho é longo e difícil, se o vemos, em sua realidade de áspero esforço, para conquistar e  realizar-se, porque é verdadeiramente lento, mais do que um fácil sonho para quem ignora as resistências da vida. No evangelho, todas as divergências se harmonizam, sopitam-se os estridores numa paz substancial, num equilíbrio mais estável, que aprofunda suas raízes no coração do homem. Esta a meta da evolução coletiva, o reino do super-homem, a ética universal, em que a humanidade encontra a coordenação de suas energias: o Evangelho, que colocamos no ápice da evolução das leis da vida.

   A distância que separa vossa atual vida desse vértice é imensa. Cada ato e pensamento vossos estão permeados de luta e vos faz pensar que o Evangelho está distante; mas justamente porque é luta, é caminho  de conquista. Dessa maneira, é demolição da própria luta e aproximação progressiva do Evangelho. Este é um nível diferente, significa um total deslocamento do ponto de vista das coisas. Os próprios fatos humanos, observados de planos diferentes, assumem valores diferentes. É a visão longínqua e global da alma que conquistou a bondade e o conhecimento. Essas normas, correspondendo a uma amplitude de ângulo visual muito mais amplo, parecem-vos irrealizáveis. Ao Evangelho só se pode chegar por sucessivas aproximações. Ele fica inacessível por sua elevação, se for representado de súbito ao homem atual que, por certo, não o compreende e não o pratica. Mas olhai para mais longe, na essência da vida; penetrai mais fundo na ciência; segui em frente e o Evangelho surgirá por si mesmo.

   Vosso mundo é o que se vê da terra; O evangelho é o mundo olhado do céu. O absurdo reside em vossa involução. No Evangelho movem-se as forças do infinito; a justiça é automática e perfeita, substancial, e a coordenação social é alcançada, o homem move-se em paz com a harmonia do universo. Não há mais necessidade de ser forte, basta ser justo. Força, luta, egoísmo se devoram a si mesmos, no diuturno esforço das ascensões humanas. Aí vos movereis, finalmente, no seio da grande Lei e as reações da dor serão reabsorvidas; o mal será ultra-passado. É o reino do homem transformado em anjo e santo.

   Então, é possível a lei do perdão, porque o espírito sente e movimenta outras forças, diferentes das de vossos pobres braços. Essas forças acodem em defesa do justo, mesmo se inerme. É a lei da justiça, que fala em vossa consciência, que se exprime mediante os movimentos da alma humana. Então, aquele que parece vencido pela vida, torna-se um gigante. Lei simples, mas substancial, que constrói o homem, governa-lhe os atos em suas motivações e resolve tudo, onde vossos sistemas confusos de controle e de sanções nada resolvem. No Evangelho, o caminho das virtudes está todo traçado; sua lógica sublime leva a uma seleção de super-homens, enquanto a lógica de sua luta cotidiana conduz a uma seleção de prepotentes. Os princípios do Evangelho organizam o mundo e criam as civilizações; os princípios que viveis desagregam tudo e desperdiçam-se em atritos inúteis; por onde passa o Evangelho e seu amor, nasce uma flor; por onde passais vós, morrem todas as flores e nasce um espinho. O Evangelho é lei paradisíaca transplantada no inferno terrestre; só os anjos no exílio sabem viver, aí embaixo, a lei divina ditada pelo Cristo sobre a Cruz.

   Em vosso mundo, quem renuncia à agressão e à sua defesa e oferece a outra face; quem renuncia a enfiar as garras na carne alheia para tirar vantagens para si e não quer, por princípio, colher à força todas as alegrias infinitas da vida, fica oprimido, é um vencido fora da lei, um expulso, um desvalorizado que se anula. Este, olhado pelo reino da força, é inerme, indefeso, ridículo. No entanto, nessa derrota, nessa fraqueza aparente, reside o mistério de uma força maior, que chega trovejando de longe, despertando nas profundezas da alma o pressentimento de realizações mais amplas. O vencedor, no exato momento da vitória, tem a sensação de uma derrota. O vencido olha do alto, como um vencedor; é mesmo vencedor, porque descobriu e viveu formas mais altas de vida.

   O homem emudece e desorienta-se diante desse estranho ser, sem armas, proclama uma lei nova, espetacular, e parece ser de outro mundo. O homem sente que, se tem razão em seu ambiente, existe outro mundo, onde tudo se inverte: o vencido na Terra, lá pode ser um vencedor; e o vencedor na Terra, um vencido. Um abismo o separa desse ser superior; o homem agride e ele perdoa; é um justo e sabe sofrer. Está aí para mostrar-vos com sua própria vida o objetivo atingido, para indicar-vos o caminho, a fim de o acompanhardes à realização da mais alta e fecunda lei social: o amor evangélico.

   No campo das conclusões em que agora nos movimentamos, podeis avaliar o valor de meu sistema ético, não apenas sob um ponto de vista científico e racional, mas também sob um ponto de vista prático e utilitário.

   A concepção da dor-redenção é de grande ajuda moral; sua transformação de instrumento de castigo para meio construtivo, sua utilização na conquista moral tem a vantagem da revalorização de uma recusa, direi mais, de um prejuízo, que a civilização não soube evitar. Sistema ético encorajador, otimista ainda nos casos mais dolorosos, construtivo mesmo nos casos mais desesperados. A concepção de trabalho-dever e  de trabalho-missão, de trabalho função biológica construtiva e função social - é substituído pelo que vigora de trabalho condenação dos deserdados e de trabalho lucro - necessidade moral, muito mais que necessidade econômica, tem enorme poder de coesão social. Todas as minhas afirmações a respeito do significado da renúncia, da evolução das paixões e do amor, além de representar um fermento de elevação do nível individual, formam a base das virtudes reconhecidas e resolvem todos os problemas tão difíceis da convivência; constituem também ciência de relações sociais e significam a formação de consciência coletiva; estimulam o funcionamento e a constituição de um organismo cada vez mais compacto da sociedade humana. Por isso, interessam de perto ao direito público e privado e podem ser tomados como base de uma substancial filosofia do direito. Coloquei no meu sistema um princípio de justiça, com base científica, de acordo com o funcionamento do universo; isto, no campo social, significa ordem, respeito às autoridades, a quem somente compete, com plena responsabilidade, a própria função dirigente; no campo moral significa honestidade, retidão de motivos e de ações. A desigualdade das riquezas e posições sociais não é injustiça, mas simplesmente distribuição de trabalhos diferentes de especialização de tipos individuais. Porque toda sociedade humana, queiram ou não, é um organismo em formação, no qual todos indistintamente obedecem a uma determinada função, única que justifica a vida. As virtudes podem constituir esforço, mas é esforço de assimilação, que as transformará em instinto e, portanto, em necessidade. Essa será a característica do super-homem do futuro.

   Falo a quem medita e falo num tempo de grande miséria moral, não obstante já esteja acesa a tocha da ressurreição. A natureza deste escrito sintético não me permite descer a pormenores. Mas delineei todo o organismo lógico dos princípios e nele estão contidas todas as consequências; a dedução é automática. Na amplitude da visão universal coloquei, no alto, a meta do super-homem, mas me dei conta das condições de fato impostas pela psicologia dominante do tipo comum, a este só pedi as primeiras aproximações; defini sua posição e, portanto, seu trabalho no caminho evolutivo, indicando aos mais evoluídos os trabalhos mais elevados, para que cada um encontre seu caminho e sua norma na direção das ascensões humanas.

   No alto, como farol luminoso, coloquei o espírito do Evangelho, a mais alta expressão da Lei em vosso concebível, cuja compreensão significará a realização do Reino de Deus. Para aproximar-se deste, o homem cada vez mais luta no diuturno esforço da vida. Religião sintética do futuro, feita de força de espírito e de bondade, meu sistema aceita fraternalmente qualquer crença, desde que sejam crenças; não condena nenhuma, desde que seja sincera e esteja em seu lugar. Toda a ciência é chamada para dar seu apoio, e dela me servi amplamente para comprovar as afirmações do espírito. Superamos todos os preconceitos exclusivistas, que provêm de interesses de casta, de nação ou de raça. Meu sistema tem suas raízes na eternidade, e tem que ser universal para sobreviver no tempo e não ter limites no espaço. Portanto, é verdadeiro em qualquer lugar; falo a todos os povos, a todas as nações, de todos os tempos, para que cada um encontre no meu sistema sua posição e seu caminho de evolução. Eu sou espírito, não sou matéria; sou substância, não forma. Então estas conclusões não tendem a concretizar-se em nenhuma forma própria de organização humana, mas a enxertar-se para fecundá-las e enriquecê-las, nas formas existentes, a fim de reerguer as que estão descendo pelos caminhos do mal, resplandecendo nos campos: político, religioso, científico e artístico que estão laboriosamente subindo à luz do bem.

   Peço apenas uma grande sinceridade de alma, profundo sentido de retidão, decidida vontade de melhorar-se. A sociedade só pode sentir-se beneficiada por essas afirmações, indiscutivelmente fecundas para o progresso individual e coletivo. Aqui não se parte do apriorismo de um ou de outro sistema político, para antepô-lo ou impô-lo. Uma visão universal não pode descer no campo das competições humanas; uma verdade universal não pode restringir-se nos limites de verdades menores, relativas a um povo e a um momento de sua evolução. Mas não há quem não perceba que neste sistema se encaixem espontaneamente todas as concepções políticas sãs, produtivas, sinceras, todos os regimes de ordem em que os povos retomam o caminho da subida e reencontram a consciência da vida. Desses sistemas políticos sãos e produtivos, esta síntese é a base natural, o fundamento mais sólido e mais amplo, a única concepção necessária para que eles não fiquem isolados no tempo, mas se religuem, como funcionamento de uma sociedade, ao funcionamento orgânico do universo.

   Minha ética racional e científica traçou as grandes rotas da vida individual, e agora traçará as do campo social. Não impõe. Não obriga. É racional. Ou seja, presume estar falando a seres racionais, como pretendem ser os homens modernos. Não invoca os raios de Júpiter nem as iras de um Deus vingativo, simplesmente indica as reações naturais e inevitáveis de uma Lei íntima, inviolável, perfeita, supremamente justa. O homem que se move dentro dela é livre para, com sua baixeza, tornar absurdo e inaplicável o Evangelho de Cristo, mas não tem poder para afastar de si toda a herança de dores, que esse seu baixo nível de vida implica e impõe. Tenho vos dado a chave de todos os mistérios. Se agora quereis ser maus (e o podeis, porque a liberdade é sagrada), serão vossas, inexoravelmente, as consequências, porque a lei de causalidade (responsabilidade) é inviolável.

   Todo resultado prático desta síntese poder-se-ia condensar nestas palavras: se evolução significa conquista de consciência, de liberdade, de felicidade, involução exprime o contrário; na baixeza de vossa natureza humana, está a causa de todos os males, e na ascensão espiritual, todo o remédio. A aspiração à alegria é justa e a felicidade pode existir, só é preciso dedicar-se ao trabalho de conquistá-la. O Evangelho é um caminho espinhoso, mas só por ele se pode seriamente alcançar o paraíso, mesmo na Terra.

   Toda concepção hodierna da vida encontra-se deslocada e sois obrigados por vossa ciência, cuja linguagem sempre utilizei, a compreender e cumprir, por coerência, esse deslocamento. Sempre tive presente o tipo de homem predominante e a inutilidade de fazer, em muitos casos, apelo aos sentimentos de fé e de bondade. Por isso, realizei o trabalho ingrato de restringir a grandiosa beleza do universo em termos de estrita racionalidade. Deveis agora conceber a vida e suas vicissitudes, não como efeito imediato de forças movidas por vossa vontade presente, mas como uma sucessão lógica e inteligente de impulsos, vinculados no tempo e no espaço, com todo o funcionamento orgânico do universo. Não há zonas caóticas de usurpação. Cada vida traz consigo um impulso, o destino possui um método racional na aplicação de suas provas e para compreendê-lo deveis habituar-vos a conceber efeitos a longo prazo, em vossa vida eterna, e não no átimo presente, em que vedes, doutro lado, aparecerem inexplicáveis efeitos de causas desconhecidas.

   Há destinos de alegria e destinos de dor; destinos indecisos e destinos titânicos; há ofensas profundas à Lei, marcadas no tempo, que pesam inexoravelmente e arrebatam uma vida. Demonstrei-vos que é inútil investir contra as causas próximas, mas é preciso colher e carregar o próprio fardo. Inútil a rebelião, a raiva, a inveja de outras posições sociais, o ódio de classe: cada posição é sempre a justa, é a melhor para o próprio progresso. Demonstrei-vos a presença de uma justiça substancial, apesar de todas as injustiças humanas, que são exteriores e aparentes. Então, cada um tem de estar satisfeito com seu estado e esforçar-se por trabalhar nas condições em que o destino o colocou. A instalação de uma vida ocorre para vós fora da vontade e da consciência do indivíduo, é realizada pelas forças da Lei. Se assim não fora, quem vos obrigaria, sem possibilidade de fuga, a suportar as provas necessárias ao vosso progresso? Quem ignora  não pode influir no substancial.

   Então, ao invés de injuriar o rico, só por lhe não poderdes imitar as culpas, ao invés de desperdiçar a vida em inútil agressividade desorganizante, deveis alcançar a força de coesão social, representada pela idéia de uma Lei suprema, que distribui a dor e o trabalho com justiça, a todos, em todas as posições, de diferentes formas! Que reconfortadora fraternidade será então a vida! Isto não significa passividade, mas consciência; não é a virtude de suportar tudo sem reagir, mas a de saber suportar uma dor merecida para aprender; acima de tudo, a não semear de novo as mesmas causas. Desloca-se o centro de vosso julgamento a respeito das posições humanas. Ai de quem se acha à vontade no ambiente terrestre! Isso significa que aí se encontra o equilíbrio de seu peso específico espiritual. Felizes os que aí sofrem, que têm fome de bondade e de justiça, porque subirão, reencontrando mais no alto o seu equilíbrio. Quem sofre, alegre-se, porque será libertado; compadeça de quem goza, porque esse voltará muitas vezes ao ciclo das misérias humanas.

   Repitamos com o Evangelho: "Felizes os perseguidos! Ai de vós que sois aplaudidos pelos homens! Felizes os que choram, porque serão consolados! Ai de vós que agora rides, um dia lamentareis e chorareis!"

   Estes conceitos trazem um sentido de ordem, no insolúvel enredo dos destinos humanos, acalmam os dissídios sociais, cimentam a convivência, representam a força criadora das unidades coletivas superiores, que são a sociedade e as nações. Esta é a mais alta criação da evolução e dela nos ocupamos justamente no ápice do tratado, como conclusão máxima. Estas normas, que formam a tábua das virtudes individuais (os mais altos valores), porque determinam a evolução da consciência de cada um, representam também as virtudes coletivas (os mais altos valores). Porque se a virtude é sempre a norma que mais impele pelo caminho da evolução (portanto, a coisa mais preciosa, porque corresponde ao interesse máximo), ela representa o impulso construtor da organização social e da consciência coletiva. Então, não apenas o super-homem, mas a super-humanidade, não só a festa espiritual da superação biológica no indivíduo, mas uma sabedoria prática construtiva de vida social. Os caminhos que tracei da ascensão individual têm justamente a função de preparar o homem para saber viver em sociedade, em nações, em estados. Isso porque essas unidades superiores só poderão existir quando ocorrer a formação completa da célula componente. Nesta função coletiva, a consciência do indivíduo se enriquece com uma ciência de relações, de nova ordem de virtudes que impelem a evolução coletiva. Esta, exatamente, a característica basilar do conceito de virtude, do ponto de vista social.

   Acenamos a uma evolução das leis da vida, em que o princípio da força transforma-se, na coletividade, no do direito e da justiça. Como a evolução, ao modificar o indivíduo, transforma a dor e  o amor, dilata a liberdade e a felicidade, ao transformar o indivíduo, transforma a sua lei, também no campo social, evolução significa ascensão da coletividade e da lei que a governa. A passagem da animalidade à super-humanidade significa também profundo amadurecimento do fenômeno social em todas as suas manifestações. As normas para aprimoramento que a humanidade se impõe pela educação e que denomina virtude, quando fazem o indivíduo evoluir, tornam-no, também, cada vez mais apto à convivência em unidades sempre mais amplas e orgânicas. Como individualmente a meta da evolução é o super-homem, coletivamente sua meta é a construção do organismo social até o limite da super-humanidade. Só numa coletividade pode o super-homem alcançar sua completa realização.

   Paralela à marcha do indivíduo, dá-se, portanto, a ascensão dessa individualidade mais ampla que, combinando seus elementos, elaborando suas células, conquista ela também, tal como o indivíduo, com seu esforço, a sua consciência. Isto é, constrói seu psiquismo, ou seja, a alma coletiva. Esgotados os problemas do indivíduo, observemos agora os mais complexos da evolução social.

   Na evolução que o homem realiza, de si próprio, realiza-se também a evolução da coletividade, da qual ele é a primeira e mais sólida base. A unidade social tem uma sensibilidade própria, em que se observa e sente a si mesma em cada ponto e em cada elemento que a constituem. O princípio do egoísmo e da força, que é dominante no tipo primitivo, é o que há de mais degradante e anticonstrutivo nas estruturas sociais. Mas a evolução, que impele a coletividade tanto quanto o indivíduo, possui em si impulsos de auto-eliminação do egoísmo e da força. Assim, como se ascende para cada tipo, individualmente, também se transformam os mundos e suas leis. No mundo do subumano a fera e o homem inferior trazem escrito em seus instintos ferozes os artigos desta lei. Onde cada ser só sabe existir como uma arma, como um assalto contínuo, uma ameaça incessante para todos os semelhantes, as células da futura unidade ainda não se conhecem, não encontraram os entrosamentos de trocas e fusões; as circunferências das liberdades tendem a expandir-se em torno do centro do egoísmo até o infinito, ignorando limites de contato com outras circunferências semelhantes.

   A força é tensão necessária de vida que domina soberana, fardo insuprimível. No entanto, em sua baixeza, é esforço de ascensão. Cada vida é imposição forçada a todas as outras; cada direito uma extorsão. O mundo social é um choque caótico de forças, ainda em busca de equilíbrios superiores do direito. Esta é a fase involuída das sociedades biológicas, em que os indivíduos ainda não estão organizados em simbiose. Estado de agressividade e violência, de incerteza e de luta, em que se prepara a ascensão sucessiva; em que a natureza, expandindo seus impulsos interiores, prepara o amadurecimento da unidade coletiva, de que a sociedade humana é apenas um caso. A lei universal de justiça nesses mundos inferiores, justamente pelo baixo nível dos seres, só pode alcançar o equilíbrio por meio da força bruta. Aí, o melhor é o mais forte, não o mais justo, A densidade dessa baixa atmosfera não permite à lei maiores transparências que essas; o princípio da justiça não pode realizar expressão mais elevada que essa forma de seleção natural. Justiça existe sempre, mas é proporcional, em sua manifestação, às capacidades de expressá-la no meio ambiente. O ser então denomina justiça ao equilíbrio transitório e relativo do seu nível, e injustiça cada fase que tenha sido ultrapassada.

   As forças postas em movimento partem do centro do indivíduo; a vida é uma expansão de egoísmo e só ao dilatá-lo, coordena-o com os egoísmos limítrofes para que possam fundir-se. Há um ciclo de ignorância, egoísmo, força, luta, dor, mal, do qual o indivíduo tenta sair. Em suas aspirações de ascensão individual, que vimos, cada um descobre objetivos cada vez mais altos, tenta alcançá-los melhor na coletividade e esse ciclo tende a quebrar-se. Gradualmente, pela lei do menor esforço e do maior rendimento, esse princípio rudimentar de justiça, representado pela lei do mais forte transforma-se, atingindo-se com isso o mundo humano, em que desponta a consciência de uma lei moral. Um princípio utilitário de vantagem coletiva conduz a um abrandamento nas formas de luta, levando à supressão das guerras. Nesse nível, a força, que antes era de justiça, agora se torna violação e injustiça.

   No primeiro albor da ética, matar e roubar eram lícitos; num mundo ainda não moral como o da fera, os conceitos de bem e de mal ainda dormiam latentes no estado de germe. Mas nos choques da convivência social, a reciprocidade das relações, avizinhando os semelhantes, obrigou o indivíduo a sentir a reversibilidade do prejuízo, levou-o à compreensão utilitária e à assimilação do conceito do "ama teu próximo como a ti mesmo". A idéia do mal já não se ligava mais tanto à vantagem obtida, como com a da reação ao mal que se sofria.

   É um processo de progressiva harmonização, em que se disciplina cada vez mais perfeitamente o funcionamento dos impulsos da vida. Desta vez é a coletividade que ascende aos equilíbrios superiores da ordem divina. Mesmo coletivamente vedes uma sucessão, por graus, de formas de vida e de leis em que se realiza, sempre e mais evidente, o pensamento de Deus. Não fazemos mais que aplicar, sempre e em toda parte, o mesmo princípio universal da evolução que, sozinho, repetido em todos os casos particulares, contém todas as conclusões: o universo é organismo monístico que funciona num princípio único. Trata-se de uma ascensão totalitária de todas as qualidades humanas, consideradas separadamente e que avançam conexas e paralelas, no indivíduo e na sociedade. Como sempre, em qualquer campo, minhas concepções não são estáticas; cada conceito não se define em sua imobilidade, mas como uma trajetória, um devenir, uma evolução. Não trabalho com vossos conceitos comuns rígidos, mas com conceitos fluidos de uma filosofia progressiva, inclusive no campo do direito. Não observo os fenômenos do lado de fora, mas coloco-me, por sintonia, no seu devenir. Só se pode alcançar o absoluto com novo método de pensar.

   A lei ascende e amanhã vossa atual justiça formal, exterior e coativa, será violação e injustiça; vossa moral hodierna será imoral, porque tereis descoberto e sabereis viver dos equilíbrios mais profundos. Se a lei é harmonização, a humanidade, por meio de suas guerras, tende à unificação. A guerra, no entanto, é o estado de equilíbrio atual, não do seu futuro; é um mal hoje necessário, em vista de vosso grau involutivo, mas dele vos libertareis. O único fato que pode torná-la justa é que ela representa o esforço de alcançar o nível perfeito, em que será possível sua supressão. Entretanto, esse mal de transição já se inverte num florescimento de bem, porque ensinou o homem feroz a matar também por uma  idéia, a dilatar o próprio egoísmo até a coletividade. O desabafo guerreiro assume, assim, a função biológica de fazer evoluir os instintos humanos de sua primitiva forma egoísta e feroz, até o heroísmo de quem se sacrifica pela Pátria.

   Por meio da evolução passa-se da força ao direito, do egoísmo ao altruísmo, da guerra à paz. A reação dos egoísmos limítrofes já é uma tentativa de equilíbrio, já contém o germe de uma justiça. No princípio, é somente a defesa e a ofensa que garantem ao indivíduo o que lhe cabe. É necessário disciplinar esses impulsos; trata-se de encontrar um princípio de coordenação que os supere todos, uma expressão de psiquismo coletivo que realize mais profundamente a ordem divina. Eis como, porque e de onde nasce o direito: do grande impulso da evolução, como momento da harmonização progressiva do psiquismo individual no seio da unidade psíquica coletiva. Gênese científica do direito, esta, reduzida a um cálculo de forças dos dinamismos individuais, que se harmonizam nos contatos; direito, primeira centelha de coordenação de forças sociais, partindo do centro para a periferia, do indivíduo para a coletividade, em suas expressões cada vez mais amplas de direito privado, público, internacional.

   Luta trabalhosa, esta, pela qual a sociedade humana realizou a transformação da força em direito. Em meu sistema, estas são apenas duas fases sucessivas de evolução: dois mundos limítrofes, duas leis, dois reinos, o da fera e o do homem. A força teve, não se pode negar, sua função construtiva na economia da vida. Técnica evolutiva, também aquela, em que a justiça divina manifestava-se igualmente, embora de forma menos evidente. Os povos jovens são espontaneamente violentos, sem escrúpulos, porque também são conquistadores. Em algumas condições de ambiente, a prepotência é justiça; é seleção de raça, submetida à prova cruenta, inexorável, é explosão de energias produtivas; é o primeiro esboço grosseiro, mas decidido, em grandes linhas, da alma coletiva. O retoque só poderá chegar depois, com a proporcional sensibilização dessa alma coletiva. Então os povos civilizam-se e, depois de ter conquistado seu lugar pelos mais ferozes meios, criam o direito, percebem uma idéia mais exata de justiça; criam virtudes mais evoluídas, correspondentes às mais evoluídas necessidades; substituem pelas virtudes civis da colaboração as virtudes guerreiras da opressão. Eterna história que se repete na vida de todas as unidades coletivas.

   Então o homem percebe que, se a força criou muito, também causou destruição; percebe coisas que antes escapavam à sua percepção mais rude, que um mundo apenas de força acaba destruindo-se a si mesmo. Paralelamente, o indivíduo que, se gozou das vantagens, muitas vezes também sofreu os prejuízos, recorda isso em seu instinto, reagindo para eliminar as causas. Surge, então, a idéia de uma utilidade coletiva para suprimir o abuso individual; inicia-se a eliminação progressiva da desordem, mediante um processo de isolamento e limitação do impulso egoísta individual, circunscrevendo-o e marginalizando-o sem destruí-lo, mas canalizando-o para metas coletivas. A evolução da força para o direito e a justiça é também evolução de egoísmo em altruísmo. Presenciais, assim, o espetáculo desses impulsos primordiais que, por meio da própria manifestação tendem a eliminar-se a si mesmos. Princípio universal de auto-eliminação das formas inferiores do mal, quase uma autodeterioração da dor por meio da dor, da força pela força, do egoísmo através do egoísmo. A lei evolui na consciência de cada um, conforme o próprio grau de ascensão: os indivíduos no seio do povo, os povos no seio da humanidade, equilibram-se em seu nível. Posições de progresso e regresso relativos - mobilidade contínua de todas as posições da vida, sucessão de leis e de mundos que progridem, um dentro do outro, sem se destruirem - que os seres formam de acordo com o grau de consciência alcançado, verdade relativa e progressiva, absoluta apenas no âmbito do momento que exprime e sustenta.

   Por isso, assistis hoje a uma concomitante duplicidade de leis, mesmo no campo social, forma que só é possível num regime de evolução e esta é a sua prova. Só uma passagem de fase, o crepúsculo de um período que desaparece na aurora de outro, pode produzir esses constrastes próprios da transição, conhecidos do homem e insuspeitados pelos animais, tranquilos na plenitude de sua fase. O homem oscila hoje na passagem entre duas leis. Essa mudança exprime sua maturação biológica no campo social. Trata-se de uma demolição progressiva do passado e da reconstrução, em seu lugar, com os mesmos materiais, de formas mais elevadas. Elaboração da substância é evolução: o mal é o passado (involução), o bem é o futuro (evolução); bem e mal relativos, em conflito, que repetem, no campo social, a luta que vimos no campo individual entre corpo e espírito. Culpa é qualquer retrocesso voluntário, que a lei corrige, reconstruindo o equilíbrio por meio da reação da dor; virtude é tudo o que acelera o avanço e, portanto, premiada.

   É um mundo imenso, de conceitos e de leis que evoluem, como tudo não pode parar no universo. A necessidade da convivência impõe um mínimo de ética no direito, sempre mais alto. Algumas virtudes  são obrigatórias por necessidade social. A educação civil impõe sua assimilação e, com o tempo, ultrapassareis as atuais para descobrir outras ainda mais perfeitas. Hoje o conflito é evidente em qualquer forma social. Como na luta entre corpo e espírito, o passado sobrevive em qualquer instituição e costume, formando-lhes o substrato fundamental que resiste por inércia, freia o progresso e torna a aflorar a força no direito. Em períodos de decadência espiritual, aparece uma degradação dos institutos jurídicos que os reconduz às origens; rebaixa-se o mínimo ético, reforça-se o elemento violência. Hoje, em direito, os dois elementos procuram equilibrar-se: justiça e sanção. A balança não sabe ser equânime sem a espada. Força e justiça dosarão, diferentemente, suas proporções e o direito conterá mais ou menos uma ou outra, de acordo com o seu grau de evolução. Na relação entre a importância dos dois impulsos, qualquer valorização de uma para dominar a outra, será índice exato do grau da evolução de um povo. Como a propriedade conserva traços do furto originário, assim cada forma é filha de outras mais baixas, da qual vos afasta a evolução a cada dia, realizando um trabalho de contínua purificação.

   Em cada ato, em cada  manifestação humana, está de um lado o ideal visto pela mente, mas do outro, a utilidade imposta pela necessidade. Toda vida social agita-se no conflito entre uma equidade, consagrada oficialmente por todas as leis religiosas e civis, e a força, premiada pelo bom êxito em suas ações, muito estimada privadamente. O misoneísmo, síntese dos equilíbrios atávicos mais estáveis, desconfia dessas superconstruções ideais, não consolidadas ainda pela assimilação realizada. Dela desconfia o instinto da mulher, que escolhe o homem guerreiro e prepotente; desconfia a política internacional, que só acredita na verdade dos exércitos. Assim se move vossa fase, no esforço de suas conquistas, entre dois caminhos opostos: um teórico e outro prático. Um modo de dizer e um modo de fazer; uma mentira muito cômoda e uma realidade muito árdua para praticar; um tormento criativo do espírito, de uma parte, e uma degradação de princípios e exploração de ideais, de outra. Nos indivíduos encontram-se todos os diferentes graus, suas apreciações e as verdades mais diversas, pontos de vista com que cada um pretende tudo compreender e julgar o mundo, fazendo-se seu centro. Nesse ambiente, em que parte ainda se retarda no passado e outro se alonga para o futuro, vibram todas as oscilações das afirmativas humanas. Oscilações que são evolução, normas e imperativos compreendidos como absolutos, mas que são apenas aproximações progressivas. A codificação, por isso, é sempre substancialmente uma tendência; as formas mudam e a letra está pronta para morrer. O direito é uma formação constante. O regulamento jurídico das futuras sociedades humanas será baseado nos princípios científicos, deduzidos das grandes leis cósmicas; harmonizar-se-á como ordem menor, em admirável compenetração de liberdade e necessidade, de dinamismo individualista e coordenação nos fins coletivos, dentro dessa ordem suprema. A suprema sanção não pertencerá à pobre razão humana, da qual é possível escapar, mas a uma lei sempre presente e ativa que, no tempo e no espaço, jamais permite escapatória.

  Concluiremos a exposição da teoria do super-homem, observando como se manifestou na revolução biológica em forma de gênio, procurando compreender, em seguida, as afinidades que, por conclusões erradas, foram ressaltadas entre seu tipo e a degradação neurótica; finalmente, buscando definir o fenômeno da degradação biológica no processo genético do psiquismo.

   Enquanto a mediocridade estacionária pára em sua fase, em perfeito equilíbrio, contra quem tenta novos caminhos, levantam-se todos os assaltos das forças biológicas. O misoneísmo, como garantia de estabilidade, é impulso de nivelamento, e a vida põe asperamente à prova as antecipações e as criações. Se o gênio passa por sobre a Terra como um turbilhão, a massa a ele gruda-se para mantê-lo embaixo. No tipo comum, os instintos são proporcionais às condições ambientais e existe uma correspondência, estabelecida antes que a criatura nasça, entre ela e a coletividade; esta o espera de forma a que já encontre pronto o esforço e sua satisfação. A compreensão é automaticamente perfeita. O gênio, ao contrário, monstruosa hipertrofia de psiquismo, situado numa posição biológica supernormal, encontra-se defasado em tudo e por tudo; é impossível estabelecer uma correspondência entre seu instinto, que normaliza o supernormal, e o ambiente que exprime outra fase e oferece outros choques. A diferença de nível produz uma desproporção; não se esboça uma compreensão; o desequilíbrio entre sua alma e o mundo é insanável, impossível é a conciliação entre sua natureza e a vida.

   O gênio passa, solitário e dolorido, mas cônscio do próprio destino, incompreendido e gigantesco, repugnando os ídolos da multidão, atordoado pelo estrépito da vida, desatento e inepto, porque sua alma é toda ouvidos para um canto sem fim que lhe sai de dentro e voa ao encontro do infinito. Estranho sonhador, preso no sagrado tormento da criação, absorvido nos ócios fecundos em que amadurece o invisível trabalho íntimo, sofre com uma paixão em que não é o homem, mas o universo que responde. A imensidade do infinito está próxima e ele não vê a Terra, que atrai todos os olhares e todas as paixões. Vive de lutas titânicas. Pede à vida a realização do ideal, sem possibilidade de concórdia com a mediocridade, aspirado como um turbilhão pela ânsia da evolução. Conhece o medo de quem se debruça sobre o abismo dos grandes mistérios, a vertigem das grandes altitudes, a amargurada solidão da alma diante da inconsciência humana; conhece a luta atroz contra a animalidade que retorna, as imensas fadigas e os perigos que aguardam os que querem alçar-se ao vôo. Os cegos dizem: é louco! Sente-se esmagado pelo inútil peso do número; compreende a baixeza de quem não o compreende. Mesmo a ciência, filha da mentalidade utilitária da mediocridade incompetente, mas ávida de julgar, sentencia: neurose!

   Mas o gênio não pode descer; sente seu Eu gritar e não pode calar. Ele não é um corpo apenas, como os outros, é, acima de tudo, uma alma. O espírito que dormita em tantos e deve nascer, aparece nele como um gigante, evidente, troveja e se impõe; quem poderá compreender suas lutas titânicas? A humanidade caminha lenta, debaixo do esforço da própria evolução; ele está à frente e carrega toda a responsabilidade, arrasta o peso de todos.

   A massa diz: anormal; a ciência fala: neurose. Mas conhece a ciência as relações entre dor e ascensão espiritual? Entre doença e gênio? Conhece os profundos equilíbrios em que se esconde a função biológica do patológico? Conhece por quais leis de compensação física e moral funcionam as íntimas harmonias da vida? Mas se a ciência ignora todos os fenômenos sutis da alma, até negando-a totalmente, que pode entender essa ciência fragmentária, incapaz de sínteses, sobre a complexidade de leis superiores, de cuja existência ela sequer suspeita? Como pode constranger-se o supranormal, a antecipação biológica, nos limites do tipo médio? Por que aquele que representa o valor mais medíocre deve ser escolhido como modelo humano? Que significa esse nivelamento, essa redução de altitude em categorias preconcebidas, esse apriorismo que emborca a visão do fenômeno, exaltando no gênio apenas o lado pseudo patológico da neurose? Não é patológico o cansaço proveniente de enorme trabalho, o desequilíbrio inevitável que provocam as antecipações evolutivas, o tormento e o esforço das maturações mais altas, a inconciliabilidade inevitável entre o conquistado superpsiquismo e o organismo animal.

   Esses caminhos de aperfeiçoamento moral prosseguem e continuam, exatamente, a evolução orgânica darwiniana; e a ciência, que compreendeu uma, deveria, por coerência, compreender a outra. É lei de equilíbrio natural que qualquer hipertrofia, como também qualquer atrofia, seja compensada. Como no campo orgânico, cada indivíduo tem normalmente um ponto de menor resistência e maior vulnerabilidade, que fica compensado por um reforço proporcional em outros pontos estratégicos. Assim, no campo psíquico verifica-se um desenvolvimento de qualidades que a média sequer suspeita. Não se pode julgar um tipo psíquico de exceção com os critérios e unidades de medidas comuns, para relegá-lo sumariamente no anormal e no patológico. Insisto nisto porque assim inverte-se a apreciação desse novo tipo de homem, cuja criação é função justamente dos tempos modernos.

   Querer levar para o anormal tudo o que exorbita da maioria medíocre, é sufocar a evolução, fazendo do tipo humano mais comum, de valor duvidoso, o tipo ideal; é crime, querer esmagar embaixo o que não se compreende, este por em comum e confundir, colocando igualmente fora da lei o subnormal e o supernormal, fenômenos que estão simplesmente nos antípodas um do outro.

   Sem falar nas injustiças históricas, delineia-se ainda hoje, por vezes, o tipo humano que tende ao supernormal: é o terceiro tipo de homem, como vimos. É um tipo de personalidade que representa, por maturidade de instintos, refinamento moral e intelectualidade superior, a assimilação ocorrida dos mais altos valores espirituais, a aquisição das qualidades mais úteis à convivência social, constitutivas do edifício das virtudes: a formação realizada do tipo ao qual tende a humanidade em seu desenvolvimento. Inteligência, dinamismo, excepcional sensibilidade e percepção do belo e do bem, uma retidão em que se fixaram os mais altos ideais de honestidade e altruísmo, que são o índice do grau de evolução, uma atitude superior que cimenta o conjunto social e funciona no organismo coletivo. Todos, sinais de nobreza de raça, de uma aristocracia de espírito.

   Mas, ao mesmo tempo, existe uma sensibilização dolorosa, que revela o esforço de novas adaptações, o tormento de um ser que geme sob o peso de violentos deslocamentos biológicos, a rebelião de um funcionamento orgânico não habituado; e não sabe submeter-se às exigências que um psiquismo preponderante impõe, na improvisada dilatação de suas potencialidades. Se hoje aparece como fraco, acumula em si qualidades e poderes espirituais que, um dia, admiti-lo-ão entre os futuros dominadores do mundo, ao passo que aos normais, aos equilibrados no ciclo das funções animais, restará por seleção natural a função dos servos. Se o gênio apresenta uma tendência à neurose, é porque seu temperamento de vanguarda que assume o risco da preparação das verdades futuras e executa uma grande função no equilíbrio da vida. Se em sua própria emotividade e afetividade, intensas demais, na exaltação da inteligência e da sensibilidade, na moral primorosa, existe algo de ultra-refinado — como da raça aristocrática que, por estar madura demais, agoniza e morre —, socialmente, é um fermento precioso de sensibilidade e atividade, uma centelha de vida entre uma massa de medíocres, onde predomina a inércia, e a vida, que não sabe senão manter-se e reproduzir-se, fechada no ciclo de suas funções animais.

   Esses seres delicados foram e são constrangidos a viver num mundo de todos. Que terrível choque para eles reserva a luta do tipo comum, vazio de escrúpulos e de sensibilidade, que se conduz tão brutalmente! São generosos e honestos, não sabem prostituir a alma todos os dias para obter vantagem imediata, vivem daquilo que o mundo verá somente daqui a milênios e pagam caro sua superioridade. A dor, caminho das grandes ascensões, é sua companhia mais chegada. Neles, a natureza humana, que morre para dar vida ao psiquismo super-humano, sofre o tormento da agonia e, com uma afetuosidade intensa e incompreensível aos normais, implora desesperadamente ajuda, para não morrer. O mundo ri, mas já foi selado pela palavra do Grande entre os grandes: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. O homem, julgado inconsciente! Triste herança a normalidade! Tanto maior é o espírito, mais forte ele sabe bater a dor para sua ascensão. É lei da natureza que as grandes criações sejam filhas das grandes dores; que o processo das criações biológicas mais fecundas, seja mais trabalhoso, mais cheio de esforços. Existe trabalho mais forte que o de vencer a inércia biológica e superar no atavismo o impulso de forças milenares?

   É bem grave, para quem vive neste mundo e com esses labores, ter de acrescentar à luta exterior de todos a tensão dessas grandes guerras interiores, e conter, no centro de si mesmo, não um cérebro aliado e amigo que ajude na conquista material, mas um cérebro com objetivos diferentes; não acompanha, mas agride a vida; transforma-lhe o trabalho, complica-lhe os obstáculos, aumenta o sofrimento, e acrescenta às dificuldades do mundo exterior o enorme peso do drama  interior que por si só, já é suficiente para esmagar o homem. Que tremendo problema se tornará uma vida assim traçada, suspensa entre a luta exterior e a interior, ambas sem tréguas? O deslocamento das aspirações humanas e o emborcamento dos valores comuns isola e vergasta; a realidade sensória insulta o sacrifício; o presente não quer morrer para dar lugar ao amanhã, o corpo para o espírito, o tangível para o imponderável. A construção de uma alma nova exige um grande esforço no deslocamento do eixo da vida e a revalorização de si mesmo num nível mais alto.

   A esse ser, diz a ciência: psicopata. Sem dúvida, existe uma neurose patológica como síndrome clínica mais ou menos evidente, em que se encontra justamente exaltado o tom da dor e da sensibilidade; mas, com muita frequência, a ciência quis incluir nela grande quantidade de fenômenos que pertencem ao supernormal e algumas maravilhosas indenizações da natureza, que sublima espírito e provoca um crescimento gigantesco de manifestações intelectuais no coração de uma psique tormentosa. Desvalorizou desse modo um tipo humano que podia ter uma função na economia da vida social. Com essa incompreensão, a ciência inverteu sua tarefa: valorizar as forças da vida. Grande responsabilidade, para quem fala de cátedra, com autoridade: o não saber ver essas mais altas fases da evolução biológica que, no entanto, é tão corajosamente defendida; o ter compreendido que isto é apenas um fragmento da verdade, só para abaixar o espírito ao nível do corpo e não para elevar o homem à dignidade espiritual.

   Está na hora desse organismo de intelectuais e de conhecimento chamado ciência — se quer ser ciência — assumir a direção consciente deste grande fenômeno, a evolução. Ao invés de perder-se em rivalidades estéreis de domínio, assumir a direção da seleção humana; educar o homem para uma consciência eugenética, criando a qualidade antes da quantidade; subir para a direção inteligente das forças naturais onde reside a premissa da felicidade do indivíduo e da raça.

   Aprendei a compreender a vida como uma imigração que vem do além. Purgando o ambiente espiritual, a Terra se tornará automaticamente inabitável para os seres involuídos; os destinos mais atrozes permanecerão espontaneamente nos mundos inferiores. Indispensável se faz uma profilaxia moral contra tudo o que é coletivamente antivital. Somente uma consciência das distantes vantagens da raça, um altruísmo ponderado e consciente podem atenuar progressivamente a patogênese, que nenhuma tarapêutica a posteriori poderá corrigir. Se a dor pode ser redenção, nem por isso se devem semear suas causas.

   Que a ciência conquiste  o conceito científico de virtude, embeleze-se, e ao mesmo tempo, delineie sua figura racional. Quando o supertipo biológico aparecer esporadicamente, não o considere elemento antivital, mas lhe ajude o transformismo; estenda a mão benévola aos seres que sofrem e lutam sozinhos, para a criação de uma raça nova; valorize esses recursos que podem ser da maior importância para a progressiva domesticação da besta humana, quando não bastarem as religiões e leis para arrancar-lhe a ferocidade. A classe daqueles que pensam, em todos os campos, tem o dever de guiar o mundo, o dever de executar a própria função de central psíquica do organismo coletivo; o dever de tornar-se intérprete da Lei e de indicar o caminho, para que a sociedade e seus dirigentes saibam e sigam. Se não for secundada a explosão das paixões que trazem o bem, a fé e a coragem; se não compreender-se quem guia o homem no áspero caminho de suas ascensões; se não acatar-se tudo o que cimenta a convivência social, que fareis em nome da civilização e do progresso, para que os ideais não sejam sonhos?